Ordinários

Ordinários – Capítulo 13

Fiquei parada olhando ele se afastar com aquela bicicleta emprestada… Eu suspirei involuntariamente.

–Quésia! –meu irmão chamou.

–Caramba! Bai assustar a bãe! –dei um salto pra trás e coloquei a mão no coração.

–Beleza, eu faço isso depois. Como foi o almoço lá, jamanta? Me fez passar vergonha?

–Nem tanta. Foi legal, Hebrom come uns troços esquisitos de soja que até são bons.

–Não tão bons quanto os amassos que vocês deram, né? –Edgar virou de costas e ficou fazendo aquela idiotice de fingir estar beijando outra pessoa.

Igreja… Eu não estava a fim de ir, mas Salamander é tão simpático que eu não soube dizer não. Deve ser importante pra ele… Eu nunca parei pra pensar a fundo nesse tipo de coisa… Muito menos nesse Deus que as pessoas vivem falando quando dá alguma coisa errada. “Meu Deus” isso, “Meu Deus” aquilo… Eu sei pouco sobre o assunto, nunca fez diferença pra mim, minha vida sempre foi uma bosta.

Eu estava com dúvida no assunto, por isso eu fui à fonte mais fácil, mas nem sempre a mais confiável, a minha companheira nas horas de tédio: a internet.

–Ei, demônia, não me ignora! –deixei meu irmão no vácuo e fui até o andar de cima.

Hm… Eu pesquisei… E não julguei de uma maneira boa o que encontrei. Eu até acho que alguém tenha feito o Universo e tal, mas, socorro, né? O Ser que é amor, mas que deixa seus “filhos” na condição que estão…

Procurei tanto, mas tanto, que eu acabei parando num site com uma programação ao vivo. Era um canal chamado Novo Tempo. Um homem de terno e gravata dizia “Deus é amor, Ele não desampara Seus filhos”.

–Pô, legal, cara, quer um biscoito? –eu zombei fungando e fechando o laptop.

Eu não mereço isso, na verdade, ninguém merece. Que invenção patética… Dizer que o ser superior que supostamente nos criou dá importância a nós. Sinceramente, agora eu sei o porquê de Hebrom ser todo felizinho mesmo depois de tudo que passou na vida. Coitado… Ele já sofreu muito, por isso chegou ao ponto de recorrer a uma crença tão sem fundamento… Ou talvez ele tenha crescido no erro, pode ter sido influência dos pais e ele não quis ser mais o diferentão da família.

Eu preciso abrir os olhos daquele garoto… Mas… Quem sabe eu seja a idiota nisso tudo?  É tão confuso… Tipo, se os idiotas são felizes sendo desconhecedores da verdade, os verdadeiros idiotas não seriam aqueles que aceitam a nossa real condição e são infelizes?… Ou será que eu sou a idiota por pensar nessa possibilidade? Cara… Eu não estou entendendo mais nada. Só vou deixar a questão e aberto e pronto… Só me parece que não é tão ruim assim ter algum tipo de otimismo.

Tenho medo de fazer besteira (como de costume). Se Salamander aceitar e aderir meu ponto de vista, será que ele vai deixar de aparentar feliz? Será que ele vai ficar com raiva por eu discordar do que ele acredita e é a única fonte de esperança que ele tem? Não sei o que fazer… Acho melhor eu tolerar o que ele disser por mais um tempo. Até porque eu acho que fé seja importante em alguns momentos… Eu sei que mal coloco expectativas na vida, mas até admiro quem faz isso.

Não conheço Hebrom por inteiro. Não sei o que pode magoá-lo… E eu começo a pensar nisso logo agora que ele se abriu comigo… Eu sou mesmo muito escrota.

Hebrom

Dei dois abraços nela! Que dia lindo! Não consegui parar de sorrir na volta pra casa. Mas ainda estou muito preocupado por ela estar doente… Enfim, eu acho que ela é a garota certa! Falei sobre absolutamente tudo com Deus. É tão agradável ter sempre alguém pra te ouvir, ainda mais quando é alguém que pode te ajudar.

Eu pedia uma colega desde que Richard “declarou guerra” contra mim. Eu só queria alguém que me ouvisse, mas Deus me deu exatamente a garota com quem eu quero me casar… Mas nem sempre o que eu quero é melhor pra mim… Aí eu estou um pouco hesitante (aprendi essa palavra no dicionário que ela me deu… Ela é mesmo um amor).

Olho Quésia de longe desde que ela veio morar aqui… Eu não criava paixão com ela, mas… Ela é estonteante! Sério mesmo! Pelo menos na minha opinião… Wendel disse que Qué parece uma daquelas bonecas malignas de porcelana de filme de terror, só que preta, com olheiras, pintas e cabelo bagunçado. Eu discordo… Sempre quis tirar fotos dela.

Eu consegui no primeiro dia de aula e quando eu fui à casa dela e ela estava dormindo. Acho que ela já percebeu em algum momento… Tenho medo dela pensar que eu sou um maníaco ou algo assim. Eu sei que é anormal sair tirando fotos das pessoas, mas ela é tão linda… Numa coisa Wendel está certo, ela parece muito com uma boneca. Eu amo olhar pra aquela garota. Não há como pessoas tão bonitas quanto ela terem sido feitas por acaso, seria sorte demais.

Quando eu cheguei em casa casa de novo, meu vizinho Wendy estava sentado no meu sofá, bem no lugar onde meu irmão estava, jogando vídeo game. Ele disse que estava ali porque sua mãe mandou que saísse de casa. Eu contei tudo o que aconteceu comigo e Quésia até agora, falei sobre o que ocorreu pouco antes de ele chegar, já que ele é sempre gentil e tem bons conselhos pra me dar.

Você é doente mental, cara?! –ele pausou o jogo, depois de eu terminar.

–O que foi?

–Ela sabe que você é canadense?

–Sim, por quê?

–Até onde eu sei, os canadenses não são muito chegados a contato físico.

–Bem… Não… Eh… Mais ou menos… Depende.

–Tanto faz. O importante é: Não valorize a Quésia.

–Hã?

–Você me entendeu.

–Por que não?

–Mulheres são manipuladoras e mimadas. Quando ela perceber que você tá a fim dela, ela vai se aproveitar disso.

–Eu não acho que Quésia fará coisa do gênero…

–Você é muito inocente, Hebrom. Não sabe muita coisa sobre o sexo feminino.

–Falou o garoto que não sai de casa por causa de vídeo game. –o meu irmão apareceu na sala falando e se apoiando na parede de braços cruzados.

–Eu já tive muitas namoradas. –Wendy retrucou.

–Até onde eu saiba, todas foram virtuais.

–Não briguem… –tentei parar os dois, antes que piorasse.

–Não estamos brigando, estamos debatendo civilizadamente. –Zac disse e Wendel voltou a jogar.

–Certo então… Com licença. –voltei ao meu quarto.

Wendel é um dos meus melhores amigos, Zacur também é um ótimo irmão… Eu detesto quando eles ficam se atracando desse jeito. Eles têm algumas coisas parecidas na personalidade como achar que sempre estão certos… Acho que é esse tipo de característica que os faz brigar.

Fiquei sentado na cama, olhando o jardim de trás… É lindo. Maravilhoso, se for comparar com a minha casa antiga. Eu não tinha vizinhos lá no norte quando morava com meu tio, era uma casa no meio do nada, praticamente… Me deixava triste olhar ao redor no inverno e só achar neve, neve e mais neve… Mas ultimamente eu ando procurando agradecer durante todas as circunstâncias… Só que há coisas me acossando.

–Será que Quésia acredita em Você?… –sussurrei. – Eu tenho medo de ela não acreditar e não aceitar o que o Senhor tem pra ela… Eu queria tanto que aquele sorriso dela fosse mais constante. E creio que Você também queira… Não estou conseguindo me expressar… Você sabe o que estou sentindo. Por favor, me dê o que preciso dizer e fazer pra ela acreditar no Senhor… Não só acreditar, mas Te aceitar.

Dá pra ver em seu rosto que há algo faltando… Amor, talvez… O Senhor é amor. Amor é o que eu tenho a oferecer a ela… Eu queria que ela visse Você através de mim… Vou tentar fazer alguma coisa a respeito. Comprar flores… Acho que é uma boa ideia. Eu gosto tanto dela!!… Obrigado por me ouvir… Muito obrigado mesmo. –eu já estava quase chorando, mas subitamente comecei a rir e a pular em cima da cama abraçando meu travesseiro. –Ela vai à igreja comigo!

Hebrom, para com isso! –minha mãe passou em frente à porta.

–Desculpe. –sentei.

–Maninho… –Zac entrou no nosso quarto.

–Irmão! Oi! Eu queria falar com você.

–Eu também queria falar com você…

–Posso falar primeiro?

–Ah, claro…

–Obrigado… Eh… Eu queria agradecer por você me deixar sentar junto aos seus amigos no refeitório na Quarta…

–Hein?! O Andreas e o Yamada são seus amigos. Não tinha nem tantos conhecidos meus ali, só Naomi e a Van Raitz. E não precisa agradecer.

–Precisa sim… Você sabe que eu ficaria sozinho se você não deixasse eu sentar perto de vocês e que tem mais amigos do que eu… Eu não estou reclamando… Sei lá, você tem vergonha até do nosso cachorro, imagina de mim.

–Não se compare a um cachorro.

–Desculpe. Você conhece um monte de gente… Eu não, você sabe que as pessoas ficam longe…

–Sei, mas é por causa daquele babaca do Folk. Não é total culpa sua.

Total… Mas boa parte dela eu sei que é.

–Sim, pode ser… Há também aquela história de qualidade ser melhor que quantidade…Whatever, obrigado mesmo.

–Não tem por onde, cara… Mas eu preciso falar uma coisa muito importante com você agora. Aquela que eu não consegui explicar muito bem quando você estava tendo aula de Educação Física. Eu aproveitei minha ida ao bebedouro pra te procurar… Aquilo já estava me sufocando.

–Pode falar… Está me deixando preocupado…

Hebrom! –meu pai me chamou.

–Eh… Espera, por favor, irmão. É rapidinho, eu acho… Desculpe. –saí do quarto meio duvidoso.

–Tá, sem problema. Mas vê se volta logo!

–O que foi, pai? –fui até a cozinha.

–Eu preciso que você vá à floricultura da minha irmã e compre algumas flores. Pode ser? –ele entregou o dinheiro nas minhas mãos.

–Flores? –fiquei surpreso por ele falar exatamente do que eu estava pensando.

–Isso, pra sua mãe. São aquelas plantinhas que…

–Não, eu sei o que são, pai! É que… Você vai me deixar ir sozinho? –estranhei.

–Sim… Por quê? Quer que eu chame o seu irmão?

Não! Eu já vou. –virei para sair, mas dei meia volta e tomei coragem pra fazer outra pergunta. –Pai, você me dá dinheiro?

–Pra quê?

–Comprar flores.

–Mas eu já te dei o dinheiro… Você não tá querendo me enrolar pra comprar drogas, né?

Ele ainda deve achar que eu ainda sou um retardado… Se bem que eu ainda sou em alguns aspectos… Sempre fui um idiota.

–Claro que não! Eu quero comprar outras flores. –quando eu disse isso, meu pai fez uma cara de desconfiado.

–Flores? Pra aquela menina esquisita que você trouxe pra cá hoje?

–Sim, ela está doente e eu queria…

–Ah! Já entendi! Não precisa dar detalhes, toma. –ele entregou o mesmo valor que tinha me dado.

–Mas isso é muito…

–Não é muito quando se trata da minha nora.

–Nora?!

–O grau de parentesco que ela vai ter quando…

–Não, pai! Eu sei o que é nora! Só que não é nada disso que você está pensando!

–Sei, sei, até parece que eu não vi o jeito que você olha pra ela. Vai comprar logo. A sua mãe vai acabar ouvindo a nossa conversa. As flores são uma surpresa. –ele foi me empurrando calmamente até a porta.

Eu amo muito o meu pai, mas às vezes ele não me escuta e pensa que sou uma criancinha… Estou até achando estranho ele ter deixado eu ir à loja da minha tia sozinho. Ele quase nunca me deixa andar sozinho. Ramon melhorou um pouco depois nisso de eu parar de me comportar como um adolescente revoltadinho.

Na cabeça dele, parece que eu voltei a ser um bebê… Eu o fiz chorar quando ele me viu no hospital por causa da briga… Disse que não queria me perder… Aí eu expliquei que a partir dali, tudo iria mudar. Enquanto isso, minha mãe só ficou quieta me olhando com cara de reprovação. Crisbell não é muito carinhosa. Pelo menos, não comigo.

Zacur

Hebrom me largou vegetando no quarto… Será que ele fez alguma besteira de novo? Meu pai não costuma demorar em conversas, só quando é pra dar sermão. Eu esperei por mais alguns minutos e fui ver o que tinha acontecido.

–Cadê o Hebrom? –perguntei ao meu pai, que estava à mesa da cozinha, anotando algumas coisas e fazendo contas num caderno.

–Saiu… Por quê?

–Saiu?! Eu precisava falar com ele!

–Você devia ter falado antes.

Mas eu…! Ah, esquece. Sabe se ele levou o celular?

–Não levou.

–Tá… Eu vou esperar. –puxei uma cadeira.

–Seria melhor esperar na sala, ele pode chegar e não passar por aqui.

–Prefiro esperar aqui. Wendel está jogando no sofá.

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