CONTOS DE HYSTERIA – edição especial: episódio 05
Mary não conseguia entender o misterioso sentimento dentro de seu peito que a fez dizer sim. Qualquer um a aconselharia de que era uma ideia bem idiota deixar a Vila Hard Rock para entrar numa jornada perigosa com pessoas que ela mal conhecia, embora soubesse que eles fossem bons. Ela tinha tato para esse tipo de coisa. Era quase como se conseguisse ver por baixo da pele de alguém descobrindo se ele era bom ou mau. Além disso, ela tinha um forte por aventuras, mesmo que nunca tivesse sido parte de algo grandioso.
Depois que os garotos foram para os seus quartos na estalagem da vila, a elfa voltou para o Às de Espadas e quando Angus viu seu estado, a recebeu com abraço apertado, vendo que ela tinha passado por maus bocados, mas ao mesmo tempo, aliviado. Seus pais estavam lá também conversando com o tio no balcão do bar. Sabia que se contasse no que tinha se enfiado, aquelas pessoas jamais permitiriam que ela fosse caçar os tais artefatos.
— O que foi que houve com você? – Angus perguntou ainda sem tirar as mãos da menina, com olhos preocupados.
— Adivinha quem tinha razão, Angus? Eu disse que mandar eles irem atrás do Procurador era uma ideia ruim… – ela respondeu ajeitando o arco que ainda carregava. — Mas já resolvi o problema.
Antes que seu amigo pudesse dizer qualquer coisa mais, os pais de Mary acenaram dizendo que os dois se aproximassem para jantar, o que ela queria muito no momento. Mas se sentia dolorida e cansada, e para evitar perguntas que ela não queria responder, disse que iria tomar um banho e logo voltaria.
Não ficou muito depois da janta, decidindo seguir as ações do anão, Vinyl, de deixar uma carta para seus pais na manhã seguinte para que eles soubessem da situação toda. Acordou cedo e juntou o que faltava: algumas trocas de roupa, dinheiro e mais flechas para o arco. O bar ainda estava fechado e todos, dormindo. Ela saiu silenciosamente pela porta da frente, trancando-a assim que transpassou e caminhou em direção à estalagem onde o trio estava a esperando.
Assim que ultrapassam os limites norte da Vila Hard Rock, Mary sentiu um frio na espinha. Era estranho sair dali sozinha. As únicas viagens que tinha feito para fora da vila foram pequenas expedições na floresta que ficava ao sul do reino, quando ela era bem mais nova, e sempre estava acompanhada dos pais e de outros elfos. Angus não estar ali também era um problema. Eles sempre foram grandes amigos desde que Mary conseguia se lembrar e qualquer pequena aventura que ela tivesse vontade de tentar, era sempre ele quem estava ao seu lado. Mas afinal, tudo estava estranho ultimamente. Desde que vira Max pela primeira vez quando estava no palco. Tinha algo naquele menino da Capital, que mesmo que ela não soubesse o que era a fez perceber que a coisa certa a fazer era ajudá-lo a qualquer custo. Só teve mais certeza disso quando viu a pedra vermelha se transformar em suas mãos.
Estava tão absorta em seus pensamentos que mal percebeu que Max estava ao seu lado caminhando e dizendo algo. — Muito obrigado por aceitar nos ajudar. Você nos poupou muito tempo ontem e… – ele disse fazendo uma pausa e deixando escapar um suspiro triste. — Foi importante já que o meu prazo está acabando.
— Oh… Não se preocupe, vamos encontrar as outras pedras. A sua princesa vai ficar bem! – ela disse dando um sorriso reconfortante em direção a ele, voltando das distrações que estavam em sua cabeça. — Mas… Posso lhe perguntar algo?
— Claro. – ele respondeu depois de retribuir o sorriso, mas não um tão confiante como o de Mary.
— Não acha estranho? Digo, em todas as lendas que já li a respeito da origem do mundo, Harmos é sempre descrito como o irmão bom. Metal é o ruim que achava que os humanos eram seus brinquedos, por isso foi exilado, não é?
— Sim. Mas o que quer dizer?
— Você já se perguntou por que ele está agindo assim? Pelo que você contou ele parece bem cruel e maligno. Não condiz com o perfil dele nas lendas… – Mary disse erguendo levemente a sobrancelha esperando que ele concordasse com ela.
Max abriu a boca, mas então a fechou exibindo uma expressão reflexiva. Mary sabia que não podia cobrar muito da mente do garoto, que já devia estar bem bagunçada com tudo que ele tinha passado. A pressão psicológica que Max devia estar fazendo em si mesmo era um fardo grande demais para qualquer um carregar. Antes que ele pudesse responder algo, foi interrompido pelo anão, que andava mais a frente junto com Jack.
— Ei Max! Para onde vamos agora?
Max voltou a si, apanhando o livro de dentro da mochila. Folheou algumas páginas antes de encontrar o que procurava e leu o título do capitulo em voz alta. — Para Disco City. Parece bem bonito. – a gravura no livro dos artefatos era de fato incrível. Uma cidade grande e iluminada, que quase emanava esplendor. — De acordo com o livro, a pedra verde está lá. É o quarto artefato e quando eu segurá-la vai virar um…
— Um arco e flecha! – Mary disse, interrompendo notando o esboço de um belíssimo arco verde e flechas decoradas com gravuras de galhos e plantas.
— Exato. – ele respondeu vendo a expressão maravilhada da menina em direção ao livro. — Quando encontrarmos pode ficar com você se quiser. Nós já temos as nossas armas.
Ela olhou para ele com uma expressão agradecida e ainda mais animada e os dois caminharam um pouco mais rápido para acompanhar os passos dos que estavam mais a frente. — Espero que tenhamos sorte como da última vez. – disse Vinyl positivamente para Max.
— Eu não chamaria aquilo de sorte, carinha.
O sol havia começado a se por no horizonte quando avistaram as primeiras luzes de Disco City. A noite parecia ter chegado com mais rapidez do que o normal. Há quantas horas estavam andando? Max pensou que com certeza deveriam estar mais cansados do que de fato estavam, levando em consideração o quão cedo acordaram. Ele olhou vagamente para trás e tomou um susto. Às suas costas o sol ainda brilhava tardiamente enquanto a sua frente, eles caminhavam em direção à noite. Só não podiam dizer que estava escuro, pois Disco City era pelo menos três vezes mais iluminada do que Glam.
O menino pegou novamente o livro, forçando levemente os olhos para ler o que estava escrito. Aparentemente a legenda sobre a cidade – Disco City: a cidade que nunca dorme – não era um simples trocadilho. Max pensou que provavelmente sempre era de noite naquele lugar e pela música alta que podiam escutar, havia alguma festa rolando no momento.
Nada guardava a entrada da cidade, para a sorte do grupo, mas ao entrarem, eles não podiam acreditar no que viam. Era definitivamente muito informação para apenas quatro pares de olhos. Grandes edifícios cujas torres se iluminavam com luzes de led multicoloridas. Todo o chão da cidade era uma gigantesca pista de dança e as cores dos pisos de alternavam no ritmo da música. As ruas eram uma festa. Um palco extraordinário todo decorado com espelhos e holofotes estava montado ali perto e uma banda com cerca de dez membros tocava e dançava, agitando o público que se estendia por toda a pista.
O povo estava se divertindo tanto que era contagiante. Era impossível não querer participar da farra. Os quatro se entreolharam, claramente com o mesmo pensamento nas mentes, enquanto as luzes dos pisos da pista de dança se alternavam de vermelho para amarelo, e então de amarelo para azul. Sim, era verdade que estavam com uma pressa terrível e Max não queria arriscar perder mais tempo, mas a batida constante da música, o riso das pessoas, todo aquele brilho, bebidas e comidas deliciosas sendo servidas… Era maravilhoso demais para deixarem a oportunidade passar. Afinal, e se nunca mais retornassem?
Quando Max se deu conta, ele já estava no meio da pista, completamente entregue á música segurando um copo de bebida na mão. A melodia era fenomenal e de vez em quando ele podia ver algum de seus amigos por perto, curtindo também. Sentiu-se bobo por pensar em deixar a festa de lado por um momento. Depois de tudo o que passou nos últimos nove dias, ele merecia uma folga. Era bom poder finalmente se divertir um pouco.
Depois do que pareceram alguns minutos, Max sentiu um intenso cansaço nas pernas e uma urgência de sentar-se em algum lugar, o que era inusitado já que não fazia muito tempo que havia começado a dançar. A banda ainda estava no palco, o que queria dizer que eles não estavam na festa mais que algumas poucas horas. Devia ser a bebida, com certeza tinha exagerado sem perceber e agora estava tonto. Ele saiu da pista e foi para perto do bar, onde conseguiu uma banqueta para se sentar.
Pediu algo para comer ao garçom que logo o trouxe. Estava tão feliz e sereno que era difícil de acreditar. Recostou-se no balcão e começou a comer pensando em quanto tempo não se sentia verdadeiramente leve, já que ele não contava o encontro com o Procurador. Estava hipnotizado na situação e o relaxamento não passara de uma cruel ilusão. A última vez fora provavelmente quando ele e Aria dançaram no baile antes dos testes. Lembrou-se novamente de como ela estava bonita e o quanto ele ansiava por vê-la outra vez. Max olhou novamente a sua volta pensando em como Aria adoraria um lugar como aquele, e o quanto ela poderia se sentir livre ali.
Suas pernas estavam de fato dormentes. Ele tentou massageá-las, mas algo que se aproximava chamou sua atenção e por um segundo ele a viu. Aria estava com uma bela roupa de festa, toda iluminada assim como as luzes da cidade. Usava botas brancas cheias de brilho que geravam belos reflexos com os pisos luminosos e coloridos. Ela se aproximou do balcão lentamente como se flutuasse e colocou as mãos na gola da camisa da Max, inclinando-se para frente para beijá-lo. Ele sorriu como um idiota apaixonado, também chegando perto dos lábios da menina quando de repente ela parou e gritou, mas sua voz não era a dela.
— MAX! – O menino se afastou, piscando algumas vezes antes de ver miragem de Aria se transformar em Vinyl, que estava coberto de suor e parecia desesperado, ainda que momentaneamente confuso com o fato de que seu melhor amigo tinha se inclinado para beijá-lo. — Max… Que merda é essa?!
— O quê…? Vinyl? Mas… A Aria… – ele disse corando e sacudindo a cabeça percebendo que Aria não estava ali. Pensou por um segundo que supostamente estava muito bêbado.
— Cara, você me precisa me ouvir! Faz mais de vinte quatro horas que estamos aqui nos divertindo!
— Espera, o quê?!
— Eu disse que estamos aqui a mais de um dia! – ele gritou desesperado sacudindo Max pela camisa como se tentasse acordá-lo de um sonho.
— Carinha, você está se estressando demais. – Max disse com a maior tranquilidade do mundo, se espreguiçando levemente. — Estamos aqui há apenas algumas horas.
— Não Max! Aqui é sempre noite, lembra? – ele disse antes de perceber que seu amigo inclinava a cabeça sutilmente para o lado a fim de olhar para a pista de dança, ansioso. Vinyl entrou novamente na frente de seu campo de visão estralando os dedos na frente de seu rosto. — Droga, Max! Sai dessa cara! Você precisa acreditar em mim, o tempo parece que passa mais devagar e a gente ainda precisa encontrar o quarto artefato!
A palavra “artefato” parecia ter causado algum efeito em Max, que ergueu levemente a cabeça em direção a Vinyl e então levantou uma sobrancelha sentindo-se um pouco confuso. Vincent sabia que precisavam sair dali o mais rápido possível e então resolveu apelar notando que aquilo talvez funcionasse.
— Max, pense na Aria…
Aria. Aria certamente gostaria de Disco City, se ao menos ela não estivesse presa no castelo real com aquele deus horrível. Ela estava em perigo mortal e seu tempo estava acabando. Novamente Max se lembrou de como suas pernas pareceram ficar entorpecidas tão rápido e associou isso com as palavras do amigo. Vincent Vinyl jamais mentiria para ele e o que havia dito soou como uma cutucada no cérebro de Max. Seu queixo caiu, assustado, quando ele finalmente processou tudo e percebeu o que realmente estava acontecendo.
Ele se levantou derrubando o resto da bebida que estava em seu copo no chão. Sua respiração estava ofegante e perturbada assim como sua expressão. Estavam novamente perdendo tempo, o qual não podiam se dar ao luxo de perder. Instintivamente subiu em cima da banqueta em que estava sentado enquanto Vinyl o observava sem dizer mais nada. Ao longe avistou Mary dançando e curtindo com várias pessoas desconhecidas em sua volta.
Rapidamente apanhou Vinyl pelo braço e saiu em disparada em direção a onde tinha avistado a elfa e assim que a alcançaram a empurraram para um canto e contaram tudo a ela.
— Pelos Deuses! Temos que sair daqui! – ela disse também no mesmo tom desesperado.
— Onde está o Jack? – perguntou Vinyl olhando em volta tentando encontrá-lo.
Os três andaram durante alguns minutos tentando não focar na diversão sabendo que não podiam cair na tentação produzida cidade outra vez. Não pareciam encontrar Jack em lugar nenhum, até que Mary viu algo à distância.
A alguns metros dali, uma enorme figura de homem estava ajoelhado olhando curiosamente para o chão. Mary puxou a manga de Max e apontou para o que tinha acabado de ver e reconhecendo seu guarda-costas, o menino começou a correr sinalizando para que os outros dois o seguissem. Quando chegaram mais perto conseguiram ter uma visão do que estava chamando a atenção de Jack. Era, assim como todo o chão de Disco City, um pedaço de piso luminoso de pista, mas tinha algo de diferente nesse em especial. Ao contrário dos outros, onde as cores se alternavam, este piscava incessantemente com apenas uma cor: Verde. Max olhou em volta analisando que nenhum dos outros tinha essa tonalidade, embora de longe fosse impossível localizá-lo, já que as cores trocavam tão rápido que criavam uma ilusão de ótica, escondendo a diferença daquele.
Seria possível que o que ele estava pensando era correto? – Nós achamos… A pedra está por baixo do piso.
— Max, deve ser só uma coincidência. A pedra não poderia estar ai, brilhando na cara de todos. – Vinyl ponderou, então olhando para Mary, como se perguntasse se ela concordava com ele, e esta deu de ombros, igualmente confusa.
— Não está na cara. As pessoas estão tão entregues a festa que jamais a perceberiam aqui. Alias, não finjam que também não estão sentindo.
Os outros dois reconheceram a verdade. Ambos já tinham sentindo o intenso poder que emanava das pedras e podiam sentir a mesma energia vindo de baixo daquele piso. — Tudo bem, mas como vamos pegá-la? – Mary perguntou olhando novamente para o brilho, mas depois erguendo uma expressão tensa em direção a Max.
O menino colocou a mão sobre o piso pensando em algo. Não parecia muito resistente, na realidade. Logicamente foi feito para aguentar o peso de muitas pessoas dançando por cima, mas se alguém estivesse disposto a destroçá-lo, não seria uma tarefa muito complicada. Seu plano era arriscado e não muito elaborado, mas não tinham muito mais tempo para ficar bolando ideias sofisticadas. Notou que Jack tinha parado de olhar para o chão e agora apenas o observava, como se tentasse sentir o que se passava na mente do seu protegido. Max franziu o rosto decidido e então o virou para o homem. Mesmo que ele parecesse confiante, seus olhos mostravam o quanto estava desesperado. — Jack… Pode quebrar.
O homem sorriu como se tivesse esperado essas palavras desde que avistara o piso verde horas atrás. Aparentemente o feitiço não tinha surtido nenhum efeito muito poderoso nele e logo no começo, vendo-se perdido dos outros, ele encontrou o piso, já entendendo o que estaria por baixo. Jack levantou-se e sinalizou para que os outros se afastassem um pouco antes de levantar seus dois punhos gigantescos no ar e lançá-los de volta ao chão com toda a sua força. O piso se rachou e Jack removeu um dos punhos fechados do buraco, já com a pedra envolvida. Os três conseguiram ver os pequenos raios luminosos que saiam das curvas da mão do homem e então sorriram aliviados.
O refolgo durou pouco já que assim que Jack exibiu a pedra em seu punho, todos os outros pisos começaram a se apagar, juntamente com a música que parou instantaneamente. A banda se entreolhava sem entender nada, assim como os habitantes festivos que logo localizaram aonde a falta de energia tinha começado. Viram o quarteto em volta de um piso quebrado e logo imaginaram que o que aquelas pessoas tinham feito havia resultado numa reação em cadeia que matou a celebração.
Max viu centenas de expressões tornando-se ódio e curvando-se em direção a ele e seus amigos. Antes que eles pudessem sofrer uma perseguição de uma multidão enfurecida, o menino deu uma risada sem graça e tentando disfarçar e sussurrou em direção aos outros. — Corram…
Seus amigos pareciam ter entendido a mensagem já começando ouvir os passos do povo se aproximando deles. Viraram-se e começaram a andar sem parecerem muito desesperados, mas depois de alguns passos, a adrenalina em seus corpos não podia mais aguentar e explodiu, fazendo com que eles corressem como loucos em direção à saída daquela cidade. Max podia segurar a pedra mais tarde quando finalmente estivessem seguros sem ninguém querendo matá-los por destruírem uma festa disco.
Depois do que pareceram alguns minutos correndo desenfreados em busca de um lugar para se esconderem, encontraram uma pequena caverna fora dos limites de Disco City. Assim que pisaram ali dentro, foram aturdidos por um barulho de trovão que pareceu ecoar pelas paredes da caverna. Logo depois viram as primeiras gotas de uma chuva intensa caindo.
A lua brilhava no céu e dessa vez, era de fato noite. De acordo com as contas que tinham feito, assim que amanhecesse seria o fim do décimo dia e isso significava apenas mais quatro até o prazo final. Estavam acordados há muito tempo e seus olhos estavam extremamente cansados e pesados. Sem poder perder muito tempo, eles decidiram que dormiriam apenas algumas horas, apenas o suficiente para não desmaiarem enquanto estivessem andando.
Mary e Vinyl já estavam dormindo tranquilamente quando Max levantou-se sobressaltado, lembrando-se da pedra verde que estava com Jack. Seu grande guarda-costas estava sentado na entrada na caverna olhando o céu chuvoso com certa admiração a sua beleza quando o menino se juntou a ele.
O homem instantaneamente se concentrou em Max, cujo rosto estava exausto, mas ao mesmo tempo preocupado, como se algo o estivesse incomodando a ponto de não deixá-lo dormir. Vendo isso, Jack tirou a pedra verde instintivamente do bolso, entregando-a a Maxwell, que a segurou dando um sorriso agradecido ao outro, grato por ele ter captado a mensagem sem que Max tivesse que pedir qualquer coisa. Era esquisito sentir empatia pelo grandão, já que ele havia sido criado apenas com o propósito de ajudá-lo nessa missão idiota dada por Harmos, alguém que o garoto percebia a cada dia mais que não gostava.
A mesma coisa de sempre aconteceu quando Max segurou a quarta pedra na mão. Um intenso brilho verde iluminou a caverna e o caminho a frente deles. Aparentemente estavam no ponto de divisão entre as últimas cidades e uma floresta de aparência nada amigável. Ela era escura e desbotada, como um típico cenário das histórias de terror que Eddie costumava contar para assustar a ele e Vinyl quando eram mais novos. A luz, que não o cegava mais, mostrou-o por um breve espaço de tempo como a floresta havia sido bonita em outro tempo, com fadas cantando, elfos se divertindo e os mais diversos seres vivendo uma vidinha sossegada e feliz. O brilho esvaiu-se, tornando-a novamente sombria como era nos dias atuais.
Ele refletiu um pouco sobre o que tinha acabado de ver antes de olhar para as próprias mãos, percebendo que segurava o arco e flecha que tinham visto no esboço do livro dias mais cedo. Lentamente, Max se levantou e dispôs a arma cuidadosamente perto de Mary para que ela tivesse uma surpresa quando acordasse. Afinal, tinha prometido que o artefato podia ficar com ela e esperando que, devido à aparência do caminho que tinham que percorrer em breve, a última pedra seria a mais complicada e que todos precisariam de uma boa dose de mágica divina.
— Você devia dormir. – ouviu Jack lhe instruindo antes de virar-se para olhá-lo nos olhos. Os raios lá fora pareciam cruzar os uma vez temíveis olhos verdes de seu guardião, que agora apenas lhe pareciam gentis. Protetores, sim, mas acima de tudo, gentis.
— Você também não devia? – Max respondeu com um pequeno sorriso de esperteza, já começando a se ajeitar para descansar.
— Não to com sono. Vou ficar vendo o céu chorar. Acordo vocês depois. – ele disse e então se virou, voltando a mirar o céu. Chegava a ser irônico o quanto as coisas mais simples como a chuva pareciam belas e poéticas aos olhos de Jack, embora fosse compreensível. Max imaginou se também veria as coisas assim que tivesse nascido recentemente e já adulto, mas então o barulho das gotas caindo alcançaram sua mente, fazendo-o pegar no sono.
Acordaram algumas horas mais tarde, quando o sol já estava começando a nascer e a chuva tinha parado. Vinyl tirou alguns pães velhos da mochila e Mary também pegou o que tinha trazido. Eles tomaram o café da manhã sem trocar muitas palavras, a não ser os múltiplos agradecimentos da elfa por Max tê-la deixado ficar com arco novo. O garoto também os informou sobre a localidade do último artefato e que deveriam pegar a trilha da melancólica floresta adiante.
Depois que terminaram de comer e arrumaram suas coisas, seguiram viagem. Jack permaneceu caminhando atrás do grupo o tempo todo, a fim de poder visualizar melhor e estar pronto para qualquer perigo que surgisse de repente. Podiam avistar ao longe um aglomerado de montanhas cobertas de neve, com uma aparência ameaçadora e desolada e conforme iam se aproximando, mais frio sentiam em seus corpos. Os rapazes começaram lentamente a tremer enquanto o vento batia contra eles, Max recolocou a capa que Umma fez para ele no dia em que teve que partir da Capital e Vinyl também se agasalhou. Entretanto, o frio violento não parecia afetar Mary como aos outros.
Os dois olharam para ela surpresos, estranhando o fato dela estar tão bem. Percebendo os olhares suspeitos dos garotos, Mary deu um risinho sem graça, encolhendo seu corpo o máximo possível e dando uma tremida. De fato, o frio não estava a incomodando tanto, já que ela sempre fora bem resistente a esse tipo de clima e odiava ter que fingir daquele jeito, mas agora não tinha tempo ou paciência para explicar isso aos seus companheiros.
Um uivo correu pelos troncos das árvores fazendo com que eles finalmente desviassem o olhar. Jack colocou a mão na adaga, pronto para um possível ataque, mas logo eles repararam que era apenas o vento lhes pregando peças. Diferente das outras cidades pelas quais passaram nos últimos dias, ninguém viva ali. A floresta era completamente deserta e os guiava em direção à montanha que não parecia apresentar nenhuma alteração, o que os fez concluir que não haveria ninguém a quem pudessem pedir informação.
— Esse lugar me parece doente… – disse Mary tristemente. — Não gosto de lugares que fazem as pessoas relacionarem frio à tristeza.
— Bem, na maioria das vezes é verdade. Os lugares frios são sempre os mais tristes. – respondeu Vinyl, voltando-se para ela.
— Isso não é um fato Vinyl! – ela disse de repente, claramente ofendida. — Neve pode trazer muita alegria também. O senso comum nem sempre é a mais pura verdade.
A menina cruzou os braços, mas suavizou sua expressão quando notou que Max a olhava novamente perplexo. Talvez ele estivesse tentando caçar algo de subentendido na fala de Mary. Ela própria sabia que sua reação havia sido muito inesperada e logo ela tentou disfarçar. O que a elfa não sabia é que Max tinha levado aquela conversa para um lado completamente diferente, já que ela havia tentando trazer o assunto de Harmos em pauta mais cedo. “O senso comum nem sempre é a mais pura verdade” se aplicava bem à sua história, visto que a maioria das pessoas acreditava que Harmos era um Deus bom e piedoso e ao mesmo tempo ele havia se mostrado o exato oposto desde o primeiro encontro com Max. Ele estava começando a achar que lendas e histórias podiam ser bem mentirosas em alguns casos.
Vinyl também tentou se manter tranquilo e estava com frio demais para iniciar uma discussão com Mary sobre lugares gelados, então simplesmente continuou andando. — Aposto que vamos ter que subir no alto dessas montanhas, não é? – ele disse em um tom irônico, levando em consideração o que já haviam passado, sabia que a última pedra estaria lá em cima, no pior lugar possível.
— A pedra está escondida no pico mais alto de todos. – Max respondeu concordando com a cabeça. — Parece que ainda vamos passar muito frio, Vinyl. Alguém está contando nosso tempo?
— Temos quatro dias. – a voz de Jack soou respondendo ao fundo fazendo com que todos o olhassem.
— Acha que vamos conseguir Max? – Vinyl perguntou com um olhar preocupado no rosto. — A maioria das pessoas chamaria isso de missão impossível.
— Às vezes a maioria das pessoas está errada. – ele disse olhando novamente para frente e colocando a mão na parede montanhosa, começando a escalar determinado. Ele precisava ser positivo. Não tinha passado duas semanas como as últimas em vão. Ele precisava conseguir. Por Aria.
Passaram praticamente o resto da manhã e parte da tarde lutando contra o frio que os assolava e escalando a montanha tentando desesperadamente chegar ao pico mais alto, quase não aguentando ficar mais em pé. Vinyl tremia enquanto tocava na ponta de seu nariz, onde estava começando a se formar gelo por causa do corrimento que não parava de escorrer, e Max sentia suas orelhas começarem a petrificar. Eles resolveram dar uma parada quando alcançaram uma encosta onde podiam repousar tranquilamente.
Até Mary estava para dizer que estava frio demais, mesmo que sua aparência estivesse melhor que a dos outros três. Vendo os amigos sentados encolhidos na encosta, a menina se levantou e resolveu dar uma olhada nos arredores da onde estavam. Um pouco mais para cima, encontrou uma caverna nas paredes montanhosas e, pensando que ali seria um bom lugar para explorarem, foi avisar os outros. Afinal, existia um lugar melhor para um artefato místico estar do que uma caverna escondida entre as montanhas?
— Max, tem certeza absoluta que o artefato está no pico mais alto? Talvez valha a pena dar uma olhada na caverna que eu mostrei.
— Na verdade não. Eu estou supondo, já que o mais óbvio seria colocá-la no lugar mais difícil. Poucas pessoas sobreviveriam até o topo. – ele respondeu o Vinyl o olhou, com o corpo inteiro tremendo, crendo que Max havia acabado de dizer que eles iam morrer de hipotermia logo. — Você está certa. Vamos checar a caverna.
Os dois ajudaram o anão a se levantar, pois suas pernas não pareciam mais aguentar o peso de seu próprio corpo. Jack se ofereceu para carregá-lo e então Vinyl subiu em suas costas, se segurando o mais firme possível. Eles escalaram a curta distância entre onde estavam e a entrada da caverna, logo depois se infiltrando lá dentro.
Era levemente menos frio em seu interior do que do lado de fora, o que deixou todos um pouco mais animados. Tinham um problema, entretanto. Havia milhares de pedras espalhadas pelo chão da caverna, tantas que seriam suficientes para criar armas mágicas para o exército do continente de Hysteria inteiro.
— Como vamos saber qual é a certa? – Vinyl disse ofegante ainda segurando-se em Jack.
— Isso se a certa realmente estiver aqui… Essas pedras são praticamente iguais, você teria que segurar uma a uma e ainda assim levaria tempo demais. – Mary disse olhando para Max, aflita.
O menino virou-se para seus amigos, claramente desanimado, sem saber o que fazer. Estavam numa encruzilhada. Ou passavam um tempo na caverna tentando encontrar a pedra certa ou seguiam o plano anterior de escalar mais até o topo, e as duas opções tinham grandes porcentagens de fracasso. Olhou nos olhos de seu melhor amigo que claramente não estava bem. Sabia que se arriscassem subir mais, Vinyl não ia durar muito tempo. Anões não foram feitos para escaladas e, mesmo que o frio estivesse acabando com todos, o clima ia fazer o coração dele parar primeiro.
Confuso e frustrado, Max sentou-se no chão da caverna recostando-se na parede. Suspirou, segurando a vontade de gritar e forçando-se a pensar em algo. Nada naquela missão fazia sentido. Por que Harmos queria tanto os artefatos mágicos? Por que ele tinha que sequestrar Aria para conseguir a ajuda do garoto? E acima de tudo, por que Maxwell Starr era o escolhido? A cada dia as dúvidas cresciam em sua cabeça fazendo com que ele ficasse mais certo de que algo muito obscuro se escondia por trás de todas as tarefas que teve que enfrentar.
Só abriu novamente os olhos quando sentiu uma mão preocupada repousando em seu ombro. Olhou para a elfa que se concentrava nele como se quisesse muito dizer algo. Ela abriu a boca algumas vezes, fechando novamente para recalcular a construção correta de palavras.
— Max… Eu sei que nos conhecemos há pouco tempo e você não tem que confiar em mim, mas… A primeira vez que te vi naquele palco eu soube que tinha algo em você. Algo que eu nunca senti em outra pessoa. – ela disse explicando nervosamente como se aquilo a fizesse parecer louca. — O que eu quero dizer é que eu enxerguei uma conexão estranha e eu creio que os nossos caminhos… De todos nós… – ela continuou fazendo uma pequena pausa para apontar para os outros dois. — Estão cruzados. Não estamos juntos nessa à toa. Você não pode desistir agora, mesmo que tudo seja uma provável enrascada e que Harmos esteja usando você.
— Você… Não é a primeira a me dizer que Harmos está me enganado, Mary. Eu estou começando a achar que ele não vai cumprir a promessa. Aria estava condenada desde o começo. – ele suspirou novamente olhando para o teto da caverna. — Talvez até já esteja morta.
Assim que terminou de dizer isso, uma esfera de força com um brilho roxo muito bonito surgiu na frente dos olhos do grupo. Não os cegava como a luz dos artefatos, na verdade era reconfortante e emitia um calor amistoso. De repente, a esfera se abriu revelando uma imagem em movimento, como uma espécie de bola de cristal. A visão era de Aria, ainda presa na jaula, usando roupas sujas e surradas, enquanto o rei e a rainha de Hysteria serviam de criados para a enorme figura de Harmos que sentava-se no trono real rindo maldosamente de toda a situação. A princesa exibia uma expressão triste e sem esperança. Ela carregava consigo seu diário com algumas letras de músicas e desenhos que ela tinha feito. Antes da esfera se fechar, Max a viu derrubando uma lágrima na página que descrevia o encontro dos dois, com um bonito esboço da cena.
A bola de poder começou a desaparecer, mas antes uma voz bondosa e aconselhadora como a de Pop, embora não fosse a dele, disse: “Ainda há esperança, Max”, e então desapareceu por completo. Todos permaneceram parados por alguns minutos sem saber expressar qualquer reação sobre o que tinham acabado de ver. Max levantou-se decidido e começou a pegar as pedras nas mãos tentando descobrir qual era a correta enquanto seus amigos continuaram imóveis.
— De quem era essa voz? – Mary perguntou com os olhos arregalados, sentindo-se completamente chocada.
— Isso não importa agora. Aria ainda está viva e precisa da nossa ajuda. Agora me ajudem a separar essas pedras! – ele ordenou sem olhar para trás. Jack colocou Vinyl no chão, pois a luz da esfera havia feito ele se sentir melhor e os três se dispuseram a ajudar Max.
Já estavam procurando a maldita pedra no amontoado de várias outras há quase uma hora e Max atirou a última que segurou em direção ao fundo da caverna, e o barulho que ela fez quando se chocou contra algo sólido ecoou. — Isso não está nos levando a nada!
Ele sentou-se novamente no chão, com vontade de afundar o rosto da neve e ficar lá para sempre, mas seus amigos continuaram separando as que ele já tinha tentado segurar e Vinyl chegou perto do amigo tentando animá-lo. — Calma cara. Nós vamos encontrar. Talvez esteja mais para o fundo. – o anão subiu no amontoado de pedras chegando ao ponto mais alto para que pudesse ter uma visão completa de todas elas, talvez conseguindo enxergar alguma que se distinguisse no monte. — Aposto que a pedra branca deve ter algo que a diferencie das outras, não é mesmo? Ou talvez ela faça algum ruído estranho quando tocamos nela.
Vinyl apanhou uma pedra e deu alguns toques, mas nada aconteceu. Agarrou uma segunda e nada. Na terceira, porém, quando ele bateu, um ruído irregular pareceu soar quase como um grunhido, o que fez com que os amigos o olhassem com curiosidade. Vinyl também estava perplexo, não esperando que sua ideia fosse mesmo funcionar, tocou a pedra novamente. Para sua surpresa, o mesmo som novamente surgiu.
— Será que… – o anão começou a questionar, mas foi interrompido por algo se erguendo debaixo de si. Ele quase se desequilibrou, mas sentou-se evitando a queda. — Mas o quê…
Novamente algo se mexeu fazendo novamente o som esquisito que eles tinham ouvido segundos atrás quando Vinyl bateu nas pedras, mas agora o anão não estava fazendo nada. O monte de pedra continuou a se mexer lentamente, e então se levantou… E abriu os olhos.
— É-é uma serpente de pedra! – Jack gritou apontando para o monstro, mas o final de sua fala foi praticamente abafado pelo sibilo produzido pela língua da cobra.
— Ah que ótimo… – Vinyl disse agora se segurando na cabeça do animal pedroso rezando para que este não o notasse.
Max se levantou abruptamente ao ver o temível monstro ganhando vida bem na frente de seus olhos e juntamente com Mary e Jack apanhou sua arma divina, a espada de lâmina azulada. Vinyl ainda estava se segurando à cabeça da cobra tentando bolar um jeito de descer dali antes ela o notasse, ou pior, fizesse algum movimento brusco que pudesse machucá-lo sem nem mesmo ter sido visto. Os outros três que estavam no chão começaram a lutar com a serpente de pedra, que logicamente, era extremamente resistente, afinal seu corpo era feito de rocha sólida, o que tornava a missão de perfurá-la bastante complicada.
A cobra tentou se abaixar para dar o bote em Mary e como estava próxima do chão, Vinyl conseguiu rapidamente se equilibrar e apanhar o Machado de Sangue que estava sob sua responsabilidade, pulando então de sua cabeça e antes de alcançar o chão lançou-lhe um golpe que cortou sua cabeça e as duas partes do monstro caíram no chão. O anão pousou no chão arquejante e olhou nos olhos dos amigos, que estavam imóveis e surpresos com o que Vincent havia acabado de fazer.
Eles nem sequer tiveram tempo de festejar, pois cerca de alguns segundos depois a cobra de reconstituiu, tornando-se ainda mais forte e muito mais furiosa. Vinyl se afastou dela, juntando-se ao seu grupo, com o machado brandido pronto para continuar lutando e se defendendo.
Os quatro gastaram todas as energias que lhes restavam durante todo o combate e a cada minuto que passavam lutando, parecia que a cobra ia ficando mais forte, e vencê-la parecia mais impossível. Estavam cansados e com frio demais. A mente de Max estava tão exausta e suas esperanças já haviam se esvaído quase que por completo, que durante um segundo de distração a serpente lançou seu rabo de pedra no garoto, jogando-o contra um canto. Ele conseguiu se levantar, mas estava em um beco sem saída. A cobra havia o colocado em uma enrascada sem escapatória, e agora ela estava parada em frente a ele, pronta para acabar com a sua vida.
Max ergueu a espada e dava golpes curtos toda vez que o animal ameaçava se aproximar para machucá-lo, mas sabia que aquilo não ia durar por muito mais tempo. Jack, que parecia ser o menos cansado da briga olhou em volta para absorver tudo o que estava acontecendo. Viu seus companheiros praticamente sem ar, exaustos demais para continuar, enquanto a besta avançava contra o garoto que ele devia proteger. Não podia deixar aquilo acontecer, não era assim que a missão devia terminar.
Afinal, não era aquela a sua função? O único verdadeiro propósito da sua criação era proteger o menino escolhido por Harmos que era completamente inexperiente em um campo de batalha. E era exatamente isso que ia fazer. Jogou a adaga dourada no chão e respirou fundo, reunindo toda a sua coragem, e começou a correr em direção à cobra. Nos segundos que sucederam, Jack lembrou-se das poucas coisas que foi capaz de conhecer em suas duas semanas de vida. Lembrou-se da chuva, da música, da comida, da risada dos garotos que o acompanharam e então sorriu orgulhoso de qual seria sua cartada final naquele jogo em que havia sido colocado. Uma última tentativa de vitória que, se desse certo, salvaria a todos.
Jack abriu a boca bradou um grito chamando a atenção não só da cobra, mas de seus amigos também. Calculou a trajetória rapidamente e então saltou com os punhos erguidos no ar que colidiram com a cabeça da serpente que parecia perplexa antes de tomar o golpe. Uma explosão estrondosa ecoou pelas paredes da caverna, espalhando pó e pedaços menores de rocha por todos os lados.
Quando finalmente julgaram seguro abrir os olhos e olhar em volta, notaram que não havia mais nenhum sinal da cobra, e nem sequer de Jack. Max esperava encontrá-lo em uma posição triunfante e coberto de poeira rochosa, mas não foi isso o que aconteceu. Seus amigos também pareciam enfrentar um longo estado de choque já que o único vestígio do grandão era a adaga dourada jogada no chão. O garoto ficou encostado na parede como se a cobra ainda estivesse ameaçando atacá-lo em silêncio por um tempo.
Mary e Vinyl se entreolharam com expressões tristes e desoladas. A elfa caminhou lentamente com os olhos cheios de lágrimas e apanhou a adaga do chão, tocando nela como se, se ela se esforçasse muito, Jack pudesse magicamente reaparecer. Vinyl colocou uma mão no ombro da menina, tentando ajudá-la, mas foram interrompidos por um som abatido vindo dali perto. Max havia se segurado durante toda a jornada, mas aquilo fora suficiente para quebrá-lo, e ele finalmente sentiu o direito de chorar. Sentou-se no chão e cobrindo o rosto com a palma das mãos, permitiu-se sentir a dor de mais um peso sendo adicionado ao fardo que carregou durante as últimas duas semanas.
Vinyl odiava ouvir o amigo chorar. Lembrava-se de quando eram mais novos e Max tinha pesadelos com a morte da mãe que o faziam acordar e reagir da mesma maneira que estava agindo no momento. Sem o que o anão pudesse controlar lágrimas também começaram a escorrer de seus olhos, mas ele e a elfa se empenharam para caminhar até Max e consolá-lo. Vincent lembrou-se de como sentiu medo ao ver o protetor gigante de Max assassinar o segurança na Montanha Punk e como isso parecia uma impressão longínqua agora, já que desde então, o homem demonstrou ser bom e algumas vezes até puro demais. Seria impossível esquecê-lo e eles sabiam que não importava quanto tempo passasse a dor jamais iria se extinguir por completo.
Vinyl nem podia imaginar o que passava dentro da cabeça de seu melhor amigo, afinal o guerreiro havia sido criado para protegê-lo e agora havia dado sua curta vida para salvá-lo. Sentou-se ao lado de Max esperando ele se acalmar e Mary fez o mesmo.
— Max… – Vinyl queria poder dizer algo. Reforçar que precisavam continuar, ou não teriam nenhum tempo para retornar. Alias, nem tinham pensado uma forma rápida de voltar para a Capital. Ao mesmo tempo, sabia que não tinha o direito de cortar a dor de Max pela raiz, sabendo que seu amigo provavelmente se manteve firme tempo demais.
— Eu juro pra você Vinyl… – ele respondeu ofegante por conta do choro. — A morte dele não vai ser em vão!
Max limpou o rosto com a manga da camisa enquanto os três permaneceram em silêncio durante um minuto quando começaram a perceber algo estranho acontecendo. Um som mágico vinha do monte de poeira que fora a serpente, e as partículas começaram lentamente a se juntar formando uma única rocha sólida branca e brilhante como uma estrela. Sem dúvida, aquela pedra era a mais bonita das cinco. O garoto levantou-se incrédulo com o que tinha acabado de presenciar e seus amigos, que estavam igualmente perplexos, o seguiram. Os três correram em direção ao artefato não podendo acreditar que finalmente tinham conseguido todos.
Maxwell Starr havia concretizado a missão. Agarrou a pedra nas mãos e pela primeira vez, não pensou em Aria. Usou toda a sua atenção e energia e focou em Jack e como jamais o veria outra vez, em como desejava que sua morte pudesse ser vingada de alguma forma, ou em como simplesmente queria que ele voltasse a existir. Uma luz branca preencheu a caverna inteira quase cegando a todos e novamente, assim como quando a esfera havia surgido, o frio se esvaiu de seus corpos. A luz cessou e eles abriram os olhos, esperando ver uma arma incrível, já que não havia informações no livro sobre o que a pedra branca se transformaria, porém Max ainda segurava apenas uma rocha nas mãos. Os três se entreolharam confusos.
— Eu… Não entendo… – ele disse inseguro. Não era possível que as coisas iam dar errado bem no fim. — Ela não deveria ter se transformado em alguma coisa quando eu segurei?
— Não dizia muito coisa no livro. Talvez esse ai não se transforme em nada. – Vinyl tentou supor. — Vocês sentiram o calor que essa coisa acabou de emanar? Por que eu acho que estamos diante do mais importante dos artefatos.
— Que quer dizer? – Mary perguntou claramente confusa.
— Quero dizer que essa pedra branca pode ter um papel fundamental até o final disso tudo.
Max simplesmente concordou com a cabeça e enfiou a pedra no bolso da calça. Queria ir embora desesperadamente daquela caverna. Estava cansado, triste, irritado e decepcionado com o que havia acabado de acontecer e além disso, lembrou-se da contagem de Jack e se ele estava correto, tinham cerca de três dias para retornar para casa.
Os três saíram lá de dentro, percebendo que o Sol ainda estava no céu, embora que já bem baixo. Max ajoelhou-se e cantou uma canção baixinho, falava sobre Jack Thunderbird e como agora ele estava livre para voar e finalmente podia alcançar o céu que ele gostava tanto de observar. Seus amigos se juntaram a ele e Mary lhe entregou a adaga e o menino a ergueu para cima. Assim que terminaram a canção e antes que pudessem dizer algo mais, uma ave escura que parecia ser feita de pura energia, como um trovão, cruzou os céus rapidamente, lançando um raio em direção à adaga que estava erguida.
Max quase a derrubou no chão com o impacto, mas conseguiu segurá-la. Quando olhou para lâmina novamente, percebeu que o raio tinha dado uma nova característica a arma. Como se tivesse sido feito dessa maneira, o menino conseguiu ler a palavra “Thunderbird” gravado na lâmina dourada e não pode evitar dar um meio sorriso ao olhar novamente para aquele pássaro peculiar. Seus amigos também sorriram, entendendo e aquilo os havia animado, mesmo que só um pouco.
— Bem, como vamos voltar pra casa? – Vinyl perguntou organizando suas coisas.
— Se corrermos até a Vila Hard Rock, conheço alguém que pode nos emprestar uns cavalos. Não temos nenhuma chance a pé. – Mary sugeriu lembrando-se que o pai de Angus alugava carroças e cavalos para viajantes em necessidade. Os meninos pareceram concordar e juntos eles começaram a descer a Montanha.
Durante a caminhada até a Vila Hard Rock, Vinyl percebendo que Max estava calado demais, tentou reconfortá-lo. — Finalmente vamos voltar Max. Não se preocupe, vamos cumprir o prazo. Devemos isso a ele, não é mesmo?
— Sim… Por ele. – Max repetiu e olhou em direção a Vinyl, engolindo suas emoções. Os dois viraram-se novamente para frente e continuaram andando sem conseguir falar mais nada.