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Ordinários

Ordinários – Capítulo 15

Hebrom

Fui à escola sozinho. Deus tinha feito um dia lindo, eu só lamentei por Quésia não poder aproveitar… Quando eu ia abrir a porta do armário, Wendel apareceu:

–Yo.

–Oi, Wendy!

–Mano… O que aconteceu com a tua boca? Você se mordeu? –a clássica piadinha sobre os meus dentes.

–Tchau, Wendy.

–Calma, cara, não fica triste! Eu não estou zoando o seu problema com o tamanho dos caninos… Nem o fato de você ter que usar aparelho… Você sabe que eu não faria uma coisa dessas… com você.

–Sério? Não é o que parece.

–Nada é o que parece. Me diz aí, o que aconteceu?

–Quésia…

–O que foi? Ela te mordeu?

–N-Não! –fiquei sem jeito. –Me chutou…

–Eita… Onde?

–Estou com um machucado na boca, Wendy…

–Ah, eu sei, eu estou querendo dizer… Onde vocês estavam? Quando foi isso?

–Hoje de manhã no quarto dela.

–E eu posso saber o que você estava fazendo lá?

–Eu fui visitá-la, ela tá doente, por isso não veio à escola.

–Por que ela te chutou então?

–Vamos indo pra sala… No caminho eu te conto. –saí andando e Wendel foi ao meu lado. –Fiz cócegas nela.

–Ah… Por quê?

–Eu acertei café no rosto dela e ela ficou brava comigo.

–Tá, né… Mas enfim… Bem feito. Cosquinha é obra do capeta, acho que levar um chute ainda foi pouco. –chegamos na sala de aula.

Eu ainda não tenho a menor noção do horário de aula. Só levava uma agenda e uma caneta pra anotar as coisas, já que ainda era a primeira semana. Wendy me disse que seriam dois tempos de aula de língua estrangeira. Quando fui pro meu lugar, peguei o celular e mandei uma mensagem pra Qué, avisando que eu já tinha chegado e dizendo qual aula nós teríamos. Ela visualizou e não respondeu nada… Como isso dói…

–Bom dia, gente! –o professor chegou na sala.

Ele começou a explicar como organiza as aulas. Depois tentou entreter a turma com uma dinâmica. Alguns nem deram atenção pra ele, incluindo eu… Eu me senti muito mal por isso… Eu não me sentiria bem se fizessem algo assim comigo e, além do mais, deu para ver que ele estava se esforçando pra agradar a todos. Então eu resolvi participar com mais entusiasmo, ao invés de ficar de cinco em cinco segundos olhando o celular pra ver se a Quésia me respondia.

Eu estava triste, mas sorri para o professor mesmo assim. Ele era um cara bem engraçado e fez algumas piadas que envolviam espanhol e inglês… Boa parte da sala não entendeu, mas os que entenderam se divertiram bastante. Foi uma boa aula! Queria que a Qué estivesse aqui… Eu sei que já orei por ela um montão de vezes, mas não me canso de pedir pra que ela fique bem logo.

Após os dois primeiros tempos, o professor de Geografia apareceu. Parecia menos cansado do que da última vez, mas não deu atenção para a turma.

–Professor, não vai passar a matéria? –Jamal perguntou tentando se mover para perto dele.

–Não, não, relaxa. Arruma alguma coisa pra fazer.

–Nós pagamos o colégio para estudar, professor… –ele insistiu.

–Tá, tá. Então faça um trabalho.

–Que trabalho?

–Voltar pro teu lugar e fica quietinho.

–Desculpa o incômodo. –Andreas deu um suspiro e voltou ao seu lugar.

Todo mundo na sala estava fazendo o que queria. Alguns com celular, outros com jogos, outros conversando entre si… Jamal e eu fomos os únicos que não fizeram nada de incomum… Me esforcei muito pra não olhar o celular, eu estava super ansioso.

A diretora entrou em nossa sala por causa do barulho:

–Que baderna é essa, professor?! –ao ouvirem a voz dela, todos voltaram aos lugares.

–Ah, cara, me erra um pouquinho, vai. –ele respondeu resmungando.

–Como é que é?!

–Eu sei o que estou fazendo, diretora.

–Tenho minhas dúvidas quanto a isso!

–Olha bem, eu já dei duas aulas normais pra todas as turmas. Já estamos com matéria adiantada. Eles têm deveres pra fazer, então, como me parece que todos já terminaram,  eu deixei eles se distraírem um pouco. E eu estou cansado por motivos pessoais…

–Tudo bem. –Cibele se mostrava tão cansada quanto ele. –Só não deixe que os problemas de sua casa atrapalhem o seu profissionalismo… Importa-se de eu fazer uma pergunta a eles?

–À vontade…

–Por favor, honestamente, levante a mão quem não fez os deveres de Geografia. –ninguém se mexeu. –Vamos, eu não vou castigar ninguém. –a maior parte da turma levantou o braço.

–A minha parte eu já fiz, os deveres que eu passei não foram poucos. –o professor comentou.

–Pessoal, escutem: Eu vou permitir que vocês conversem depois de terminar os deveres, mas por obséquio, baixo. –a diretora saiu da sala e todos voltaram a conversar.

Meu celular vibrou nesse exato momento… Será que…?

Quésiamorzinho: Hebrom, desculpa por não responder antes! Eu vi a mensagem, mas meu irmão não deixou responder.

Quésiamorzinho: Edgar não me deixou usar o notebook sem antes tomar aquele suco de laranja nojento que você aconselhou.

Quésiamorzinho: Mas acho que até amanhã eu consigo melhorar pra ir à igreja com você. Eu conheço alguém que frequenta?

Quésiamorzinho: Você está no meio da aula agora, não está? Acho melhor a gente só se falar no recreio. Não quero trazer problemas…

Quésiamorzinho: Aqui em casa está um tédio. Por favor, me responda quando puder. O Mr. Pendleton não é de falar muito.

Visualizado – Sexta 9:37

 

Você não faz nem ideia do quanto eu fiquei feliz por ela me responder! Olha esse jeitinho! Ela tenta disfarçar, mas dá muito bem pra ver que ela é um doce. Será que eu consigo ter intimidade com ela pra conseguir ver esse lado sem ter que me esforçar? Pensar nisso me deixa meio preocupado, porque se ela prefere esconder o que ela é de verdade, alguém já a destratou por ser ela mesma… Eu sei bem como é isso… E também sei que o que ela está fazendo não vai dar certo, por isso eu quero ajudar. A verdade sempre aparece, por bem ou por mal… Quero que a dela apareça por bem.

Eu respondi às mensagens. Me deu um dó dela, a Qué não me parecia nem um pouco animada. Espero que ela não tenha ficado ainda mais doente… Meu medo mesmo é que não seja só um resfriado.

Eu: Oooooooi, Qué! Suco d laranja é menos nojento do q café, isso eu te garanto! E vc conhece gnt d lá s. Mas eu n vou estragar a surpresa

Eu: Vai ser bem mais divertido se vc chegar lá e ver 😀 I miss u!

Eu: Pode falar. N vai atrapalhar, n. O prof de Geo deixou quem acabasse o dever conversar e eu quero conversar com vc

Quésiamorzinho: Eu espero que seja uma surpresa boa hahaha E eu também sinto a sua… Ficar doente e sozinha não é nada legal =(

 

Eu conversei com ela a aula toda e parecia que ela ficava mais feliz aos poucos. Fui pro recreio ainda respondendo mensagens. Wendy não estava jogando dessa vez. Nós sentamos num banco do pátio e ele disse:

–Aproveita que você tá falando com a Quésia e avisa que eu mandei um “Oi”.

–Como você sabe que eu estou falando com ela? –parei de digitar e olhei pra ele.

–Bem, você tá sorrindo e fazendo “Awn” o tempo todo pro celular, você tá todo vermelho e você não é de ficar usando aparelhos eletrônicos tanto assim… Tá usando muito exatamente hoje que ela não veio. Parece que você trocou de papel comigo.

–Desculpe… Você está se sentindo excluído?

–Mais ou menos, né?… Mas agora eu sei como você se sente quando eu tô jogando.

–Falando em jogo, por que você não está com ele logo hoje?

–Eu deixei de pegá-lo porque achei que você fosse ficar falando da Quésia, mas como você já está falando com ela…

–Desculpe, sério.

–Sem problemas, cara. Pelo menos você não é aquele tipo de otário que esquece dos amigos quando começa a namorar… Eu acho.

–Claro que não! Eu acho que não… Não estamos namorando… ainda.

Jamal veio até a gente e nos cumprimentou:

–Como estão vocês?

–Vivos… –Wendy respondeu sem fazer muito caso.

–Eu estou ótimo! Obrigado por perguntar! E você? –falei.

–Estou bem. Posso saber o porquê de você estar tão alegre?

–A futura noiva tá falando com ele no celular. –Wendel explicou por mim.

–Esplêndido! Você já a chamou pra ir à igreja?

Sim! E ela aceitou! –sorri de ponta a ponta. –Wendy, você toca uma música que eu escolher amanhã?

–Só me dar a partitura, cara.

–Obrigado. Vocês são demais!

–Eu não fiz nada… –Jamal disse arqueando as sobrancelhas.

–Você está aqui comigo, não está?

–Acho que sim. –ele riu.

–Então pronto.

–Sinceramente eu não sei como esse garoto consegue ser tão… Hebrom. –Yamada estava quase rindo também.

–Eu… Não entendi. –eles me deixam confuso…

–Relaxa, pode ter certeza que isso foi um elogio. –Andreas se esticou e afagou meu cabelo.

–Eu amo vocês. –abracei os dois.

–Olha, eu acho que chega de Hebronzices por hoje… Não exagera, cara, eu sou hétero. Jamal eu já não sei… –Wendy tentava afastar o meu abraço e Andreas nem refutou a brincadeira dele.

Eles são meus únicos amigos da escola sem contar o meu irmão. Zac diz que os amigos dele também são meus amigos, mas eu não concordo… Eu não tenho tanta companhia quanto o meu irmão, mas estou muito satisfeito com a que eu tenho.

Nós três voltamos para sala. Tivemos aula de Ciências. Por incrível que pareça, o professor não implicou comigo do jeito que fez no final do ano passado. Isso me deixou um pouco melhor, só que eu queria poder conversar mais com Quésia. Ela é diferente no mundo virtual, parece que é mais “solta”.

Eu acho que consegui tirar a impressão de que eu sou um analfabeto… Quando fomos estudar na minha casa, eu estava nervoso. Muita gente já deve ter passado por isso: Você sabe uma coisa e esquece completamente quando precisa mostrar que sabe. É uma sensação horrível. Eu acabei parecendo um idiota, do jeito que eu não queria… Mas acho que Qué nem deu tanta importância a isso, ela ainda está falando comigo… Eh. Ela me deu um beijinho…

A aula de Ciências acabou e a de Português começou. A professora não estava em um bom dia… De novo. Eu tentei não fazer nada que pudesse deixá-la irada.

Pareceu que tinha dado tudo certo, todos já estavam guardando o material. Eu fiquei pronto para ir embora e peguei meu celular. Comecei a conversar com Quésia. Ela perguntou se eu estava tudo bem comigo, aí eu tentei responder da maneira mais curta possível.

Eu: Hj n foi tão bom sem vc. Além disso, os profs parecem estar com muitos problemas. Isso tá me deixando triste

Eu: Especialmente a profa d Português. Ela tá um pouco estressada. Espero q tudo fique bem com ela. Espero que nd do q eu tenha feito tenha deixado ela brava

Eu: Eu sei que eu já te disse, mas eu to sentindo mt a sua falta. Queria marcar um dia só pra ficar falando com vc, pra te conhecer mais

Eu: Vou tentar passar na sua casa antes de voltar pra minha. Falo mais cntg quando estiver chegando aí. Bj, fica com Deus

No instante em que eu terminei de mandar as mensagens, eu comecei a sentir meu rosto incendiar. Acho que eu nunca tinha ficado tão vermelho na minha vida, mas eu comecei a rir baixo. Do nada, a professora apareceu gritando com a turma e pegou o meu celular.

Por que você está usando celular na sala de aula, Salamander?! Não sabe que isso é proibido?!

–Desculpe!… É que eu…

–Com quem você está falando que é tão importante assim?! O governador?! Deixe-me ver isto! –ela começou a ler a conversa.

Eu me senti tão exposto com aquilo… Tomara que ela não diga nada do que está ali em voz alta… A professora parecia ter terminado a leitura e começou a olhar para os lados. Ela me disse “Que isso não se repita!” e guardou o celular no bolso.

Um tempinho depois, os alunos foram liberados. Mas eu fiquei esperando todos saírem pra poder falar com a professora. Finalmente, quando já não havia mais ninguém, fui até ela e disse:

–Oi…

–Você está achando que eu vou devolver o teu celular assim na careta, menino?

–Na verdade eu vim pedir que você me desculpe.

–Acho que você já fez isso, não fez?

–Mas não deu tempo de…

–Hebrom, Quésia é a menina que senta do seu lado? –me interrompeu.

–Sim… A de pele morena com pintinhas no rosto… –olhei para o chão.

–Sabe que ela não merece sua educação e gentileza, não sabe?

–Como assim?

–Ela não parece ser o tipo de garota que alguém como você devesse gostar.

–Desculpe, mas… Desde quando existe pessoa certa pra se gostar? Nós devemos amar a todos. O problema é que eu acabei gostando dela mais do que deveria… –a professora não respondeu. –Qué é um amorzinho, mesmo que não pareça pra senhora, eu vou continuar pensando assim. Eu já tenho minha opinião formada. Eu já a conheci.

–Só te desejo sorte… Do jeito que ela é respondona e mal educada… Não acho que valha a pena você ficar arriscando perder o teu celular por causa de umazinha como aquela.

–Ela não é assim! E não foi ela que desaforou a senhora da outra vez! Quésia é sensível, só que tem vergonha de mostrar isso. Ela às vezes fica sendo irônica pra esconder, mas eu sei a verdade. Eu não aceito que você fique insultando a minha amiga, ainda mais pelas costas dela. Não foi minha intenção se alguma coisa do que eu acabei de dizer tenha soado grosseira pra senhora… Só acho que você deveria conhecê-la antes de julgar.

–Entendi… –ela deu um sorriso bem pequeno. –Sinceramente, eu espero que você esteja certo. Só que você não precisava ficar desabafando assim comigo. Você não tem pais que te escutam, não? Mesmo que não tenha, existem conselheiros aqui na escola. Acho que nada do que eu te dizer vai botar juízo nessa sua cabeça… Enfim, suma daqui antes que eu resolva ficar com este trambolho. –estendeu o meu celular.

–Ah! Muito obrigado! E… Desculpe mesmo… Nunca mais vou usar ele em sala.

–Consecutivamente, eu espero que você esteja certo… E pare de abreviar tantas coisas. –me dispensou.

–Desculpe! –acenei já saindo da sala.

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