Estrangeira Fiel – Capítulo 1
A crise e a grande fome estavam devastando a região. Desde as áreas mais urbanizadas até o campo. Por isso Edmundo, já senhor e um simples fazendeiro, hoje estava tomando uma decisão:
– Precisamos sair daqui, mulher… A situação está cada vez pior. – remexeu-se à mesa de sua pequena cozinha.
– Aonde iremos? – Neiva, sua esposa, demonstrou preocupação enquanto tirava o leite quente do fogão. – Nossas únicas propriedades estão aqui… Como viajaremos assim? Vamos abandonar tudo?
– Podemos pegar as economias e ir embora. Mesmo que esteja cheio de gente que não nos damos bem, soube que o estado vizinho está indo um pouco melhor… O ramo da agricultura tem uma remuneração mais alta por aquelas redondezas. Venha ver! – Edmundo logo leu em voz alta a renda dos moradores desse tal lugar, porque a esposa não era capaz de fazê-lo.
Ouvindo tais palavras, Neiva sentiu misericórdia vindo do alto, porque até os indivíduos mais modestos tinham condições medianas. Mesmo interessada, disse enquanto colocava uma mecha de seus curtos cabelos loiros que começavam a ficar grisalhos atrás da orelha:
– Tem certeza que é uma boa ideia, querido?
–.Você mesma escutou, o caos não chegou até lá. – ele diz fechando o jornal que lia.
– Não chegou ainda… – mesmo com notícias boas, ela se preocupava com o bem estar de sua família.
– Exatamente! E é por isso que precisamos ir logo. Há necessidade de renda. Quando estivermos em boas condições, quem sabe tenhamos até uma vida melhor que esta…
– As pessoas de lá pensam muito diferente de nós… Mas eu vou. Sem você, esta fazenda não faz sentido.
– Ótimo. Compramos as passagens logo depois de ver o dia mais barato para a ida. Vamos levar Marconi e Quitero. Se der errado, vendemos este terreno e ainda teremos nosso antigo quarto no condomínio de Baltazar, lá no centro da cidade… Se a situação piorar, podemos pedir amparo a ele. É um bom homem… Mas isso é uma hipótese… Necessitamos ter fé no que fazemos, certo?
– Sim… Acredito que Deus possa nos ajudar nesse momento de dificuldade. Você é um bom homem, Edmundo… – ela agarrou por trás seu marido, porque sentia uma esperança nascendo no peito.
Não demorou muito para que comprassem as passagens aéreas e fossem até o aeroporto fazer a despedida.
– Vocês não precisam ir, nossa empresa tem crescido. – Baltazar não queria que seu parente fosse embora, mas ajudou a levar as malas por gentileza. Percebia claramente a convicção de Edmundo.
Baltazar era um jovem homem que havia investido em viver na cidade, acreditava que encontraria um meio de ajudá-lo. Porém foi respondido da seguinte forma:
– Não quero viver dependendo de você. Com essa situação crítica, poderemos causar prejuízo logo agora que você tem conseguido sucesso, Baltazar. Não quero mesmo depender de você assim.
– Eu entendo o que sente… Não queria realmente que fosse embora, Edmundo. – demonstrou um pouco de sua tristeza através de um singelo olhar.
– É necessário. Fique com Deus, meu garoto. – Edmundo abraçou o rapaz fortemente.
– Lembre-se que sempre estarei aqui, está bem? Não me esqueça. Se algum de vocês precisar de ajuda, lembre-se dos costumes da nossa família… Eu tomarei conta de quem for, mesmo que precise me casar para fazer isso direito.
– Haha! Não precisa cumprir esta tradição, se não quiser. Creio que isso não esteja mesmo nos seus planos de agora… – riu-se o senhor. – Vinte e cinco anos… Ainda tem muito que viver e aprender. – soltando-o do abraço, colocou a mão e seu ombro e observou-o com um sorriso sincero.
Baltazar despediu-se de Neiva e dos dois garotos. A jornada em busca de uma vida melhor iria começar. O rapaz perdeu a família de vista entre todas aquelas pessoas no aeroporto.
Infelizmente, para aquela família, após certo tempo no novo lugar, Edmundo morreu. Aparentemente o caos fora adiado, mas chegou até aquelas terras também.
– Eu não sei o que fazer… – Neiva chorava na minúscula varanda da casa alugada. – Por que ele tinha que partir?
– Acalme-se, mamãe. – Marconi pediu.
– Sim, nós daremos um jeito. Iremos trabalhar como o pai e arrumaremos dinheiro para ajudar em casa! Confie. – estimulava Quitero.
– Eu sempre confio, meu filho… Sempre confio em Deus, tanto que consigo enxergar que as dificuldades têm se afastado de nós. Através dEle é que temos vencido as circunstâncias… Mas às vezes a tristeza vem. Contudo, sei que é apenas nEle que posso me apoiar. – a mulher enxugava suas lágrimas.
– Pode estar mal agora, mas isso significa que irá melhorar depois. A senhora é uma mulher de fé, nos ensinou corretamente. – dizia Marconi.
Neiva precisou cuidar sozinha de seus dois filhos, foi um cenário difícil. Entretanto, eles, por sua vez, cuidaram dela. Ambos casaram com simples moças daquela terra estranha. Elas eram muito jovens e tinham baixa escolaridade, semelhantemente à sua mãe, que era uma humilde e dedicada dona de casa.
O nome de uma delas era Olga e o da outra, Russe. Cuidavam de seus respectivos maridos quando os mesmos retornavam sujos, suados e famintos da lavoura. Ver seus filhos casando com mulheres assim foi uma imensa alegria para Neiva.
Todavia, mesmo com as bênçãos recebidas naquela nova vida, quando já fazia quase dez anos que estavam morando ali, Marconi e Quitero também faleceram e, por serem as fontes de renda da casa por seu trabalho, as vitórias construídas pelos esforços da família pareceram desabar. Neiva via seus sonhos morrendo com seus queridos filhos… Em sua cabeça, ela era quem deveria passar pela morte primeiro, não eles.
A mulher encontrou-se só, sem os filhos e sem o marido. Sentia-se desolada e sem rumo. Não sabia o que fazer agora… Entretanto, em meio à angústia daqueles acontecimentos, pouco tempo depois recebeu uma notícia:
– Dona Neiva, dona Neiva! – um garotinho que morava numa das casas vizinhas do campo chamou-a.
– O que foi, menino? Aconteceu alguma coisa? – ela apareceu o mais rápido que pôde na janela.
– Ficou sabendo? O lugar que a senhora morava está melhorando!
– Melhorando?…
– Sim, aquelas coisas de dinheiro que vocês adultos ficam falando. – ele não parecia fazer muito caso daquilo simplesmente por não entender. – Minha mãe pediu para avisar que a situação financeira melhorou!
Mesmo o enviado não compreendendo totalmente a mensagem que acabara de dar, aquele recado fez com que Neiva arregalasse os olhos e tomasse uma iniciativa. Entendeu que Deus não havia esquecido seu lugar de origem, deveria voltar. Continuar morando naquela casa alugada era correr o risco de passar por despejo.
Ela então aprontou suas malas, pegou o dinheiro que sobrou e resolveu ir embora dali com suas noras. Por telefonemas de seus poucos conhecidos daquela região, convenceu um capitão de navio cargueiro a levá-las de volta por um preço baixíssimo. O transporte não era muito bom, mas em compensação o preço era extremamente acessível. As três foram às pressas até o porto. Lá, Neiva começou a conversar com suas noras para convencê-las a permanecer na terra natal:
– Voltem para casa e fiquem com suas mães, é bem melhor permanecer aqui. Que o Senhor seja bom para vocês do mesmo jeito que vocês foram boas a mim e aos falecidos! Que Ele permita que vocês casem novamente e que cada uma tenha sua casa própria! – desejava o melhor às duas. Despediu-se com um beijo no rosto de cada uma.
Porém a tristeza daquele momento tomou conta de ambas e elas começaram a chorar alto. Neiva era o que havia restado da vida que amavam.
– Não! Não faremos isso! – disse Olga aos prantos.
– Olga tem razão, nós iremos com a senhora e ficaremos com a sua gente! – Russe segurou o braço de sua sogra.
– Voltem, minhas filhas. Por que querem ir comigo? – questionou a idosa mulher. – Por acaso pensam que ainda poderei ter filhos para que eles casem com vocês? Voltem para casa porque já estou muito velha para casar de novo. Porque, ainda que eu tivesse esperança de casar outra vez… Mesmo que casasse esta noite e chegasse a ter filhos, será mesmo que vocês iriam esperar até que eles crescessem para casar com eles? É claro que não! – alegou dolorosamente por precisar deixá-las assim. – Sinto como se Deus estivesse contra mim e isso me deixa triste demais… Porque vocês também estão sofrendo. Fiquem aqui, neste lugar que já conhecem… Será melhor para as duas. Não precisarão se adaptar a um ambiente novo e poderão construir novas vidas aqui mesmo.
Realmente era muito mais cômodo permanecer no lugar que conheciam e construir uma nova vida. As palavras sinceras fizeram com que as moças tornassem a chorar. Olga beijou a mulher e retornou tristemente ao seu lar. O navio estava prestes a partir.
– Olhe só! – mostrou Neiva. – Ela voltou para os pais e para suas próprias crenças. Faça a mesma coisa… Volte com ela.
– Por favor… Não me proíba de ir com a senhora nem me obrigue a abandoná-la. – Russe soluçava enquanto lágrimas desciam pelo seu meigo rosto. – Onde a senhora for, eu irei. Onde a senhora morar, lá eu morarei. Onde a senhora morrer, eu também morrerei. A sua gente será a minha e o Deus que a senhora acredita também será o meu Deus! – era surpreendente ouvir aquilo dela, porque sua família era descrente e de costumes completamente distintos.
Tais afirmações fizeram Neiva perceber que sua nora estava mesmo resolvida a ir com ela. Como faltava pouco tempo para deixar o porto, as duas entraram correndo no navio. Russe se recusou a soltar a mão da senhora.
Neiva era contente com a nora que tinha, mas a melancolia não se afastou de seu rosto enquanto navegava. Aconteceu tanta coisa ruim e ela, mulher muito fervorosa, não sabia a razão. Eram aparentemente perguntas sem respostas, doenças sem cura e feridas incapazes de cicatrizar.
Russe pisou lentamente naquele território desconhecido. Tinha a impressão de que as pessoas olhavam torto para seu comportamento, mas ela não se importava tanto. Estava ali por amor à sua sogra e não pretendia largá-la.
Era uma moça muito abnegada e decidida, mesmo assim não deixava de ser dócil. Uma verdadeira joia rara. Foi-se com sua querida aos vinte e seis anos de idade. Casara precocemente aos dezesseis. Tinha uma boa aparência, seus cabelos negros eram muito bonitos. Ainda teria muitas experiências pela frente, mas deu as costas à vida que conhecia a fim de acompanhar sua amada sogra.
Após pegarem um ônibus para chegar até o quarteirão da antiga moradia que permanecera lá, os conhecidos de longa data comentavam a presença da idosa:
– Essa daí não é Neiva?
Entretanto, ela se sentia angustiada em ouvir seu próprio nome. Sabia seu significado e sentia que “graciosidade” era uma das coisas que não havia em seu viver. O nome fazia lembrar seu passado. E, por causa de seu significado tão bom, considerava inadequado. Na verdade, dizia ser amargurada, pensava ter sido o destino que Deus escolhera. Para ela, Ele fez com que a própria fosse com tudo e voltasse sem nada… Mas estava errada. A aflição pelos acontecimentos impedia que enxergasse ser apenas uma fase.
Neiva e Russe adentraram a cidade e precisaram caminhar bastante, além de pedir informações, porque dez anos haviam se passado. A mais velha não tinha condições de administrar o lote da fazenda que ficou ali.
Além disso, complicado seria para a moça do campo adaptar-se a uma vida na urbanização, coisa que nunca experimentara antes. Suas atitudes de amor a trouxeram até aqui. Ela olhava os prédios da redondeza de maneira impressionada.
Enquanto isso, sua sogra ainda guardava consigo a cópia da chave do velho e desgastado condomínio e usava-a para abrir a porta:
– Vamos, Russe, entre.
– S-Sim senhora!
No período em que chegaram, os executivos estavam lucrando muito com seus trabalhos. Russe precisaria arrumar um emprego para contribuir com a manutenção da residência e cuidados com a necessidade da senhora, porque a saúde e a vitalidade dela foram esvaindo com o passar dos anos. Agora era ela a estrangeira.
acho que n conheço a historia que vc tá se baseado na bíblia, mas tá bem interessante
como o edmundo, quitero e marconi morreram? foi realmente uma pena, fiquei com muita dó da neiva… ainda bem que a russe decidiu ficar com ela, foi uma atitude bastante “fiel” rsrs
É uma das histórias que mais gosto! Na Bíblia não diz a causa da morte, por isso resolvi não especificar, procurei não me afastar tanto do original. E mesmo sendo a terra natal de Neiva, ela já desconhecia há dez anos, não era mais a mesma coisa… Seria difícil para uma idosa sozinha se ajustar.
“Fiel”, sim, com certeza! Hahahaha