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Heaven [Mundo Paralelo]

Heaven Mundo Paralelo – capitulo 6 – O Som da Harpa

Capítulo 5

O som da Harpa

  

 

Terça-feira 16h15 20 C°.

Acabei de sair da empresa de web. O céu está escuro o tempo ta fechado quase parece noite.

Olhando para a rua de frente o prédio do qual acabei de sair, vejo que está pouco movimentado hoje. Decido andar e observar as lojas, afinal, faz muito tempo que não venho aqui.

Ao longe avisto uma placa de madeira, a única em meio a tantas mais elaboradas e modernas.

Andando pela calçada do lado direito da rua ouço um ruído parecido com estática, um dos postes acende e apaga rapidamente quando passo por ele.

A princípio não dei atenção, mas, o chão pareceu se mexer quando dei o passo seguinte. E isso sim me fez parar.

Sinto meu corpo tremer num misto de calafrio e medo. Novamente a sensação de estar pisando em solo móvel me faz olhar para o lado.

As poucas pessoas que caminham de um lado para o outro entrando e saindo das lojas, estão agindo indiferentes em relação a ter o chão tremendo sob seus pés. Elas não se abalam… Deve ser mais uma alucinação minha. Só pode.

Percebo um movimento pelo canto do olho, giro o corpo na direção do beco entre uma loja de roupas e uma pastelaria. Mas não vejo nada, só um corredor estreito e vazio.

O cheiro de “pastel de calça” parece me acompanhar ao longo do caminho. Ouço um barulho vindo de baixo e arregalo os olhos, mas é só minha barriga revirando de fome.

No fim, um portão velho à esquerda. Me pergunto: o que me levou a caminhar nesse beco pra… Nada?

Alguém chuta uma lata do outro lado do portão. Olho entre as brechas da madeira e vejo apenas a latinha de refrigerante sambando nos cantos da parede. Escuto outro barulho, dessa vez o som vinha do chão, por detrás dos meus pés o tremor seguiu adiante escancarando o portão abrindo caminho para outro beco ainda mais escuro, localizado nas costas dos prédios.

Tento analisar o lugar, mas está muito escuro para distinguir qualquer coisa a três metros à frente nas sombras. Mesmo assim eu continuo andando.

O aroma de roupas novas se foi a cinco passos… Vejo uma figura deitada de bruços no chão. O fedor de óleo e gordura subiu do corpo caído até meu nariz. Na hora senti falta do cheiro de “pastel de calça”.

Me agacho ao lado e abaixo um pouco a cabeça para tentar ouvir se ele ainda está respirando.

Aargh! Que nojo… – Viro o rosto para me livrar do bafo de cachaça vencida que o indivíduo acabou de soltar. – Cara porco!

Tento levantar, mas sinto um solavanco que me faz cair, a mão do pinguço está me segurando. Ele abre os olhos amarelados e dilatados me encarando ainda com uma das mãos apertando minha perna.

Com o pé livre chuto o antebraço dele que solta imediatamente minha outra perna. Me afasto vacilante e fico de pé, meus olhos procuram a saída em meio à escuridão do corredor.

Em fim avisto o portão e sem perder mais tempo corro em direção da fuga.

Quatro… Três… Dois passos para alcançar a saída.

– Ah Merda! – murmuro ao bater a testa no portão que se fechou numa breve pancada, segundos antes que eu pudesse sair. – Merda! Ai minha cabeça… – Elevo a mão ao rosto para amenizar a dor.

Escuto uma gargalhada, olho para trás vejo o cara rindo e, vindo! Vestindo um avental vermelho com uma estampa e algo escrito que por causa das dobras da pança não consigo identificar.

Dou um passo para o lado, pisei na ponta de uma espátula e o cabo levantou. Ele continua andando em minha direção se aproximando a cada passada. Não pensei duas vezes, peguei a espátula e quando ele estava perto o bastante acertei em cheio a cara dele que virou bruscamente para o lado.

Foi o que eu precisei pra sair da reta dele e correr. Mas o infeliz alcançou minha blusa pelas costas e me jogou contra a parede a esquerda.

A dor percorrendo meu corpo a partir do local batido. Apertei os olhos para recuperar-me do choque, vi um punho crescendo diante da minha têmpora.

Caí e rolei no chão na intenção de escapar de outro futuro golpe. Deu certo! Consegui escapar de ser pisoteado. Ainda com a espátula amassada em mão, me esgueirei abaixado até chegar a certa distancia e atirei o objeto com toda força que pude.

– Na mosca! – Ou melhor, na pança!

A espátula ricocheteou fazendo ondas na barriga do gordo porco e caiu quicando no chão. Com a pouca iluminação e a boca espumando de raiva, sua cara tinha uma aparência ainda mais assustadora.

Consigo me reerguer lentamente, para minha sorte, o barrigudo se move muito devagar. Aproveitando dessa pequena vantagem sigo correndo rumo a uma nova saída. Se… Houver uma nova saída.

Estou me aproximando de algo. Uma cerca de madeira? Um… Outro portão! E está fechado, não vou conseguir parar a tempo… Preciso tentar a sorte.

Ouço um rosnar com uma voz mais grave do que qualquer outra que eu já tenha ouvido antes, seu odor me alcança mais rápido que suas pernas. Sem olhar pra trás continuo correndo.

Me lanço com todo meu peso de 56kg mais uma velocidade de mais ou menos uns cinco passos por segundo e esbarro no portão. A estrutura de madeira se rompe e eu atravesso para o outro lado caindo por cima do meu braço direito.

O formigamento subindo dos dedos até o ombro, a dor é tanta que eu não consigo levantar.

– Você não vai escapar! – Alertou com a voz distorcida seguida de uma risada bizarra.

Ele está bem perto… E eu mal consigo me mexer, meu corpo todo dói.  Será meu… F…

O tilintar bem baixinho de vários sinos e o som de acordes tocando ao mesmo tempo interrompeu meus pensamentos dramáticos.

Apoiado no braço bom e com muito esforço consigo me levantar um pouco, o suficiente para ver o cara gritando e se contorcendo desesperadamente a alguns passos de onde estou.

Fico completamente em pé, escorado no muro. Olho mais uma vez o indivíduo: Um dos olhos revirando, meneando a cabeça como se tivesse algum “Tique nervoso”. Então algo me deixa perplexo.

Entre um movimento e outro vejo um lado do rosto, ainda mais feio e desfigurado com veias expostas na cara. Como se tivesse outra pessoa dentro dele querendo saltar para fora. E a cada revirada, a protuberância da outra face se desloca mais tentando deixar o corpo.

Com um berro que soou como duas vozes, aguda e grave. Ele fugiu correndo tão rápido que eu nem acreditei que pudesse.

Seguro meu braço dolorido e caminho na direção dos sinos. Logo avisto a rua outra vez. O que é um alívio.

Do lado direito, dezenas de lojas se estendem ao longo da rua. Olho para o outro lado e vejo uma placa com a seguinte gravura “Dom Luthier” esculpido na madeira. A mesma que vi quando saí da empresa.

Ao entrar passo debaixo dos sinos pendurados na entrada e fico admirado com a diversidade de instrumentos artesanais. O cheiro de madeira nova e verniz dominam o ambiente…

– Olá! Jovem. – Uma voz vinda de trás do balcão.

– Oi… – Respondo.

A figura de baixa estatura sai de trás do móvel revelando sua aparência, que logo reconheci. O senhor que eu havia ajudado dias atrás.

– Bom vê-lo outra vez, jovem. Veio comprar um instrumento? Um violão? Garanto que tenho os melhores da cidade.

– Não… Eu já tenho um violão. – Usado e muuuuito arranhado com cordas velhas e remendadas. – Eu faço estágio aqui perto… Aí resolvi olhar as lojas.

Meus olhos pareciam ter vida própria, iam de uma bancada com violinos de madeira clara passando por um violão preto e repousando em uma guitarra… Não. Isso não é só uma guitarra acústica. É a guitarra! Nunca vi uma assim. Sua base parece uma asa entalhada em madeira branca cujas penas parecem sair do vão central. Com símbolos e detalhes entorno da saída de som que seguem demarcando os pontos do braço.

– Que guitarra é essa? – Perguntei e acho que minha voz deve ter saído com entusiasmo de uma criança.

Ele sorri e subindo numa escada aberta, pegou com cuidado a guitarra e se aproximando de mim o velhinho disse:

– É uma “Guitarra Pena de Anjo” modelo único. Pode ser sua por apenas dois mil e quinhentos reais.

Divide em vinte e cinco vezes? Quis dizer, mas ao invés disso apenas engoli em seco e vi meu sonho de consumo se espedaçar como um bloco de vidro ao cair no chão.

Vi que Dom o velhinho está inclinando o instrumento em minha direção. Observei por um breve segundo, um brilho diferente pairava na superfície do instrumento, subi os olhos para encarar o senhor a minha frente.

– Posso, mesmo?

Sem uma palavra ele me entregou a guitarra e eu a segurei com cuidado. É tão leve! Talvez por isso o nome “Pena de Anjo”. Automaticamente meus dedos se posicionaram em duas cordas como num impulso, ignorando a dormência no braço, deslizei o polegar direito pelas cordas da segunda de cima a ultima debaixo.

Um som como de vários violões ressoou entre as paredes da pequena loja. É um som angelical… Eu preciso ter uma dessas… Mas com o que eu vou ganhar como estagiário é muito pouco, se descontar as despesas de casa mal sobra para dar uma volta com Isabely no cinema.

Isabely? Até involuntariamente essa menina surgi em minha mente. Um sorriso aparece em meu rosto ao lembrar dessa bela garota.

– Você sabia que a musica já foi usada como arma há muito tempo atrás?

– Ã?Sério?

– Sim… Há vários séculos, quando a humanidade estava condenada por suas atitudes a viver sem paz e durante muitas gerações esse castigo prevaleceu. Foi naquela época quando em apuros um jovem levita descobriu que o som de sua harpa podia mais do que somente agradar os ouvidos alheios, ao combinar notas criou padrões poderosos.

– Padrões…? Como escalas numa sequência de acordes?

– Exatamente. Que naquele tempo foi uma descoberta e tanto.

– Mas como uma música pode ser usada como arma?

– Se você me deixar continuar… Em fim, certo dia esse mesmo garoto estava andando pelo vilarejo tocando e levando alegria ao povo com seu instrumento. Mas nesse dia algo estava diferente, as pessoas estavam mais tristes e atormentadas do que o normal. Sem poder sentir a presença de Deus, o povo padecia cada vez mais, como estavam privados da proteção divina, os demônios se apossaram de suas Terras e vilarejos, pois não havia alguém capaz de detê-los.

– Foi aí que e o jovem levita saiu virado no jiraya batendo com a harpa nos demônios.

– Pare de me interromper rapaz! – O velho abriu um sorriso e prosseguiu com a história. – Sim, ele usou sua harpa para enfrentar os perversos, mas não foi da forma que você está pensando. Indignado com aquela situação resolveu sozinho confrontá-los. Os demônios o cercaram, o pequeno levita era valente e não baixou a cabeça perante seus inimigos. Todos na vila observavam dizendo entre si:

“Pobre criança, vai morrer tão jovem.” Outros diziam: “Moleque levado, se ficasse quieto poderia ser poupado”.

– Dezenas dessas criaturas monstruosas pesteando a pequena civilização e quando ninguém mais acreditava em salvação, o jovem levita acreditou. Foi sua fé que lhe mostrou o que fazer.

– E o que ele fez? – interrompi. – Ai! – Resmunguei quando ele me acertou imediatamente a cabeça com a vara de um violino. Quando foi que ele pegou isso? – Ah, tá! Pode continuar.

– Continuando… Com a harpa em mãos, o jovem levita a tocou com tanta perfeição como jamais tocara antes. Os inimigos ficaram inquietos, imploravam para que o jovem parasse de tocar e não suportando o som celestial da harpa fugiram.

– “Quem canta os males espanta”. – Falei já esperando uma varada na testa, mas não aconteceu. Dom fitou o nada por um instante depois piscou como se acordasse de uma lembrança e me encarou.

– Foi uma ótima historia Dom. Toma! – Entreguei a guitarra a ele. – Preciso ir.

– Volte mais vezes, jovem. Há muitas outras historias tão boas quanto essa.

Uma pontada de frio espeta meu braço direito ao sair da loja, a dor voltou ainda mais forte. Minha barriga está palpitando por comida. Hora de ir pra casa né?

 

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