O Grande caderno azul – XVII eXVIII
XVI
Manhã nublada do décimo dia do ano de 2014 – Ainda sonolento
09:15 – Desempenei e marquei os ferros,aumentei o cabo da chave que torço as mesmas e aguardo esfriar para começar as torções. Sonhei com as personagens da Comédia Humana “Esplendores e Misérias das Cortesãs” – principalmente com a bela Duquesa de Maufrigneuse e a Condessa de Serisy – mulheres dominadoras, ambas apaixonadas pelo belo Luciano de Rubempré,o poeta adorado, que quando pensava em está tudo bem, acontecia algo inesperado – amava a bela cortesã a judia Esther, mas para alcançar o seu sonho maior tinha que desposar a feia e magricela Clotilde, filha do Duque de Chaulieu.
09:58 – Com a chave com o cabo maior, ficou mais fácil e sem desprender muita força torci as vinte barras. A irmãzinha conversadeira veio fazer-me companhia e contara as suas agruras com a sogra. As vezes penso que estou regredindo mentalmente,apesar de todas as precauções – leio e esqueço, apesar de algumas cenas essenciais como a atropelamento de Marmielodov por uma carruagem, a ajuda de Roskolnikov levando-o para o apartamento paupérrimo que dividia com incansável e tísica Catierina cuidava de seus três filhinhos lamentava a sua triste existência. A chegada da bela Sonia com seu vestido espalhafatoso de quem trabalha nas calçadas, rolando a bolsinha. O velho alcoólatra morre nos braços de sua filha -É um dos motivos que admiro a prosa desse gênio russo, como descreve o submundo, a pobreza, a miséria de uma cidade opulenta como Petersburgo ao contrario de Tolstói que nos revela com detalhes a opulência dos salões aristocráticos – assim como Proust. Com esses magníficos autores com seus divinos e maravilhosos livros é que aquece a minha triste alma sem amor. Neles que busco refugio necessário para alimentar as minhas esperanças.
” Moço Velho estava sentado num banco de concreto debaixo de uma amendoeira,perto da estátua de uma águia na pequena praça ao lado do viaduto em frente ao Palácio dos Leões. Eram cinco horas da tarde de um domingo de inverno. O pouco movimento de veículos na Avenida Beira-mar. A maré cheia e o sol deitava-se por trás do Bairro do Bonfim, antigo leprosário no outra margem do Rio Bacanga. Trazia consigo um livro amarfanhado de Dostoiévski e uma garrafinha de aguardente”
Quando terminar de digitar “Além das Névoas Azuis”. formata-lo e publica-lo, vou dedicar-me a este novo projeto “Moço Velho” – mas tenho muitas duvidas – sei que mora na Travessa Feliz, num quartinho,é aposentado, camelô tem uma banquinha movei de vender pentes e espelhos perto da escadaria da Igreja do Carmo ao lado dos engraxates e do Abrigo. Almoça todos os dias, exceto aos domingos no restaurante de Dona Maria na Travessa da Lapa no bairro do Portinho,pontualmente as13:30. Recolhe suas pequenas mercadorias as 11:30, desmonta a sua banquinha e a coloca no seu carrinho. Bebe a sua primeira dose de Pinga no Bar de Jorge na esquina da Rua Afonso pena com a Rua da Saúde. Senta-se na mesa do canto, serio e circunspecto, compenetrado, cruza as pernas e de dentro de sua surrada bolsa de couro puxa um livro e o ler classicamente enquanto degusta quase meia-garrafa de cachaça. As doze e meia, hora do dono fechar o bar para almoçar,o nosso ilustre herói, sempre vestido de calça social desbotada e uma camisa também social puída no colarinho,levanta-se paga a sua despesa, apanha o carrinho e desce até a mercearia de Seu Narizinho no canto da travessa da Lapa (onde antigamente era de Seu Juracy),onde em pé, encostado no balcão de tijolos digere mais dois quartos e desce meio empertigado até o Restaurante de Dona Maria em frente a mercearia de Dona Honoria onde todas as manhãs, as sete e meia toma o seu desjejum ou seja um copo de café com leite, dois pães com manteiga esquentado na chapa a gás. O cardápio varia – galinha cozida, cozidão de carne, assado de panela e nos sábados um ralo mocotó ou um sarrabulho.E assim aos poucos vou delineando o meu novo personagem. Mora num casarão da mãe de João Buraco. As 14:00, pontual como um britânico chega no seu estreito quarto entulhado de livros. A rede encardida enrolada pendurada na parede. Uma mesinha e um banco. Uma mala antiga, daquelas vendidas no Marcado Grande,onde guarda as suas roupas – suas surradas calças sociais e as camisas. Estende a rede, despe-se, coloca as roupas na peitoril da sacada da porta-janela que dar para a travessa Feliz. Veste um calçãozinho sebento e fedido e dita-se na rede. – As dezesseis horas acorda, desce e vai banhar-se num banheiro que fica num canto da cozinha.
Devo esclarecer que nesse mesmo casarão morava um jornalista desempregado de “Procurando Pai Joseph” (En recherchant Pére Joseph) que comecei escrever em francês, como não encontrei ninguém para corrigi-lo desisti – ainda escrevi dois capítulos.
ll:20 – Vou com Balzac n entranha do submundo de Paris com o espertalhão do Vautrin. Coloco as grades para dentro, visto a camisa e hesito se devo ou não comprar um galeto para almoçar.. Não, talvez um toucinho – ainda tenho um empanado de frango ou almoço o que tiver.
“Moço Velho com os olhos cheios de saudade observava o por do sol nostálgico,lembrando do passado feliz e distante quando era funcionário publico do Tribunal de Justiça e vivia com sua família. Acreditava que a mulher o amava,pois apesar dos apressares deu-lhe um filho. Mas ao ser demitido de seu cargo e passar seis meses recebendo sem trabalhar, logo se viu sem renda e o comportamento de sua companheira mudou bruscamente, ocasionando a sua saída de seu lar”
Manhã de domingo – literalmente quebrei a cara numa aterrissagem forçada, quando atravessava a avenida, bêbado todo. – Devo ter vacilado muito.O beiço inchado, atesta ralada e uma inconstância, cheio de dor – cai como um saco de merda no asfalto.
Tarde – 17:30 – Deprimido até a alma – a cara ralada, onde o alcool me levou. A primeira moleza do ano e fora as outras que vem ai. Vacilo após vacilo. O beiço ferido.
XVII
Segunda-feira de manhã no décimo quarto dia do ano – Com cara inchada, a moral também e os problemas psicológicos de sempre. Coloco álcool 70 nos ferimentos – Não vou trabalhar, mas amanhã com a graça de Deus irei. Lia ainda pouco o mestre Ferreira Gullar. Os velhos temores de algo horrível acontecer inesperadamente – mas Deus é Pai! Minha incansável cunhada estende as roupas no terraço. E eu com receio de ter vacilado no box de Seu Raposo. Esse álcool ainda vai me matar. Quase fui atropelado e tropecei fui a lona ou melhor a lama, E agora colho o que plantei – a cara toda arranhada. Oh! Pauvre poète! quando tu vai tomar vergonha nessa cara sem vergonha e largar essa cachaça maldita que só te leva pro chão.
10:25 – O drama do gás que acabou e a minha cunhada no buck-buck na expectativa do cartão de Sara passar para comprar o botijão cheio. A minha mão esquerda não é a mesma. O odor desagradável que exala de mim, já mudei o calção, mas o cheirinho não me larga..
11:15 – Para consolar a minha eterna depressão, apanhei o meu livro francês “Le Cahier Rouge du Pére Joseph” e releio alguns trechos que enobrece a minha alma abatida – se eu tivesse condição financeira,compraria e enviaria um exemplar para todos os jornais e revistas de língua francesa. Fritei um empanado de frango.
Tarde ou melhor começo da tarde.
Meio-dia e vinte – terminei emocionado a leitura ou melhor a releitura do meu livro. Podem dizer o que quiserem, mas realizei um dos meus sonhos, publiquei um livro na França., meu problema é o de sempre – falta de dinheiro, pulso e determinação da minha parte. Mas valeu, provei a mim mesmo de que sou capaz – amanhã ou depois irei digitar o outro romance – mesmo que ninguém o compre ou leia, mas terei o meu exemplar, é o que vale, alimenta as minhas esperanças.. para manuseia-lo, lê-lo e relê-lo.
Pensando no pior. A oficina arrombada, desabar ou coisa pior. Mas Deus é Grande. Minha cunhada me diz que essas molezas são castigo de minha finada mãe por ainda não ter feito a cruz. relendo Dickens e sua engraçada aventura picwckianas.
16:45 – uma boa musica clássica para amenizar os maus pensamentos e revitalizar uma alma sofrida. Para combater a fome – tomo café com leite e farinha e arroto o empanado frito. Uma caçamba desce de ré a ladeira. Não sei se é Mozart ou Beethoven. Minha cunhada vai para o terraço e se debruça na mureta para ver o movimento na rua. Antenor aos tropeções entra procurando pela esposa. Gostaria de ouvir o réquiem de meu amigo austríaco Mozart. espero quando for a Lan-house, ouvi-lo na integra no you tube com a Orquestra Filarmônica de Viena sob a regência do maestro que esqueci o nome.Professor acorda de sua sesta.
Noite
l9:30 – Vestido com meu calçãozinho preto e pronto para embarcar no mundo balzaquiano da bela Duquesa de Mafrigneuse e as intrigas aristocráticas e a esperteza de Jacques Colins.
23:30 – Minha cunhada agoniada vaquejando uma gata que subiu na cumieira da casa e mia sem saber como descer.