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Eventyr

Eventyr – Capítulo 18

O guarda ficou surpreso ao ver um grupo de adolescentes – com exceção do Neandro – querendo fazer uma assembléia com o rei. Ele pareceu bem intrigado com a veracidade da história e Nicardo confirmou isso em pensamento. Neandro retirou de dentro de sua camisa um brasão, com a marca da família real de Nebro. Eu já havia visto aquele brasão com Neandro outras vezes, mas nunca tinha dado importância.

– Por favor, queiram entrar! – o guarda parecia constrangido.

– Esses guardas te levaram até o Jôrdio e ele os anunciará ao rei. – outro guarda constrangido.

Passamos por uma longa e larga escadaria. Dois guardas estavam na porta e a abriram para nós. Em seguida uma camareira pediu para que aguardássemos um pouco.

– Neandro! – um ser bizarro vestindo um terno vinho e com um bigode fino e longo e de cabelos presos pareceu assustado com a visita de Neandro – A que devo a… Honra?

– Gostaria de falar com o Rei Berlo, caso de extrema urgência. – Neandro respondeu.

– Poderia adiantar-me o assunto? – ele parecia estar querendo ganhar tempo.

– Não. Assunto particular! – Neandro respondeu firme.

– Como desejar. – o ser ficou sem jeito – Mas entenda, Sua Majestade, o Rei Berlo, pode não ter como atende-lo assim… De última hora.

– Entendo perfeitamente – Nendro parecia um diplomata – mas peço que frise bem a nossa urgência. Nossos reinos sempre foram grandes aliados, creio que o Rei Berlo terá grande prazer em nos atender.

O ser nos fitou – eu e Nicardo – com certa frieza e entrou dentro da sala de onde havia saído. Esperamos alguns minutos.

– O Rei Berlo é muito amigo da minha família – Neandro começou a explicar – Tenho certeza que ele irá compreender.

– E se ele não compreender? – Nicardo parecia saber de alguma coisa.

– Mas ele vai compreender! – Neandro insistiu.

– Mas ele pode não compreender. É uma possibilidade! – eu preferia não acreditar que essa possibilidade existisse.

– Fiquem tranquilos. Ele vai entender! – Neandro sorriu.

– Espero que sim! – finalizei.

Esperamos ainda alguns minutos e o silêncio acabou dominando. Fiquei observando a sala. Ela tinha parede grandes e brancas, com fios azul escuro e azul claro rodeando-a. Uma pequena mesa estava no canto esquerdo da parede e havia um vaso com um tipo de flor bem diferente. As pétalas das flores eram de um azulado transparente e pareciam feitas de vidro. Tive vontade de ir lá e conferi, mas acabou não sendo preciso, havia uma do meu lado. Era uma pétala de verdade.

Havia, pendurado na parede, um grande escudo com um desenho de um golfinho e atrás dele duas espadas cruzadas e um tridente. Outro detalhe interessante era que – assim como nas estradas – o chão desta sala era feito de pedra transparente.

Fiquei fitando o chão e observando alguns peixes passarem por debaixo de meus pés. Era uma sensação estranha, mas agradável. Foi então que aconteceu.

Eu não estava mais naquela sala. Era um local escuro, não enxergava absolutamente nada. Tentei me mover, mas estava presa a alguma coisa. Uma luz se acendeu, formando um círculo sobre uma pessoa. Ela estava de costas para mim e não pude ver o rosto. Ela se levanta e outra luz ilumina uma segunda pessoa. Era o homem que eu havia visto saindo do castelo horas mais cedo. A pessoa que estava na minha frente retira algo de uma caixa. Era o cristal.

Desesperei-me e tentei de todas as formas me soltar, mas estava presa. Era uma força invisível, como se estivesse presa a correntes inexistentes. A pessoa a minha frente entrega o cristal ao homem, o que me deixou ainda mais preocupada.

– Caso descubra algo sobre os outros, me avise imediatamente. – o homem que havia visto mais cedo falava – E nem pense em me trair! Você sabe o que poderá acontecer a Thalassa caso pense em fazer qualquer coisa contra mim.

O homem sai da sala e a outra pessoa que estava a minha frente sentou-se novamente e começou a chorar. Era um choro de homem, podia ouvir seus lamentos, mesmo ele não estando emitindo nenhum som. Mas eles não se manifestavam em forma de palavras, eram sentimentos: Medo, raiva, remorso, vergonha, medo, desonra, tristeza, medo, medo e medo.

Comecei a sentir os motivos do medo. Era medo de perder a dignidade. Medo de perder o respeito daqueles que o cerca. Medo de decepcionar aqueles que admiram e principalmente, medo de perder o que mais amava.

Uma voz apareceu em minha cabeça. Eu já conhecia essa voz de outro sonho. Era a voz da mulher presa no espelho.

Mallory, a profecia está se cumprindo. Está escolhendo o caminho da destruição, mas sei que não é a sua intenção destruir o mundo de Monterra. Tem um bom coração, mas não pode lutar contra o destino. Monterra conhecerá a destruição através de suas mãos, Mallory. Vou liberar uma coisa para você. Agora acorde.

Acordei de repente, muito assustada. Eu estava novamente na “sala de espera” e parecia que nada de anormal havia acontecido durante a minha “ausência”. Nicardo olhou para mim e ficou extremamente intrigado.

– Você está bem? – ele perguntou.

– Acho… Acho que… Sim, sim. Eu estou bem! – menti, mas ele provavelmente já sabia disto.

O ruim de ter um amigo que pode ler a sua mente e o seu coração e isto: ele sempre sabe quando está mentindo. Esperei por uma “mensagem telepática” de Nicardo, mas isso não aconteceu.

Ele estava olhando para mim extremamente intrigado. Ele não se conformava com algo, mas não conseguia imaginar o que. Resolvi perguntar:

– Nicardo, você está bem?

– Por que a pergunta? – ele deve ter desconfiado.

– Você parece tão… Perturbado com alguma coisa. – aproxime-me um pouco mais dele. – O que foi?

– Pelo jeito você não se deu conta?! – ele abriu um pequenino sorriso.

– Não dei conta do que? – perguntei assustada.

– Você aprendeu!

– Aprendi o que? – estava assustadíssima.

– Você aprendeu a se bloquear. – ele respondeu em um híbrido de felicidade e decepção.

– A me bloquear do que? – perguntei. Só então percebi que estávamos sussurrando.

– Das minhas “invasões” a sua mente.

– Eu? – não acreditava. – Mas como?

– Essas coisas são aprendidas com anos de pratica. Geralmente quem consegue isso são pessoas em um alto grau de magia. – ele explicou. – Talvez o fato de ter parte da magia da Rainha de Nebro em você possa ter liberado essa capacidade de bloquear a sua mente.

– Mas…

– O Rei Berlo disse que irá receber-los agora. – o ser esquisito saiu da sala.

Entramos e, por um rápido momento, senti que já havia estado ali antes. Acho que foi um dejá vù, mas algo de muito terrível me passou pela cabeça: seria essa a sala de minha visão?

– Neandro Célio Arrife Cliteno Corpeu de Nebro – acho que nunca irei decorar esse nome inteiro. – A que devo tão ilustre visita?

– Rei Berlo, precisamos de sua ajuda! – Neandro começou.

– Se eu puder fazer alguma coisa… – o rei parecia um pouco nervoso.

– Acredito que possa fazer. – Neandro sorriu.

– Então diga logo que já estou curioso! – definitivamente o rei estava nervoso com alguma coisa.

– Creio que não conheça essa mocinha. – Neandro me induziu a me aproximar. – O nome dela é Beatriz…

– Misse – interrompi. – Beatriz Misse.

– Olá Beatriz Misse. – o rei tentava disfarçar o nervosismo de todas as formas.

– Essa mocinha não é de Nebro e nem de nenhum outro reino de Monterra. – Neandro se aproximou um pouco mais do rei – Ela veio de outra dimensão. Sei que pode parecer estranho, mas é a verdade.

– Interessante. – o rei coçou o queixo – Mas em que essa garota entra?

– Ela precisa muito voltar para casa! – Neandro segura no meu ombro.

– E você quer que eu faça um feitiço de teletransporte? – o rei achou graça – Eu não tenho um nível tão avançado de magia para fazer teletransportes.

– Mas não queremos que faça nenhum tipo de magia. – Neandro ficou serio.

– Então o que queres de mim? – o rei ficou confuso.

– Gostaríamos de te pedir a parte do Cristal de Damaris que estava escondido em Zoira. – Neandro sorriu para parecer mais simpático – Estamos querendo juntar todos os cristais e pedi para Damaris levar Beatriz de volta. Já temos três dos seis cristais.

– Vocês… Vocês conseguiram três cristais? – o rei se assustou. – Isso é bom, mas infelizmente não posso ajudar-los.

– Como? – Neandro ficou surpreso.

– Não sei de onde vocês tiraram a ideia de que eu poderia estar com um dos cristais. – ele sorriu constrangido.

– Mas os Aquas…

– Vocês entraram na Caverna das Águas? – o rei Berlo se assustou.

– Entramos e eles disseram que…

– Não importa o que eles disseram! – o rei Berlo interrompeu Neandro novamente – Eu não acredito que tenham entrado na Caverna das Águas. Estão mentindo!

– O que? – Neandro se assustou.

– São todos um bando de mentirosos! – o rei se enfureceu.

– Espere… – Neandro tentou explicar.

– Eu não acredito em uma palavra do que vocês estão dizendo! – o rei se levantou – Vocês estão mentindo! Mentirosos, mentirosos!

– Calma, Rei Berlo…

– Aposto como essa Beatriz Misse deve ser uma de suas plebeias com quem você adora se relacionar! – agora ele partiu para ofensiva.

– Olha aqui o seu rei! – gritei – Se não quer acreditar na gente, não acredite, mas sabemos que está com o cristal.

– Insolente! – já havia ouvido isso antes – Como ousa falar assim comigo?

– Beatriz, se acalme! – Nicardo alertava.

– Mas ele… Então é isso! – lembrei-me.

– Isso o que? – ele perguntou.

– O cristal já está nas mãos de outra pessoa! – disse para mim mesma.

– Cale-se! – o rei ficou ainda mais nervoso – Eu já disse que não sei onde está o cristal.

– Claro, agora já deve estar bem longe! – continuei falando para mim mesma.

– Beatriz… – Nicardo continuava me alertando.

De repente o rei andou até a porta e BOOM, abriu as duas com um único empurram fazendo-as bater nas paredes.

– Todos para fora! – o rei gritou.

– Majestade, algo de errado? – quatro guardas entravam na sala.

– Não, nada! – o rei tentava se acalmar – Apenas leve esses garotos para bem longe daqui. Acompanhe-os até o portão e avise para nunca mais deixar-los entrar aqui outra vez. Mesmo sendo membro da família real de Nebro, eu não aceitarei esse tipo de desrespeito.

– Eu não… – Neandro formulou uma frase.

– Chega! – o rei gritou. – Leve-nos ou manderei prende-los!

Fomos “acompanhados” até o portão do castelo. Sentia uma sensação de humilhação e fracasso no ar. Pareciam emanar de todos os que estavam presentes. Era como se agora eu pudesse sentir o que eles estavam sentindo.

– O que mais nos falta acontecer? – Neandro resmungou. – Perdemos o cristal, passamos a maior humilhação que alguém poderia passar e ainda estamos proibidos de chegar perto do castelo.

– Sinto-me um bandido! – Alexis completou.

– E agora? – perguntei – O que faremos?

– Precisamos de um plano rápido. – Nicardo se aproximou. – Não podemos ficar sem esse cristal!

Começamos a andar em direção a árvore que Selena havia dito que iria ficar esperando.

– O que nós precisamos agora é de… Aaaah! – levei um susto e cai de bunda no chão.

– Desculpe, eu não queria assustar. – Selena sorria sem graça depois de ter despencado da árvore bem na minha frente.

– Ai, ai! – levantava-me devagar – Você, poxa, poderia ter sido mais sutil na sua “entrada”.

– Desculpe. – ela realmente estava sem jeito.

– Tudo bem. – tentei sorri.

– Então?… Conseguiram o cristal? – Selena perguntou um tanto debochada.

– Conseguimos ser banidos do castelo, isso sim! – Alexis respondeu furioso.

– Eu avisei que isso não iria dar em nada! – Selena se vangloriou – A família real de Zoira não presta!

– Acho que agora eu começo a entender o seu… Desapontamento. – Neandro pareceu não gostar do jeito como Selena se vangloriou.

– Vamos deixar isso de lado! – Selena tentou concertar.

– Como deixar de lado? – Alexis gritou – Precisamos do cristal!

– Mas não tem como fazer o pedido apenas com o que temos? – perguntei ingênua.

– Se tivesse já teríamos feito! – Alexis gritou comigo.

– Calma Alexis…

– Neandro, não me peça para ter calma! – Alexis continuava gritando.

– Nossa, mas não precisa ficar tão nervoso. – disse.

– Isso tudo é culpa sua! – ele começou a gritar – Se você não tivesse aparecido…

– E você acha que eu pedi para aparecer? – comecei a gritar – Você pensa que está sendo fácil? Sinceramente, eu não sei… Melhor, eu sei por que você está assim.

– Cala a sua boca! – Alexis berrou.

– Alexis pare! – Nicardo entrou na briga – Não seja tão duro com a Beatriz. Ela não tem culpa do que está acontecendo.

– Você também, cale a boca! – Alexis empurrou Nicardo – Tudo o que eu mais quero agora e devolver essa ai para o lugar de onde ela veio. Nada mais me interessa.

Selena parecia muito assustada com a nossa repentina briga. Neandro parecia assustado com as proporções que essa briga havia tomado. Nicardo parecia estar odiando Alexis por te gritado comigo e Alexis parecia estar odiando Nicardo por ter me defendido. Eu?… Eu estava chorando por dentro.

– Acabou o show de vocês? – Neandro estava serio. – Será que agora podemos agir civilizadamente?

Entreolhamos-nos e pude sentir Alexis fuzilar a todos nós. Eu estava um pouco envergonhada com aquela situação, principalmente por Selena ter presenciado tudo. O que ela estaria pensando de nós? Provavelmente que éramos um bando de loucos.

– Desculpe por te fazer presenciar isso Selena. – Nicardo colocava a mão no ombro dela.

– Não… – Selena estava um pouco pasma – Tudo bem…

– Não, me desculpe! – era a minha vez.

– Tudo bem! – ela sorriu.

– Acho melhor começarmos a procurar pelo quinto cristal. – Neandro sugeriu – Se realmente tem outra pessoa atrás destes cristais, não podemos perder tempo.

– Mas o que vamos fazer com esse quarto cristal? – Nicardo perguntou.

– Por enquanto acho melhor não fazer nada. – Neandro tentava trazer de volta um clima pacífico – Não há nada para ser feito mesmo.

– Você tem razão! – Nicardo assentiu – Talvez o melhor seja procurar pelo próximo cristal e tentar descobrir onde foi parar esse quando tivermos mais pistas.

– E se não acharmos “mais pistas”? – Alexis estava pessimista.

– Nós iremos achar! – respondi. – Certo?

– Certo! – Neandro deu um sorriso sem graça.

– Então?… – Selena começou de mansinho – Será que… Bem, eu não tenho para onde ir no momento… Será que eu poderia acompanhar vocês?

– Tem certeza que quer vir com a gente? – perguntei.

– Vocês são legais! – ela sorriu – Acho que quero sim!

– Ô… Emburradinho?… – Neandro resolveu implicar um pouco com o irmão – Para onde vamos agora?

Alexis quase cuspiu fogo em Neandro e retirou violentamente as anotações do bolso.

– Monaya! – ele bufou decepcionado – Que ótimo, adoro aquele lugar.

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