Contratempo de amar – Capítulo VIII
Na segunda-feira, me esforcei ao máximo para transparecer indiferença à presença de Diego, o que era muito difícil. Olhar para ele me causava uma imensa dor e um turbilhão de lembranças que eu gostaria de deixar para trás. Mas eu precisava me reportar à ele. Era o meu chefe, e estávamos em um dia muito importante para o jurídico. Precisaríamos relocar todo um setor de produção e com certeza haveriam muitas queixas e relatórios à serem emitidos e defendidos. Teria que engolir minha dor e trabalhar normalmente, pelo bem da minha carreira.
– Você revisou esse relatório, Juarez? – Diego pergunta pela milésima vez.
– Sim, chefe. Todas as quatro vezes que me pediu. – Juarez respondeu, brincando.
– Desculpa, cara. – Diego suspirou passando a mão nos cabelos – O dia hoje parece não ter fim. – me encara – Ávila, em que pé estamos com a contabilidade?
– Eu acabei de falar com a Alexandra. Estamos cobertos, por hora. – respondi e voltei os olhos para meu laptop.
– Diego, você tem um minuto? – Gustavo coloca o rosto pela fresta na porta e Diego se levanta indo em sua direção.
Será que Gustavo falaria sobre o episódio em sua casa agora? No meio de um dia tão atordoado? Senti um nó se formando em minha garganta e meu estômago revirando. Quando dei por mim já estava indo em direção ao seu escritório.
– Isabel, sua maluca, o que você tá fazendo aqui? – Joana sussurra chamando minha atenção quando me vê quase abrindo porta do escritório de Gustavo.
– Eu… Eu não sei! – confesso, agitada – O Gustavo chamou o Diego pra conversar, e eu acho que é pra explicar sobre a outra noite… Só que o Diego está uma pilha por causa da relocação, e eu não acho que seja uma boa ideia ele falar isso ago… – disparo e Joana me interrompe.
– Ei ei ei! Calma! – segura em minhas mãos – Vem cá, vamos até a cantina tomar um chá. Você precisa se acalmar. – me tranquiliza.
– Mas eu preciso saber o que eles estão… – Joana me interrompe.
– Bel, você não vai interromper a conversa deles. – me olha, séria – Em primeiro lugar, porque eu perderia meu emprego. – reviro os olhos – Em segundo, você não sabe do que eles estão falando e mesmo que soubesse, não pode fazer nada à respeito. Só iria piorar tudo.
– Você tem razão. – suspiro – Eu vou voltar pro escritório.
– Você está pálida. – seu olhar me analisa – Já comeu hoje? – pergunta, preocupada.
– Já. – minto – Preciso voltar ao trabalho. – saí rumo ao escritório.
O dia passou vagarosamente. Diego retornou após alguns minutos ao escritório, mas não pude decifrar sua expressão. A curiosidade pela conversa dele com Gustavo estava me consumindo. Toda a equipe estava uma pilha de nervos. Tínhamos poucas horas para solucionar a relocação sem causar maiores danos aos níveis de produção da empresa e mantendo nosso índice de retaliações baixo. Diante de tamanho alvoroço eu me questionava se realmente havia nascido para esta profissão. Algumas vezes me sentia bem exercendo meu trabalho, mas nunca conseguia estar plenamente satisfeita. Tudo se resumia a uma sensação de alívio no fim do dia, mas nunca de realização. Minha mãe sempre sonhou em me ver sendo uma advogada de sucesso, e eu me esforçava ao máximo para realizar este sonha para ela. Não conseguia me lembrar do que realmente gostava de fazer. Minto, conseguia sim. Sempre adorei cantar e escrever. Mas fazia muito tempo que não escrevia nada além de relatórios e processos. Cantar então, nem se fala. Mas existe um preço a pagar para realizar um sonho. Eu estava pagando esse preço. Despertei dos meus devaneios com uma voz alterada se direcionando à mim.
– Quem você pensa que é, garota?! – vejo Maciel vindo em minha direção, furioso.
Maciel era o braço direito de Diego no setor, o segundo no comando. Nunca havia trocado muitas palavras com ele, a não ser quando me mandava fazer algo. Não fazia ideia do porquê de ele estar tão irritado comigo.
– Conseguiu o que tanto queria, não é?! – ele continua gritando apontando o dedo pra mim, e se aproximando cada vez mais, o que me faz recuar um pouco. Não havia percebido que tinha ficado sozinha na sala de reunião.
– Do que você está falando? – perguntei, sincera, tentando manter a calma.
– Não se faça de sonsa! – cospe entredentes – Eu saquei o seu joguinho desde o dia em que pisou os pés aqui! E agora finalmente conseguiu!
– Eu não sei do que você está falando, Maciel! – também levanto a minha voz, na esperança de alguém ouvir a discussão do lado de fora. Eu estou ficando com medo da sua raiva.
– Sua vadia! – ele me pega pelo braço com força e me dá um tapa que me faz cair no chão.
Antes mesmo que eu pudesse sentir o latejar no rosto, ouço a porta se abrir com força e encontro o olhar de Diego sobre Maciel, logo alternando para mim, com uma ira que eu nunca tinha visto antes em seus olhos.
– Diego… – Maciel começou, mas foi interrompido. Mal terminou a frase e foi duramente atingido por um soco de Diego, que o fez perder o equilíbrio. Eu não sabia como reagir à tudo aquilo. Do que Maciel estava falando? Por que ele estava tão irritado? E por que Diego estava tão empenhado em me defender?
– Eu confiei em você, Diego! – Maciel o encara, com um olhar entristecido – Você não me defendeu! Ficou do lado do Gustavo! SÓ PORQUE ELE QUER ESSA VADIAZINHA!
– LEVEM ELE DAQUI ANTES QUE EU PERCA DE VEZ A CABEÇA! – Diego berra para os seguranças que haviam chegado na porta – EU QUERO ESSE INFELIZ LONGE DAQUI! – os seguranças saem com Maciel e Diego me ergue tão rapidamente que me sinto tonta – Isabel?! Você está bem?! O que esse miserável fez com você?!
– Eu estou bem. – respondo, confusa, e logo senti um gosto metálico na minha boca. Coloquei um dedo no ponto dolorido e constatei que era sangue.
– Eu vou te levar até a enfermaria agora. – Diego diz, pálido, ao ver o sangue, e eu quase tenho vontade de rir. Sempre se comportava de forma exagerada quando eu me machucava, mas não esperava que ainda se comportasse assim dadas as circunstâncias atuais. Chegando na enfermaria, ele não me encara. A enfermeira havia colocado uma pomada no meu pulso que estava um pouco inchado pelo puxão de Maciel, e foi buscar um spray para o pequeno corte dentro da minha boca.
– Diego… – ele me encara, finalmente – Não precisa ficar aqui. Eu estou bem. Foi só um cortezinho. Nem está sangrando mais.
– Eu não vou sair daqui até a enfermeira liberar você. – respira fundo – E preciso te contar algo também.
– Por que o Maciel agiu dessa forma? – pergunto, confusa.
– Porque ele foi demitido hoje pela manhã. – responde, analisando minha reação.
– Mas… Como? Por que? – não consigo entender. Maciel era um dos funcionários mais bem vistos da empresa.
– Gustavo descobriu que ele estava negociando com nosso concorrente. – arregalo os olhos – Passando informações contratuais em troca de uma vaga como diretor do setor jurídico daqui à três meses.
– Uau… – tento conter o espanto, sem êxito – Não esperava por essa. Ele sempre foi tão ativo aqui na empresa…
– De fato. – Diego parece decepcionado. Maciel devia estar ao seu lado há muito tempo – Mas infelizmente esse tipo de coisa acontece em um ambiente coorporativo.
– Não deixa de ser uma droga. – respondo, sincera – Mas por quê ele veio pra cima de mim daquele jeito? Não me lembro de ter feito nada pra prejudicá-lo.
– Não fez. – me encara – Nós fizemos.
– Nós? – pergunto, confusa.
– Eu e o Gustavo. – Diego explica – Era sobre isso que eu tinha que conversar com você.
– O que aconteceu? – indago, ansiosa.
– Nós já estamos conversando a algum tempo sobre o seu desempenho aqui na empresa… – arregalo os olhos – Que é impressionante, dado o pouco tempo que você está aqui. – me tranquiliza.
– Eu agradeço, mas ainda não sei o que o Maciel tem a ver com isso. – respondo, sem entender.
– O Gustavo me chamou hoje pela manhã me questionando o que eu achava de uma promoção para você. Como já sabíamos da farsa do Maciel à alguns dias e não tínhamos certeza de como proceder, ficou claro pra nós o que precisava ser feito. – explica, aparentemente calmo.
– Espera… – sôo atordoada – O que você está querendo dizer?
– Que você é a nova coordenadora do setor. Você ocupará o lugar do Maciel.
Não acreditei no que estava ouvindo. Estava a pouco mais de dois meses na empresa e já havia sido promovida para um cargo tão importante? A euforia tomou conta de mim, mas durou pouco. Maciel havia me chamado de vadia. Será que essa promoção estava acontecendo pela minha capacidade como advogada ou pelo interesse de Gustavo em mim?
– Por que eu? – é apenas o que consigo formular no momento.
– Isabel, não deixe que as acusações do Maciel confundam você. – Diego responde, como se pudesse ler minha mente. Ele sempre conseguia isso – Você é uma excelente advogada, e tem se destacado no grupo.
– Mas existem outros advogados tão bons quanto eu. – argumento – E que estão aqui há mais tempo. Eu não entendo…
– Podem ser tão bons como você, mas não são você. – Diego responde, e eu sinto um frio na barriga ao ouví-lo falar assim de mim – Você merece essa posição.
– Você não pareceu acreditar nisso quando me acusou de dormir com o Gustavo. – deixo a mágoa escapar, sem perceber, me arrependendo logo em seguida.
Diego me encara como se não esperasse que eu fosse ser tão clara. Seu olhar mostrava certa tristeza e por um momento me lembrei do garoto de 19 anos que eu deixei pra trás há tanto tempo. Pela primeira vez, desde que o havia reencontrado, eu pude sentir que aquele garoto ainda estava ali, em algum lugar.