Ordinários – Capítulo 22
Hebrom
Meus irmãos e eu já estávamos indo até o ponto de ônibus. Zac havia me pedido desculpas hoje de manhã… Eu não estou aborrecido, entendo que ele fique tenso quando discute com Pierre… Ainda mais quando Judith não está com ele…
–Quésia está ali! –eu exclamei muito surpreso e num desespero interno. Normalmente ela vai com o irmão de carro a essa hora, não esperava encontrá-la àquela ali… Não que eu não estivesse contente, mas ela me pegou desprevenido. –Zac, o que eu faço?
–Ué… Vai falar com ela.
–Não isso… Quer dizer… O que eu falo com ela?
–Diz que ela está bonita. Meninas gostam de ouvir isso… Todo mundo gosta, eu acho.
–Elogia ela! –minha irmãzinha opinou.
–Cala a boca, Dileã! Essa daqui ainda acha que é gente… Foi o que eu acabei de dizer a ele!
–Para! –ela resmungou.
–Não briguem. E… E o meu cabelo, como que está?
–Seu cabelo…? Normal, cara.
–Normal? Ah… –olhei pro vidro do carro que estava estacionado perto de um lugar antes do ponto de ônibus e tentei arrumar. Mas aí vi que tinha alguém dentro do carro… Pulei pra trás, cheio de vergonha. –Descul…
–Hebrom? –era Quésia, ela me viu… Estava atravessando a rua. Do nada, meu rosto esquentou.
–Oi! –tentei agir naturalmente. –Você está linda… Na verdade, você é… linda…
–Hm… Obrigada. –ela botou uma mecha cabelo atrás da orelha e eu, quase que involuntariamente, fiz a mesma coisa. Estava muito nervoso… Dei um abraço rápido nela, por falta de recurso.
–V-Você também está cheirosa.
–Sério? Eu nem estou usando perfume…
–Eu gosto do cheiro da sua pele… –os meus irmãos estavam atrás dela. Zac fez um palmface e a Di estava segurando o riso. Devo ser muito lerdo mesmo… Tantos outros elogios pra eu fazer… Só que eu não desisti de falar com ela. –Não que eu não goste da sua presença, mas… O que você tá fazendo aqui?
–É que… Meu irmão quer que eu passe a ir pra escola com você.
–Isso é sério?! –eu fiquei em êxtase. –Quer dizer… Ele deixa a gente se ver?
–Ele disse que não liga, então… Acho que sim! –ela deu um sorriso meio sem graça. –Me ensina a pegar o ônibus?
–Ah, é fácil! Muito fácil! É só gravar o nome e o ponto em que a gente costuma descer. –comecei a explicá-la detalhadamente sobre a arte de pegar um ônibus… Mas depois disso, eu só soube observá-la e ficar coçando a nuca enquanto ela segurava as próprias mãos e olhava para o chão.
Por algum motivo ela estava mais calada que o normal hoje. Isso me deixou preocupado… Será que ela pensa que sou metido por causa da última vez?… Depois que o transporte chegou, nós subimos. Eu fiquei feliz por Qué sentar ao meu lado no banco… Eu queria tocá-la, mas estava com receio de ser rejeitado se fizesse alguma coisa. Eu tinha vontade de dizer que gosto dela, mas o clima não estava nem um pouco propício… Eu queria saber a razão de ela estar tão estranha comigo.
Nós ficamos sem assunto até chegar na escola, que foi onde eu consegui pensar em alguma coisa pra dizer:
–O meu pai ficou impressionado com o seu talento em Português.
–Ah! Hm… Que legal. Eu já volto, tá bem? –se retirou.
“Hm”? O que ela está querendo dizer com “Hm”? Eu não tenho mais o que dizer… Preciso de ajuda. Comecei a olhar pro céu, eu estava em desespero… Deus, o que eu posso fazer? O que eu posso fazer? Acho que vou irritá-la, tentar fazê-la rir talvez… Isso chamou a atenção dela na maioria das tentativas. Eu prefiro muito mesmo que ela fique brava comigo do que indiferente. Quésia estava de costas, perto do bebedouro que tem no corredor, então eu cheguei por trás dela e sussurrei:
–Você vem sempre aqui? –ela me deu uma cotovelada na barriga. Ter insensilibidade à dor tem suas vantagens… Não fiquei bravo. –Eu sei que a cantada é ruim, mas… Precisava disso?
–Foi mal! Eu não sabia que era você! Não sabia mesmo!
–Por quê? Se soubesse que era eu, teria batido com mais força, eh?
–Para de ser bobo… –ela pareceu chateada com meu comentário… Só estou piorando tudo.
–Desculpe… Acho que eu estou te incomodando hoje…
–Não é nada disso, Salamander.
–Vai me dizer o que é? Se não quiser, não precisa… Mas não fica com essa carinha, não… Está destruindo meus feels… Não me obrigue a te fazer cócegas de novo. –agarrei ela pelas costas e ela riu meio sem jeito. Finalmente ela riu!
–Olha, eu vou ter que jogar água nos dois se não se soltarem… Não podem ficar de intimidade dentro da escola. –o inspetor passou por ali e eu tive que soltá-la.
Fui olhar de onde ele tinha vindo e só consegui ver Kyara desviando o rosto, porque não tinha mais ninguém por ali… Estava muito cedo.
–Ainda dá tempo de ir lá pra fora, Qué. –ela riu ainda mais com meu comentário besta.
–Vamos pra sala, Brom. –fomos andando, não tinha ninguém lá dentro.
Ela sentou em seu lugar e eu arrastei minha carteira pra ficar um pouco mais perto. Como eu esperava, ela continuou sem falar. Então eu coloquei meus braços sobre a mesa dela, deitei e fiquei encarando.
–Qual o problema? –ela perguntou.
–Eh… Vários. Você não está falando comigo, está carrancuda e parece que não gosta de eu estar por perto…
–Eu já te disse que não é nada disso, Salamander.
–Então o que é? Diga… Por favor… Se você puder… E quiser…
–É que eu estou pensando…
–Em quem?
–Não “Em quem”. “Em quê”. Naquele livro que você me deu, pra ser sincera…
–O que foi? Você não gostou…?
–Não é nada disso…
“Não é nada disso”, isto está me deixando muito confuso. Qué voltou a ficar parada, com cara de séria… Estava me deixando preocupado… Ela vai parar de falar comigo? Acho que ela percebeu que eu estava atormentado e disse:
–Me desculpa por não ser a amiga que você merece.
–Como assim, Qué?
–Eu deveria estar falando com você, ao invés de ficar olhando pro nada… Em casa vou poder olhar pro nada o tempo que eu quiser…
–Eu não me importo de você ficar em silêncio, desde que continue perto de mim… Isso é, se você gostar de ficar perto. Ficar calada não te torna uma má amiga. Eu não me lembro de Deus ter me respondido diretamente em algum momento da minha vida e Ele é meu melhor amigo. Eu fico feliz só de saber que Ele está perto, me ouvindo e pronto pro que der e vier… Além disso, você é muito mais do que eu mereço, você não tem a menor ideia do quanto gosto de você… Você é o que eu pedi, o que eu precisava e também o que eu queria… –levantei a cabeça e segurei sua mão.
–Isso… –ela apertou minha mão –Isso ficou meloso demais. –e depois soltou-a. –Que nojo. Desculpa, mas… Que nojo. Essa extrapolou.
–Fica calma! Vai piorar. –ri e me aproximei para dar um beijo lento na sua bochecha. Antes mesmo de eu fazê-lo, ela ficou bem corada e fechou os olhos com força. Foi a coisa mais fofa que eu já vi!
Acredito que a gente se dê muito bem. Ela é a melhor amiga que eu poderia querer. Não é perfeita, mas… ninguém nesse mundo é.
–Yo… Eita… Péssima hora pra aparecer… Gomen. –Wendel entrou na sala e me flagrou com a mão no rosto dela, e bem próximo também. –Vocês formam um belo casal.
Quésia ficou ainda mais canhada com o comentário dele, colocou a mão sobre a minha e empurrou, como se quisesse se afastar.
–Eu concordo! –falei e ela me olhou com uma feição assustada. –Mas somos só amigos. Não vejo problema em beijá-la.
–Beijar? Não tinha visto vocês se beijando… Obrigado pela informação a mais, vocês vão dar canon. Já to até shipando. Tá meio óbvio que vocês são um OTP…
Eu… Não entendi quase nada do que ele disse e acho que Quésia também não… Pelo que deu pra perceber, ela não gosta tanto de sentimentalismo, ela fica sem graça… Vai ser um problema. Vou tentar me conter… Eu sou bem carente em alguns aspectos.
Francisco e Ágata também entraram na sala. Ela perguntou:
–Quem são OTP?
–Salamander e Cortês. –Wendy respondeu.
–Hm… E o que é isso? –o primo dela também não entendeu.
–Tipo uma combinação perfeita, um casal feito um pro outro.
–Ah, tá! Concordo. Só vivem juntos e ficam tímidos perto um do outro. É bonitinho, eu gosto. –Ágata comentou.
–Não são vocês que têm que gostar… –Qué falou, não parecia nem um pouco feliz.
Depois dessa eu sussurrei um pedido de desculpas. Senti vontade de colocar minha carteira no lugar…
–Que isso? Tá de TPM? –Raitz cruzou os braços.
–Depois eu que sou o grosso… –Francis ficou olhando pra janela como se não tivesse levado um fora.
–Não tenho TPM. Nem paciência com esse tipo de brincadeira. Parem de zoar Hebrom, ele só está sendo gentil comigo, assim como ele é com todo mundo.
Ela não percebeu que eu estou apaixonado por ela… Não fui muito esclarecedor… Essa história de tentar me aproximar de Quésia tá dando completamente errado. Eu queria que ela percebesse que faço tudo isso pra chamar sua atenção… Ela é um presente que Deus me deu que eu gostaria de levar para a vida toda… Mas ela não me nota. Ou será que ela notou e não gosta de mim?… Pensar nisso me dá vontade de chorar… Se bem que ela tem milhares de motivos para desgostar…
Eu sou um bobo, pareço um psicopata, não gosto de ficar sem ela, sou ciumento, sem contar que não sou tão bonito quanto ela… Bem, pelo menos eu penso assim. Eu deveria ter mais amor próprio, falando como cristão… Nem isso eu sei fazer direito… Mas é como se uma voz me dissesse que eu deveria parar de pensar assim, porque é idiotice…
À medida que o tempo foi passando, as pessoas começaram a entrar na sala de aula e eu precisei arrastar minha cadeira de volta ao lugar devido. Quésia continuou parada, pensando… Será que ela ficou aborrecida com alguma coisa que leu no livro? Eu não queria que fosse assim… Era pra ela ficar feliz… Eu tenho me esforçado justamente pra isso… Me sinto um fracassado.
Quésia
Não consegui parar de pensar naquele livro… Se eu assumir que acredito, eu não terei nada a perder mesmo… E pelo que me parece, eu vou ter que ser uma pessoa melhor pra não ser hipócrita, caso eu venha aderir a isso. Me parece que todo mundo sai ganhando… Eu estava muito brisada hoje, pensava nas coisas que li e imaginava as cenas na minha cabeça.
Ele estava me esperando esse tempo todo… Eu ficava feliz, mas mal ao mesmo tempo, por ter desdenhado… Hebrom estava esquisito comigo hoje, mas deve ser por eu estar mais presa ao meu mundinho dessa vez. Eu não estava preocupada com o que Edgar acharia disso, eu estava pensando mais em como dar o primeiro passo…
Enquanto eu estava viajando totalmente na minha cabeça, uma menina de cabelo longo, verde, chegou na classe e uma outra de Chanel preto com uma mecha azul. Elas se abraçaram e começaram a conversar. Estranhamente, eu não soube explicar o motivo de elas terem chamado tanto a minha atenção… Não é tão raro nesse colégio ver gente de cabelo colorido, então eu não entendi muito bem. Eu comecei a sentir um peso por dar atenção ao jeito daquelas desconhecidas e não ligar pra Hebrom, que é o garoto que eu gosto e se esforça pra me deixar animada… Eu me sinto horrível, mas não consigo mudar de atitude assim… Eu estava muito reflexiva… Porém aquelas duas meninas conseguiram desfazer os meus devaneios.
A de cabelo verde ficou me mirando e veio até a minha direção. Isso me fez prender a atenção ainda mais.
–O que tá fazendo aí sozinha?
–Ah… Nada… –eu respondi hesitante.
–Você não me parece ter uma memória muito boa.
–Como é que é? –ela riu e me deu um abraço.
–Judi falando!
–Oi?! –não consegui disfarçar minha surpresa. Percebi que Hebrom estava me encarando, mas não fiquei olhando de volta. –O que você fez com seu cabelo?! –aquilo realmente me decepcionou, ela era muito mais bonita antes.
–Eu pintei, oras!
–Eu preferia a cor natural…
–Cor natural? Aquela não era a cor natural! Pirou?! –Barcelos riu ainda mais. –Enfim, eu acho muito sinistro te achar aqui! Aliás, nem tanto, porque esse lugar é um cubículo, não tem outro colégio pra gente da nossa idade aqui por perto.
–Eu soube… Eu também acho muito estranho cair na mesma sala que você.
–Nem tanto. Mesmo ano letivo, quase a mesma idade… Ai! –ela deu um pulinho. –Que ótimo! Vamos poder continuar sendo colegas!
Colegas… Uau. Salamander ainda estava me olhando como quem queria dizer “Entendi… Então o problema era comigo mesmo…”. Me fez sentir ainda mais culpada, eu poderia ter parado de pensar um pouco naquilo e ter dado um pouco de atenção a ele. Acho que ignorar as pessoas não seja a melhor forma de começar a exercer uma religião…
–Deixa eu te apresentar a Greta. –Judi trouxe a menina de cabelo preto.
–Prazer, Quésia. Olha, você merece um prêmio por ter aguentado ficar com Judith no orfanato. Eu já estou nessa vida há uns três anos e sei que não é pra qualquer um. Então eu realmente tenho que te parabenizar, ela é muito insuportável! –disse em tom de brincadeira.
Judith… Não sabia que esse era o nome dela.
–Para de graça! –minha “melhor amiga” empurrou a outra garota. Elas parecem ser completamente ligadas entre si. Também parece que eu não fiz falta. Não, não é ciúme. Talvez um pouco. Mas tá mais pra decepção mesmo.
Elas ficaram conversando perto de mim, contando caso, mas mesmo assim parecia que minha presença nem fazia diferença nenhuma. Sabe quando você sente que tá sobrando? Se não sabe, você tem sorte, porque é horrível…
–Ah, Quésia, faz um desenho pra mim um dia desses? –Judi finalmente se dirigiu a mim diretamente. Ela ao menos lembra que eu gostava de desenhar.
–Tá… Claro.
–Ui, ela desenha mesmo? –a outra menina quis saber.
–Desenha muito, você tem que ver, Gre! É incrível.
Não, minha felicidade não é comprada com elogios. Eu realmente não estava querendo que a tal Greta explodisse ou sei lá o quê. Eu só queria que “Judith” se mostrasse interessada pelo que aconteceu comigo. Ela nem perguntou se eu estava bem… Isso me incomodou. Não gosto mesmo quando as pessoas ficam mudando com as circunstâncias pra agradar as outras… Evidentemente ela só me mostrou a parte da personalidade que queria me mostrar. Existe um abismo de diferença entre ser simpático e ser falso. Estava bem na cara de que ela não era mais a mesma.