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Contratempo de Amar

Contratempo de amar – Capítulo X

São Paulo, Brasil – 2003.

 

– Eu preciso conversar em particular com sua mãe, Isabel, você pode nos dar licença? – o médico pediu com simpatia.

– O que quer que você tenha pra me dizer, pode dizer na frente da minha filha. – minha mãe afirmou, categórica.

– Tudo bem… – suspirou – Seu exame de sangue apresentou hipercalcemia, senhora Ávila, uma alteração nos níveis de cálcio. – explicou – Então pedi alguns exames mais detalhados. Um interno virá daqui a algumas horas realizar uma biópsia do seu fígado.

– Biópsia de fígado? – perguntei, surpresa, tentando esconder o medo – Por que isso será necessário?

– A senhora tem sentido algum incomodo nos últimos meses, senhora Ávila? – perguntou à minha mãe.

– Bem… Algumas dores abdominais… – a olhe, incrédula. Por que ela nunca havia me dito nada?

– Entendo… Enjoos, náuseas…? Algo do gênero? – continuou perguntando.

– Sim, algumas vezes. – ela respondeu, me encarando, mas eu não conseguia olhar pra ela agora, eu estava com muita raiva – Qual é a sua suspeita, doutor? – tornou a olhar pra ele.

– Ainda é cedo pra dizer, eu realmente preciso dos resultados dos exames. – o médico pareceu aflito.

– É grave? – só tive forças pra perguntar isso.

– Vamos por etapas, ok? – respondeu, sorrindo de canto – Agora vocês precisam descansar um pouco e amanhã tornaremos a conversar.

 

Era impressionante como a sensação daquela conversa ainda estava vívida na minha memória. A aflição, a ansiedade, a dor… Tudo parecia tão recente… Olhei para a paisagem da cidade, todas as luzes e sons ao fundo… Nada parecia diferente de 12 anos atrás. Esse lugar continua exatamente o mesmo, e eu me pergunto como isso é possível. Parece até que foi ontem que vim aqui pela primeira vez, e quase surtei de tanta alegria, como se tivesse encontrado um tesouro. E de fato, eu encontrei.

 

– Eu não sabia se iria te encontrar aqui, mas foi um bom palpite, eu confesso. – ouço a voz de Diego e me viro para o encarar.

– O que você está fazendo aqui? – pergunto, confusa.

Nosso parque, lembra? – sorri – Liguei pra Joana pra perguntar como você estava e ela disse que você ainda não tinha ido pra casa, achou que você estava na empresa… Ela ficou muito preocupada.

– Eu não podia lidar com ela agora. – viro pra frente, limpando o caminho de algumas lágrimas no meu rosto – Precisava ficar sozinha, então me lembrei daqui.

– Eu confesso que não associei as datas logo pela manhã, mas quando percebi o quão distraída você estava, não foi difícil lembrar. – ele se senta ao meu lado também encarando o horizonte – Você não precisava estar sozinha hoje.

– Sim, eu precisava… – respiro fundo – Não posso preocupar a todos simplesmente porque tenho traumas pra lidar.

– Não é um dia comum, Isabel. – ele segura em minha mão e eu sinto meu coração acelerar – É o aniversário da morte da sua mãe. Você tem direito de estar triste. – ele se lembrava. Isso era reconfortante, de certa forma.

– 12 anos depois? – riu, tristemente – Eu acho que já deveria ter me acostumado com a ideia.

– Ninguém se acostuma a essa sensação, Isabel. – ele me olha, sério – Você não pode colocar um prazo de validade nos seus sentimentos.

 

Suspiro o encarando. Como era bom ter meu amigo de volta.

 

– Obrigada. Obrigada por estar aqui. – agradeço, sincera.

– Eu não estive por 12 anos. Acho que precisamos compensar isso. – pisca pra mim e eu retribuo com um sorriso – Agora me deixe te levar pra casa. Joana deve estar sem mais um fio de cabelo.

– Você contou pra ela o motivo de eu ter sumido? – pergunto, enquanto ele me ajudava a levantar da grama.

– Não. – responde – Não sabia se era isso que você queria.

– Eu acho que é melhor que eu faça isso. Ela pode se sentir excluída, e isso não é verdade. Só não queria encher a cabeça dela com meus problemas. – ele assente – Obrigada por entender.

– Você vai me agradecer por tudo agora? Não me lembro dessa gentileza toda quando éramos mais novos. – ele me conduz até a trilha que levava para o pé da colina.

– Muitas coisas mudaram desde que éramos mais novos. – dou um sorriso sincero em sua direção e acho que posso ver ele corar um pouco.

 

Mantive silêncio enquanto caminhávamos, mas não era mais um silêncio constrangedor como antes, era um silêncio amigo. Silêncio de compreensão. Ao chegarmos no carro, fiz uma pergunta por impulso.

 

– Você ainda costuma vir aqui? – me acomodo no banco, colocando o cinto de segurança.

– No parque? – pergunta.

– Sim. Parece que nada mudou.

– Eu venho algumas vezes, mas não o suficiente. – suspira – Esse lugar é incrível.

– Você não gostou dele quando o viu pela primeira vez… – lembro sorrindo da sua reação quando o fiz subir a trilha.

– Eu era um imbecil. – ele ri quando concordo com a cabeça – É impressionante que ele ainda seja tão tranquilo. Considerando como essa cidade está cada vez mais louca.

– Acho que fazer uma trilha a pé pra chegar em um parque velho na colina não é um programa muito apreciado pela população. – brinco.

– Nosso parque velho na colina. – ele me olha e eu dou um sorriso ao perceber que ele lembrava da nossa discursão quando o levei pela primeira vez até ali.

 

Continuamos conversando durante o trajeto até meu apartamento. Estar com Diego era um remédio pra minhas feridas. Mesmo em um dia tão doloroso, ele conseguia despertar as melhores lembranças em mim. Como consegui passar tanto tempo sem isso? Como consegui passar tanto tempo sem ele? Desde crianças ele tinha o dom de me fazer sentir a pessoa mais importante do mundo. Eu amava isso. Seria normal me sentir assim por alguém que é apenas o meu amigo?

 

– Pronto, está entregue. – Diego diz, enquanto encostava o carro na frente do meu prédio.

– Você quer subir um pouco? – pergunto, meio sem jeito pelos pensamentos que estava tendo.

– Acho melhor não. – responde – Joana está uma pilha de nervos e está tarde, acho que você deveria descansar um pouco.

– É, você está certo. – abro a porta do carro – Muito obrigada por tudo, de verdade.

– Não precisa me agradecer, Isabel. – ele toma minha mão a apertando suavemente, o contato me faz corar, mas acho que ele não percebe – Amigos servem pra isso, certo?

– Certo. – respondo com um meio sorriso ao ouvir a palavra “amigos” – Até amanhã.

– Até. – ele sorri, soltando minha mão.

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