Sombras do Passado – Capítulo 23
Capítulo 23: A teoria geralmente é mais fácil que a prática.
” Superar é preciso. Seguir em frente é essencial. Olhar para trás é perda de tempo. Passado se fosse bom era presente. ” (Clarice Lispector)
Não poderia dizer que confiava em Pedro, seria uma idiotice da minha parte, mas com certeza eu estava gostando de estar perto dele. Ele sabia exatamente como me fazer sentir mais leve e sabia me dar aqueles choques de realidade que vira e mexe eu precisava. A cada segundo eu lutava bravamente para me manter de pé, para não chorar, para não sair correndo sem destino e gritar aos quatro ventos que eu queria minha mãe de volta. As duas mães de volta. Satã tirou minha mãe de mim e depois Alexia veio e me tirou minha segunda mãe. Claro que isso não ficaria assim. Em alguns momentos eu sentia vontade de me enfiar em um canto e chorar até não poder mais e em outros momentos eu queria me vingar lentamente de Rodrigo e Alexia. Marcos havia me ensinado há dosar um pouco minhas emoções e não deixar minha raiva me cegar, mas a teoria era bem mais fácil que a prática. Pamela havia me aconselhado a meditar, mas eu achava isso impossível.
Agora eu estava na sala de Pedro, olhando todas aquelas fotos felizes dele com sua família adotiva, emolduradas em lindos porta-retratos. Ouvi passos descendo as escadas.
– Alicia! _ Pedro chamou.
– Estou aqui na sala! _ eu gritei de volta.
Pedro pareceu na porta da sala e sorriu para mim. Agora ele vestia uma camiseta verde clara.
– Está pronta? _ ele perguntou mais sério.
– Sim. _ eu respondi.
– Então vamos. _ ele disse.
Andamos pela casa e saímos pela porta da frente. Entramos no carro, Pedro deu partida e nós saímos. Durante o percurso eu desejei secretamente que não tivesse acontecido nada de mal com Karina e Daiana. Em minha mente isso seria como mais uma morte pesando em minhas costas. Talvez eu não devesse me sentir assim, mas a teoria geralmente era mais fácil que a prática. A verdade é que me sentia como se fosse um liquidificador cheio de emoções e alguém havia acabado de me ligar, então estava tudo uma confusão. A cidade estava parada e triste. Provavelmente todos os que não tinham mais o que fazer devia estar perto da minha casa, especulando e criando teorias bizarras sobre o que havia feito minha casa explodir. O carro parou. Olhei para fora e estávamos em frente á casa de Karina. Eu respirei fundo. Abri a porta do carro e saí. Encarei a casa como se ela estivesse me desafiando. Pedro parou ao meu lado e eu olhei para ele.
– Vamos! _ ele disse.
Eu assenti e nós andamos em direção á casa. A casa de Karina era um pouco menor que a de Pedro. Por fora era pintada com um tom de verde e tinha janelas de vidro.
Paramos em frente à porta e Pedro tocou a campainha. Nós dois estávamos tensos. Alguns instantes depois a porta se abre e Karina aparece. Senti um alivio ao perceber que ela estava bem.
– Pedro! O que aconteceu com você? Está com o rosto machucado. _ ela disse e em seguida olhou para mim. _ quem é ela?
– Oi, Karina! _ eu disse.
– Oi! _ ela disse confusa.
– Karina. Preciso que você fique calma e me escute! _ Pedro disse.
Karina ficou parada olhando de mim para Pedro.
– Estou ouvindo. _ ela disse.
– Antes de qualquer coisa, preciso saber onde está Alicia e Rodrigo? _ ele perguntou.
– Não sei onde Alicia está, mas Rodrigo está lá dentro. _ ela disse apontando para dentro da casa. _ Pedro, o que está acontecendo?
Pedro olhou para mim. Eu decido deixar que ele comandasse a conversa, então assenti para que ele tentasse explicar.
– Você pode vir aqui para fora e fechar a porta? _ ele disse.
Karina franziu o cenho, mas fez o que Pedro pediu.
– Pronto. _ ela disse cruzando os braços.
– Essa Alicia, que voltou com o Rodrigo e que estava esse tempo todo com conosco, não é a verdadeira Alicia. A verdadeira Alicia é esta que está ao meu lado agora. _ Pedro disse sendo direto.
– Que história é essa? _ Karina perguntou confusa.
– Lembra-se de ontem, quando Alicia disse que tinha uma irmã gêmea do mal, chamada Alexia? _ Pedro disse.
– Sim. _ Karina respondeu.
– Essa ao meu lado é a verdadeira Alicia e aquela que esteve esse tempo todo com a gente é a Alexia. _ Pedro disse.
– Como você pode ter tanta certeza? _ Karina perguntou desconfiada.
– Eu sei. Confie em mim, Karina. Eu tenho certeza do que estou falando. _ Pedro disse.
Karina olhou para mim.
– Você está tão diferente. Não pode ser você! _ ela disse. Olhando-me como se eu fosse uma criatura muito rara.
– Sou eu mesma, Karina. Rodrigo e Alexia armaram para mim. Tenho sorte de estar viva. _ eu disse.
– Até sua maneira de falar está diferente. Não pode ser. _ ela disse tocando meu cabelo.
– Você reparou que ultimamente Alicia estava muito interessada em saber o que os guardiões faziam? _ Pedro disse e Karina apenas assentiu. _ Alexia se infiltrou entre nós para coletar informações sobre eles, e provavelmente sobre nós e nossas fraquezas, nossas formas de lutar. _ ele disse.
– Digamos que isso realmente seja verdade, o que vocês vão fazer agora? _ Karina perguntou.
Ela estava aceitando os fatos com mais facilidade que Pedro. Até agora ela nem havia tentado me matar. Foi quando a porta da frente se abriu novamente, e o pequeno sorriso em meu rosto desapareceu no momento em que identifiquei Rodrigo parado na porta. É claro que meu ódio aumentou em duzentos por cento. Minha mente foi parar naquela noite em que ele me deixou para morrer. Aposto que meus olhos estavam brilhando por sede de vingança.
– Quem é essa? _ ele perguntou apontando para mim.
– Tente se lembrar de alguma garota que você deixou para morrer! _ eu disse com raiva. Em dois segundos eu peguei uma de minhas adagas escondidas em minha bota e atirei contra ele, pena que ele conseguiu se esquivar. Ouvi-o sussurrar meu nome em reconhecimento e arregalar os olhos, dizendo algum palavrão em seguida. Andei até ele.
– Quem é essa louca? _ ele perguntou se fazendo de desentendido.
– Louca? _ eu disse e lhe acertei um soco no rosto.
– Espere. _ Karina disse, mas nós dois já havíamos começado a lutar.
– Não. Deixe-a. Ela precisa fazer isso sozinha. _ ouvi Pedro dizer para Karina, enquanto Rodrigo e eu lutávamos.
Eu havia contado para Pedro toda a história do que havia acontecido. Ele sabia que eu estava guardando todo esse ódio dentro de mim e que era uma questão de honra acertar as contas com Rodrigo.
Rodrigo se transformou e eu fiz o mesmo, e nossa luta ficou ainda mais intensa. Acertei vários golpes em Rodrigo e havia conseguido o fazer sangrar, mas ele também havia conseguido acertar alguns golpes em mim. Nós não somos humanos, então não somo tão frágeis quanto eles. É mais difícil nos machucar, mas Rodrigo estava sentindo o quanto eu estava mais forte.
– Eles estão brigando na porta da minha casa. Alguém pode vê-los. _ ouvi Karina dizer.
– Está todo mundo muito ocupado especulando a explosão da casa de Alicia. _ Pedro respondeu.
Ouvi Karina dizer mais alguma coisa, mas não consegui entender o que. Em um descuido de Rodrigo eu peguei outra adaga escondida em minha bota e o ataquei. Minha tentativa foi em vão e eu consegui apenas fazer um corte em seu rosto. Rodrigo me deu uma rasteira e me derrubou no chão. Minha adaga escapou da minha mão e ele subiu em cima de mim, colocando suas mãos em meu pescoço.
– Você deveria ter morrido naquela noite. Estaria descansando em paz agora. _ Rodrigo disse.
– Deveríamos ajuda-la. _ ouvi Karina dizer.
– Não. Ela vai conseguir. _ Pedro disse.
Estiquei meu braço, procurando por minha adaga. Senti meus dedos toca-la. Puxei-a até conseguir empunha-la e afundei-a no peito de Rodrigo bem em cima do coração. Rodrigo arfou e se ajoelhou saindo de cima de mim. Ele estava com os olhos arregalados, e levou as mãos vagarosamente até onde a adaga estava enfiada. Eu me levantei e fiquei de pé em sua frente.
– Você não deveria ter mexido comigo, Rodrigo. Seu merda. Achou que seria simples assim? Achou que mataria a filha de um dos demônios mais poderosos do inferno e ficaria por isso mesmo? _ dei um sorriso amargo. _ você é um incompetente. Nem conseguiu me matar de verdade. Vou dar uma dica para você, quando quiser se livrar de alguém tenha a certeza de que essa pessoa esteja realmente morta, por que se não ela pode voltar para acertar as contas.
Rodrigo me olhava com raiva.
– Você tem certeza disso, Alicia? _ Pedro estava ao meu lado segurando uma pequena espada.
– Tenho. _ eu disse.
Pedro me entregou a espada. Eu a empunhei e me preparei.
– Isso não vai ficar assim. Mesmo que você me mate, Alexia vai acabar com todos os mestiços. E com vocês dois também. _ Rodrigo disse com dificuldade.
– Você também é um mestiço, Rodrigo. Acha que ela não mataria você? _ eu disse.
Ele não respondeu, apenas sorriu. Sem mais delongas eu juntei minhas forças e dei um último golpe, arrancando-lhe a cabeça que caiu no chão e rolou algumas vezes. Seu corpo caiu para o lado.
Queria dizer que senti remorso, que me arrependi, que chorei ou me lamentei, mas nada disso aconteceu. Na verdade eu me senti aliviada. Senti que havia feito o que precisava ser feito. Poderia dizer até mesmo que senti prazer em matá-lo e não conseguia sentir remorso por isso. Não sei o que isso significava. Talvez eu tenha me tornado má, tão má quanto Alexia. Não. Talvez eu apenas tenha acertado as contas com quem merecia. Rodrigo estava morto, e agora eu só teria que espera minha irmãzinha vir querer acertar as contas comigo. Espero que ela ame muito o Rodrigo, por que eu também amava muito minha mãe.