Séries de Web
Como Nossos Pais

Primeiro Capítulo – Como Nossos Pais

Capítulo 1

Cena 1. Avenida Brasil. Rio de Janeiro. Ext. Noite

A câmera foca em inúmeras pessoas se locomovendo normalmente, até que, alguns disparos se ouvem, ocasionando em uma correria abrupta de cada um que estava ali presente, o som se silencia e a canção “Cálice´´ de Gilberto Gil e Chico Buarque se esvaia pelo ar em meio àquela catástrofe que era perceptível para cada um. Os soldados sanguinários atiravam para todos os lados, atingindo à toda massa social, sem se importarem com a cor, com a raça, com a classe social ou com a situação financeira que cada um poderia ter, o que lhe importavam era assassinar e banhar a avenida com o sangue dos inocentes.

A cena se escurece.

Cena 2. Mansão da família Albuquerque. Cozinha. Int. Noite

A câmera foca em um casal de meia-idade jantando, o único ruído que se ouvia era o dos talheres que levava o alimento à boca de ambos, cansado do silêncio, o anfitrião toma frente e inicia um dito.

General: Que silêncio ensurdecedor é esse? O que há contigo?

Dinorah: Quem causaste esse silêncio foi tu mesmo, afinal, não tenho nada à professar à um ser tão desprezível como você.

General: Será que não entendes que faço isso por obrigação? Fui obrigado pelos ditadores para esses acontecimentos.

Dinorah: E porque não retrucastes contra essa decisão?

General: Realmente achas que não retruquei? Muitos e muitos tentaram evitar esse desastre, mas foi aceito e não poderíamos fazer nada à não ser obedecer aos ditadores.

Dinorah: És um frouxo, nunca honrastes a vossa família e só serve para acoitar esses marginais.

O general desfere uma bofetada no rosto de Dinorah, que no mesmo momento posiciona sua mão sobre o local afetado.

General: Me respeite! Sou um homem íntegro e não podes desprezar-me.

Dinorah: Perdoe-me, meu marido, me equivoquei, mas não posso deixar minha indignação de lado, tenho que expor meu desprezo para esse massacre.

General: Não sei, por que, estás tão aflita, afinal, és tão religiosa e sabes bem que todos os padres, bispos e frades se aliaram à ditadura.

Dinorah: Ambos são uns inescrupulosos e prepotentes, sem compromisso algum com a Bíblia ou com qualquer outro pergaminho e só preocupam com os bens que ganhariam com essa catástrofe.

General: É, deve ser mesmo, agora me diga onde está nosso filho, não o vi pela manhã, nem pela tarde.

Dinorah: Creio que está na avenida Brasil ao lado dos revolucionários.

General: O quê?

O general se revolta.

Cena 3. Mansão da família De La Fontaine. Sala de Estar. Int. Noite

Uma mulher de meia-idade e uma jovem estão sentadas no sofá assistindo televisão, até que, um homem uniformizado com um roupão branco adentra-se no local e é recepcionado pelas duas que se levantam rapidamente para saudá-lo.

Adelaide: Meu amor! Que bom que chegastes, já estava preocupado contigo.

Dr. Mathias: Não precisa se preocupar, temos que comemorar.

Heloísa: comemorar o que? Não há motivos para comemoração, sendo que o que se vê lá embaixo é uma desgraça de grandes proporções.

Dr. Mathias: E é por causa dessa tal desgraça que comemoraremos.

Adelaide: Não me diga que…

Dr. Mathias (Interrompendo): Sim, hoje mais de 200 pacientes foram hospitalizados.

Adelaide (Ri): Que notícia excelente! Agora sim, temos um grande motivo para comemorar.

Heloísa olha com desprezo para os pais.

Heloísa: Onde está a integridade de vocês, hein?

Dr. Mathias (Sarcasticamente): O que é isso? É de comer?

Adelaide e o Dr. Mathias riem escrachadamente, enquanto, Heloísa os observa com total despretensão.

Heloísa: Eu não consigo entender, como vocês ficam rindo da desgraça dos outros dessa maneira.

Adelaide: Isso é uma questão de raciocínio, minha filha, Ou nós aproveitamos esse massacre para adquirir dinheiro e nos mantermos na alta sociedade, Ou nós abandonamos nosso luxo, vamos à falência e por fim, nos unimos à um bando de revolucionários cafonas e vamos morar debaixo de uma ponte, comendo farofa.

Heloísa: Que drama! Ah quer saber? Eu vou é dormir.

Adelaide: E você não vai assistir à novela não? É hoje que Maria Helena reencontrará Albertinho.

Heloísa: Não tenho paciência de ficar assistindo novela na situação precária em que nosso país se encontra.

Dr. Mathias: Ah vai mesmo, estou cansado de seus sermões.

Heloísa se ajoelha e seu pai toca em sua cabeça, dando-lhe sua benção, essa se levanta e segue para seu quarto.

Adelaide: Agora, me diga, Mathias, de quem ela puxou essa sonsice?

Dr. Mathias: Vai saber, mas já que ela saiu, vamos aproveitar.

Adelaide: Aproveitar, o quê, hein?

Dr. Mathias olha maliciosamente para a esposa.

Dr. Mathias: ah, você vai saber.

Adelaide ri e ele a abraça.

Cena 4. Mansão da família Albuquerque. Cozinha. Int. Noite

General: Como você permitiu que nosso filho se arriscasse dessa maneira?

Dinorah: Não pude evitar, ele já tem maioridade e não posso lhe impor limites.

General: Você permitiu por gostar que ele se una àqueles imbecis, deseja Vê-lo num caixão?

Dinorah: Que bom que reconheces que a ditadura é um mal, não um atrativo econômico.

General: Quando esse sujeito chegar, ele me paga.

Um ruído de porta é ouvido e ambos deduzem ser o filho.

Dinorah: Olha lá, deve ser ele.

Os passos se aproximam rapidamente da cozinha, até que, enfim, um jovem se adentra no local.

Reynaldo: Ora, ora, ora, se não é o meu pai à essa hora da noite em casa. O que aconteceu? O general percebeu que estava muito desligado da família e decidiu dar folga dos massacres?

General (Enfurecido): Chega de picuinhas e deboches, e me responda de uma vez, onde estar seus neurônios.

Reynaldo: Para de incógnitas e decifre tudo o que foi dito.

General: Ah você não me entendeu? Aonde está sua cabeça ao se unir à esses revolucionários?

Reynaldo: Ah pai, preciso expor minhas insatisfações.

General: Pense bem, esses vândalos só saem prejudicados em todas as situações e são as maiores vítimas dos ditadores.

Reynaldo: Que absurdo! Devia me agradecer por estar envolto à esses revolucionários que tanto lutam por seus ideais.

General: Larga de idiotice! Não tenho paciência contigo e pensando nisso, te darei um ultimato: Ou você larga esses revolucionários e se submete à obedecer-me, Ou serei obrigado à pôr-te na rua, a decisão é sua.

Dinorah: Pelo amor de Deus, não toma uma decisão precipitada, Reynaldo.

Reynaldo: Ah minha mãe, se for por minha liberdade, eu me arrisco.

General: E então? Já decidiu?

Reynaldo: Sim, prefiro ser posto na rua do que ser teu prisioneiro.

General: Pois bem, pode sair de minha casa.

Dinorah chora intensamente.

Dinorah: Não, por favor, não permita isso, Donato.

General: Não posso forçá-lo à nada, Dinorah.

Reynaldo: Chega de lamúrias, minha mãe, desejo mostrar meu lado íntegro ao povo dessa cidade através de minhas manifestações e assim, marcar pra sempre esse país corrupto em que vivemos.

General: você só vai ficar marcado na nossa memória, afinal, serás mais um à perder a vida, por causa de um perrengue besta.

Reynaldo: Perrengue nada. Se não tens coragem de exercer seu cargo de cidadão, não me impeça de exercer o meu.

General: Quer saber? Saia de uma vez daqui, te aconselhei muito e sabes o caminho em que deve andar, se não desejas segui-lo, não tenho a obrigação de aguentar suas ofensas.

Reynaldo: Então, adeus!

Reynaldo estava saindo e escuta o gemido de dor de Dinorah.

Dinorah: Não vá, meu filho, não vá.

Dinorah chorava intensamente, suas lágrimas caiam de seu rosto, mas saia de sua alma, os olhos se inchavam e seus lábios lacrimejavam.

Reynaldo: aceite de uma vez a minha saída ou sofrerás ainda mais.

Reynaldo se redireciona, abraça Dinorah e sai dali, ocasionando num equívoco de Dinorah, ao qual, se joga no chão, o general ao presenciar a cena se afasta da esposa.

Dinorah: Aonde, você vai?

General: Ora, vou deitar, tenho que estar disposto para o longo dia de trabalho que enfrentarei amanhã.

Dinorah: Frívolo! Maldito! Não percebes o mal que fez?

General: O que você quer que eu faça? Minhas decisões são imutáveis e odeio chorar em cima do leite derramado.

Dinorah: Pelo menos demonstre que ainda há alguma humanidade dentro de você.

General: Nem pense que vou ficar chorando ao seu lado, afinal, chorar não trará o nosso filho de volta, trará?

Dinorah: Eu te odeio, Donato.

General: Boa noite, amor.

O general sai dali e Dinorah chora escandalosamente em meio ao marasmo que se encontra ali.

Cena 5. Avenida Brasil. Rio de Janeiro. Ext. Noite.

Reynaldo caminhava pela calçada e se deparava com o sangue derramado pela avenida, o cinza de outrora se tornara um vermelho-escuro e a imagem adentrava na cabeça de Reynaldo, trazendo para si, uma emoção sem fim, lágrimas esbanjavam-se em seu rosto e em um ato impensado, Reynaldo se joga em meio à poça de sangue e se banha ali.

Reynaldo(Gritando): Deus! Será que não vê           s esse massacre? Não sentes a dor dos aflitos? Desprezas os inocentes e acoita os inescrupulosos? Eu não aceito essa injustiça, não aceito.

O grito estridente se esvaia pelo ar, parecia que Deus havia ouvido a petição de Reynaldo e um forte relâmpago inundava o céu limpo, o choro dele se findava e um forte soluço de temor adentrava em seu ser, até que, um homem se aproximava abruptamente e aos poucos sua feição mostrava-se conhecida.

Thiago: Por que estás se banhando nesse sangue imundo?

Reynaldo: Não menospreze o sangue desses indivíduos. Fico feliz que esteja aqui, precisava mesmo dizer-te que sair de casa e me unirei aos revolucionários de vez.

Thiago: O que? Saiu da barra da saia da mãe?

Reynaldo: Sim, mas o que preciso agora é que dei-me uma tinta, preciso expor meu rancor nesses muros.

Thiago: Venha, levante-se daí, pois, há um bando de pichadores ali.

Reynaldo: Leve-me até lá.

Reynaldo se levanta apoiado em Thiago e segue-o até o local, onde os pichadores estavam, Reynaldo acena para cada um e pega uma tinta comprimida e inicia sua pichação, “Deus lhe Pague´´ de Elis Regina toma conta da cena e é o único som que se ouve ao fundo, até uma sirene de polícia invadi o subconsciente de cada um dos revolucionários, dois carros cercam o local e muitos homens uniformizados com camisas cinza-esverdeadas se aproximam deles, ambos tentam correr, mas acabam sendo presos e postos no fundo do carro.

Reynaldo (Sussurrando): O que será de nós?

Um soldado desfere uma bofetada no rosto de Reynaldo.

Soldado: Cale a boca e só fales quando lhe for propício. Prepare-se para sofrer vândalo infeliz, o galpão será seu último destino.

O soldado ri escrachadamente, enquanto, fecha o capô do carro.

Cena 6. Galpão. Int./Ext. Madrugada

Os dois carros param em frente ao galpão, os soldados descem e abrem o capô do carro, os revolucionários descem de lá e são levados para o galpão, se deparando com o General-mor sentado numa poltrona.

Soldado: Aqui estão os vândalos que estavam pichando os muros da cidade.

O general-mor se levanta da poltrona e se aproxima dos revolucionários, admirando-os.

General Fernão: Então, são esses indigentes que estavam causando na cidade maravilhosa? Vocês são frouxos demais, soldados. Que vergonha!

Soldado: Não humilhe-nos na frente desses mequetrefes, nos sentiremos envergonhados.

General Fernão (Voz Altiva): Não pedi a sua mísera opinião, então, cale-se.

Soldado: Perdoe-me senhor.

General Fernão: Voltem para as avenidas, soldados, esses vândalos podem ter outros componentes espalhados por aí.

Soldados (Todos juntos): Sim, senhor.

General Fernão: Evitem a bagunça, odeio receber reclamações de meus superiores.

Soldados (Todos Juntos): Sim, senhor.

General Fernão: Saiam daqui.

Os soldados saem dali e o General Fernão tranca a porta do galpão, se redirecionando aos revolucionários que estão de cabeça baixa.

General Fernão: Agora, que estamos sozinhos, posso aplicar as correções devidas à cada um de vocês. Para iniciar, tirem vossas roupas.

Os revolucionários se recusam com a cabeça, acenando negativamente.

General Fernão: Se não obedecerem minha ordem imediatamente, amputarei o órgão genital de vós. Creio que não querem se livrar de seu amigão, não é?

Os revolucionários obedecem à ordem e tiram, ficando despidos, o General Fernão se mostra excitado, mas se firma.

General Fernão: Percebo que ambos se sentem envergonhados, mas quem mandou enfrentar o governo? Atos impensados trazem consequências negativas, sabiam?

O general se aproxima de um tanque de água quente e retira de lá uma toalha molhada, deixando-os perplexos e apreensivos.

General Fernão: Sabem o que farei? Irei mutilar os ossos de vocês.

O General Fernão ri cinicamente e desfere aquela toalha sobre Reynaldo, à cada desferida, saia uma pelezinha de suas costas, muito sangue derramava sob o chão, a dor era bastante intensa, Reynaldo tremia e suas mãos suavam, os gritos eram inevitáveis, mas o General Fernão nem se importava, afinal, já tinha feito coisas piores naquele lugar, após toda a mutilação em Reynaldo, o general Fernão torturava de um a um e causava agonia em Reynaldo que presenciava tudo.

General Fernão: Terminei o primeiro castigo e percebo que ambos são fortes o suficiente para aguentar coisas piores.

O general Fernão tira o cinto da calça e os vândalos estranham.

General Fernão: Agora, sentiram a pior dor de vossas vidas, a dor da ejaculação.

O general Fernão morde os lábios, enquanto admira os dorsos nus dos revolucionários.

A cena se escurece…

Cena 7. Mansão da família Albuquerque. Quarto/ Sala de Estar. Madrugada

O General Donato tentava dormir, porém, os soluços altivos da esposa, impedia-o.

General: Até quando chorarás? Não percebes que está atrapalhando meu sono?

Dinorah: Se estivesses sentindo o mesmo que eu, entenderia meu choro e apoiaria à mim.

General: O que fiz dói muito em mim, mas consigo enfrentar essa dor, sem atingir ninguém, tampouco impedir o sono de quem precisa acordar disposto.

Dinorah: Não tente comparar meu sofrimento ao seu. A frieza já se adequou à ti e não sairá, enquanto, haver esse abismo entre nós.

General: Chega! Estou cansado de suas tolices. Irei deitar-me no sofá, assim, poderei descansar tranquilamente.

O General se levanta da cama e segue para a sala de estar, porém, quando ia deitar-se, houve um ruído na porta, ele se direciona à porta e abre-a se deparando com um soldado.

Soldado: Perdoe-me pelo incômodo.

General: O que viestes fazer aqui?

Soldado: Vim noticiar que vosso filho, Reynaldo, está apreendido no galpão que pertence à ditadura militar por vandalismo.

Dinorah se aproxima da porta e se desespera.

Dinorah (Grita): Não!

A cena se congela no desespero de Dinorah.

CONTINUA…

 

 

 

 

 

 

Deixe um comentário

Séries de Web