Sombras do Passado – Capítulo 22
Capítulo 22: Fogo!
“O que você tem de diferente é o que você tem de mais bonito”.
Não sei como eu ainda conseguia sorrir depois de tudo o que aconteceu, mas eu conseguia. Depois de esclarecer as coisas com Pedro, nós dois caminhamos pela floresta indo em direção à casa que um dia foi minha. Durante o percurso, Pedro uma vez ou outra me fazia alguma pergunta, ou dizia algo muito idiota que me fazia sorrir. Não sei como ele conseguia, mas eu entendia por que. Era por que, às vezes, nós devemos ser forte mesmo quando nosso coração explode de dor.
Mesmo sentindo uma dor enorme em meu coração, mesmo sabendo que o corpo, daquela que eu considerava minha mãe, estava no andar de cima daquela casa, mesmo assim eu entrei pela porta com a cabeça erguida. Pedro me acompanhava, agora sem sorrisos, sem conversa, apenas um silêncio solidário e respeitoso. Eu não tinha certeza do que faria agora.
Andei pela sala e peguei minha mochila que eu havia deixado ali, em seguida fui em direção às escadas.
– Alicia! _ Pedro disse e segurou meu braço, fazendo com que eu parasse.
– O que? _ eu perguntei me virando para encara-lo.
– O que você vai fazer? _ ele perguntou em voz baixa.
– Vou subir! _ eu disse.
– Para quê? Não tem nada para fazer lá. Você só vai sentir mais dor. _ ele disse.
Penso por um instante e percebo que ele tem razão.
– Tudo bem! _ eu disse. _ mas não sei o que fazer agora! Eu tinha vindo até aqui para buscar minha mãe.
Pedro solta meu braço e pensa por um instante.
– Vamos para minha casa. _ ele disse sem jeito.
– Como é? _ eu disse surpresa.
– Alicia, nós estamos machucados e sujos de lama e de sangue. Nós precisamos tomar um banho, trocar essas roupas e nos recuperar. Enquanto isso você pensa no que quer fazer.
Eu olhei para nós dois e pude perceber que nós estávamos com as roupas sujas de lama e sangue, e estavam rasgadas também. Pedro estava com a boca cortada, entre outras lesões.
– E porque tem que ser na sua casa? _ eu perguntei.
– Você tem um lugar melhor? _ ele perguntou.
Eu pensei por um instante.
– Na verdade, não! _ eu disse.
– Então está decidido. Vamos! _ ele disse já se virando.
– Espere! O que nós faremos quanto a… _ eu apontei para o andar de cima. _ como explicaremos para policia o que aconteceu? _ eu disse e ele se virou novamente para me olhar.
– Não tem como explicar! _ ele disse.
– E então? _ eu perguntei.
Ele pensou.
– Fogo! _ ele disse calmamente.
– Como assim? _ eu franzi o cenho
– Vamos colocar fogo! _ ele disse parecendo prático.
– Na casa? _ eu arregalei os olhos.
– Sim! _ ele disse apenas.
– Você está maluco? Não vou queimar minha casa! _ eu alterei meu tom de voz.
– Você está suja com o sangue de sua própria mãe e o corpo dela está lá em cima mutilado de uma forma inexplicável. Se não queimarmos tudo isso aqui é capaz do FBI aparecer aqui para investigar o que aconteceu e nós dois seremos os principais suspeitos. Alexia vai conseguir destruir o mundo enquanto nós estaremos sendo interrogados incansavelmente. _ ele disse.
– Você é doido! _ eu disse incrédula.
– Não, não sou. Mas você é quem sabe. _ ele disse.
Eu o encarei. Não posso queimar minha casa. Mas como explicaria essa situação? Nós perderíamos muito tempo se a policia nos investigasse como suspeitos de um crime. O que Marcos faria se estivesse aqui?
– Não posso queimar essa casa! _ eu encarei o chão.
– Não precisa. Eu posso cuidar disso para você. _ ele disse.
– Não! _ eu disse olhando em seus olhos.
– Alicia, nós estamos perdendo tempo. _ ele disse.
– Pedro… _ ele me interrompeu colocando um dedo em minha boca para que me calasse e em seguida acariciou meu rosto, passando os dedos de leve sobre minha bochecha.
– Quero que você vá lá para fora e me espere dentro do carro. _ ele disse pegando minha mão e colocando uma chave na palma dela. _ cuide para que ninguém veja você. Eu cuido do resto.
Eu o encarei. Meus olhos se encheram d’água. Eu queria chorar, mas não chorei. Segurei a chave e assenti, não era hora de ser fraca. Minha mãe havia morrido, mas eu salvaria o mundo dos mestiços. Alexia não ganharia essa guerra. Andei até a porta da frente e a abri bem devagar, olhando por toda a rua da minha casa para saber se teria alguém por perto. Minha casa era uma das ultimas da rua e era um pouco afastada das outras, tanto é que a floresta ficava logo aos fundos dela. Não tinha ninguém por perto e o carro estava estacionado do outro lado da rua. Um Hyundai ix35 cor preta. Andei rapidamente até o carro destravei e entrei no bando do passageiro.
A rua estava vazia e eu fiquei dentro do carro esperando por Pedro. Algum tempo depois ele saiu pela porta da frente de minha casa olhando para os lados. Ele andou até o carro e entrou.
– Preciso das chaves! _ ele disse estendendo a mão para mim.
Eu entreguei a chave para ele. Olhei para casa esperando ver qualquer indicio de fogo, mas não havia nada.
Pedro ligou o carro e saímos. Assim que viramos a esquina ouvimos u estrondo, como uma explosão.
– Explodiu minha casa? _ eu perguntei.
– Desculpe. _ ele disse.
Então decidi ficar calada. Já estava feito e não havia mais como voltar atrás. Pedro dirigiu até sua casa, estacionando na garagem fechada. A casa dele era grande, com dois andares, pintada por fora com a cor creme. Andamos até a porta da frente. Pedro a abriu e me convidou para entrar. Por dentro a casa era bem aconchegante, com móveis simples e paredes cor creme. Pedro me levou até o andar de cima pelas escadas com corrimão de madeira, no andar de cima ele me levou até um dos quartos.
– Espero que você não se importe de ficar em meu quarto! _ ele disse enquanto entrávamos no quarto grande, com uma cama de casal forrada com um lençol branco, um guarda roupas grande cor cinza, um criado mudo ao lado da cama, e paredes pintadas de azul claro.
– Por que tenho que ficar em seu quarto? Vocês não tem quarto de hóspedes? _ eu perguntei.
– Temos três, mas um é o escritório do meu pai, o outro é escritório da minha mãe e o outro uma pequena biblioteca. Nós nunca recebemos visitas. _ ele disse.
– Tudo bem. E onde estão seus pais? _ eu perguntei.
– Eles foram viajar para uma reunião dos guardiões, não sei bem do que se trata. _ ele disse. _ a porta aqui da frente é o banheiro. Você pode ficar à vontade. _ ele sorriu.
– Obrigada. _ eu disse.
Então ouvimos ao longe o barulho de uma sirene. Deviam ser os bombeiros da cidade vizinha. Nossa cidade é muito pequena e não possui seus próprios bombeiros. Quando acontece algo que necessite do auxilio deles, os bombeiros da cidade vizinha são chamados, mas é muito raro acontecer algo que necessite de ajuda de fora. Eu sabia apenas de uma única vez que foi preciso chamá-los. Eu tinha dez anos quando uma casa a um quarteirão da minha desabou e foi preciso chamar os bombeiros para tentar achar os corpos da família. Lembro-me de ter sentido uma tristeza enorme pelo ocorrido.
Pedro havia explodido minha casa e com certeza os bombeiros foram chamados para conter o fogo. Logo a cidade toda saberia o que havia acontecido.
Seria melhor contar a verdade para meus amigos antes que comecem a especular e acabem achando que eu sou Alexia, assim como Pedro também havia pensado.
– Você vai ficar bem? _ Pedro estava logo a minha frente me observando.
– Vou sim! _ dei um sorriso triste. _ acha que é seguro eu falar pessoalmente com Karina e Daiana?
– Não. Seguro não é. Mas eu posso ligar para elas e pedir para elas virem até aqui. _ ele sugeriu. _ eu posso conversar com elas e preparar o terreno e depois você aparece. O que acha?
– Por mim tudo bem! _ eu disse.
Pedro assentiu e saiu do quarto. Depois de tomar banho, trocar de roupa e me arrumar, eu me sentei na cama de Pedro e o esperei. Após alguns instantes ele entrou no quarto vestindo uma calça jeans azul escuro, chinelos brancos e sem camisa com uma toalha azul pendura no pescoço.
Por que não basta à pessoa ser bonita e musculosa, ela também tem que ficar desfilando sem camisa na sua frente.
– Não estou conseguindo falar com Karina. _ ele disse preocupado.
– Acha que aconteceu alguma coisa? _ eu perguntei.
– Não sei. Se Alexia fez aquilo com sua mãe, não sei do que ela pode ser capaz. _ ele disse.
– O que faremos agora? _ eu perguntei.
– Eu vou até a casa dela! _ ele disse andando em direção ao seu guarda roupas, provavelmente para escolher uma camiseta.
– Eu vou com você! _ eu disse.
Ele se virou para mim e abriu a boca como se para protestar, mas o interrompi.
– Não precisa nem se dar ao trabalho de tentar me impedir. Eu disse que vou porque eu vou e ponto. Agora vá vestir uma camisa e trate de pegar alguma arma. Nós vamos precisar. _ eu disse determinada e ele levantou as sobrancelhas, surpreso.
– Eu não ia tentar te impedir. Sei que você é forte, determinada e sabe se cuidar. Inclusive acho que vou precisar de você. _ ele disse.
– Ótimo. _ eu dei um sorriso. _ Vou esperar você lá em baixo. _ eu disse e saí do quarto.
Desci as escadas dando um pequeno sorriso. Pedro não me via como uma princesa em apuros, ele acreditava que eu era capaz. Por um momento senti tristeza por não ter me tornado amiga dele antes, mas acredito que agora, lutando juntos, talvez nós possamos recuperar todo esse tempo perdido. Talvez.