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Ordinários

Ordinários – Capítulo 18

Quem estava pregando pediu que quem quisesse aceitar aquele sacrifício ficasse de pé. Mas eu não tinha forças pra fazer isso… Ele insistiu bastante, mas eu não me ergui mesmo querendo. Parecia que algo me puxava e não me deixava levantar… Por fim, ele disse que Deus sabia o que estava no coração de cada um… E também orou por quem não levantou… Enquanto a música tocava, eu não conseguia parar de chorar.

Hebrom deu uma olhada lenta em mim… Ele esticou o braço e enxugou minhas lágrimas já de pé:

–Ele morreu pra você sorrir… Não precisa chorar mais, darling. –colocou meu rosto contra seu peito e eu comecei a soluçar. Eu não sei o que deu em mim… Meu coração estava apertado.

Salamander me consolava docilmente e, depois que acabou, me levou até lá fora segurando minha mão de um jeito bem delicado. As pessoas estavam cumprimentando umas às outras, então não foi estranho o que ele fez: Me abraçou e disse num tom baixo:

–Lembre que você é amada, certo? Espero que você volte mais vezes. Foi um prazer ter uma amiga como você aqui comigo. A gente vai continuar com você…

Depois disso, eu me senti melhor. Era como se um peso enorme saísse das minhas costas.

–Obrigada… –eu disse finalmente sorrindo e apertei mais ainda o abraço.

Nos soltamos lentamente e depois uma moça com um bebê no colo chamou a atenção do garoto…

–Hebrom?

–Ah… Oi! Ah, que lindinha! Eu vi as fotos… Como ela está? Foi tudo bem? –ele respondeu.

–Sim! Você quer segurar?

–Claro! –pegou a criança nos braços.

–Quem é essa? –a senhora se referiu a mim e eu me esforcei pra agir naturalmente.

–Minha amiga, eu a convidei pra vir hoje. –o bebê abriu os olhos e começou a chorar. –Eh… Toma. –Salamander foi devolver.

–E-Eu posso segurar? Eu juro que vou tomar cuidado! –perguntei à mulher ainda com voz de choro. Nunca me deixaram segurar uma criança daquele tamanho, eu não podia deixar aquela oportunidade passar.

–Pode! Sem problemas. Não precisa jurar. –ao ouvir a resposta dela, Hebrom colocou a criança no meu colo.

Ela parou de chorar! Até eu fiquei surpresa.

–Você leva jeito com crianças… –ele comentou.

–Obrigada. Eu sempre quis ter filhos…

–Filhos?!

–Sim.

–Eh… Então com quantos anos você pretende casar?

–Casar? Eu não quero casar.

–Você quer ter filhos, mas não quer casar?

–Isso. Qual o problema?

–E… E se um cara que gosta de você… Por exemplo, de verdade, gosta muito… Quisesse casar com você… Você aceitaria?

Eu passei um tempinho franzindo a testa e pensando, até que respondi num tom ainda emotivo:

–Se ele prometesse me dar filhos, talvez.

–Ela é mesmo apenas sua amiga? –a mãe da criança perguntou. Eu tinha até esquecido que ela estava ali, de vela…

–Sim! Amiga… –ele respondeu por nós, me olhando estranho.

–Flor, há um moço lá fora dizendo ser teu irmão e pediu pra te chamar. –Tamaris veio avisar.

–Ah, tá bem… –fui andando.

–Minha filha! –a moça exclamou.

–Ih, é! Foi mal aí. –entreguei o neném que estava esquecendo. Isso me fez rir.

–Espera um pouco, darling! –Hebrom reclamou, deu um beijo na minha mão e sorriu. –Vou com você até lá fora.

–Vocês não vão ficar para a entrega dos livros? –ela perguntou.

–Eu vou, mas Qué já vai agora… –Salamander respondeu.

Lá fora nós encontramos Zacur fazendo alvoroço com um garoto que sofria de albinismo. Hebrom pareceu congelar no instante em que viu aquele rapaz… Mas foi até os dois tentar apartar a possível briga e me pediu pra esperar. Só que eu preferi ir com ele… Eu estava um pouco sensível e não queria ficar sozinha.

–Ei!

–Ah, boa tarde, garoto anfíbio… Quanto tempo, não? Não nos vemos desde… –ele aparentemente preferiu não terminar a sentença.

–Não precisa bancar o educado, seu sínico. –Zacur cruzou os braços.

–O que vocês estão fazendo? Respeitem pelo menos o lugar que vocês estão. –Hebrom disse após um momento de silêncio.

–Enfim, –o rapaz prosseguiu. –esse peste do seu irmão está tentando me convencer a voltar pra cá à força… De novo.

–Eh… Mart… –se confundiu. –Pierre, se você não queria, não precisava vir… –o de olhos verdes replicou engolindo seco…

–Educação.

–Entendo… Mas por que estão debatendo desse jeito?… Isso não é legal…

–Se o teu pai estivesse aqui, ele não ia gostar nada dessa tua história de se envolver com demônios no espiritismo só pra encontrar com ele! –Zac finalmente estava se manifestando.

–Dane-se! Como você disse, ele não está aqui. E se eu quiser fazer alguma coisa pra mudar isso agora e me comunicar com espíritos, o problema é meu, não acha?

–Tá, tá, que seja! É o único ponto em que você está certo! Mas se aceitou vir até aqui por educação, você devia ao menos continuar com a educação e ouvir a pregação sem ficar se questionando! Fazendo perguntas idiotas que você sabe a resposta! Isso irrita! Tira a minha concentração!

–Ah, me desculpa! Não sabia que o silêncio era tão importante pra você! Pode deixar que eu não volto mais aqui!

–Pierre… –o mundo de Hebrom parecia ter caído quando o outro disse aquilo.

–Me perdoa, Hebrom, mas não dá pra aguentar esse seu irmão. Espero que isso não mude o nosso relacionamento. Fiquem com Deus. –o rapaz albino foi embora.

–Zacur, você não deveria fazer assim… Não é briga que vai fazer alguém se interessar pelo que você tem a dizer…

–E do que você tá falando? Você também não é perfeito!

–Em momento nenhum eu disse que sou… –olhou pro chão. –Estou bastante ciente que não…

Hebrom

Pierre e Zacur estavam rixando no pátio da igreja… Eles eram melhores amigos… Eram. Depois que aquele foi embora, meu irmão começou a falar em francês e rápido comigo, obviamente ele queria que ninguém entendesse além de mim. Ele havia começado a falar os meus defeitos, me culpou pela amizade dele ter acabado… O pai de Pierre se chamava Martins e era pastor da nossa igreja. Ele tinha virado meu amigo… Quando eu estava afastado, ele sempre me mandava mensagens, me ligava, mas eu não dava importância a ele. Ele faz parte de detalhes que agora eu sempre prefiro omitir. Foi uma pessoa que eu sempre preferi apagar… Enquanto Pierre sempre quis trazê-lo de volta. Ele era muito amigo de Leonidas…. E também me lembrava muito Ramon, mas a diferença é que a ele eu até dava ouvidos de vez em quando.

Por mais que ele fosse uma pessoa maravilhosa, eu simplesmente detesto lembrar dele… Eu fico extremamente deprimido… Zac diz que eu assassinei Martins. Eu prefiro não comentar agora… Whatever… Depois de seu falecimento, Pierre começou a se voltar ao espiritismo… Ele era muito ligado ao pai e pensou que isso fosse uma solução, mas no fundo ele sabe que não é. Já admitiu isso pra mim. Ele não acredita tanto, mas se esforça. Mas também, ele viveu a vida inteira acreditando em outra coisa… Mudar por querer alterar as circunstâncias e não aceitar o que aconteceu é difícil.

Depois Zacur começou a dizer que eu não era e nem nunca fui esse garoto que estou fingindo… Sua última fala foi:  “Ou você se esqueceu que esse amor que você tem por essa menina é jugo desigual? Era isso que eu estava querendo falar com você outro dia! Detesto quando você banca o bom-moço, detesto que você seja o favorito e detesto ser seu irmão!” e deu as costas…

Bem, eu estou tentando esquecer isso… Ele fica irritado quando a namorada está longe. Não quero estragar meu Sábado por absorver todas essas coisas ruins. Afinal, ele é dedicado a uma Razão muito mais importante. Pedi desculpas para Quésia e fomos procurar seu irmão.

Quésia

Encontramos o meu irmão com a melhor expressão de raiva que ele conseguia fazer. De início, eu achei que fosse uma brincadeira:

–Por que você não me disse que era essa a igreja?!

–Como que não te disse, Edgar? Eu escrevi e coloquei na porta da geladeira, do jeito que você pediu. –retruquei.

–Não foi isso que eu quis dizer! Se eu soubesse que era essa a religião desse Zinho aí, nem deixava você andar com ele!

–O que tem?! Se você tem repulsa à crença dele, por que não entrou lá logo pra me levar?

–Nem morto que eu piso naquele centro de macumba!

–Ahm… Com licença… O nome da religião deles é “Umbanda” e não “macumba”… E não, não somos umbandistas. –Salamander entrou na conversa, mas de um jeito bem mais calmo.

–E o que é que você tem contra umbandistas? Vocês não se dizem cristãos, a única igreja verdadeira? Cadê o amor de vocês? Hereges ridículos.

–Não temos nada contra eles. O que acharia de eu te chamar de uma coisa que você não é? Você não diria o contrário?

–Hurr, durr, não vem bancar o moralista pra cima de mim não, garoto! E sai de perto da minha irmã! Não quero ela andando com gente dessa seita podre.

–Ed… Olá! Desculpa me intrometer, mas acho que o senhor não sabe mesmo o que é uma “seita”. Não precisa usar esse termo num tom pejorativo. –Ramon apareceu em cena.

–Ramon… Que nojo de você. Se eu soubesse que esse menino era obra tua, eu não teria nem conversado com ele. Foi bem interessante a maneira que você o educou pra ser come-quieto igual a você.

–Eu não entendo o motivo de você nos odiar tanto sem sequer ter conversado com a gente. Eu não sei a razão de você ter mudado comigo no segundo grau…

–Eu não vou perder meu tempo tretando com religiosos fanáticos! Vamos embora daqui! Diz pra esse teu projeto de carola pra ficar bem distante da minha menina. –Edgar me pegou agressivamente de perto de Hebrom e me pôs no carro.

–Que fogo foi aquele, Edgar?

–Fogo? Eu? Não fui eu que fiquei dando em cima de um beato qualquer! Eu não quero mais você perto dele, tá ouvindo?!

–Dependendo do que você me disser, eu vou pensar em obedecer. –todo o meu sentimento de comoção se transformou instantaneamente em raiva.

–Ui, como você é rebelde! Vida louca! Uiiii! Até me arrepiei!

–Por que você tem tanto preconceito com a religião deles?

–Você não faz ideia das coisas que eu já ouvi e li…

–Você tirou tuas conclusões pelo o que as pessoas disseram e não por uma experiência própria?!… Sem sequer ter provas?!

Eu sei que não tenho muita moral pra dizer isso… Mas pelo menos deu pra fazê-lo ficar quieto por um tempinho.

–A senhora está proibida de ver aquele garoto, certo? Certo. –ele disse enquanto abria a porta de casa.

–Não. Não pode fazer isso!

–Já fiz, bonitinha. Nem adianta ficar de chororô. E desfaz esse biquinho aí, aquele teu ex-namorado não tá aqui pra te beijar.

Depois de chegar em casa, subi as escadas e bati a porta com raiva. Não dava pra acreditar naquilo! Eu nunca tinha visto Edgar ser tão infantil.

–E pode fugir de casa se quiser, essa cidade minúscula é umas trinta vezes menor do que você pensa! Vou te achar rapidinho!

Agora que ele proibiu, deu mais vontade ainda de falar com Hebrom… Mandei uma mensagem, mas não respondeu até agora. Espero que ele não seja lerdo ao ponto de deixar de me ver só porque me irmão surtou… Acho que eu me apaixonei, porque eu olhava o celular de cinco em cinco minutos… Como se lembrar do meu passado chorando no meio de uma igreja já não fosse melancólico demais.

Pouco tempo após esperar com o celular na mão e abraçando Mr. Pendleton, Hebrom começou a mandar mensagens… Ele me explicou qual era a da briga entre Zac e o tal de Pierre. Ele disse algo sobre a morte de um “Martins” que era surfista, se eu entendi direito… Mas Brom disse que não gostava de lembrar dessa parte da história… Me contou que preferia fingir que isso foi um pesadelo… Esquecer que aconteceu.

Ele me relatou apenas o básico… Disse que esse homem morreu na noite em que ele foi parar no hospital com Folk. Talvez ele ainda esteja omitindo mais coisas. Eu respeito isso… Até porque eu também não contei quase nada sobre meu passado pra ele.

Salamander também disse que queria falar comigo amanhã de manhã, no domingo… Às 9:30, na praça perto da minha casa. Eu sei qual, mas não sei aonde é, não costumo sair. É uma que foi reformada pela prefeitura não faz muito tempo… Apareceu no jornal outra vez. Não me lembro o nome do lugar onde fica. Mas eu vou encontrar… Preciso encontrar. Ele quer falar sobre a decisão de Edgar, o que realmente aconteceu com Martins e também sobre nós dois…

São assuntos muito inquietantes e que me deixariam neurótica na madrugada, mas eu acabei adormecendo em um que não fazia parte das três opções e que não queria sair do meu subconsciente: Deus.

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