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O anjo com asas de papel

O Anjo Com Asas de Papel – Capítulo 09

Capítulo 09

Mexeu Com Ele, Mexeu Comigo

 

 

   Cena 01 – Orfanato Coração de Mãe. Jardim dos fundos.

Felipe corre para ajudar Gabriel a levantar. Joaquim acena os braços, querendo dizer para darem uma pausa no jogo.

Felipe, se ajoelha do lado de Gabriel: Gabriel, você tá bem?

Gabriel, com a mão na corcova: Ai, dá doendo muito…

Joaquim se aproxima: Tá tudo bem com você cara?

Gabriel: Não, não tô não…

Joaquim, ajudando Gabriel a se levantar: Calma, foi só uma bolada.

Felipe: Só uma bolada? Cara, isso nas costas dele é uma elevação ossuda, foi em cheio na coluna dele.

Joaquim: Calma, calma, deixa eu dar uma olhada.

Gabriel se afasta nervoso: Não!

Joaquim fica sem entender nada.

Gabriel, mais calmo: Desculpa, mas é que eu não gosto que ninguém veja a minha corcova.

Joaquim:Relaxa, eu não vou debochar, só quero ver se a bolada foi feia.

Felipe: Não, não, não precisa, eu posso dar uma olhada. Gabriel, vamos até o banheiro que eu te ajudo.

Joaquim: Tem certeza? Não quer que eu avise a uma das freiras?

Felipe, passando o braço nos ombros de Gabriel: Não, não, não, por favor, eu posso ajudar ele sozinho. Vamos Gabriel.

Os dois entram para dentro do orfanato. Os garotos no pátio ficam meio que sem entender nada. Joaquim olha para Ângelo irritado.

Joaquim: Você tinha mesmo que fazer isso, né Ângelo?

Ângelo: O quê? Eu não fiz nada.

Joaquim: Nada? Eu vi tudo, você chutou a bola mirando no garoto.

Ângelo: Nada a ver, foi um acidente.

Joaquim: Acidente, sei…

 

   Cena 02 – Banheiro.

Gabriel, Felipe e Maria estão no banheiro, a porta está trancada. Gabriel está sentado em um banquinho, ele está sem camisa com as asas expostas. A bolada foi feia, acertou a asa direita do garoto. Maria está segurando uma sacola de gelo em cima da asa.

Gabriel: Ai, isso tá frio.

Felipe: O que você queria? Isso é gelo.

Gabriel: Eu sei, mas tá doendo.

Maria: Relaxa Gabriel, vai doer um pouquinho mais vai ajudar. Então, o que foi que aconteceu?

Ângelo: Foi aquele babaca do Ângelo quem acertou a bolada.

Gabriel: Felipe, foi um acidente.

Felipe: Não foi não Gabriel, eu vi, ele mirou em você quando ia chutar.

Maria: Aquele garoto é um idiota mesmo hein?!

Felipe, esfregando as mãos: Não esquenta, eu vou dar um jeito nele.

Gabriel: Felipe o que você vai fazer?

Felipe: Nada demais.

Alguém bate na porta.

Irmã Isabel: Olá, tem alguém aí dentro?

Gabriel, em voz baixa: Essa não.

Maria, em voz baixa: Felipe, vai lá, não deixa ela entrar.

Felipe abre a porta, sai e a fecha rapidamente.

Felipe: Posso ajudá-las, madames?

Irmã Margarida: Felipe, estávamos procurando por você e seus irmãos, por que trancou a porta?

Felipe: Tem algum problema?

Irmã Isabel: Aqui nós não trancamos a porta do banheiro.

Felipe: Oh desculpa, é que eu tava jogando futebol e fiquei bem suado, eu ia tomar um banho e fiquei com medo de que alguém entrasse e me visse, sabe como é?!

Irmã Isabel:Hum, não faça mais isso. Além disso, qual é o problema se alguém entrar? É o banheiro masculino e o chuveiro fica no boxe, ninguém iria ver você.

Felipe: Mesmo assim, eu fico constrangido, imaginei que o banheiro fosse misto. Eu posso tomar meu banho? É rapidinho, por favor.

As duas se olham.

Irmã Margarida: Tudo bem, mas não volte a fazer isso, podemos ter problemas se a madre Luiza souber.

Felipe: Obrigado, até loguinho.

Felipe entra rapidamente e fecha a porta.

 

   Cena 03 – Dormitório dos meninos. Horas mais tarde.

O quarto está totalmente vazio. Ângelo entra sozinho. De repente, a porta se fecha sozinha. O garoto se vira surpreso, mas é apenas Felipe que está de pé no canto da parede, ele estava escondido atrás da porta.

Ângelo: Ah, que susto garoto.

Felipe: Por que tá tão assustado? Parece até que você andou fazendo o que não devia.

Ângelo: Como é?

Felipe, aproximando-se: Nós temos que conversar, sabe de uma coisa? Eu não achei nada legal o que você fez hoje mais cedo com o meu irmão.

Ângelo: Do que você tá falando?

Felipe: Você sabe muito bem, por que acertou ele daquele jeito?

Ângelo: Aquilo? Ah, esquece isso.

Felipe: Sabe o que eu acho? Acho que você fez aquilo de propósito.

Ângelo: Como é?

Felipe: Vai, admite, você acertou o Gabriel de propósito, não foi?

Ângelo: E daí se eu tiver feito isso? E daí hein?

Felipe: E hoje de manhã você também molhou a minha irmã. Sabe de uma coisa Ângelo? Como o mais velho, eu me sinto na obrigação de defender eles dois, se é que me entende.

Felipe começa a dobrar as mangas da camisa.

Ângelo: O que você vai fazer?

Felipe, esfregando as mãos: Mexeu com meus amigos, mexeu comigo!

Felipe parte pra cima de Ângelo.

 

   Cena 04 – Interior. Fazenda. Noite.

Paulo está sentado na cama olhando um antigo álbum de fotografias. Ele vê uma foto antiga, em que Gabriel, ainda com poucos meses de vida, está deitado dormindo, já aparecendo um pequeno volume em suas costas devido suas asas.

Paulo, segurando as lágrimas: Ah meu filho, nessa época as coisas entre nós eram tão mais fáceis.

Ele passa algumas páginas do álbum. Ele para em uma em que Gabriel está um pouco maior, tem cerca de 2 anos. O garoto está descalço e de short no meio da sala. Nas pequenas asas já começavam a crescer as penas.

Paulo, mais uma vez comovido: Ah, eu queria que não tivéssemos passado dessa fase nunca.

Mais páginas a frente, Paulo para em uma foto que Gabriel está com mais ou menos 5 anos, é a foto do primeiro dia de aula do garoto, ele está usando uma camisa azul sem mangas, um short branco e calçando chinelos. Paulo repara que no rosto do garoto está uma expressão de insatisfação.

 

   FLASHBACK.

Ano de 2006.

Paulo está deitado no sofá da sala assistindo televisão. De repente, Gabriel, ainda bem pequeno, com 5 anos, entra correndo pela porta da sala. Ele está sem camisa arrastando a mochila no chão. Suas asas já estão grandes o suficiente para ele voar.

Gabriel, correndo alegre: Papai, pai, cheguei.

Paulo desliga a televisão e se levanta.

Paulo, irritado: Gabriel, o que significa isso?

Gabriel: Já cheguei papai.

Paulo: Isso eu já percebi, eu quero saber porque você está sem camisa.

Gabriel: Ah papai, o dia tá quente.

Paulo: Gabriel, veste essa camisa.

Gabriel: Mas papai…

Paulo, gritando furioso: Veste já essa camisa!

Gabriel se assusta com o grito do pai. O garoto só faz vestir a camisa como o pai mandou.

Paulo: Mais alguém te viu assim?

Gabriel faz que não com a cabeça.

Paulo:Escuta aqui, nunca mais eu quero te ver assim, ouviu? Nunca mais eu quero ver você do lado de fora dessa casa sem camisa, entendeu?

Gabriel: Mas papai…

Paulo grita furioso: Não, nada de mas, não volte a ficar sem camisa na frente de ninguém, entendeu?

Gabriel começa a chorar.

Paulo grita: E sem chorar, os homens não choram.

Gabriel corre para seu quarto.

   FIM DO FLASHBACK.

 

VOLTA AO PRESENTE.

Paulo, chorando: Meu Deus, como eu pude errar tanto com você meu filho?

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