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Ordinários

Ordinários – Capítulo 9

Quésia

Eu acordei… Sei lá. Hebrom poderia estar apenas sendo educado comigo, assim como ele é educado com todo mundo. Ele deve estar tentando não deixar a aluna nova sozinha. Ou talvez ele só quisesse melhorar as notas em Português mesmo. Ou talvez ainda eu deva parar de me inquietar tanto.

Levantei por vontade própria. Mas foi só pra me livrar da brisa que congelava meu nariz. Eu passei a noite assim, porque estava… Bem… Com sono de mais pra fechar a janela. Saí tonta e cambaleando pelas escadas.

–Bom dia. –Edgar me cumprimentou.

Com sono de mais pra responder. Deitei no sofá, voltei a dormir e exploda-se a lógica.

–Tá na hora de ir pra escola. –meu irmão me sacudiu e eu mal tinha piscado.

–Posso faltar?

–Não. Eu não pago essa bagaça e perco o tempo que eu poderia estar usando pra trabalho te levando lá pra você faltar.

–Eu não te bedi nada disso. –minha voz estava anormal.

–Acontece que se eu não fizer, vou pra cadeia. Então vai se arrumar pra ser alguém na vida.

–Eu já sou.

–Eu quis dizer alguém decente.

Fui até o banheiro resmungando. Meu corpo estava mole. Comecei a espirrar e quase bati a cabeça na pia. Ah, perfeito. Levei um susto quando olhei no espelho… Estou resfriada. Isso é tão nostálgico. De qualquer forma, eu me arrumei. Estava muito frio. Nem o meu casaco e cachecol de lã estava resolvendo.

–Pronta? –meu irmão estava atrás da porta.

–Aham…

–Então sai daí. –quando eu fiz o que Edgar mandou, ele tomou um susto. –O que aconteceu com você? Pensei que fosse aquela sua cara de mau humor de quando acorda, mas tá pior do que eu imaginei. E essa roupa toda aí? Parece um rocambole.

–Acho que tô resbriada.

–Uh, que peninha, agora entra lá no carro. Eu não vou cair nessa.

Bas é sério!

–Você atua bem, deveria entrar no clube de teatro da sua escola. –a criatura me puxou pra fora de casa.

Fiquei enfezada a ida inteira. Se eu não quisesse ir ao colégio (eu admito que não queira, mas isso é outra coisa) eu arranjaria outro jeito de embromar. Tô entusiasmada pra chegar à escola, infectar todo mundo e colocar a culpa no Cortês.

–Boa aula, e “bê” se “bara” de “brescura”. –ele tirou sarro (nada incomum) e me expulsou do carro.

Eu teria voltado para casa a pé, só faltava saber o caminho.

–Quésia! –era Salamander (tipo, óbvio, ninguém mais na escola faz isso sem querer algo em troca), acho que ele ia me abraçar, mas parou e me analisou. Eu fiquei vermelha só de ficar perto dele.

–Oi… –honestamente, eu fiquei com medo de ser criticada.

–O que houve contigo? Seu nariz tá vermelho.

É, pois é. Sim. Vermelho. Assim como o resto da minha cara.

–Tô doente. –me esforcei pra minha voz ficar como de costume.

–Então por que veio para a escola?

Beu irbão be obrigou. –mission failed.

–Quer ir à enfermaria?

–Não, eu consigo sobrebiber.

–Sua voz tá gozada. –ele deu um sorrisinho. Não queria me chatear, mas chateou.

Bocê não tem tanta boral bra balar isso.

–Verdade. A maioria que me conhece pergunta se eu sou “gringo”. Mas eu não sou hispano-americano e isso me deixa confuso…

–Hm…

–Acho que você fica melhor se assoar o nariz, darling.

Fomos pra sala. “Bortuguês”, pra deixar o dia mais emocionante. E adivinha? Ela mandou cada um dos alunos ler um parágrafo do livro paradidático. Na minha vez…

Leia logo, menina! –a bruxa gritava comigo. Eu balançava a cabeça em negação. –Vai perder os pontos de conceito! –dei os ombros. –Chega de brincar! –me segurou pelo braço e me deixou de pé na frente de todos os alunos. –Leia agora!

–Não, obrigada. –ia voltar ao meu lugar, mas ela me segurou pelo cachecol, quase me enforcando. Até Hebrom leria melhor que eu naquele estado.

Vai ler! Não foi um pedido, foi uma ordem! E se você não ler, vou zerar aquele teste! Não foi uma ameaça, foi uma promessa! –deu o livro na minha mão.

Entrou um garoto loiro com uma pinta perto do olho direito na sala. Cortou o espetáculo que a professora-dragão fazia.

–Quem é você? –ela questionou, com o tom estressado de sempre.

–Francisco Álvaro Dewei Van Raitz… Eu era de outra sala, mas a diretora insistiu em me transferir.

O rosto dele me lembrava a Ágata… O sobrenome também, é claro.

–Você é Dewei? Ah, me desculpe pela grosseria. Pode sentar. –Ela sorriu. Gente, ela sorriu! Quando eu vi, me engasguei com a minha própria saliva.

–Falou. –o garoto ficou na carteira atrás da minha.

A professora de Português olhou o relógio e me empurrou dizendo “Volte ao seu lugar”. A aula dela acabou. Por um triz eu não sou humilhada em público de novo (se você não considerar o que acabou de acontecer como uma humilhação).

Aula de História. Crise de espirros. O tal do Francisco me cutucou e perguntou se estava tudo bem.

Bais ou benos. Eu tô doente. –respondi esperando bullying.

–E aquela mulher queria te obrigar a ler na frente de todo mundo? Que mocreia.

–É… O que bocê bez bra ela sorrir daquele jeito?

–Também queria saber. Devem ter dito que eu sou bom em Literatura. Só que é ao contrário. Eu tenho alguns colegas nessa sala. Aposto que disseram isso a ela pra eu me ferrar depois.

–Grandes abigos, hein?

–Há, os melhores! Amigo que não zoa o outro não é amigo.

Eu ri, mas só por educação. Judi nunca me zoava. Achei ofensivo.

Bocê é barente de uba tal de Ágata?

–Sim. Minha prima, eu sei que ela é dessa sala… Ela é uma das colegas que eu mencionei e a única pessoa que me dá medo.

Bocês debem ser barecidos só na abarência besbo.

–Na verdade, dizem que a gente se parece na personalidade também.

Bocê é agressivo?

–Ah, sei lá.

Conversamos até começar a aula de Geografia. O professor parecia bêbado, bem diferente das outras vezes. Mandou a gente ler o capítulo três e começou a dormir na mesa.

–Isso vai ser tipo aula vaga. –o loiro falou quando percebeu que quase ninguém tinha tirado o livro da mochila depois do aviso.

Barece. Brancisco, por que te mudaram de turma?

–Me chama de Dewei… Ou Francis. Os meus amigos me chamam assim. E não sei te dizer ao certo, meio que…

–Quésia, me empresta uma borracha? –Hebrom me chamou. –Eu perdi a minha… Eh.

–Não tá vendo que eu estou conversando com ela?! –de uma hora pra outra o primo da Ágata se enfureceu. Começou a falar alto (o professor estava tão mal que continuou dormindo).  –Você deve estar de sacanagem com a minha cara só porque eu acabei de chegar aqui. Tá achando que não sou capaz de abaixar essa tua bola, irmão do Zac?! Eu conheço bem o seu tipinho, fica querendo diminuir os outros pra querer parecer o sinistrão. Eu acabo com a sua raça em um tempo! Está querendo brigar?! –levantou.

Parecia que ele já odiava o menino, apesar de nem lembrar o nome dele.

–Não, cara… Eu só estou querendo uma borracha… –Salamander se encolheu na carteira.

–Já chega de falar nisso! Vamos resolver lá fora! –Hebrom foi levado até o pátio. A classe inteira foi também. Eu fiquei tipo… Mas o quê?

–Briga! –era a mesma voz que tinha anunciado a guerra de comida ontem. Muita rebeldia pra uma pessoa só.

Fizeram uma circunferência. Os dois garotos estavam lá dentro. Eu não estava conseguindo nem ver. Queria entrar lá pra acabar com a palhaçada.

Hebrom

O amigo da Quésia quer me bater. Eu deixei de brigar, eu não bato mais nas pessoas… Estou perdido.

–Não faz isso, por favor! Eu sou pacifista!

–Não quero saber sua religião, vou te esmurrar de qualquer jeito!

“Religião”… Pacifismo não é religião.

–Eu não quero te machucar. –falei.

–Se fosse eu, não deixava! –alguém, naquele monte de gente, falou. Só piorou tudo.

–Vamos ver quem vai se machucar! –veio para cima de mim e me deu um soco.

Não sinto nada, nada mesmo. É como se ele apenas empurrasse meu rosto, fraco, mas com rapidez. É como se eu fosse um monstro. O que há de errado comigo?… Acho que sou uma das poucas pessoas que conseguem ficar deprimidas no meio de uma luta.

Fui pra trás. Caí em cima de alguém e esse alguém me segurou.

–Hebrom, faz alguma coisa, cara! Não vai continuar de corpo mole, vai? –Folk. Era o único que eu tinha quase certeza de que iria torcer contra mim. Ele me colocou para dentro do círculo.

–Quer dizer que você não vai chorar? –o garoto loiro tentou me acertar outra vez. Abaixei e com isso, ele socou Folk. Queria ter pedido desculpas, mas eu estava ocupado muito correndo. Depois eu faço isso. –Volta aqui, frangote!

–Eu não vou te bater! –não tinha para onde eu fugir.

–Mas eu vou te bater!

–Não podemos resolver isso conversando?

–Deixa eu ver… Não! –veio pra cima de mim outra vez. Ele parecia um touro… Nunca mais peço uma borracha emprestada.

Consegui desviar de novo, mas ele bateu numa daquelas coisas que seguram a escola. Aquelas coisas grandes… Aquelas que têm na Greek… Esqueci o nome. Francisco caiu com a cabeça sangrando no chão e eu tentei ajudar. Isso é péssimo!

Quésia

Finalmente eu consegui passar por aquela multidão. Me deparei com Dewei com a testa sangrando e Hebrom arrastando ele. Impossível.

Não acredito que bocê bateu nele! –berrei congestionada mesmo.

–M-Mas eu não…! –Salamander soltou o loiro, que bateu com a cabeça no azulejo. –Dude...! Desculpe! –continuou tentando arrastá-lo.

O professor apareceu no meio do círculo.

–O que está acontecendo aqui?! –ficou com os olhos arregalados e saiu correndo pra perto da coluna. –Quem fez isso?! Quem foi o bastardo que sujou a pilastra com sangue?!

Começaram um tumulto,e eu aproveitei pra ir com Hebrom e Dewei até a enfermaria.

–É só botar um pouco de gelo. –uma moça de branco estava examinando a cabeça do Francis. –Mas… Como é que você se machucou?

–Eu bati a testa.

–Tá, mas como?

–Dona, como você acha que se bate uma testa?! –ele suspirou.

–Tá, tá. Entendi, não precisa ser rude.

–Como ele está? –Hebrom perguntou. Estava mais apreensivo que eu. Não havia batido nele. Eu tinha certeza disso (ainda mais depois de Francisco contar o que aconteceu… Por algum motivo, ele tinha ouvido falar mal de Salamander e já não gostava dele).

–Ele vai ficar bem. Tem certeza que é só ele quem precisa de assistência médica aqui? –a tia olhou pra mim. Super desconfortáveis essas coisas.

–Eu nasci assim, algum broblema? –tentei disfarçar o fato de eu estar cada vez pior por causa do resfriado. Assoei o nariz (minha voz ao menos ficava mais normal depois de fazer isso). Só faltavam dois tempos para a aula acabar. Eu vou conseguir, preciso conseguir. Não dá pra eu morrer agora, tenho que ir à casa de Hebrom mais tarde.

Após algum tempo, os meninos fizeram as pazes e voltamos pra sala. Demorou tanto pra mulher pegar “um pouco de gelo” que quando saímos dali o recreio já tinha acabado. Dois tempos de Matemática. Pensando melhor, morrer agora não é má ideia… Mas até que passaram rápido. Hora da saída. Dessa vez até eu saí correndo.

Hebrom estava me esperando perto de uma bicicleta.

–Vamos pra lá logo, antes que eu faleça. –minha última súplica, sem querer fazer drama.

–Tem certeza que você está em condições de ir, darling? Eu não quero prejudicar sua saúde ainda mais…

–Não, tudo bem, eu aguento. Eu até coloquei umas coisas na mochila pra me preparar. Além disso, eu quero muito ajudar você.

–Certo… Eh… Suba aqui então.

Obedeci e ele começou a pedalar. Eu segurava firmemente a sua cintura e apertava meu rosto contra suas costas. Era muito ruim sentir aquela brisa fria outra vez… Até que ele me chamou.

–Quésia…

–O que foi?

–Depois eu posso tocar o seu cabelo? –Salamander perguntou com a cara mais lavada do mundo.

Pra quê?!

–Eu só quero saber como ele é.

–Tá, né… Pode…

–Obrigado! Eu acho ele lindo… Aliás, eu acho você linda… Totalmente…

–Ah… Obrigada. Você também é muito bonito. –tão bonito que eu considero difícil acreditar que você pensa isso de mim…

–Nós já estamos chegando, tá bem? Não se preocupa. Hoje você vai conhecer a minha família! É um passo importante na nossa… amizade…

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