Quem é você – DEDO PODRE
Havia alguns dias que Guido havia se mudado para belo Horizonte, para trabalhar em uma editora. Tímido, ele tinha dificuldades em conseguir falar com as mulheres cara a cara. Ele se lembra da sétima série, quando ficou afim de uma menina da sexta. Ele sabia que ela também estava interessada, mas como se aproximar? Ficava mudo, fazia caras e bocas, suava, perdia o jogo das pernas, tudo de mais constrangedor acontecia quando ele ficava frente a frente com uma menina. E essa, da escola, também ficava lhe espiando com aqueles olhinhos pidões, chamando-o. E cochichava com a amiga de classe, falando sobre Guido, obviamente de como ele era frouxo e não se aproximava nunca. O fato é que ambos passaram todos os nove meses de aula, um olhando para o outro, sem que absolutamente nada acontecesse. Por isso, até então, Guido tinha tido poucas namoradas, e virgindade mesmo, só perdera aos 19 anos, de uma forma tão traumática, que isso é assunto para outra narrativa.
Mas deu-se, muito bom em artes gráficas, foi morar em Belo Horizonte para trabalhar em uma editora. E antes de ir, ele conversava pela internet com uma garota chamada Sheila. Sheila havia lhe mandado via e-mail apenas uma fotografia de rosto, e que certamente não lhe fazia justiça. E por vezes, essa Sheila sumia, e ficava dois, três, e até quatro dias desaparecida, e depois aparecia, como se nada tivesse acontecido. Contudo, agora estava bem fácil. Ele morava em Belo Horizonte, ela em Sete Lagoas, e depois de vários meses se falando, resolveram se encontrar, e se falar pela primeira vez, e quem sabe daí, surgir um grande amor.
E lá estava ele no Shopping, tenso. A ansiedade e pessoa. Tremia, andava de lá pra cá, suava, tinha borboletas no estômago, e até dor de barriga.
Assim, Guido se sentou na praça de alimentação do Shopping, esperando a sua “amiga”, com as mãos entre as pernas, tentando controlar o nervosismo, quando finalmente, cruzando a esquina da praça de alimentação, surge uma garota maravilhosa, alta e com os cabelos esvoaçantes, parecendo uma propaganda de chocolate. Ela vinha sorrindo, e com os braços aberto. Ele mal pode acreditar na sorte grande que havia tirado. Com certeza a fotografia era de uma qualidade muito ruim, pois a moça que vinha lhe sorrindo era completamente diferente. Ou então, ela quis parecer mais feia, para ver quais eram as suas intenções.
Então, diante daquela atitude da Sheila, Guido também se levantou, e abriu os braços para receber a sua futura namorada, já com um grande e apertado abraço, para quebrar o gelo inicial. Quem sabe lhe daria um beijo também? Isso! Um beijo que certamente lhe esgotaria toda a pressão e a timidez do primeiro impacto. E quando a moça se aproximou, ele abriu mais ainda os braços, mas desventuradamente, ela passa por ele, como se fora uma sombra sem qualquer importância, e se apressa em abraçar um rapaz que estava logo atrás. Vergonha era pouco. Ele queria enfiar a cabeça em qualquer outro buraco que achasse. Como poderia confundir assim? Pensando bem, aquela moça em nada se parecia com a Sheila da fotografia.
E enquanto ele tinha seus devaneios de raiva e constrangimento, nem percebeu atrás dele a presença de uma garota baixinha e meio gordinha, que havia se aproximado furtivamente, segurando um livro do Mário Quintana.
–Guido?
Ouvir seu nome foi como uma explosão. Talvez a moça tivesse confundido o rapaz que estava atrás, e finalmente se dera conta do equívoco que havia cometido, e retornara para fazer justiça aos seus anseios. Mas quando ele se virou, ainda podia vê-la beijando o outro rapaz. Bom, se ela tivesse se confundido, confundiu demais, pois ainda estavam atracados. Mas não! Não havia equívoco, pois ele ouviu novamente:
–Guido, é você?
E quando olhou para baixo, viu finalmente a moça que lhe estava destinado. Devia ter pouco mais de um metro e meio. Era bonita de rosto, gordinha, e com uns seios enormes, a saltar em um generoso decote. Ela lhe sorria gostosamente, mas ele não parava de olhar aqueles seios maravilhosos, como que aprisionado no tempo.
–Oi, eu estou aqui! – Ela lhe chamou a atenção, lhe acordado do seu sonho de “mamífero”.
–Oi… –Guido disse sorrindo, sem graça.
–Oi…–Ela responde.
–Oi… –Guido, mais uma vez.
–Nossa, você é mais bonito ainda do que na foto. –Disse ela, com uma sensual voz rouca, quase sibilante.
–E você é… bonita.
Eles se abraçaram, e iniciou-se então aquele constrangedor silêncio das pessoas tímidas, onde parece que o mundo todo se cala, e a única coisa que ele podia ouvir eram os batimentos do seu coração, e quando muito, a respiração da sua amiga. O problema do tímido é que ele não fala, e quando fala, sai merda.
–Então… fala… –Disse Sheila.
–O que?
–Qualquer coisa! Você é tão falante na internet, aqui você está caladinho. Se decepcionou, não foi? Está me achando feia…
–Não! De maneira nenhuma. Você é linda. –Isso saiu quase inaudível.
–Heim?
–Linda… você é…
–Ah, obrigada.
Ela sorriu mais uma vez e lhe entregou o livro de presente. “Caderno H” do Mário Quintana.
–Fez uma boa viagem? –Ela perguntou.
–Eu moro aqui, você que viajou.
–Eu quis dizer: eu fiz uma boa viagem.(riso)
Grato pelo livro, ele a abraçou, e foram se sentar. Assim, a conversa começou a fluir, até que Guido, juntando todas as forças do universo, pegou a sua mão. O coração quase saiu pela cavidade bucal. Ele deve ter feito força engoli-lo de volta para o peito umas quatro vezes.
–E então, o que vamos fazer depois? – Ela pergunta.
–Motel! – Guido responde miseravelmente isso, que foi a primeira coisa que lhe veio à cabeça.
–Heim?!
–Eu disse motel?! –Sua face ficou em brasa de vergonha – Eu quis dizer: transar! Quer dizer, não, eu… eu seria incapaz…
–Você e broxa?! – Sheila arregalou os olhos.
–Não, eu estou falando que…
Sheila tomou a iniciativa e lhe agarrou. E foi um beijo longo, e delicioso. Mas, súbito, Sheila interrompe o intercurso, e arregala ainda mais os olhos e a sua face fica lívida.
–Está acontecendo alguma coisa?
–Quem é você? –Perguntou ela.
–Como assim? Sou Guido!
–Quem é Guido? Onde eu estou?
–Calma! A gente se fala na net tem um tempão…
–Me solta, tarado! Socorro!
Sabe aquela vontade de sair correndo e deixar aquela maluca ali? Era o que ele sentia. Uma sensação de desamparo sem igual. Que loucura era aquela?
O guarda do shopping se aproximou, e Guido tentava se defender:
–Calma, ela é minha namorada!
–Como namorada? Eu nem te conheço?
O guarda o agarrou pelo braço, e passou a arrastá-lo sabe-se lá para onde, e Guido gritava:
–Sheila, pelo amor de Deus, lembre de mim. Eu sou broxa, lembra?
O guarda não sabia se ria ou se continuava com o seu trabalho. Foi quando Guido ergueu o livro.
–Veja, Mário Quintana. Você que me deu…
–Eu gosto do Mário Quintana…
E aí, foi como um sino na cabeça da garota, que logo se lembrou e gritou:
–Larga meu namorado!
O guarda o largou.
–Então estamos namorando?
–Sim! –Fez ela.
–Sim? –Guido quis confirmar.
–Sim… quer dizer, não…
–Não?
–Ainda não!
–Sim ou não?
–Não!
O guarda mais uma vez o agarrou e voltou a rebocá-lo para fora.
–Seu guarda! Solta ele, é o meu namorado sim.
O guarda o soltou, e meneou negativamente a cabeça, deixando os dois pombinhos, que correram um em direção ao outro, se beijando novamente.
–Motel então? –Perguntou Sheila.
E mais tarde, estavam ambos em um motel, no centro de Belo Horizonte, fazendo aquilo que a natureza ensina muito bem, até que ela puxa o cobertor, ambos nús, em pleno coito, quando seus olhos se arregalam mais uma vez:
–Quem é você?