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Ordinários

Ordinários – Capítulo 26

Pela manhã, Edgar veio me chamar, como de costume. Ele parecia mais ansioso do que eu em relação à ida à praia. Estava muito calor, eu havia até jogado o cobertor no chão por me remexer durante toda a noite. Acordei praticamente sufocada… Eu devia ter pego um ventilador na hora de dormir, mas o calor ainda não conseguiu superar minha preguiça.

Depois de tomar um banho por pouco congelado e fazer todas as outras coisas, eu já estava pronta. Arrumei a mochila da escola mesmo. O biquíni que meu irmão comprou pra mim até que não era feio, mas era amarelo… Acho que isso chama muito a atenção. Fui até lá embaixo e tomei quantos copos de achocolatado frio que eu pude aguentar.

–Água que é bom, nada, não é, peste? –Edgar comentou. –Quer saber, deixa.

–Ué… Por que parou de implicar assim do nada?

–Você já vai beber muita água quando tomar uns caixotes lá na praia. Queria ver, poderia mandar pra um daqueles canais que ficam mostrando o tombo dos outros. Haha! Mas, sério, você deveria beber coisas que não tenham cafeína.

–Pelo menos não vou ter sede até chegar lá.

–Problemas nos rins, quem sabe.

–Hm… Falou o machão mais saudável que eu conheço.

–Não digo pra você ser que nem eu! Nunca digo. Eu digo pra você fazer as coisas certas. Tanto que eu tenho consciência de que sou uma pessoa meio lixosa. Não sou educado, mas acredito que eu saiba educar.

–Desconfio disso até hoje. Esse seu argumento não tem base quase que nenhuma. –subi outra vez pra escovar os dentes e fui pra fora de casa.

Em alguns minutos, a van chegou. Nela já estavam Zacur, Wendel, Naomi, Dileã e o garoto que mais me interessava… Hebrom estava conversando com a sua irmã mais nova quando me viu e instantaneamente ficou inquieto. Levava para o passeio uma prancha de surf, um violão e um livro.

–Oi, gente… –tentei falar com eles. Zacur só acenou rapidamente e continuou discando algo no celular que acabara de tirar do bolso.

–Quésia! Oi! –Hebrom parecia feliz, mas nervoso. Não entendi o porquê dele estar ansioso daquele jeito, o calor deve estar fazendo efeito nele… Do nada, ele continuou, me analisando com uma cara de quem não gosta muito. –Eh… Eu nunca tinha te visto com esse tipo de roupa…

–É que só uso no calor…

–Não acha que é muito curta? Quer dizer… Ahm… –ele ficou vermelho. Eu realmente não estava entendendo a causa dele estar assim. –O corpo é seu… Você pode vestir o que quiser… Mas eu…

Eu estava com uma blusa de alça, uma bermuda e sandálias. Por debaixo da roupa, o biquíni. Não era nada demais.

–Ah, vai ser ciumento assim lá no Canadá… –Naomi resmungou sozinha. Ela estava com uma roupa bem mais curta, mas Hebrom não estava nem aí pra ela.

–Hebrom tá com ciúmes! Hebrom tá com ciúmes! –Dileã começou a cantar.

–Fica quieta, coisa! –Zacur se estressou, já que tinha começado uma ligação. Provavelmente com Judith.

–Não sei do que você tá falando. Estou vestindo uma roupa normal pra um dia de calor.

–Ah… Está bem… Só esquece o que eu disse, ok? –esquivou o olhar. Parecia bolado. –O importante é que eu quero falar com você…

–Estou bem na sua frente.

–Depois. Venha, entre… Temos muita gente para buscar ainda…

Esse passeio veio a calhar pra tirar meus pensamentos conturbados de órbita. Primeiro, passamos pela casa de Ágata e Francisco. A atitude deles estava estranha… Parecia até que estavam… Flertando… Imediatamente eu deduzi que isso era combinado (pelo menos da parte de Ágata). Porque, pelo que eu sei, Raitz gosta de Zac. Eu percebi isso pelo fato de, depois de passarmos pela casa de Judi para buscá-la (não, Greta não foi junto…), isso aumentou e muito. Eles ficaram relembrando algumas coisas de campeonatos de lutas que ninguém entendia nada. Aparentava ser uma linguagem própria dos dois.

Parecia que a suposta estratégia estava dando certo, porque Zacur pareceu incomodado, mas surpreendentemente ele só pediu para que eles falassem mais baixo a fim de se concentrar na rua. Ágata pareceu um pouco frustrada e eu vi Wendel sendo sarcástico só com os olhos… Claro, ele tinha tirado os mesmos da direção do celular em algum momento. Enquanto tudo isso acontecia, Hebrom me encarava com a testa franzida. Tudo aquilo estava muito estranho.

Interrompendo o clima meio tenso, Naomi exclamou:

Zac! –rapidamente, o garoto que dirigia o carro freou.

–O que foi, garota?!

–Eu esqueci de te avisar, mas chamei Kya e mais algumas pessoas além dos poucos amigos que você convidou. Aliás, eu não chamei, ela que se chamou mesmo.

Kyara vai vir… Concorrência…

–Tá de brincadeira…

–Não, sério! Elas já se arrumaram, estão esperando. Por favorzinho, é no caminho pra casa do Dreas!

–Tá… Só que vai ficar meio apertado, elas não podem ter frescura.

Alguns minutos depois…

–Pombas, Bianca, você tinha que trazer esse teu namoradinho? Ele ocupa quase uns três assentos! –Kyara reclamou enquanto ficava se espremendo contra o lado da janela.

–Para de drama, você nem sabe contar, sua ridícula! –a irmã Galvão retrucou, percebendo que ele ocupada só um como todo mundo.

–Eu detesto encostar em gente suada… –a prima de Kyara, Pamela, parecia que iria surtar. Não era tão patricinha assim, parecia mais uma “suorfóbica”.

–Dá pra vocês pararem de falar tanto? –Folker também tinha vindo… Coisa que fez Hebrom ficar ainda mais estranho comigo.

–Ir de van é coisa de pobre mesmo. –Ariadne resmungou tentando se ajeitar no banco.

–Não gostou? Aluga uma limousine ou vai andando, coisa maravilhosa. –Zacur desgostou do comentário.

Depois disso, ela ficou quieta. Respect. Enfim, por último, fomos até a favela que Jamal mora… Não entrou apenas ele no transporte, mas Bruno Moura também. Como eu não estava distraída conversando com Hebrom (que ainda estava me olhando estranho), eu só observava o comportamento das pessoas. Ariadne começou a mexer mais no cabelo do que antes quando Bruno chegou.

Finalmente… A praia! Nunca visitei uma na minha vida. A areia era bem macia… Nunca tinha pisado em algo assim antes. É muito linda, muito mais do que na TV ou nas fotos. Todos saíram correndo, cada um pro seu canto, porque, obviamente, cada um tem suas atividades favoritas. Bruno foi jogar bola com Richard e uns outros garotos que já estavam ali… Ariadne foi assistir. Kyara foi se bronzear usando aquele maiô de decote enorme enquanto o menino gordo do refeitório que depois eu descobri que se chama “Oglart” passava protetor solar nas costas de Bianca (sinceramente, eu não imaginava que ela fosse namorar alguém assim, por ser patricinha… mais um tapa na minha cara).

Wendel saiu com o celular pra caçar aqueles monstrinhos estranhos do novo jogo que lançaram. Naomi levou Jamal até uma pedra e ficou conversando com ele lá enquanto ambos observavam o mar… Eles são um casal muito bonitinho. Pamela foi tirar selfies. Zac e Judi estavam namorando debaixo de um guarda-sol alugado enquanto ele tocava violão pra ela e Ágata e Francis estavam no mar, brincando de jogar água um no outro. Todo mundo parecia feliz… Bem, isso se eu esquecer que Hebrom sumiu dali com uma prancha de surf na mão…

Ele está muito estranho comigo, é difícil que eu não me sinta mal. Nisso, resolvi brincar com Dileã, fazer um castelo de areia com ela. Só que, enquanto eu pensava todas essas coisas, quando olhei novamente para ela e percebi que ela tinha colocado um punhado de areia dentro da boca. ?????

Dileã, cospe isso! –eu gritei e ela fez que não com a cabeça. –Cospe! Socorro!… O que eu faço?! –saí correndo para chamar Zac, pra ver se ele fazia alguma coisa. Eu estava com medo de tentar bater nas costas dela e ela engasgar.

–Oi, Quésia! –Judith me cumprimentou sorrindo, não parecia se importar por eu ter interrompido o climão deles.

–Oi… –acenei meio sem graça. –Dileã tá comendo areia! –berrei com Zac, que revirou os olhos murmurando e saiu correndo pra ajudar a irmãzinha.

–Aquela menina é uma figura. –Judi comentou despreocupada e mexendo no coco que estava em sua mão com o canudo.

–Sim…

–Por que você não tira a roupa? Não trouxe biquíni?

–Trouxe, mas… Ah… Depois eu faço isso.

–Você está gostando de Hebrom?

–Hã?

–Está gostando dele?

–Sim, eu…

–Cuidado, tá? –me interrompeu.

–O quê?

–Eu sei que já deve ter ouvido sobre ele… Por mais que Zac o defenda, eu sei que ele não é esse santinho todo. –dá licença, garota, quem é você na fila da água de coco?

–Ele não é o que você acha que ele seja.

–Ah, para, Quésia, você diz isso por estar apaixonada por ele. Eu o conheço de outros carnavais. Só toma cuidado, tá bem? Folk tem umas experiências horríveis com ele… Ele ficou sabendo que vocês viriam pra cá e resolveu vir também. Ele se preocupa mesmo com você, pelo que parece… Bem, essa parte já é suposição minha. Mas sobre o que as pessoas sabem do Salamander… Isso aí não tenho dúvida.

–Folk está aqui? –questionei e ela me olhou como se “soubesse” que, como qualquer uma, eu estava naturalmente interessada nele, por pouco que fosse. Errou. –Dá licença, Judi…

–Olha, tipo, desculpa! Eu não quero sugerir nada, tá? Essa parte foi vacilo meu… Mas a outra… Eu só quero te proteger, amiga. Eu não gostaria de te ver magoada por causa do meu cunhado… Sabe que eu te amo, né, Quésia? –ela levantou e me deu um abraço… Eu não consegui retribuir. Mentalmente eu até tentei, mas não deu. Ainda gosto muito dela, mas é complicado engolir essa história dela com Greta…

Zacur

–O que você tá fazendo, sua retardada?! –bati em Dileã, por ela estar comendo areia.

–Ai! Seu bobo! –finalmente ela cuspiu. Falou como se “bobo” fosse o pior insulto do mundo. –Eles também estavam comendo! –apontou pra uma família que estava almoçando na praia.

–Aquilo é farofa, mula!

–Parece a mesma coisa!

–Não acredito que tive que interromper minha conversa com minha namorada só pra você vomitar areia… Você é uma abestada mesmo! Eu definitivamente não gosto de você.

–Eu também! Denifitivivamente! Você é o pior irmão do mundo! Hebrom é muito melhor que você!

–Ele mal é seu irmão de verdade! –falei alto também. Detesto quando ela me compara com ele…

Wendel

Eu estava caminhando na praia com uma viseira, tentando alcançar meus objetivos como o grande mestre pokémon que eu sou. Só que, pra minha infelicidade, quando eu tinha quase certeza que estava chegando perto de um semi-lendário, esbarrei na prima de Kyara, que estava futilmente tirando umas fotos na frente do mar. O que ela tem de moe, tem de cega.

–Presta mais atenção, se não quiser que os outros esbarrem em você. –reclamei ainda jogando.

–Você não pode falar nada… Também está com um celular na mão. –ela pareceu ter paciência comigo.

–Baka. –murmurei.

–Aho… –eu pensei ter entendido errado.

–Do que você me chamou?

–I-Idiota… É idiota você dizer que a culpa é só minha. –Pamela ficou intimidada.

–Não foi essa a palavra que usou… Pera aí… Você é otaku?

–Fala mais baixo… –ela pareceu não gostar de eu ter descoberto seu “segredinho”.

–Você tem vergonha? Bakabakashii. Aposto que é uma daquelas noobs modinhas que não conseguiu passar do nível 4 quando tentou entrar no jogo daquele anime que…

–Não. –não esperou que eu terminasse de falar. –Esqueceu dois dígitos. Estou no nível 574.

–Até que não está tão mal…

–Pois é, eu estou ótima. Você é mais convencido do que eu pensei. Se você aceitar, meu namorado e eu podemos lutar contra você e mais algum parceiro. –cruzou os braços enquanto me desafiava. –Ele é do nível 687.

–Eu também sou do nível 687… Nunca vi nenhum personagem do mesmo nível que eu.

–Surprise, mãe da foca. –soltou um sorriso irônico. Eu comecei a achá-la interessante, mas ela disse que tem namorado… –Já pensou em alguém pra levar uma surra quando chegar em casa?

–Minha namorada –menti, fazendo referência a uma menina que eu gostava no jogo. –é do mesmo nível que você.

–Espero que ela seja forte.

–É tanto quanto eu. Vocês serão massacrados.

–Qual é mesmo o seu nick?

–LordMatsumura. –eu respondi e o rosto dela começou a parecer um tomate. –Que foi, garota?

–Rivers98…

–Sim, essa é a minha parceira. Deve ter ouvido dela por aí ou me visto com ela.

–Eu sou Rivers98, seu sonso!

–Tá falando sério? Are you crazy, waterfall?… Cara… Que droga tá acontecendo? É pegadinha, né? –eu não estava conseguindo acreditar… Eu estava flertando com a prima de Kyara.

–Você me chamou de namorada… Isso foi um pedido? I hope senpai notices me.

–C-Claro que não! Você me chamou primeiro!… M-mas… Já que você quiser, eu posso pedir… Ahm… Quer ser minha player dois?

–Aye, sir! –ela curvou a cabeça pra mim.

–Pronto, agora sim. –comecei a rir… Coisa que não fazia há algum tempo… Depois disso, não hesitei em dar um beijo nela. Esse foi o momento mais aleatório da minha vida. O que eu procurava estava mais perto do que eu imaginei… Chola mais, Zacorno.

Hebrom

Tive que tomar conta de Dileã. Zacur ficou muito irado por ela tentar comer areia… Quésia ficou perto de mim de novo. Será que eu estou sendo muito otário por não gostar da roupa que ela está usando ou será que… Espera um segundo… O que ela está fazendo?!

–Que negócio é esse aí?! –puxei a blusa dela pra baixo, porque parecia que ela estava tentando tirar. –Você quer que fiquem te olhando?!

–Eu só vou usar o meu biquíni como as outras meninas.

–Por que você está querendo se mostrar tanto hoje, Qué?!

–Não quero me mostrar, só está calor! –ela retrucou enquanto me empurrava.

–Você não sabe o que garotos pensam quando veem meninas assim.

–Então reclama com Kyara, ela está pior que eu!

–Kyara faz isso de propósito. Eu estou falando sério… Você não tem ideia de como alguns idiotas são.

–E você é um deles pra saber?

–Não, mas os garotos da Paganus eram assim. Eu achava nojento e desnecessário da parte deles, aí eles me chamavam de gay.

–Você reclama de outros garotos poderem ver, sendo que você já viu. Isso deve ser só o seu ciúme bobo de novo.

–Eu vi, mas eu não queria ver! Não foi de propósito, eu não tinha interesse em ver você daquele jeito!

–Ah, então significa que eu não sou boa o suficiente pra você querer me ver assim?!

–Não é nada disso, pra falar a verdade, eu acho você a menina mais bonita que Deus fez. Sim, eu estou com ciúme! –briguei com ela, assumindo tudo. –Eu não queria que eles vissem… Você é muito especial pra mim, eu não queria que aparecesse assim pra qualquer um… Muito menos para Richard… Desculpe… –choraminguei.

–T-Tá, Hebrom… Então eu não tiro…

–Deixa… Pode tirar, se quiser.

–Não quero mais.

–Quer nadar comigo? –sugeri e ela demorou um pouco a responder.

–Ah… Sim… Pode ser… –não gosto de brigar com ela.

–Então vai ter que tirar, porque é a única roupa que você tem para voltar para casa…

–Você é espertinho, né? –riu. –Tem certeza que não vai te incomodar?

–Desde que você fique perto de mim, tudo bem. Eu só não sei o que faria se pegasse algum engraçadinho te olhando estranho… –Qué me fazia morrer de ciúmes.

–Engraçadinho fica você enquanto tá bravo desse jeito! –riu mais ainda enquanto ficava só com a roupa de banho. –Esquece isso. Vamos.

No mar, ela ficou com receio de sair do raso.

–Vem, Qué! –eu já estava mais animado.

–Eu não sei nadar… Não quero morrer.

–Não vou deixar você morrer! Eu sei nadar.

–Eu não sei…

–Vem comigo, vai ficar tudo bem… –segurei-a pela mão e fui andando para trás. –Eh… Seu corpo é muito bonito mesmo.

–O quê? –ela estranhou.

–Seu corpo… Você é muito linda. –fiz com que ela chegasse mais perto de mim à medida que caminhávamos. Ela tinha algumas marquinhas e manchas pelo corpo, mas acho que seria falta de educação perguntar o que eram. –Fica tranquila, está bem? Acho difícil eu me afogar… De novo… –a água já estava cobrindo a cintura.

–Hebrom…

–O que foi?

–Eu quero voltar.

–Mas você ainda está conseguindo pisar na areia. Qual o problema? Fica calma, eu vou te ajudar. –a água ia subindo mais e mais. As ondas não contribuindo com a situação. Queria que ela confiasse mais em mim.

–Eu quero voltar! –ela pulou em cima de mim, se jogou no meu colo e me abraçou com medo.

–Calma, Quésia! –começou a colocar meu rosto contra seu peito. Ela não parava de se debater, sendo que nem estávamos tão fundo assim. –Você vai me fazer cair!

Eu quero voltar pra areia!

–Fica calma, eu vou te levar, não vai acontecer nada! Só que você está quase me matando para a água não chegar até seus ombros!

Eu vou morrer! –ela me abraçou com força. Fui correndo de volta pra lá. Qué ainda estava no meu colo, por sorte eu conseguia carregá-la mesmo fora d’água.

Quando coloquei-a sentada na areia, eu vi que estava chorando. Ao longe, Kyara estava rindo dela… Ela saiu correndo. Fui atrás dela, mas ela foi para umas pedras e eu a perdi de vista…

–Por que você fez isso?! –fui até Kyara. Eu estava muito bravo.

–Eu não fiz nada, ela que não sabia nadar. Não é culpa minha se foi engraçado.

–Esse é o ponto! Não foi engraçado!

–Pra mim, foi. O que eu posso fazer?

Tentar ser mais educada! Você acha que é assim que vai conseguir minha atenção? Está totalmente enganada! –dei as costas e saí dali. Fui até onde meu irmão estava com Di.

Quésia

Eu estava chorando entre algumas rochas quando fui acertada na cabeça por uma bola… Como se o dia não estivesse péssimo o suficiente. Minha primeira ida à praia: quase me afoguei, passei vergonha na frente do menino que eu gosto, a inimiga riu de mim, chorei litros e agora tomei uma bolada.

–Opa, foi mal, princesinha. –era Richard. Por que está tudo ficando cada vez pior?

–Vá embora.

–Vou fazer isso mesmo. Só vim buscar a bola… –ele arremessou de volta aos outros jogadores, mas depois voltou a conversar comigo. –Hm… Por que você tá chorando aí?

–Você não se importa.

–Bem verdade isso daí, mas eu tentei ser legal… De qualquer forma, vamos ao que interessa: cadê Hebrom? Por que vocês não tão se agarrando por aí que nem todos os casais que vieram?

–Nós não somos um casal… –enxuguei as lágrimas.

–Mas ele bem que quer te agarrar.

–Por que você não volta a jogar seu futebolzinho ao invés de ficar aqui falando merda no meu ouvido?

–Porque eu já queria falar com você. Olha, sabe aquela menina de cabelo roxo que veio com a gente? –infelizmente, sei sim. –Então. Ela meio que só me deixou vir de carona pra cá contando que eu desse em cima de você. Como eu prometi pra ela, eu vou tentar… Quer ficar comigo?

–Não.

–Tá. Pronto. Missão cumprida. No fundo, eu estou feliz por você ser idiota de recusar um cara tão gostoso quanto eu.

–Feliz?

–Sim. Eu não sou fura olho, não vou jogar tão sujo com Hebrom. Eu sei que sou muito…

–Babaca.

–Eu ia dizer irresistível, mas eu sou babaca também por aceitar aquilo. Na verdade, eu só queria vê-lo.

–Eu não consigo te entender…

–O quê?

–Você não é a fim de Hebrom? Por que está feliz por eu gostar dele? Você não é homo?

–Cara&#%! De onde você tirou isso?! Eu não estou a fim dele! P$&% que pariu, você é otaka também que nem aquele bostinha do Wendel? Fujoshi do inferno!

–Não entendi o que você disse, mas do jeito que sua cara tá vermelha, parece que sim.

–Eu não gosto dele! Eu já até pensei estar gostando… –eu me surpreendi por ele se abrir assim tão fácil comigo. Não deve ter gente de confiança pra conversar. –Mas não estou. Tanto que eu quero mais é que ele te pegue de jeito pra você deixar de ser tão mal amada ao ponto de ficar dando fora em mim até quando tento ser maneiro.

–Ótimo, menos concorrência pra mim.

–Ótimo mesmo. Porque eu sou irresistível até pra garotos. Enfim, Hebrom estava te procurando. Só não esquece não que é culpa dele a Kyara ter rido.

–Como você sabe disso?

–Você é um lixo em Geografia assim como eu, né? A praia toda pôde ver você dando chilique e colocando os peitões na cara dele. Ele tá lá que nem um retardado andando de um lado pro outro com a irmã atrás de você.

–Ah… Você… Pode chamá-lo pra mim?

Ele me olhou com desdém no começo, mas aceitou me fazer esse favor.

Hebrom

Rich me disse onde Quésia estava. Eu estranhei ele ter sido legal comigo, mas fiquei contente. Dileã e eu fomos até lá, mas eu queria um momento de privacidade com a garota que eu gosto:

–Eh… Dileã, vai fazer companhia pro Zac por um momento.

–Não! Ele é chato!

–Por favor! Eu brinco de boneca com você de novo amanhã.

–Tá. Mas você vai continuar sendo o mordomo!

–Certo, certo, agora vai. Obrigado. –foi dispensada e saiu andando.

Ficamos sozinhos e eu comecei a dizer:

–Eu andei pensando…

–Pensando o quê? –ela me encarou com os olhos um pouco avermelhados.

–Você me odeia?

–Não… Claro que não. Por que você está me perguntando isso? –ela pareceu triste.

–Eu fiz algo contra a sua vontade…

–Eu que aceitei. Eu poderia ter ficado… Mas o que eu queria mesmo era ir com você…

–Que fofa… –ela pareceu constrangida por causa do meu comentário. –E essa coisa minha de ter ciúmes? Não te incomoda?

–Incomodar, incomoda… Mas tem seu lado bom, não? Mostra que você não quer perder minha amizade…

Amizade… Essa palavra é linda, mas doeu um pouco naquela circunstância.

–Eu tento parar com isso, Quésia, é sério. É mais forte do que eu. Tipo… Nunca tive uma amiga, muito menos uma como você. Não quero te perder. Eu sei que te conheço faz pouco tempo… Só que tudo o que você é me faz gostar cada vez mais de você!

–Entendi… Eu também não quero… E sobre essa coisa de ciúmes, eu estou me acostumando… Desde que você não comece a achar que pode mandar em mim por isso, não dou importância. Não odeio você. Gosto muito do seu jeito, tanto que você precisa se esforçar pra me incomodar, porque seu jeito normal de ser não me incomoda. Eu já notei que você tem medo de que as pessoas fiquem com medo de você… Mas eu não tenho. Muito pelo contrário… Eu gosto de ter você perto de mim.

–Eu também gosto de ter você por perto… Então… Você pensou sobre o que eu disse?

–Sobre o quê?

–De eu ter dito pra você pensar no sentido que não era pra pensar por eu gostar de você…

–Pra ser sincera, eu não entendi o que você quis dizer com isso… –ela fez uma carinha confusa.

–Eu gosto de você.

–Sim, eu também gosto de você. Somos melhores amigos.

Quésia

Hebrom e eu ainda estávamos conversando. Ele estava tentando explicar seus sentimentos por mim… Ele disse:

–Eh, mas… Mas o que eu sinto por você é fetiche…

–Fetiche?… –aquilo me deixou nervosa. Eu estava com medo de ele ser um depravado. –Garoto, você sabe o significado dessa palavra, né?

–Sim, eu li no dicionário. Só que não é de um jeito maldoso… Eu só estou apaixonado por você, sabe?

“Só”?!

–E-Eu…

–Eu nunca amei nenhuma menina… Mas eu sinto uma atração muito grande por você.

–Hebrom… –eu me encolhi, aquilo estava me deixando receosa.

–Não se preocupa, está bem? Eu sei que parece, mas eu não sou psicopata. Apenas estou completamente viciado em você…

–Acho que vou vomitar.

–Que horror, como você é romântica! –ele começou a rir por eu ter desfeito o clima.

–Você é que é todo meloso, chega a ser assustador.

–Eu estou mesmo te assustando?

–Um pouco…

–Eu não queria. –Salamander aparentou tristeza.

–Tudo bem. Isso me deixou feliz. –levantei e dei minha mão pra ele.

Depois disso, começamos a caminhar juntos de mãos dadas pela praia. Queríamos um lugar mais reservado, porque ali os meninos que jogavam futebol (especialmente Folk) podiam nos ver. Fomos até o outro lado subir para as rochas em que Naomi e Jamal estavam, só nos afastamos um pouco. Sentamos um ao lado do outro.

Eu estava bastante sem graça e ele também. Eu não sabia o que falar, mas o que eu disse sobre ter medo dele ainda estava em minha cabeça. Resolvi quebrar um pouco do clima quieto deitando e estendendo os braços.

–O que é isso? –ele estranhou. –Quer um abraço?

–Sim… –fechei os olhos com força depois que o vi sorrir por eu ter dito aquilo. Era muito constrangedor pedir isso, mas ele não se importou e me segurou com força. –Ai!

–Caramba… Machucou? Desculpe! –o garoto se ergueu e afastou um pouco.

–Não foi você exatamente… –fui olhar onde ele tinha tocado pra saber o porquê de doer tanto.

Era um das feridas que ganhei no orfanato. Essa era mais pra parte de trás do ombro. Eu tinha até me esquecido dessas coisas por causa das roupas compridas… Não esperava que algum deles ainda estivesse sensível.

–Que machucados são esses, Quésia…? –Hebrom fez uma cara apreensiva enquanto se apoiava com as mãos nas rochas pra não cair em cima de mim.

–Escorreguei na escada hoje cedo…

–Não minta pra mim, por favor.

–Como você sabe que eu estou mentindo?

–Eu não disse que sabia… Eu só pedi pra você não mentir… Você acabou de se entregar.

–Tsc…

–Me diz, eu tenho que fazer alguma coisa a respeito!

–Não tem, não. Você não pode ajudar.

–Fala logo quem fez isso, Cortês! –ele ficou sério.

–Você já sabe… Eu fui adotada…

–O que isso tem a ver? Não é Edgar que te bate, é?!

–Não, claro que não!

–Bom, então diga quem foi.

–As meninas do orfanato… Elas me batiam.

–Por quê?

–Eu sei lá! Elas não iam com a minha cara. Eu não fazia nada, elas tinham raiva de mim.

–E você não disse isso pra ninguém?

–Não…

Hebrom olhou pra mim ternamente, ficou um tempo parado e colocou a mão no meu rosto, me olhando naquela mesma posição. Fechou os olhos… Eu pensei que ele iria me beijar, mesmo que num momento estranho, então também fechei meus olhos e fiz biquinho. Fiquei esperando alguns segundos e, quando eu abri meus olhos, ele ainda estava do mesmo jeito. Quê? Mico. Ainda bem que ele ainda não tinha visto.

–Ei… –tentei chamar a atenção dele, mas ele só pediu pra que eu esperasse.

Ele deveria estar pensando em alguma coisa… Será que ele vai ajudar a me vingar?

–Você ainda guarda rancor delas? –finalmente abriu os olhos. Só agora eu entendi que ele estava orando.

Se você acha que “esperar ansiosamente pelo dia da morte de” e “guardar rancor de” são coisas parecidas… Sim, eu ainda guardo, com muito carinho e cuidado pra que ele não se perca ao longo da minha vida.

–Não.

–Já pedi pra não mentir pra mim…

–Tá, eu guardo.

–Então… Tenta parar com isso. Por favor. Vai fazer mais mal a você do que a elas. E eu tenho certeza de que elas te tratavam daquela maneira por nem tentar te conhecer pra valer. Você é uma garota ótima, mas nem tudo o que você receber do mundo vai ser ótimo… Aqui, infelizmente, nós confundimos pessoa boa com objeto descartável…

–Filosofou, hein?

–Incrível como você sempre destrói os climas fofos que eu construo. –ele riu e deu um beijo no pescoço.

Acho que nós termos ficado ali rindo, conversando e às vezes beijando o rosto um do outro valeu até a pena. Tudo bem que depois ele pisou num ouriço do mar e teve que voltar pra van mancando (ele queria ir andando normalmente por não estar sentindo nada, mas Folk carregou-o –é, talvez ele não seja tão babaca)… Só que no fim das contas, valeu ter passado por tudo aquilo. Ele disse que gosta de mim…

Depois Bruno (que fez Ariadne vir também), Judith, Zacur, a prima de Kyara, Wendel, Jamal, Naomi, Hebrom e eu nos reunimos. Bianca e Oglart ficaram por perto… Kyara foi junto para não ficar no vácuo mesmo (não estou supondo, ela que disse). Folk não quis vir… Mas estava ouvindo de longe, parecia estar olhando Francisco e Ágata, que ficaram perto das pedras conversando. Os irmãos Salamander revezavam na hora de tocar louvores no violão. Eles meditaram e nós terminamos a tarde olhando o sol se pôr. Nunca senti uma paz como aquela… Mesmo eu me sentindo insignificante, parecia sentir que Deus estava cuidando de mim naquele exato momento.

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