Ordinários – Capítulo 23
A aula de Artes começou… A professora trouxe várias tintas, pincéis e cartolinas grandes. Mandou todo mundo escolher duplas… E como era de se esperar, Greta e Judi já estavam abraçadas. Fiquei no vácuo bonito. Não tinha mais ninguém pra fazer dupla, então eu fui falar com a professora pra ver se ela me encaixava numa “dupla de três”.
–Oi! O que há de errado, querida? –ela me perguntou com um sorriso tão calmo que parecia estar dopada.
–Não sobrou ninguém pra fazer o trabalho comigo.
–Ah… Entendi. Só um segundo. –foi titubeando pra trás de mim. –E você, rapazinho?
–Eh… A mesma coisa que ela.
–Uh! Problema resolvido! –a mulher me jogou em cima de ninguém menos do que Salamander.
–Achei que você fosse fazer com Yamada ou com Andreas. –comentei.
–Não. Lembra o que eu disse? Eles são melhores amigos…
–Entendi…
–Mas foi uma coisa boa dessa vez, senão eu não poderia ficar com você… –ele continuava tentando ser legal comigo. Isso me dava pena. Não que eu goste pouco dele, mas hoje eu estou esquisita mesmo… Eu tenho consciência disso.
Hebrom parecia muito nervoso. Talvez ele não quisesse ficar lembrando que tem poucos amigos por causa da má fama… Ele parece se preocupar em deixar claro que não sou sua última opção. Esse garoto parece me conhecer faz tempo… Eu e essa minha transparência ridícula.
–Agora que todos têm sua dupla, podem começar a fazer o trabalho. É o seguinte… Quero cada par pegue uma cartolina e divida-a ao meio com uma linha. Depois cada um pinta um lado! Nós vamos usar as pinturas para enfeitar o colégio, já que o evento está chegando. Alguma pergunta?
–Pintar o quê? –perguntaram.
–A pessoa que você quiser. Alguém que te inspira, que já fez alguma coisa importante. Não precisa ser exatamente como é, mas pode ser como você a enxerga. –ela sorriu toda 4:20.
–Que evento é esse? –levantei o braço.
–O que temos todo ano, ué.
Obrigada pela explicação, dona. Acho que já esqueceu que sou aluna nova.
–Anualmente o colégio faz uma festa temática. Esse ano vai ser sobre figuras históricas que fizeram alguma coisa pelo mundo. Estou sem ideia nenhuma… Vai fazer o quê? –Salamander me perguntou, deitado no chão e encarando o papel.
–Eu vou pensar. –respondi.
–Ah… Tudo bem. –ele falou, mas parece que ele não quis jogar na minha cara que eu estava pensando o dia todo e ignorando-o.
Poucos minutos depois, eu decidi o que iria fazer e comecei a preparar o rascunho, mas acabou que os dois tempos terminaram e nenhum de nós conseguiu terminar. A professora disse que deveríamos revezar na hora de levar pra casa. Hebrom deixou que eu levasse primeiro e foi falar alguma coisa com a professora.
O meu desenho estava ficando bom, queria chegar logo em casa pra acabar. Depois, aula de Matemática. Tédio eterno. Eu juro que estava tentando prestar atenção e fazer as páginas que o professor mandou, mas não dava. Era chato demais. Consegui sobreviver até dar o intervalo.
Judi e Greta quiseram me levar junto, tentei recusar, mas elas ficaram insistindo… Aí eu fui, sem muita animação. Só depois de sair da sala é que eu lembrei de Salamander.
Hebrom
Peguei minha câmera e fui pra fora da sala. Qué deve ter me trocado pela namorada do meu irmão de vez mesmo… Na pátio, Wendy e Jamal me chamaram pra tirar fotocópia de sei lá o quê…
–Eu não estou muito no clima, não… –falei.
–Desde quando precisa de algum clima pra tirar fotocópia, gênio? –Wendel reclamou.
Andreas disse pro Yamada não ser tão rude comigo e ameaçou a passar a roda da cadeira dele no seu pé, caso não parasse.
–Não quero ir, gente…
–Sem problema, Brom. Nenhum de nós vai te obrigar a fazer o que não quer. –Andreas disse sorrindo. Ele é tão conveniente… É sempre bom estar perto dele… Queria ser assim.
–Hey… –chamei quando eles já estavam se voltando ao sentido contrário.
–Sim? –Jamal olhou pra trás.
–Obrigado por me chamarem.
–Que nada! Você é nosso amigo. Não precisa agradecer.
–Parece que o eu emo-gótico do Hebrom tá voltando ao corpo dele… Você quer que eu fique? Eu só ia pra fazer companhia ao Dreas, mas parece que você é que precisa de atenção.
–Assim eu fico até receoso de ir… –o Jamal virou sua cadeira de rodas pra me olhar melhor.
–Não! Podem ir! Quando vocês voltarem a gente conversa melhor. Não quero atrapalhar…
–Tá, tchau. –Wendy deu as costas sem mais nem menos, com o caderno na mão, e saiu andando.
–Ai… Esse garoto é sem noção mesmo, hein? Parece que ele tem limite de tempo pra ser educado com os outros… Eu já volto, Brom. Vê se não pensa demais nos problemas, seja lá qual forem, está bem? Vai acabar deprimido.
–Certo… –eles se foram, e naquele mesmo instante, eu vi Qué indo até a porta do refeitório com Greta Mendonça e a namorada do meu irmão. Eu não precisei nem pensar, parece que “os problemas” fizeram questão de passar por mim.
Eu comecei a olhar as fotos na câmera… Algumas delas eram de Quésia, que tirei sem ela perceber. Eu não queria ser tão sozinho. Por que eu tenho que precisar tanto dela?… Outra vez senti vontade de chorar… Então, foi isso que eu fiz.
Meu Deus… Se o que eu sinto por ela não for o que Você quer, por favor, me faça parar de sentir. Eu não quero alimentar nada que Você não aprove… Porque eu sei que Você vai fazer o melhor pra mim e pra ela… Mesmo que não seja pra nós dois juntos. Saber que ela vai ser feliz já me deixa feliz. Se ela não quer estar perto de mim, eu tenho que me contentar. Quando não é da Sua vontade, nada dá certo. Não importa o quanto eu planeje… Eu vou desmoronar tudo com as minhas próprias mãos.
Eu sou um desajeitado… Talvez por isso ela tenha desistido de mim. Pelo menos ela passou de uma semana comigo… É um record.
–Garoto, você tá chorando? –era ela… –O que houve? Quem fez isso com você?… Anda, fala!
–Eu não posse te explicar na tentativa de você me dar uma resposta, porque meu problema é você. Não tem como me ajudar. –eu não conseguia parar, então falei entre lágrimas mesmo.
–Hm… Acho isso errado. Se seu problema é comigo, não é comigo que você deveria resolver? Eu não sou sua amiga?
–Eu não gosto mais tanto de te chamar assim, porque eu queria uma coisa além disso… Eu só queria ser bom pra você… Eu gosto muito de você… Será que você não entende…
–Hebrom… Eu… Eu saio um segundo de perto de você por alguns minutos e… você já começa a fazer drama! –Quésia falou alto, sentou ao meu lado no chão e deu um tapa de leve na minha cabeça. –Fala logo, o que foi agora?!
–Eu acabei de dizer!
–Achei que eu fosse sua melhor amiga…
–Pois é, eu também.
–Ah, então eu só não entendi a parte de eu ser o seu problema.
–Você está me trocando…
–Quem disse isso?
–Ninguém disse, eu percebi sozinho…
–E você lá é objeto pra ser trocado, abestado? Eu só estava andando com aquelas meninas porque elas me chamaram. O meu passado voltou pra me assombrar…
–Como assim?
–Eu já conhecia aquela de cabelo verde. Ela não é quem eu pensei que fosse, mas a questão não é essa. Eu nunca te trocaria por um momento superficial de nostalgia. Mas você também tem que perceber que não vai dar pra eu ficar perto de você o tempo todo. Você precisa ir ao banheiro, por exemplo. –isso me fez rir por um instante mesmo chorando ainda.
–Desculpe… É que hoje mais cedo parecia que você tinha enjoado de mim…
–Eu já disse um monte de vezes que não era nada disso! Mesmo você sendo realmente enjoativo com esse chororô todo. Você sabe que eu gosto de ser sua amiga.
–Melhor amiga…
–Isso. Você também é meu melhor amigo.
Eu devia ficar feliz por ela dizer isso… Mas era uma das coisas que eu não queria ouvir vindo de Quésia… Ela já devia ter percebido que eu quero que o melhor amigo dela seja Deus… Eu quero que ela tenha a mesma felicidade que eu tive quando O conheci. Eu quero que Quésia ganhe ótimos presentes dEle, do mesmo jeito que Ele a colocou na minha vida. Talvez não seja pra gente ficar junto, talvez meu irmão esteja certo, mas… A felicidade dela é algo que não quero abrir mão, mesmo que isso custe a minha.
–Tá melhor agora?… –ela enxugou minhas lágrimas com suas mãos, mas eu continuava chorando.
–Eh… Sim, eu estou.
–Então para com a cachoeira nos olhos. –me fez rir outra vez. –E o que é isso daí? –Qué tentou olhar minha câmera, mas eu coloquei-a pra trás.
Imagina se ela vê aquelas fotos… Ela vai me achar um maníaco!
–É que eu tiro fotos como hobby! Fotos de coisas e pessoas bonitas.
–Hm… Entendi. Deve ter a foto da menina que você gosta aí e não quer que eu veja… –eu corei, mas corei muito! Acho que ela viu… Será que ela viu? Socorro, que vergonha!
–Eu não gosto de…! –acabei engolindo as minhas palavras. Eu não poderia dizer uma mentira… Muito menos desse tamanho.
–De quê?
–De você me pressionando desse jeito…
–Entendi… –Quésia não parecia satisfeita. Se eu disser pra ela, ela vai ficar assustada, com certeza… Mas eu vou revelar tudo assim que parecer propício.
–Você quer sair comigo?
–Tá falando sério? –recuou um pouco.
–É… Que… Amanhã será reunião, então não haverá aula… Eu vou até a praia com Jamal, porque a irmã dele vai passar a tarde fora e depois disso ele vai dormir na minha casa. Combinamos isso antes de começar a fazer o trabalho de artes. Nós pretendemos fazer um culto ao ar livre também… Ele quer se batizar, aí vou estudar a Bíblia com ele. Wendy disse que vai pra caçar aqueles monstrinhos daquele jogo aí que lançaram pra celular… Não lembro o nome. E depois disso aproveita pra participar do estudo também.
–Os pais de Jamal também vão ficar fora? Eles estão trabalhando?
–Não, ele só mora com a irmã mesmo… O nome dela é Chantal. Ela é funkeira, está namorando um cara da região que eles moram e Jamal só me disse que ela ia ficar a tarde lá e provavelmente iria a um baile à noite… Então só volta na madrugada.
–Ah… Entendi. Ramon que nos levaria?
–Não, a gente vai de kombi. Meu irmão alugou uma. Ele sabe dirigir…
–Então vão Jamal, Wendel, Zacur e você?
–Meu irmão chamou uns amigos dele também… Você se incomoda de ir muita gente?
–Acho que há espaço pra todo mundo na praia… O problema nem é esse.
–O estudo não fica falando da minha religião, se é isso que te preocupa! É só da Bíblia, em si…
–Não sou Edgar, não tenho nada contra sua religião, Hebrom… Pelo contrário. Eu até gostei dela. Mas enfim… Eu pretendo ir sim. Pra ser sincera, eu nunca fui a uma praia.
–Nunca?! Que legal!… Sua primeira vez vai ser comigo! –depois de um segundo sorrindo, eu fiquei com a cara toda vermelha. –Isso soou muito estranho… Desculpe… Foi… Constrangedor.
–Hahahaha! Eu não pensei nisso até você dizer! –ela acabou rindo. Pela mãe do guarda, que vergonha…
–Então… –cocei a nuca. –Passo na sua casa uma hora depois da gente sair da escola, pode ser?
–Tá!
Como Wendy costuma dizer: “aehoooo!”. Ela vai comigo! Isso foi de Deus! Achei que essa fosse a oportunidade perfeita pra falar de Jesus pra ela. Nós vamos nos divertir bastante. Eu vou levar meu violão pra tocar algumas músicas também. Além dela, outras pessoas vão poder ouvir dEle! Isso será melhor do que eu imaginei.
Espero que ela se anime com esse passeio. Ela disse que leu o livro, não disse exatamente se gostou. Eu tento falar de Jesus pra cada aluno novo que chega na escola… Geralmente eles passam os primeiros dias deles comigo e depois começam a andar com outras pessoas. Metade não suporta meu papo de cristão, a outra metade foge de mim por causa da reputação… Quésia foi uma exceção nisso tudo. Se bem que eu demorei pra falar pra ela…
Às vezes me sinto mal quando não falo coisas boas pras pessoas… É como se elas estivessem doentes e eu escondesse o remédio. Perturbador…
Enquanto eu pensava nisso, meus dois amigos voltaram discutindo. Era por causa de 50 centavos, se eu entendi direito… Enfim, deu pra separá-los, porque era uma coisa muito boba. Jamal ficou feliz em saber que Quésia ir estudar com a gente. Estou muito empolgado!