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O Caçula

O Caçula – Capítulo 03

Capítulo 03
O Lago

“A natureza nos uniu em uma imensa família, e devemos viver nossas vidas unidos, ajudando uns aos outros.” – Sêneca.

Cena 01 – Quarta-feira. Lanchonete do acampamento.
Como no dia anterior, todos acordaram cedo e estão tomando café da manhã juntos na lanchonete. Miguel, como de costume, está sentado com seu amigo Marcelo, mas não está concentrado na comida, ele olha em todas as mesas e pra todos os garotos, como se estivesse procurando alguma coisa, e está, e é claro que é por Clara.
Marcelo: Miguel, dá pra você me dizer o que você tanto procura olhando de um lado pro outro desse jeito?
Miguel: Coisa minha!
Marcelo: Sei. Miguel, eu ouvi dizer que tem um lago aqui e hoje vão levar a gente pra tomar banho nele.
Miguel: E daí?
Marcelo: Como e daí? Vai ser como um banho de piscina!
Miguel: Eu não gosto de piscina, não vou entrar em lago nenhum.
Marcelo: Por que não?
Miguel: Porque não, só por isso! Tenho uma ideia bem melhor, ouvi dizer que aqui perto do acampamento tem uma floresta.
Marcelo: Uma floresta?
Miguel: É, o que você acha da gente ir dar uma volta nela, quer dizer, eu acho que já passou da hora de um pouco de ação aqui nesse acampamento.
Marcelo: Valeu pela ideia Miguel, mas eu ainda prefiro o banho no lago.
Miguel: Sei, isso é só uma desculpa pra poder ver as garotas de biquíni.

Cena 02 – Floresta.
Miguel está passeando sozinho pela floresta. Ele passa por um barranco. Miguel segue caminhando por uma descida depois do barranco e chega até uma corda amarrada em um galho, uma corda de escalar.
Miguel: Acho que deviam fazer provas e competições pros visitantes aqui antigamente, acho que logo mais vão fazer com a gente também.
O garoto continua caminhando sozinho. De repente, Miguel sente seu pé afundar no chão, ele logo se levanta e vê que quase caiu em um buraco de largura pequena, mas bem profundo, como um poço.
Miguel, irritado: Que droga, que perigo, é o que se ganha por ficar andando sozinho em fins de mundo como esse.
Miguel resolve voltar, mas tem um problema, ele não lembra por onde ir. O garoto anda para vários lados tentando encontrar algum lugar que ele se lembre que já tenha passado, mas só se vê árvores em todas as direções.
Miguel, nervoso: Ah que droga, eu acabei me perdendo. Mas se realmente faziam competições com os alunos nessa mata, deve ter alguma trilha por aqui.
De repente, Miguel avista alguma coisa no mato. As plantas começam a se mexer como se algum animal se aproximasse.
Miguel, assustado: Quem, quem é que tá aí?
A criatura sai de detrás das plantas, é Clara.
Miguel, aliviado: Ufa, é só você.
Clara: Miguel? O que você tá fazendo aqui?
Miguel: Nada demais, eu vim dar uma volta para respirar ar puro e acabei me perdendo um pouquinho. E você, o que faz aqui?
Clara: Eu também gosto de respirar o ar puro da floresta logo de manhã, costumo passear aqui quando venho no acampamento do vovô.
Miguel: Mas como voltamos pro acampamento?
Clara: Tem uma trilha aqui perto, siga-me.

Cena 03 – Lago.
Miguel passeia pelo campo e acaba descobrindo o lago do qual Marcelo falou. Ele observa de longe todos os outros alunos tomando banho e se divertindo na água. Miguel sente uma grande vontade de entrar na água também, mas ele não pode. Ele sente uma mão cair sobre seu ombro, é Marcelo, que está só de calção e com uma toalha.
Marcelo: Onde você estava rapaz?
Miguel: Fui fazer uma trilha e depois dormir um pouco.
Marcelo: Entendi. Ei, vamos lá tomar banho com a gente no lago.
Miguel: Eu não, tô fora, sabe-se lá o que pode ter nadando nesse lago, talvez até piranhas.
Marcelo: Ah, falando desse jeito você mais parece uma menina. Bem, eu vou lá, até logo.
Marcelo corre para junto dos outros jovens. Miguel senta debaixo de uma árvore e fica sozinho de novo, observando todos os outros garotos se divertindo. Ele ouve alguém se aproximando, são Clara e João Pedro.
Miguel, pensando: Por que sempre o João Pedro tem que estar junto da Clara?
Os dois chegam junto a ele.
Clara, irônica: Sozinho de novo Miguel? Puxa, achei que você tivesse mais amigos.
Miguel: Eu tenho amigos, mas eles estão lá no lago.
Clara: E daí? Vamos lá com eles tomar um banho, até eu vou entrar na água.
João Pedro: Você?
Clara: Claro que sim, além de ser linda e uma ótima cantora, eu também nado muito bem, sabia?
Miguel, irônico: E pelo jeito você também é bem modesta.
Clara: (risos). Então, vamos lá?
Miguel: Não, eu não quero.
João Pedro: Puxa, eu bem que queria poder entrar na água.
Clara: E por que não entra?
Miguel: Como assim Clara? Olha só pra ele, como ele vai nadar?
Clara: Querido, você devia assistir mais paraolimpíadas, cadeirantes também podem nadar.
João Pedro: Eu fiz aulas de natação antes de ficar assim.
Clara: Como assim? Vocês tinham dito que você nasceu assim.
Miguel: Ele fez aula de natação especial, entendeu? Ele diz que antes de ficar assim é antes de não saber nadar, ele se sentia mais incapaz.
Miguel e João Pedro se olham estranho, é óbvio que os dois estão escondendo alguma coisa sobre o passado e que envolve os verdadeiros motivos de João estar na cadeira de rodas.
Clara: Bem, isso já ajuda. Então, vamos ou não?
Miguel se levanta: Eu já disse que não vou.
Miguel vai embora.

Cena 04 – Cabana dos meninos. Horas mais tarde.
Depois de almoçar e descansar, todos os garotos voltaram para o lago para mais um banho. Miguel está novamente sozinho em seu beliche. Mais uma vez, o silêncio e o vazio da cabana se quebram quando João Pedro entra.
João Pedro: Miguel!
Miguel, resmungando: Ah meu Deus, quando eu vou ter um minuto de sossego nessa droga de lugar? O que foi agora João Pedro?
João Pedro: Vamos lá pro lago?
Miguel: Fazer o que, posso saber? Não vai me dizer que você vai querer entrar na água?
João Pedro: Mas você ouviu o que a Clara disse, cadeirantes também podem nadar, e eu sei nadar.
Miguel: Sim, mas você aprendeu a nadar quando ainda podia usar as pernas.
As palavras de Miguel soam como uma facada no peito de João Pedro. O garoto se vira e começa a ir embora, chorando. Miguel, mesmo tendo um coração frio, ouve o choro do irmão e desce do beliche.
Miguel: Olha, me desculpa, eu não devia ter dito isso.
João Pedro, chorando: Mas disse, e você tem razão, eu sou um incapaz.
Miguel: Não, não pensa assim, olha, eu falei por falar.
João Pedro: Você sabe que é verdade, eu não ando, não nado, não sirvo pra nada, só pra dar trabalho aos nossos pais.
Miguel se ajoelha na frente do irmão: Isso não é verdade! Você é capaz de muitas coisas, olha, existem muitos casos de muitos como você que chegaram muito longe mesmo sendo deficientes.
João Pedro: Mas não é o meu caso.
Miguel: É sim, você é capaz de muito.
João Pedro: Só tá dizendo isso pra me animar, por que você finge que liga pra mim?
Miguel: Eu ligo pra você e vou te provar que você é capaz. Eu vou pegar um calção e nós vamos até o lago.

Cena 05 – Lago.
Miguel e João Pedro chegam até o lago onde muitas das crianças ainda estão se divertindo na água. Miguel deixa a cadeira de João bem na margem da água e ajuda o irmão a tirar a camisa.
João Pedro, nervoso: Quer saber? Eu mudei de ideia Miguel.
Miguel: Você não vai querer desistir logo agora, vai?
João Pedro: Faz muito tempo que eu não entro na água, quanto mais sem poder mexer as pernas, eu não vou conseguir.
Miguel: Vai sim e eu vou te ajudar.
João Pedro: Como?
Miguel: Eu entro na água com você, mas eu vou de camisa mesmo.
Miguel pega João Pedro em seus braços. Passo a passo, os dois entram lentamente na água. Todos os outros garotos param e olham para os dois.
Miguel: A água tá boa, não tá?
João Pedro: Tá sim, tá sim!
Miguel deita João Pedro na superfície na água.
Miguel: Vou te soltar, se prepara.
Miguel solta João Pedro e o garoto consegue boiar. Todos os outros alunos gritam e aplaudem fazendo um grande barulho. João Pedro abraça Miguel, se segurando para não afundar.
João Pedro, tremendo de frio e de nervoso: Eu… Eu consegui?!
Miguel: Você conseguiu, você foi incrível!
Clara nada para junto dos dois.
Clara: Quem diria? Eu fiquei impressionada com vocês!
Miguel então vai para debaixo d’água e ajuda a João Pedro a sentar-se nele, colocando as pernas dele sobre seus ombros. Miguel submerge levantando seu irmão alto. Todos aplaudem os dois.
Miguel dá um sorriso de um canto a outro do rosto. João Pedro chora de alegria.

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