Ordinários – Capítulo 28
–Tô com pavor, gente! Esse banheiro tá com um cheiro horrível! Panda, você cagou seu caráter? –era a voz de Bianca. Que, como naturalmente, estava acompanhada de Ariadne e de “Pandora”. Presenciei tudo de longe.
–Haha! Engraçadona você! Não é por nada que usa essa maquiagem de palhaço. –Kyara retrucou o elogio.
–Maquiagem de palhaço? Eu? Ah, tá. Não sou que nem Ari. Sete horas da manhã e ela tá aqui, arrumadinha como se fosse participante de um circo moderno.
–Se toca! Ariadne é linda, feio é o seu recalque. Se fosse o contrário, ela não ganharia aqueles concursos de modelo e você não namoraria aquele gordo do Oglart.
–Vocês duas são podres. –Galvão falou enquanto sorria e passava brilho nos lábios.
–Podre é o que Pandora fez nesse banheiro! Misericredo!
–Ai, Bia, esse é teu bafo ou você peidou? –Kyara continuou.
–Vai me começar a baixaria comigo? Bem, pelo menos você não saiu espalhando fofoquinha de mim que nem faz com geral. Sinto pena do seu futuro genro.
Eu não estava esperando encontrar aquelas três ali… Muito menos falando daquele modo. Nunca vou entender as patricinhas… Elas parecem um pouco duas caras. De qualquer maneira, entrei no banheiro. Só queria me olhar no espelho, porque já pretendia voltar pra sala.
–Vou reclamar com Cibele, esse banheiro anda cheio de baratas… –Ariadne falou quando eu entrei no ambiente.
Não vou perder meu tempo discutindo…
–Concordo, acabei de entrar no banheiro e já dei de cara com três… –tá certo, eu não me contive. Precisei insultar de volta. Mas ela quem começou… Eu ainda tenho que aprender a ser cristã, sei disso. –O que estão fazendo aqui juntas? Precisam fazer rodinha de meditação pra ver se cura o intestino preso?
–Primeiro: não é da sua conta. Segundo: Eu não disse aquilo pra implicar. Tenho nada contra a sua pessoa e tal… Mas, me desculpa, tem coisas em você que eu não consigo tolerar! Por exemplo: Sua existência.
–Como modelo, você é uma ótima comediante. –respondi e ela pareceu não gostar. Bem… Ninguém gostaria.
–Opa! Barraco! Adoro! –Bianca se mostrou surpresa por eu ainda responder.
–Cala a boca, Bianca. Escuta, Quésia… É Quésia, né? Deve ser. Nome ridículo… Condiz com a sua aparência… Ambos são uma droga. Quem escolheu isso pra você te odeia, não odeia? Mas que fique claro que não te odeia tanto quanto eu. Não tenta me provocar, tá bem? Porque eu não sou do tipo que espera animal sair do meio do caminho. Passo por cima!
–Só acho que droga mesmo são as pessoas que opinam sem pedido. Não sou caixinha de sugestões. Gosto do meu nome, não trocaria pra agradar ninguém. Nem tampouco você. E… Do jeito que você é gorda… Me deu uma baita pena dos animais, eles ficariam bastante amassados. –respondi lavando as mãos literalmente… Às vezes eu não sou muito diferente daquelas garotas de morro que não levam desaforo pra casa… Mas eu só sou assim com quem merece.
Ariadne não era nem um pouco gorda, mas quase toda menina odeia ouvir isso. E pareceu que surtiu efeito. Ao que dava para notar, ela é uma daquelas neuróticas em relação à visual.
–Gordas podem emagrecer… E as sem beleza? Cirurgia plástica é a única resposta cabível pra garotas como você. O irmão de Zacur deve estar super na seca pra te procurar.
–Ari, não fala assim que a Panda chora. –Bianca começou a rir.
–Cala a boca! –Kyara ficou irritada.
–Cuidado pra não quebrar todos os espelhos do banheiro, no total seriam vinte e oito anos de azar, “Quésia”.
–Desde quando você sabe contar? –Bia era a rainha dos comentários zoeiros dali.
Logo depois, as três saíram do banheiro e eu fiquei ali, sozinha. Lavei meu rosto. Eu queria ignorar. Aquelas três são tão bonitas, apesar do temperamento torpe… Especialmente Ariadne. Eu sou feia mesmo e dane-se… Não posso fazer nada.
–Cortês! –era Bianca que havia voltado.
–Que foi?
–Por favor… Eu sei que dá vontade, mas não chama Ari de gorda.
–Por que está me pedindo isso?
–É só um favor… –deu um papelzinho fechado na minha mão. –Faça isso por mim. Eu não sou azucrinante que nem minha irmã…
–Ariadne é sua irmã?!
–Você não sabia?! Enfim, eu não te culpo, eu sou muito mais maravilhosa mesmo. Bem, indo direto ao ponto, xinga ela de qualquer outra coisa, menos disso…. E não leve as coisas que ela disse a sério. Ela e Pandora são duas carrapatas, aí, como Panda quer ficar com o irmão do Zac e ele é caidinho por você, Ari não vai com a sua cara. E como ela dá muito valor à moda e você falou mal da aparência dela… Fufu! Tendeu?
–Ah… Saquei. Valeu.
–Não fica achando que eu sou que nem aquelas duas não, hein?! Por favor! A gente não é farinha do mesmo saco. Só ando com elas pra não ficar mal falada. Cê já deve ter notado que Panda é a maior mexeriqueira da escola. Agora eu tenho que ir… Menti pras duas dizendo que esqueci o rímel perto da pia, elas vão estranhar a demora… Tchau!
–Tchau…
Bianca é estranha… Parece meio bipolar. Vi meu reflexo e comecei a tocar as manchinhas pretas que tenho na cara… Sou muito idiota pras palavras de Ariadne terem afetado meu pensamento, não vou contrapor. O que posso fazer? Palavras têm o poder de afundar pessoas… O lugar para onde cada frase daquela garota me levou era um abismo chamado “Inferioridade”. Por mais que eu tentasse não dar atenção, todos aqueles insultos penetraram na minha cabeça como balas de uma arma que acabou de ser carregada. Eu simplesmente odeio meu jeito. Não passo de um rosto disforme e qualquer… E odeio ainda mais esses meus momentos de baixa autoestima.
Abri o recado que havia recebido… Nele havia apenas uma palavra: “Bulimia”… Será mesmo que Ariadne, no mais profundo dela que seja, também se sente como eu?…
Hebrom
Na quadra, fui falar com Wendel. Eu estava pensando em chamar Quésia para um encontro… Será que ela vai aceitar? Ela é minha melhor amiga, não queria que me achasse esquisito… Se bem que eu já disse que gosto dela… Nosso relacionamento é tão confuso… Mas eu tenho conversado com Deus todos os dias sobre ele e parece que as coisas estão mesmo se resolvendo.
Fui pedir alguns conselhos ao meu amigo e ele começou a gritar:
–Você ainda pensa na garota que gosta de melhor amiga e quer que ela aceite seu convite pra sair? Você é retardado mental?!
–Por quê?…
–Como assim “Por quê”? Você é lerdo?
–Qual o problema de chamá-la de amiga? Pra mim, amizade é uma coisa muito importante… E precisa existir antes de se começar um namoro…
–Claro que é importante, meu caro… Mas não se deve ficar exaltando amizade quando se quer algo mais! Mulheres são cruéis, Hebrom! Já te disse! Elas são as que mais colocam pessoas na friendzone!
–O que é isso? Zona amiga…? Hã? É ruim?
–Se é ruim?! É o pior lugar que existe! –ele parecia não se importar de haver gente olhando para nós. –Se eu acreditasse em purgatório, eu poderia afirmar com toda certeza de que é a friendzone!
–Não entendi muito bem… Com isso você quer dizer o quê?
–Lá é um local escuro em que você assiste Quésia amar outro cara e ainda te convida para ser o padrinho do casamento dela, enquanto ela diz que sua amizade é muito importante. Amizade! Somente amizade. Então você morre sozinho e chorando, porque do jeito que te conheço, não vai conseguir sair da fossa! –Wendy não parava de berrar.
–Não! –entrei em desespero. Eu já estava quase chorando, ouvir aquilo me fez sentir muito mal. Qué poderia fazer uma coisa tão horrível assim comigo?… Estou com medo.
–Sim! Pode aparentar como terrorismo, mas é só aceitar a verdade! Aceite a verdade!
–Eu não aguento…
–Daarin, tadaima! Por que você tá gritando? –era Pamela chegando, o motivo de ele não estar segurando nenhum aparelho eletrônico.
–Okaeri… É que ele está friendzonando a garota que ele gosta. –Yamada respondeu.
–Hã?! Você é retardado mental?! –até ela gritou comigo… E do mesmo jeito que Wendy.
–Olhem pelo lado bom… –tentei me defender.
–Não existe lado bom! –os dois falaram alto ao mesmo tempo.
–Existe sim… Vocês dois combinam… –dei um sorriso meio triste, olhando o chão.
Wendy me olhou como quisesse apagar todos os brados que deu no meu ouvido.
–Não dá pra ficar irado com você por muito tempo… Desculpa ter te tocado o terror, aibou. –ele me abraçou.
Eu estava com uma vontade enorme de me trancar no quarto e chorar bastante, só que eu estava na escola e Deus não gostaria disso, então me tive que me conter. Vou fazer do jeito que Ele pede. Vou conversar diretamente com Qué. Já passou da hora de demonstrar. Se Ele quiser que seja assim, se fizer bem para nós, será.
Quésia
Saí de lá bem desanimada, mas não interessa. Os meninos estavam organizando time ainda, então começamos a conversar. Disse a ele que iria tentar jogar alguma coisa e ele ficou todo contente… Esse garoto é simplesmente encantador. Ele é o mais fofo de todos os que conheci até agora.
Conviver com ele é a coisa mais agradável do meu dia. Eu admito que não tenho me incomodado tanto quanto antes por ele falar da Bíblia ou coisas assim, porque o que Brom diz faz sentido pra mim. Eu só saberei se fé consegue preencher o vazio na minha vida se experimentar… Por isso continuo ouvindo o que ele diz.
As três porquinhas (ou duas, porque eu estou desgostando menos de Bianca) zombavam das outras meninas como se fossem superiores na arquibancada. Quando percebeu que eu estava desconcentrada e tentando entender do que elas estavam rindo, Ágata apareceu e estalou os dedos bem na minha cara, pra fazer com que eu voltasse ao mundo real:
–Nem liga, hoje a plebe vai derrubar a realeza do trono imaginário. –Raitz disse erguendo uma das sobrancelhas e logo depois fazendo cara de nojo. Eu não pude deixar de sorrir. Talvez eu não possa contar com Ágata pra tudo, mas ela sempre (que puder) vai me defender e tentar me ajudar daquelas duas garotas que simplesmente não foram com a minha cara… Se bem que eu não me lembro da minha cara ter chamado alguma delas pra sair.
Ágata combinou que eu seria a primeira pessoa escolhida pro seu time, porque ela já havia pedido para ser líder. Enquanto isso, os garotos iam ao centro da quadra.
Hebrom estava abraçado comigo na arquibancada. Conversava comigo sobre o Sábado. Eu finalmente entendi a razão de ele frequentar sua igreja nesse dia, diferente da maioria das igrejas cristãs. Ele me contou que a mudança do sábado para o domingo foi algo feito por homens, não por Deus. Brom tem um senso crítico bem aguçado, por mais que eu ache ele até bobo por ser bonzinho demais às vezes. Virei pra ele e perguntei:
–Mas se foi tudo por indução da Igreja Católica, por que os cristãos que não são católicos seguem isso?
–Ah… Alguns não sabem, outros preferem o domingo por conveniência, outros usam a desculpa de Jesus ter ressuscitado no domingo.
–Depois que ele ressuscitou, mandou alguém guardar esse dia?
–Não…
–Eu estou começando a entender seu ponto de vista. –suspirei enquanto apoiava a minha cabeça no seu ombro.
–Eu fico muito feliz mesmo por a gente estar conhecendo mais da cabeça um do outro de um jeito respeitoso…
Você tem sorte de ser coerente, porque não é qualquer coisa que eu aceito.
–Digamos que eu sou simpatizante daquilo que você é… O que você escolhe é pra tentar fazer o mundo um lugar menos horroroso. Eu gosto disso… Pra ser sincera, eu estou levando em consideração ter uma religião também. Por enquanto, é a sua, porque foi a que eu mais me identifiquei até agora.
–Você tem pesquisado em outras?
–Pior que sim.
–Bem, se você for ficar com a gente, saiba que será um prazer ter você por lá! –ele começou a dar beijos no meu rosto e eu sorri inevitavelmente. Eu realmente não tenho conseguido engolir que conheci esse garoto por acaso no meio de dois bilhões de pessoas.
Eu passei a conversar com Deus pelo menos três vezes ao dia e isso faz com que eu não me sinta sozinha. Por mais que muitas pessoas não acreditem, eu resolvi passar a optar por aquilo que me faz bem. Nunca havia sentido uma paz e uma felicidade como essas antes. Ficar com eles dois era a melhor parte do meu dia.
–Mander! –um garoto chamou a atenção dele, deixando de ser a vela da situação.
–Eu tenho que ir, Qué. –fez carinho na minha mão, beijou-a e depois me deixo na arquibancada. Eu sei que é idiota, mas eu me sinto uma princesa perto dele… Me sinto bonita…
Apenas por causa da presença dele, o jogo masculino foi interessante pra mim… Folk ficou no mesmo lado que Hebrom. O time deles estava perdendo, mesmo que Folker queimasse um monte de gente, as pessoas voltavam pelo time dele não ser muito bom. Não era uma bola tão dura, mas os garotos eram tão agressivos que parecia doer quando tocava alguém. Francisco não estava perdoando ninguém, tentava constantemente acertar Hebrom (mesmo o canadense sendo irmão do melhor amigo da prima dele), mas Folk entrava na frente do lance e pegava a bola. Eu acharia aquilo estranho, se não tivesse percebido que Richard é instável…
O normal seria esperar que Folker comemorasse quando Brom fosse queimado, mas parecia que ele queria muito ganhar, sei lá… Salamander ficou distraído quando gritei para ele pegar a bola (todo mundo havia percebido que Dewei estava prestes a acertá-lo, exceto ele mesmo), fez até cara de quem tem dificuldade pra escutar.
A bola foi arremessada na sua direção, ele não seria rápido o suficiente pra desviar. Richar veio correndo, gritou um palavrão e logo depois o nome de Hebrom como vocativo, empurrou-o e tentou pegar a bola. Só que essa tática não deu muito certo… A bola praticamente escorregou de suas mãos e ele acabou dizendo palavras feias que eu m sabia que existiam. Sua última fala foi:
–Se ferra aí também, seu desgraçado! Nem colabora! –saiu batendo pé para o outro lado, completamente fulo.
O canadense olhou para os lados e se sentiu meio perdido, porque percebeu que era o único do seu time que restou depois daquilo. Mas, por incrível que pareça, ele resistiu até o último minuto. Sua movimentação era um verdadeiro espetáculo de circo (no mau sentido da metáfora, porque ele estava quase dançando ali).
Depois que acabou, Ágata e eu fomos rapidamente até ele dar os parabéns por ao menos não ter sido atingido. Não me importei se ele estava encharcado de suor, dei um abraço nele.
–Parabenizando o carola por quê? Eu que fiz tudo, ele só ficou lá que nem cego no tiroteio e depois que eu fui pro outro lado, ele apenas deu sorte. –Folk se intrometeu em nosso diálogo.
–Se contasse acertar o ego dos outros, acho que acertariam você jogando em qualquer direção. –Ágata murmurou cruzando os braços. Ela se incomodava mesmo com aquele garoto.
–O que tá ronronando aí, gatinha? –ele mexeu com Raitz, parecia até uma verdadeira tentativa de cantá-la, mas ela fez cara de desgosto.
–Obrigado pela ajuda! Eu acredito que não ficaria até o fim sem você. –Brom foi todo educado e estendeu a mão para cumprimentá-lo, mas não teve retorno. O playboy ficou encarando o futuro pai dos meus filhos com ódio mortal.
–Já eu, tenho certeza disso, seu inútil. O que seria de você sem mim? –Richard parou de piscar pra Ágata e respondeu seu ex-amigo de maneira totalmente rude.
–Você foi ótimo! –falei apertando as bochechas de Hebrom. Sim, eu ignorei as falas e a existência de Folker, porque é a melhor coisa a se fazer.
–Obrigado, Qué! –ele ficou vermelho e sorriu pra mim. Se existisse um medidor de fofura, eu acredito que ele teria explodido naquele instante.
Folk pareceu detestar ver o contentamento do garoto, por isso bufou e esbarrou nele pra ir embora. Antes que pudesse sair de cena, Salamander chamou:
–Rich! –surpreendeu-o com o abraço (eu aposto que fiquei mais surpresa do que ele por ter visto Hebrom usando o apelidinho íntimo, porque, né?). –Obrigado de novo… Por tudo. Eu amo você.
–Me solta! Tá me estranhando, seu pirralho?! –nunca tinha visto Folker corar daquele jeito em toda a minha vida. Ainda mais por ele ser bronzeado. Aquela cena realmente foi muito estranha.
O garoto saiu resmungando e xingando Hebrom, mas com o rosto ainda extremamente enrubescido. Até hoje eu não entendo a razão de ele tratar uma criatura tão doce quanto Brom daquela maneira grossa… Ele já me contou a história, mas não justifica.
Agora é hora das meninas irem jogar. Decidiram que Bianca e Ágata tirariam os times. Ágata era uma das melhores jogadoras, mas Bianca era uma das que sempre fugia da aula de Educação Física. Era estranho, mas ela disse estar ali por ter vontade de liderar… Talvez ela tenha sido influenciada a ficar como responsável pela “patota” a juntar as três até no jogo.
–Eu quero a Quésia. –disse… Bianca?!
Ariadne cruzou os braços e fez cara de desprezo, mas Kyara estava com o queixo praticamente encostado no gramado por ouvir aquilo. Eu ainda não estava acreditando… Fiquei imóvel. Ágata me olhava com cara de reprovação, como se eu tivesse “traído o movimento”, porque aquilo estava completamente fora do combinado.
–Vai lá! –uma das meninas me empurrou sem ser brusca ao perceber que eu demorava.
–Cara, o que deu em você? –perguntei à líder do meu time quando me aproximei.
–Qual o problema? Você não quer ficar aqui?…
–Não é nem isso, eu apenas não esperava…
–Nem tudo sai como a gente espera e a graça da vida é essa mesma. As coisas vão ficar divertidas por aqui! –ela deu uma risada quase maléfica.
Ágata e Bianca revezavam em chamar os nomes ou apontar para as garotas, até que restaram apenas três. Raitz precisou apelar, já que nenhuma das três opções agradava seu gosto. Chamou a que melhor jogava (ou ao menos não atrapalhava) ali no meio:
-Argh… Vem, Kyara. –revirou os olhos.
–Estou tão insatisfeita quanto você.
–Coisinha, vem cá. –Bia chamou uma menina que aparentemente nem fazia questão de saber o nome.
–Ah, não, eu me recuso! –van Raitz deu um chilique por notar que a única que havia sobrado pra completar era a ilustre, a maravilhosa, a magérrima Ariadne Galvão.
–Só cala a boca e aceita. –a loira foi carrancuda até o final da fila do seu time.
Eu olhava para as separações feitas e pensava “Mas o que foi isso?”. Bianca evidentemente estava prendendo o riso enquanto assistia o caos reinar naquela aula:
–Agora sim Educação Física é interessante! –gargalhou.
O jogo de queimado teve seu início, eu só sei que começou a voar bola de tudo quanto era lado e a única certeza que tive foi que eu já estava eliminada antes do quinto minuto. Me senti como aqueles personagens que acordam sem saber onde estão e o que está acontecendo.
Aquela partida havia virado uma verdadeira guerra. Mas foi a primeira vez que eu pude ver Kyara, Ariadne e Ágata sem um pingo de rivalidade. Eu nunca fiquei tão feliz por perder na vida. Eu admito que olhava um pouco diferente para Ari agora que sabia do problema dela… Eu gostaria de pedir desculpas, mas acho que seja um segredo. Pretendo avisar à diretora em anonimato, porque, por mais que ela se aborreça na hora, será melhora para ela depois… Enfim…
Quando saí da quadra depois da derrota, Hebrom estava à porta do vestiário feminino. Suponho que me esperando… Então eu brinquei:
–Você me persegue?!
–Dessa vez eu só vim beber água e resolvi esperar logo. Mas geralmente… Eu te persigo sim! –ele deu um sorriso meigo. É areia demais pro meu caminhãozinho mesmo. –Eh… Te acho linda, sabia? Apesar disso não ser o mais importante. Você é bem mais que linda. Deus não comete erros, de fato.
–Por que está falando isso?
–Bianca me contou o que aconteceu antes…
–Eu não entendo o que deu nessa garota hoje…
–Quésia, é evidente que você dá importância ao que as pessoas falam, só não demonstra. Não quero você se ferindo internamente por causa de comentários não pensados. Por acaso, você usa essas ofensas como justificativa pra não ser feliz apesar de tudo, não usa?
–Eu…
–Não tem desculpa, viu só?
–Talvez você esteja certo nesse ponto…
–Precisa distinguir as palavras que te fazem bem pra poder crescer mentalmente… Você será infeliz se ouvir as opiniões conselhos de todo mundo, mas será igualmente infeliz se não ouvir as opiniões e conselhos de ninguém. Acredite em mim… Eu gostaria de poder ter entrado naquele banheiro só pra te dizer essas coisas… –eu não conseguia soltar sequer uma resposta. Então fiquei quieta por um tempo. Depois, ele prosseguiu. –Esses dias que eu passei tentando ser… seu… –pigarreou. –amigo, me fizeram notar o quanto você é tão bonita pra eu te merecer…
–Também não precisa mentir pra fazer com que minha autoestima suba.
–Tá bem… Esses dias que eu passei tentando ser seu amigo, me fizeram notar o quanto você é tão bonita pra eu te merecer.
–Idiota… –conseguiu me fazer rir.
–Pode até ser, mas eu digo a verdade. Eu tenho muita sorte.
–Menos melação, por favor.
–“Qual lírio entre os espinhos, tal é a minha querida entre as donzelas.” Cântico 2:2.
–Você ouviu o que eu disse, cara?
–Certo. Desculpe… Mas continua sendo verdade.
–De acordo, de acordo… Opinião não se discute.
Talvez achar que ele é muita coisa pra eu conseguir dar conta seja patético mesmo. Uma vez na vida eu preciso me dar o valor, seja lá em qual aspecto…