Contratempo de amar – Capítulo XI
Joana de fato estava uma pilha. A tranquilizei um pouco e contei o motivo de estar tão pra baixo durante o dia. Ela compreendeu a minha resistência em contar tudo e me ofereceu todo o apoio que poderia. Joana tem se mostrado uma amiga maravilhosa, e é justo que ela saiba dos fantasmas que me assombram há tanto tempo. Sua preocupação se transformou em curiosidade quando contei o desfecho da noite com Diego.
– Ai, vocês são tão lindos juntos! – Jo afirma, empolgada.
– Para com isso! – ri – Nós somos só amigos.
– Ah, fala sério, Isabel! – revirou os olhos – Até quando você vai se iludir com isso?
– Não é ilusão… É bem real. – suspiro – Ele mesmo deixou isso bem claro. Amigos.
– Isso que estou notando na sua voz seria decepção, Maria Isabel? – me alfineta.
– Não! – respondo – Quer dizer, eu não sei… – confesso, cobrindo o rosto.
– AHÁ! – ela grita – EU SABIA! VOCÊ ESTÁ LOUCA POR ELE! – começa a pular pela sala, o que me faz rir.
– Ai, para de exagero! – levanto rumo ao meu quarto e ela me segue.
– Vai! Assume! – continua me seguindo – Você está morrendo de amores pelo chefinho!
– Eu não estou morrendo de amores por ninguém, Joana. – sento na cama e ela fica de frente pra mim – Eu só… Ai, eu não sei de mais nada! Não sei o que eu estou sentindo! – me jogo pra trás.
– Bel! – ela se senta ao meu lado – Você gosta dele! Para de fingir que não! Dá pra ver só pelo jeito como você fica quando encontra com ele! Como você fica derretida, sorridente…
– É tão óbvio assim? – sento, assustada – Ai meu Deus, será que ele notou alguma coisa?
– Se ele tiver olhos, sim… – ela ri e eu dou um tapa em seu braço – Au! – choraminga – Olha, isso não é o fim do mundo! Pelo contrário! É maravilhoso!
– Isso é horrível, Joana! – respondo, com minha voz soando a desespero – Faz mais de uma década que não nos falamos direito! E ele mudou tanto… E eu também! Eu não posso estar apaixonada por ele agora! Isso vai ser uma catástrofe!
– Mas você não está apaixonada por ele agora, Bel… Você sempre esteve. – ela me olha e eu reviro os olhos – Você sabe que é verdade. Só que você nunca se permitiu pensar dessa forma. Você não queria perder seu melhor amigo, é compreensível…
– Só que ele não é mais o meu melhor amigo, é o meu chefe! – exclamo.
– E você vai achar mil e um motivos pra não sentir isso que você está sentindo… Mas acontece que não vai mudar nada aí dentro. Não adianta ficar se reprimindo desse jeito.
– O que eu faço? – a olho, na esperança de ouvir algum conselho que me ajude.
– Se eu fosse você, eu abriria o jogo! – balanço a cabeça negativamente – Ele sente o mesmo por você!
– Você está completamente maluca, Joana. – afirmo – Eu não posso falar isso pra ele!
– Por que não? – pergunta, se levantando – Eu tenho certeza de que ele vai retribuir! Vai dizer que sempre te amou… Ai que lindo!
– Meu Deus, você é histérica. – arregalo os olhos – Histérica e completamente insana.
– Eu sou uma romântica, me deixa! – faz bico e eu dou risada – Você vai falar com ele, né?
– Eu não vou falar nada, Joana! – ela sinaliza que vai responder, mas a interrompo – E acabou esse papo por hoje! Tchau! – a empurro pra fora do meu quarto.
Contar pra o Diego que eu estou apaixonada? Isso não faz o menor sentido, não é mesmo? Até porque eu não estou apaixonada. Meus sentimentos estão confusos. Eu estou confusa. É isso. Eu preciso de uma boa noite de sono e só. Essa obsessão maluca vai passar. Eu não tenho direito de mudar tudo agora. Logo agora que estamos voltando a nos entender… Diego não merece ser magoado por mim outra vez… E eu sei que é isso que irá acontecer caso aconteça algo entre nós. Eu vou me conter e vou parar de me sentir assim. Não tem outro jeito.
São Paulo, Brasil – 2001.
– Diego, me espera! – gritei correndo atrás dele.
– Por que você não vai pra casa com o Tiago? Ele vai ficar muito feliz em te levar. – ele continuou andando rápido, me fazendo ficar sem fôlego.
– O Tiago só me convidou pra um filme. – argumentei – Você vai ficar emburrado a semana toda por causa disso?
– Não, Isabel. Eu não vou. – ele parou e me encarou – Vá ver quantos filmes você quiser. Quer saber, eu também vou. A Michele vive me pedindo pra sair com ela. Acho que vou convidá-la pra ir no cinema.
– Michele? – minha voz saiu mais aguda do que eu queria – Ah, você que sabe… Pode sair com quem você quiser, eu não sou ciumenta igual a você, seu doente.
– Ótimo então, porque eu não sou nada ciumento. Agora, tchau. – ele se vira.
– Espera! Eu não quero ir sozinha pra casa. – fiz bico e ele revirou os olhos. Isso sempre dava certo.
– Vem logo. – ele me deu a mão e eu abri um sorriso.
– Então eu posso marcar a revisão do Juarez pras cinco da tarde? – Joana pergunta, mas eu não presto atenção pois estou divagando.
– Aham… – murmuro em resposta.
– E posso entregar esses relatórios pra o Gustavo também? – continua perguntando.
– Aham… – murmuro, ainda sem prestar atenção.
– E eu estava pensando em vir trabalhar amanhã com um blazer de lantejoulas douradas e uma minissaia branca, fazendo um estilo Elvis Presley. Não acha que vai ficar um máximo? – ironiza.
– Aham… – concordo mas logo percebo que aquela frase não fez o menor sentido – Espera… O que? – pergunto, sem entender.
– Em que mundo você tá, Isabel? – Joana pergunta, rindo.
– Eu estou bem aqui. – chacoalho a cabeça, na tentativa de acordar.
– Você pode estar em qualquer lugar, amiga, menos aqui… Não ouviu nada do que eu disse.
– Eu tô tentando me concentrar, ok? – suspiro.
– Ainda pensando no Diego? – ela alfineta.
– Ai, isso tem que parar! – exclamo – Eu não posso ficar alimentando isso!
– Isabel, eu não te entendo! – Joana responde – Não entendo porque você faz questão de ficar se torturando desse jeito.
– E o que eu devia fazer, Joana? – pergunto – Me declarar? Dizer que eu estou apaixonada?
– Sim, é o que eu acho. – ela responde, calmamente.
– E aí o que? Namoramos algum tempo, nosso relacionamento começa a ficar sério, e então? Eu termino com ele como eu terminei com o Fred? – pergunto, triste.
– E por que você precisaria terminar com ele? – Joana pergunta, sem entender.
– Você não entende. – suspiro, passando a mão pelo rosto – Ninguém entende.
– Se ninguém entende, talvez seja algo sem sentido, não acha?
– Não é sem sentido. É só… difícil. – a encaro – Eu não espero que ninguém entenda. Mas eu sei o que fazer com a minha vida.
– Eu espero que saiba mesmo, amiga… – ela segura minha mão – Espero que toda essa angústia não seja em vão.
Não era em vão. Eu estava lutando pra honrar aquilo que a minha mãe lutou pra me dar. Seu sonho era me ver em uma profissão de prestígio, sendo independente. Ela lutou até o último fôlego pra que isso acontecesse, abrindo mão até mesmo do seu bem-estar. Ela não queria que eu tivesse o seu fim. E eu tão pouco. Minha mãe amou o meu pai intensamente, se entregou sem reservas, e quando ele descobriu que ela estava esperando um bêbê, a abandonou sem olhar pra trás. Se aquilo era o amor, eu não quero sentir nunca. O mínimo que posso fazer é retribuir o seu sacrifício, nem que pra isso eu precise me sacrificar um pouco também.
– Não é em vão. – afirmo – Eu vou esquecer essa história e vou seguir a diante.
– Esquecer que história? – Diego entra na sala, pegando o final da nossa conversa.
– Esquecer o Frederico! – Joana mente ao perceber minha falta de reação – O ex-namorado da Isabel.
– Você não me disse que tinha um ex-namorado. – ele me olha, confuso.
– É, eu tinha… – continuo – Terminamos pouco antes de eu me mudar.
– Relacionamento longo sabe, a Bel está se acostumando com a solteirice, sabe como é, né? – Joana completou, me olhando.
– Sei… – Diego continua me encarando e eu não consigo decifrar sua expressão – Vim aqui te chamar, Joana. O Gustavo precisa de você no escritório.
– Estou indo, já terminei de passar a agenda com a Bel. – ela se dirige a porta – Tchau, amiga. Tchau, Diego. – sai.
– Eu também vou indo… – Diego diz – A gente se fala mais tarde?
– Sim sim… – confirmo – Tchau.
– Tchau. – ele sorri de canto e sai.
Ok, talvez eu não precise me sacrificar um pouco. Talvez eu precise me sacrificar muito. Céus, o que está acontecendo com a minha vida? O que está acontecendo comigo?