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Edição especial: Contos de Hysteria

CONTOS DE HYSTERIA – edição especial: episódio 03

Os Contos de Hysteria

— Espere ai, como é? – Aquela já era possivelmente a décima vez que Max estava tentado explicar os eventos ocorridos durante a manhã do desafio, mas parecia impossível terminar a história sem ser interrompido por seu pequeno melhor amigo. — Harmos? O Deus mítico dos livros do papai? Tem certeza disso?

— Sim, carinha… E acho que explicar de novo não vai me fazer ter menos certeza. – Max respondeu, cansado e frustrado com toda aquela situação. Os dois garotos estavam conversando na casa dos anões com privacidade, já que Umma havia saído, os outros estavam no horário de trabalho e o novo guarda-costas de Max estava do lado de fora. — Bem… Você vem comigo ou não?

Vinyl estava tentando, com todas as suas forças, tornar tudo o que estava ouvindo uma imagem clara e real dentro da própria cabeça. Porém aquela história parecia surreal demais, embora de fato houvesse ocorrido uma tempestade repentina e Max tivesse voltado acompanhado por um homem grande e sem nome. Além disso, sabia que devidas às circunstâncias, aceitar o pedido de companhia do amigo seria como declarar oficialmente que estava ferrado.

— Max… Você é o meu melhor amigo e um irmão para mim, mas… – Vinyl começou dizendo, mas percebeu que a expressão de Max permanecia dura e vazia, como se tivessem arrancado alguma coisa de dentro dele que, se não fosse recuperado, tudo iria ruir. — Bem, é por isso que eu tenho que ajudá-lo, não é?

Por um segundo, o rosto de Max pareceu brilhar. Ele abraçou o amigo de forma agradecida. O garoto estava sofrendo, isso era um fato, portanto era bom ter um amigo ao lado que o entendesse e fosse com ele até o fim do mundo, caso essa fosse a consequência de restaurar as coisas. Vinyl sorria, mesmo que seu peito seu coração estivesse batendo rapidamente e sua mente estivesse a mil. Não poderia ser de outra forma, Vincent Vinyl tinha que ser o bom amigo e ajudá-lo.

Os dois conversaram sobre o prazo e Max dispôs à mesa tudo o que tinha de informação e apanhou mais alguns livros que julgou importantes da prateleira de Pop. Começou a estudar enquanto Vinyl juntava suas coisas em uma mochila. Quando achou que tinha o suficiente para sobreviver durante duas semanas, pegou um pedaço de papel e tinta e escreveu uma carta. Não iria embora sem ao menos avisar aos pais onde tinha ido. Pelo menos se o pior acontecesse, ele teria se despedido.

Escreveu brevemente sobre o propósito da “viagem” que estava fazendo com Max e deixou o bilhete em um local estratégico, para que seus pais logo encontrassem e soubessem que ele estava bem. Pelo menos por um curto espaço de tempo, já que achava que provavelmente não voltaria vivo. Parecia óbvio para ele que, dos três componentes que compunham aquela comitiva, ele era o que menos tinha probabilidade de retornar. Além do mais, Vincent Vinyl não soava como os nomes dos grandes heróis das histórias que Pop costumava contar.

— Está pronto? – Max perguntou depois de ler o suficiente para ter, pelo menos, um ponto de partida para a missão. Vinyl confirmou, meio cabisbaixo e colocou a mochila nas costas.

 

Os garotos encontraram o semideus e começaram sua caminhada. A Capital era o centro da enorme terra que era Hysteria e, por isso, dava acesso a duas entradas principais conhecidas popularmente como o lado pacifico e o lado selvagem. Poucos se aventuravam pelo segundo, já que poucas cidades foram construídas por lá. A maior parte do lado selvagem consistia em florestas e lugares que só eram descritos nas lendas e para a sorte deles, o mapa mostrava que todos os artefatos estavam escondidos do lado pacifico.

Pegaram então a estrada principal e mais larga, que os guiava para a esquerda do castelo real, que agora parecia rodeado por um clima pesado e sombrio. Naquele primeiro momento, os dois meninos repassavam diversas vezes se possuíam tudo o que precisavam para ficarem bem nos próximos dias. Tinham o livro e algumas outras fontes essenciais de informação, suas mochilas estavam equipadas com comida, dinheiro e algumas trocas de roupa, o que julgaram bom o bastante.

O anão levava consigo também um pequeno martelo, que pertencia ao pai. De acordo com ele, fora o primeiro que teve quando começou a trabalhar nas minas, muitos anos atrás. O levou para sua própria defesa, não só física, mas também emocional, já que o objeto carregava lembranças do velho Pop.

Cerca de vários minutos se passaram em completo silêncio depois daquilo. Max caminhava na frente com o livro dos artefatos nas mãos, caso precisasse fazer alguma consulta, e ele não estava com muita vontade conversar no momento. Vincent seguia atrás com o homem grande ao seu lado, que não falava muito. O garoto mais novo decidiu que as coisas estavam ficando melancólicas demais e que era hora de dizer alguma coisa.

— Então… Você não tem um nome?

— Hum… Não. – O guerreiro parecia confuso com aquela pergunta. Teve que curvar bastante a cabeça para baixo para poder olhar nos olhos do anão e responder.

— Ah! Então você fala! – Aquele homem o deixava assustado, mas Vinyl tentou sorrir amigavelmente em direção a ele, que ergueu a sobrancelha, claramente ainda mais confuso. — Sabe, quando eu e meu irmão éramos menores gostávamos de brincar de herói e cada um inventava um codinome e nós lutávamos.

— É?

— Sim. Eu sempre usava “Jack Thuderbird”, e não sei sequer da onde tirei esse nome. – Vinyl deu uma risada fraca enquanto contava essa história, a fim de quebrar o gelo, já que o homem não era muito bom em socializar. — Podíamos te chamar assim, o que acha? Você gosta de Jack?

Por mais impossível que pudesse ser o homem sorriu em direção ao anão, que não conseguiu dizer mais nada. Ficou ainda mais surpreso quando este confirmou com a cabeça. — Gosto. Jack Thunderbird. Eu.

Vinyl se contentou em sorrir em direção a Jack. Talvez o grandalhão não fosse tão ameaçador quanto parecia ou quanto deveria ser. Quem podia culpá-lo por estar confuso? Haviam lhe dado vida há apenas algumas horas e logo em seguida o encarregaram de ir a uma missão suicida e proteger um garoto claramente desconhecido para ele. Vinyl se perguntava, agora que tinha o ouvido demonstrar alguma reação pela primeira vez, se Jack era capaz de sentir como as outras pessoas. Será que ele podia ficar triste por alguém como Max estava se sentindo no momento? Lembrando-se do amigo que estava à frente, Vinyl decidiu que era hora de dizer algo a ele.

— É… Max? Para onde você disse que íamos primeiro? – disse num tom mais alto que o normal para que Max o escutasse.

Max deu um longo suspiro antes de responder. Ainda não estava a fim de papo, mas sabia que Vinyl só queria tornar toda a situação o menos desagradável possível. Não era justo tratá-lo secamente só porque sua mente estava uma bagunça completa. — De acordo com o livro, temos que ir para Glam. Acho que não vai ser muito difícil, é um lugar bem pequeno, quase uma aldeia. – disse Max, tentando soar o mais normal possível. — Você se lembra como eu sempre quis conhecer lá, não é?

— Sei… – o anão abaixou um pouco a cabeça ouvindo a voz do amigo, que mesmo que ele tentasse esconder, soava abatida. — Gostaria que estivéssemos em outra situação. Mas pelo menos poderemos ver a aldeia de perto.

— E depois? – Perguntou Jack soando curioso, o que fez Vinyl virar-se para olhá-lo outra vez. Era difícil não achar aquele semideus intrigante.

— Se tudo estiver correto, vamos encontrar a pedra azul e quando o escolhido segurá-la, ela irá se transformar no primeiro artefato. – Max dizia enquanto checava o livro. — Uma espada, a mais glamourosa de todas.

— E com “o escolhido”, quer dizer você? – Vincent deu alguns passos apressados para chegar até Max e Jack o seguiu. O garoto deu de ombros para aquela pergunta. A verdade é que Max não fazia ideia se era de fato o escolhido. Quando havia lido a história com Aria, havia imaginado uma pessoa heroica, com uma lista imensa de feitos dignos de consagração da própria Música, mas não ele. Maxwell Starr era a última pessoa que ele consideraria para uma missão daquelas. — Bom, veremos quando encontrarmos a pedra. Só assim teremos certeza.

 

Eles continuaram a viagem durante o resto daquele dia inteiro, fazendo pequenas paradas para comer e descansar, até que atingiram um limite, onde precisavam dormir. Jack ainda se sentia disposto, por isso ficou de guarda olhando o céu enquanto os dois meninos dormiam pesadamente. Quando acordaram, encontraram o homem sentando na mesma posição em que o tinham visto pela última vez, remexendo em algumas folhas secas. Ele não parecia ter nenhuma intenção de machucá-los, mas depois de ter conhecido Harmos, Max não conseguia ter plena confiança em nada que viesse do Deus, mesmo que o homem em questão estivesse mesmo comprometido a protegê-los.

Depois de se alimentarem rapidamente, continuaram a caminhada e na metade do dia alcançaram os limites da aldeia Glam. Era exatamente como Max havia ouvido falar: casas muito maiores que as da Capital espalhadas por um vasto campo, palcos montados nos parques públicos, holofotes (desligados devido ao horário) em todas as ruas e clubes noturnos a cada esquina. Cores vibrantes decoravam as paredes das casas e as janelas eram adornadas com cortinas de peles de animais. Era impossível encontrar uma casa idêntica à outra, já que cada uma se destacava por um motivo, e essa característica era algo raro na Capital, já que as cabanas eram todas iguais.

Max ficou deslumbrado com o que viu. Imaginou como teria sido a sua vida se tivesse nascido em Glam e desejou do fundo de seu coração que aquilo pudesse ser verdade. Quem dera que ele pudesse ao menos ter uma chance de conhecer melhor a aldeia, mas foi arrancado de seus devaneios por Vinyl, que tocava seu ombro, sorrindo. Aparentemente, seu melhor amigo também havia gostado da visão, porém não podiam se dar ao luxo de desviar a atenção do objetivo principal. Seu tempo estava correndo e precisaram começar a procurar logo a pedra.

— Como vamos saber que encontramos? Digo, deve haver milhares de pedras por ai. – Vinyl perguntou olhando distraído às ruas cujos estabelecimentos começaram lentamente a se acender.

— Eu li que, quando a virmos, nós saberemos que é a certa.

Era impossível pensar em um local exato para procurar. Embora, comparada a Capital, a aldeia fosse um lugar pequeno, a quantidade de escolhas possíveis para iniciar a busca eram infinitas. Vinyl sugeriu que eles perguntassem a alguém que vivesse há muito tempo em Glam, para terem alguma dica ou uma simples noção de direção e Max concordou contrariado, não sabendo se perguntar sobre aquilo podia revelar suas intenções. De qualquer forma, ninguém parecia saber de nada e alguns até riam quando eles mencionavam “os artefatos mágicos”.

O sol já havia se posto totalmente e eles só eram capazes de enxergar devido às luzes neon que vinham dos holofotes dos estabelecimentos e clubes noturnos. O maior e mais famoso deles era chamado “Poison”, e ficou muito conhecido por ser o berço de grandes músicos em Hysteria. Jack e os garotos estavam descansando em um banco do outro lado da rua quando viram um portão na lateral do clube se abrindo e um homem conversando com uma figura grande e de pele esverdeada. — Já sabe o que tem que fazer. – Ele dizia à criatura e esta confirmava seriamente com a cabeça. O homem fechou novamente o portão deixando o pele verde sozinho no beco. Quando ele se moveu, a luz da lua iluminou seu ser e Max pode ver que a criatura se tratava de um ogro. Esfregou os olhos, pensando que talvez estivesse alucinando de sono e cansaço, mas não. Estava mesmo diante de um ogro.

Cutucou Vinyl levemente, que estava deitado no banco bocejando de sono, e então apontou para o monstro. O anão quase engasgou quando o viu guardando o portão lateral no outro lado da rua. Seu cabelo escuro era longo e bagunçado e usava roupas com as mesmas estampas animais das cortinas das casas, mas isso não diminuía o fato de que sua carranca dava medo.

Max estava assustado, mas eles tinham Jack para defendê-los. Estava ficando muito tarde e eles tinham procurado o dia inteiro. Precisavam dormir ou a busca do dia seguinte não renderia em nada. O menino deitou a cabeça na extremidade oposta à cabeça de Vinyl e mirou o céu estrelado. As horas em que o amigo pegava no sono eram as piores até agora, pois ele se sentia só e os pensamentos com Aria chegavam a todo vapor. Ele deu um longo suspiro e tentou fechar os olhos, mas um som e uma luz intensa que quase o cegou o impediu. Um holofote bem acima de sua cabeça que pertencia a uma loja que estava claramente fechada se acendeu.

Incomum. Não tinha ninguém dentro da loja para acender o holofote. Mas a coisa ficou mais estranha quando o foco de luz se moveu sozinho e parou quando iluminava o beco onde o ogro estava. Max seguiu com os olhos o feixe de luz e notou algo novo. Embora o monstro estivesse um pouco visível, metade de seu corpo estava escondido na penumbra do beco, mas agora ele conseguia enxergar um ponto redondo e levemente luminoso no pescoço da criatura. O objeto sólido estava preso por um cordão de couro e refletia um brilho azul quando o holofote focava nele. Max sentou-se novamente em um sobressalto. Seria a pedra azul? Ele não tinha certeza, mas sua mente estava preenchida com lembranças da princesa e eles já tinham perdido tempo suficiente. Não podia arriscar dormir e perder o ogro de vista, por isso cutucou Vinyl novamente e chamou Jack mais perto e lhes mostrou o que estava vendo.

O anão recuou de forma assustada, imaginando que o próximo passo era bolar um plano de ataque contra aquela besta nada amigável, e quando Max começou a falar exatamente o que confirmava isso, Jack se ergueu como se pressentisse o medo de Vincent. Com a expressão vazia e quase que em uma espécie de transe, o gigante calou o menino e tirou uma faca da bainha presa em sua calça e começou a andar em direção ao ogro.

— Que merda ele vai fazer?! – Disse Vinyl, notando que sua voz havia ficado levemente mais aguda.

— Ah… Jack? – Max chamou confuso e preocupado. Mas o semideus fora criado com apenas um propósito: proteger Maxwell e nunca fugir de uma luta, por isso, monstros, batalhas e nem mesmo a morte o assustavam. Ele continuou andando pesadamente em direção ao beco. Ele não era uma pessoa normal. Era um homem inconsequente. Um homem inconsequente bem grande.

Quando estava próximo o suficiente e o monstro notou sua presença, este franziu o cenho em direção a Jack. O ogro era quase um metro mais alto e parecia bastante confiante em relação a sua força física. Sem hesitar, Jack enfiou sua faca no pé do monstro que, surpreso e cheio de dor, uivou. Quando olhou para o homem novamente, seu rosto verde estava queimando de raiva. Os meninos do outro lado da rua não conseguiam acreditar como aquilo tinha acontecido tão rápido. O monstro, furioso, avançou para cima do homem.

No momento que Vinyl viu a faca de Jack perfurando o pé do ogro, seus olhos se arregalaram de uma forma perturbadora e seu corpo inteiro ficou paralisado, além do fato de que aquele monstro verde estar avançando de maneira mortal em direção ao seu companheiro de viagem não ajudava em nada. Max também ficou assustado, mas saiu em disparada para ajudar. O anão estava tão assustado que não conseguia se mover e mesmo que estivesse apenas assistindo, via a própria vida passando diante dos olhos.

Max não estava com raiva por Vinyl não ter corrido com ele. Ele entendia como era ter a perspectiva de uma luta mortal sem nunca ter lutado, porque era exatamente como ele estava se sentindo. A única coisa que o fazia seguir em frente era pensar em Aria e seu amigo não tinha isso. Além disso, o anão era mais novo e em casa quem sempre o protegia do perigo era Max. Jack estava lutando firmemente com o ogro, e mesmo que ele fosse bem alto e forte, seu oponente era maior e o menino sabia que logo seu protetor iria acabar se cansando. Ele não podia competir com aquele ogro, ainda mais não estando armado, e pensava rapidamente em outra maneira de ajudar.

Distração. Era essa a resposta que procurava. Chamar a atenção do ogro a ponto de se tornar uma isca viva iria dar tempo para Jack vencê-lo. Max começou a correr em volta do monstro e a fazer pequenos chiados para atrair seu olhar. De vez em quando dava pequenos chutes e socos na pele dura do segurança que foi ficando cada vez mais irritado até que deu um empurrão em Jack e virou-se para ver quem era o bichinho irritante que estava o incomodando.

Quando viu Max, o ogro deu uma risada irônica e sem dificuldades o apanhou pela gola da camiseta, não percebendo que Jack estava se levantando logo atrás. — Olha só o que temos aqui! Um menininho! – Max estava assustado, mas não conseguiu evitar se ofender com aquilo. Ele era até bem alto para a sua idade, embora fosse bastante magro. — Você parece delicioso, mesmo não tendo muita carne. Já dá pra abrir o apetite…

O ogro abriu sua boca enorme e levou as pernas de Maxwell, que ele as encolhia o máximo possível, em direção a ela. Seus movimentos travaram quando sentiu algo pesado subindo em suas costas. Jack estava se segurando à pele escamosa quando pegou novamente sua faca e cortou os longos cabelos escuros do monstro. Puxando-o para trás ao mesmo tempo, os dois caíram no chão e Max foi derrubado do lado oposto.

Assim que seu corpo tocou o chão no beco, Max se arrastou para longe do ogro já que tinha sido quase devorado segundos atrás. Balançou a cabeça levemente para retornar os sentidos e viu as mechas de cabelo estiradas no chão. — Cortou o cabelo dele?! – gritou em direção a Jack, desconcertado. — Não, Jack! Precisamos matá-lo!

Jack deu uma boa olhada no menino antes de virar-se novamente para o monstro e encarando aquilo como uma ordem, começou a avançar com a faca em mãos. Embora a violência corresse por suas veias, ele nunca tinha matado nada e a compreensão de que teria que fazê-lo o deixava nervoso. Assim que o ogro havia escutado a voz de Max, este levantou e correu novamente em direção ao menino que suava frio devido ao medo e ao esforço anterior, e por algum motivo ver esta cena deu forças a Jack, fez com que ele se lembrasse da sua função na jornada, que havia lhe sido dada por seu próprio Deus criador. Dando um urro correu com a faca erguida e a enfiou sem piedade nas costas do ogro. O monstro deu um grito de dor e, percebendo seu destino, cambaleou e apanhou a mecha de seu cabelo. Deu uma ultima olhada nos dois, já respirando com extrema dificuldade e então caiu pesadamente no chão.

O homem repousava seu olhar no monstro que havia acabado de ferir e no local onde sua faca ainda estava enfiada. Esperou um pouco para ter certeza de que ele estava mesmo morto e ajudou Max a se levantar. O menino também não parecia confortável com o que havia acabado de testemunhar, mesmo que aquele fosse um inimigo e mesmo que talvez sua morte fosse necessária. Jack não disse nada depois, apenas caminhou até o ogro e retirou sua faca das costas dele. Limpou-a cuidadosamente nas roupas, manchando sua calça com o sangue negro do ogro e cortou o cordão que envolvia seu pescoço e prendia a pedra.

Os dois deram alguns passos na direção onde Vinyl estava, agora sentando, mas ainda chocado demais, quando o monstro estremeceu e levantou-se. A ferida em suas costas havia cicatrizado e seus cabelos lentamente voltavam a crescer.

— Não… Não é possível… – Max disse tremendo. Não sabia se era apenas impressão dele, mas o ogro parecia ter crescido ainda mais. Jack franziu as sobrancelhas irritado e cansado e fechou seu punho nada pequeno, envolvendo a pedra por completo.

Ele correu na maior velocidade que podia alcançar e deu um salto quando chegou novamente próximo ao ogro. Com o punho que segurava a pedra, Jack socou seu rosto e um estranho brilho azul foi emitido de sua mão, forte o suficiente para jogar o monstro longe e fazer com que ele batesse contra a parede lateral do Poison. O lugar começou a tremer até que a parte que sofrera com a batida fosse ao chão e deixasse todos lá dentro espantados. O dono, que Max havia visto mais cedo dando orientações ao ogro para ficar de guarda, estava particularmente chocado e passava os olhos entre seu empregado e os dois.

Max correu e sacudiu mão livre de Jack. — Corre! Temos que ir embora agora! – e o homem, sentindo o alarme na voz do menino, abruptamente começou a correr ainda segurando sua mão. Os dois atravessaram a rua, em desespero, e Jack agarrou Vinyl nas costas sem pensar muito e o anão não relutou ou abriu a boca para dizer algo.

 

Da janela do galpão abandonado que Jack havia encontrado depois de quase quinze minutos correndo, Max conseguia ver a chuva começar a cair e os relâmpagos cruzando o céu da madrugada. Vinyl estava recostado na parede oposta, perdido em seus próprios pensamentos. Parecia que nada mais aconteceria naquela noite até que Max sentiu a enorme mão de Jack repousando em um de seus ombros.

— Está na hora. – ele disse mostrando a brilhante pedra azul que tirara do pescoço do ogro. Ela tinha um brilho suave e quase reconfortante e Max, suspirando fundo, concordou com a cabeça, sabendo o que tinha que fazer. Vinyl espichou o pescoço para observar também.

Max entendeu as mãos em direção a Jack, que dispôs a pedra sobre elas cuidadosamente. Por um segundo, os três pensaram que nada fosse acontecer e que afinal de contas, o menino não era mesmo a pessoa certa. Até que, inconscientemente, Max segurou a pedra com mais força. Estava com raiva por ser obrigado a arriscar sua vida, com raiva por possivelmente ter traumatizado seu melhor amigo, acima de tudo com raiva de Harmos. Sabia que mesmo que voltasse provando que não era o escolhido, ele puniria Aria.

Aria. Ele tinha prometido salvá-la e agora nem disso seria capaz, e sabia que se a perdesse, jamais poderia se perdoar. Ele fechou os olhos ainda não vendo nada acontecer para evitar que gritasse. Foi quando o galpão inteiro se preencheu com uma intensa luz azul e ele sentiu a poderosa energia que invadiu seu corpo durante a apresentação no desafio voltando com toda a força. Os outros dois cobriam seus rostos com a palma das mãos, com medo que a luz os cegasse enquanto Max permanecia imóvel de olhos fechados.

Lentamente a luz foi se extinguindo e os três conseguiram novamente abrir os olhos. Max estava perplexo demais para dizer alguma coisa, já que não estava mais segurando uma pedra, e sim, uma bela espada cuja lâmina possuía um estranho brilho azulado. Ela possuía o peso e o tamanho ideal para alguém como ele, como se tivesse sido feita sobmedida.

— Isso significa que podemos continuar? – perguntou Jack, curioso. A pergunta fez Vinyl se levantar e sair do galpão. Max pode vê-lo parado em uma pequena varanda do lado de fora que possuía uma cobertura enquanto observava a chuva cair.

Ele também se levantou e encaminhou-se ao lado do anão. — Algum problema, carinha? – Max perguntou olhando para o amigo que simplesmente suspirou e deu de ombros. — Você sabe que pode me contar, não é? – ele disse no mesmo tom que Vinyl havia usado para questioná-lo sobre seus sentimentos depois que fora expulso do castelo.

— Talvez eu estivesse com uma pequena esperança de que você não fosse o escolhido, Max, e que nós pudéssemos voltar para casa. – o anão disse erguendo a cabeça para que pudesse olhar no rosto de seu melhor amigo. — Sei que é idiota.

— Não é. Quando saímos da Capital eu também estava desejando não ser o escolhido, mas cheguei à conclusão de que seria a única maneira de salvar a Aria.

Os dois continuaram observando a chuva por algum tempo, em completo silêncio. Até escutaram quando Jack se recostou em algum lugar dentro do galpão e pegou no sono. Era a primeira vez que o homem dormia desde que havia sido criado e escutar seu primeiro ronco fez com que os dois sentissem vontade de rir, quebrando a quietude do momento. — Max… Posso te fazer uma pergunta? – Vinyl perguntou encolhendo-se um pouco acanhado e Max confirmou com a cabeça. — Me viu hoje… Sou um completo inútil. Por que quis que eu viesse junto com você?

— Vinyl, aconteceram muitas coisas comigo nos últimos dias. Forças misteriosas, deuses, jornadas, desafios… Eu não sabia se iria conseguir suportar duas semanas de mais loucura sozinho. Eu precisava saber que quando minha cabeça estivesse a ponto de explodir, eu poderia olhar para o lado e saber que a parte da minha vida que faz sentido ainda existe. – Max olhou desviou o olhar, cabisbaixo. — Você não é inútil, carinha. É meu melhor amigo e eu preciso de você comigo em horas como essas.

Embora Max olhasse para baixo e tentasse segurar as lágrimas, Vincent olhava diretamente para ele. Sempre sentira admiração pelo amigo, a maneira como ele sempre o defendeu, como sempre pareceu otimista mesmo com seu passado terrível. Max sempre foi o irmão mais velho que Eddie deveria ter sido. O anão instintivamente voltou para dentro do galpão e logo retornou segurando a espada em mãos, entregando-a nas mãos de Max, que se voltou novamente para o amigo, mas dessa vez surpreso.

— Nesse caso, eu vou estar aqui. Sempre que você precisar. – disse o anão, sorrindo amigavelmente para Max, que retribuiu. Eles ficaram mais um tempo do lado de fora apenas observando os pingos tocarem o chão, mas o silêncio não era mais desagradável, agora que tinham conversado. A chuva continuou caindo quando os dois retornaram ao interior do galpão e tentaram dormir para que estivessem dispostos na manhã seguinte. — Devia ficar com você, sabe? A espada. Pelo menos até o fim disso tudo.

Max confirmou apoiando a espada em uma das paredes e deitando-se. Não conseguiu dormir muito, mas a última coisa que escutou antes de pegar totalmente no sono foi um último ronco de Jack que estava no mundo dos sonhos pela primeira vez.

Vinyl abriu os olhos na manhã do terceiro dia do prazo de duas semanas. Gotas de água caiam do teto devido à chuva da madrugada passada e batiam no seu rosto escorrendo por seu nariz. Ele olhou em volta e não viu os amigos, mas escutou barulho de golpes do lado de fora do galpão. Se levantou para espreguiçar-se e dirigiu-se até o exterior. Viu Jack de pé concentrado dando instruções a Max, que golpeava uma árvore com sua nova espada.

— E ai, carinha? – Max gritou quando viu o amigo e antes que o anão pudesse acenar, ele se virou e golpeou a árvore novamente, que tremeu fazendo com que todos os frutos caíssem em cima de seu corpo. Vinyl correu para ver se estava tudo bem, mas Max saiu da pilha de frutas sorrindo, segurando uma na mão. — Café da manhã?

Vinyl apanhou a fruta e os três sentaram-se para comer. — Não sabia que Jack podia ensinar a lutar. – ele disse olhando para o homem, mas se sentia bem por ver que Max parecia animado naquela manhã. Fazia tempo que não via o amigo daquele jeito e se fosse porque ele estava aprendendo a manusear a espada, que assim fosse. — Mas então, para onde vamos agora?

— Montanha Punk. – disse Max levantando-se e recolhendo algumas frutas do chão, já que estavam diante de comida de graça e o dinheiro que tinham não era muito. — Vamos indo assim que terminarmos de juntar as coisas.

Max prendeu a nova espada em seu cinto. Ela não era muito pesada na verdade, mas o fardo que ela representava pesava mais que uma tonelada. O fato de eles a estarem vendo significava que não tinha mais volta, que Max era o escolhido e tudo estava em suas mãos. Pelo menos já tinham o primeiro artefato garantido, faltavam mais quatro. Nos momentos em que sua cabeça estava tão cheia de pensamentos, ele desejava ser frio e menos sentimental como Jack. Embora o grandão tivesse lhe ajudado pela manhã e ele tivesse descarregado um pouco no pequeno treinamento, ainda era difícil raciocinar sobre o que estava acontecendo.

 

O menino caminhava a frente com Jack ao seu lado e só voltou à realidade quando percebeu que Vinyl estava bem atrás caminhando sozinho. Freou Jack e trouxe o anão para mais perto deles. — Ei, está tudo bem?

— O que…? Sim, estou bem. Só meio cansado. – ele disse dando um longo suspiro.

— Quer fazer uma pausa? Podemos parar um pouco. – disse Max em um tom preocupado.

— Não! Não precisa. É só que… – ele se interrompeu e engoliu a seco. — Acho que estou com medo. Ainda penso em como fiquei paralisado ontem. E se acontecer de novo e…

— Cara… Não se preocupe. Vamos te ajudar para não acontecer de novo, e se acontecer, Jack pode sair correndo com você nas costas. – Max disse rindo lembrando-se da cena da noite anterior. Claro que ela não havia sido engraçada no momento, porque o pavor que estavam experimentando era grande demais, mas agora que o pior já tinha passado, tinha se tornado algo muito cômico. — Mas não se sinta envergonhado por ter medo. É normal.

— Jack não pareceu sentir medo ontem à noite.

— Acho que ele não sente muita coisa… – Max cochichou, já que Jack andava alguns passos na frente. Vinyl desviou o olhar antes de conseguir dizer mais alguma coisa. Respirou fundo e continuou.

— Eu só… Escuta, não quero que arrisque o seu rabo por mim, está bem? – ele disse num tom decidido e confiante. — Quero dizer, eu sou obviamente a pessoa com menos chances de voltar pra casa, de qualquer forma.

Max parou onde estava e brecou Vinyl com suas duas mãos. O olhou nos olhos e suas sobrancelhas estavam curvadas de uma maneira tão séria quanto o anão nunca tinha visto o amigo usar. — Vincent Vinyl, quem vai me escutar é você! Se for necessário eu me arriscar pra salvar sua pele, é exatamente o que eu vou fazer. A perspectiva de perder a Aria já é muito grande, e eu não posso perder você também. – o menino percebeu que seu melhor amigo estava tenso e atônito com aquelas palavras. Ele retirou as mãos do anão e deixou sua expressão suavizar-se. — Alias, você faria o mesmo por mim.

— Certo… – disse o anão. Ele tinha muito medo de Max perder a vida por sua causa e aquela conversa só tinha confirmado que seu melhor amigo estava muito disposto a se comprometer se fosse preciso. A parada deu um tempo para Jack ficar bem a frente deles e logo os dois viram seu rosto surgindo numa colina e sua voz chamando-os para que se apressassem.

Quando o alcançaram, do alto da colina, ele apontava em direção a um pico grande e escuro, não muitas milhas de distância da onde eles estavam parados. De vez em quando, eles podiam enxergar raios cruzando o céu nublado que estava à cima da montanha. Um grande portão negro encontrava-se nos limites do pico e, daquela distância, os edifícios visíveis atrás no enorme portão pareciam apenas borrões. Parecia inútil ir até ali, já que o lugar aparentava estar desolado e sem nenhuma alma viva habitando, mas todos pressentiram a verdade e Max sabia o que aquele exterior significava.

— A Montanha Punk.

Continuaram andando por mais alguns minutos. Max folheava o livro, lendo tudo sobre a Montanha Punk e sobre o artefato que supostamente estava escondido ali: a Adaga Dourada, ou a pedra amarela, já que era assim que estaria disfarçada antes de Max tocá-la. De vez em quando o menino sentia seu melhor amigo estreitando os olhos em direção ao livro, tentando ler as informações também.  Eles, de repente, olharam para cima se deparando com o inicio do pico que deveriam subir. Era uma ladeira extremamente íngreme, e não havia nenhuma alternativa para alcançar o topo, senão subi-la.

— Por que não vai lendo o livro enquanto subimos, Vinyl? – Max perguntou de forma discreta para não dar a entender que percebeu o anão tentando espiar em seu livro nos últimos minutos.

— Eu posso? Quer dizer, claro! Se você insiste. – ele respondeu pegando o livro nas mãos e lendo enquanto subia.

 

Quando alcançaram o topo, se viram frente a frente com o portão negro que dava acesso a Montanha Punk. De pé, em frente à grandiosa passagem de ferro, estava um homem. Ele usava um uniforme de couro preto e um cinto de metal, que não chamaria muita atenção em uma multidão, se não fosse pelas dezenas de piercings espalhados por seu rosto e pelo moicano verde no alto de sua cabeça.

Ele ergueu suavemente uma sobrancelha quando viu o trio se aproximando, algo que Max retribuiu. Aquele homem, que nem sequer era muito alto em comparação ao garoto, parecia jovem demais para possuir o importante cargo de segurança dos portões da Montanha Punk. Ainda sem muita conexão em relação a eles, o homem decidiu falar.

— Posso ajudá-los?

Após a pergunta, Vinyl saiu de trás das costas de Jack e perguntou cautelosamente. — Nós queríamos entrar na Montanha. Estamos procurando algo… E não temos muito tempo. – o segurança, entretanto, não pareceu convencido com as palavras do anão, não movendo um passo da onde estava.

— Senhor… – disse Max, em sinal de súplica, interrompendo a mirada do homem em Vinyl, e o deixando confuso. — Por favor, nos deixe passar.

— Vocês são um trio um tanto quanto peculiar. O que estariam procurando um menino, um filhote de anão e um… – ele foi dizendo olhando um por um, mas quando seu olhar caiu sobre Jack, o punk parou de falar e ele estreitou os olhos em direção ao semideus, que pareceu ligeiramente desconfortável. — Você me lembra muito alguém…

— Ah, tenho certeza que vocês nunca se viram. – disse Vinyl dando uma leve risada. — Ele foi criado há apenas alguns dias e… Ai! – Max havia empurrado o anão para que ele parasse de falar coisas que não devia, mas o rosto do segurança já havia se iluminado com compreensão.

— Criado? Estão a serviço de Harmos, não é? – ele disse chegando próximo do anão como se sentisse que, caso pressionado, aquele seria o primeiro a abrir a boca. — Foi Ele quem criou o seu amigo grandão, não estou certo?

— Não! Não é nada… – disse Max puxando Vinyl para longe do homem e tentando disfarçar qualquer deixa. Jack parecia perturbado com a situação.

— É dos artefatos mágicos que estão atrás? – disse o segurança interrompendo Max, exibindo um sorriso cheio de sarcasmo e vitória, que pegou todos de surpresa. Eram lendas famosas, mas o garoto pensava que a maioria das pessoas as encarassem apenas como histórias, com porcentagens mínimas de serem reais. Vinyl ergueu sua cabeça em direção a Max, completamente pasmado como se perguntasse “Como é possível que ele saiba?”. O menino sentia o anão lhe perguntando silenciosamente, mas ele estava igualmente surpreso.

— Como sabe sobre Harmos e os artefatos? – Max perguntou e dava para sentir a perturbação na sua voz.

— Isso não importa. Vocês não vão poder passar. Não quero problemas com gente da laia de Harmos. – dissera isso dirigindo-se especificamente à Jack e depois apontou para o céu. – Ele já trouxe problemas demais pra mim e pra esse lugar.

— Qual o seu problema, hein? – disse Jack subitamente se sentido ofendido com as palavras do punk e partindo para cima do homem. Cada um dos garotos o segurou por um de seus enormes braços, tentando impedi-lo de fazer uma besteira, mas foi em vão. Jack conseguiu se soltar e puxando o segurança para perto, acidentalmente, rasgou uma das mangas de seu uniforme, expondo sua pele.

A maneira como seu rosto parecia jovem não refletia no resto de seu corpo, que parecia enrugado e desgastado pelo tempo. Em seu antebraço, antes coberto pela roupa, era possível ver uma marca feita a ferro quente, conferida apenas a criminosos aos olhos dos deuses. Jack estava esperando alguma reação do homem, que apenas o olhava de volta com a expressão vazia. Vinyl e Max, ao contrário, estavam atônitos demais com a marca para tomar qualquer outra atitude, já que os dois sabiam exatamente o que aquilo significava. A velhice escondida, o cargo humilhante e criminalidade perante os deuses atribuíam àquele homem apenas uma coisa.

— Foi você… Você quebrou a lei do silêncio quase trinta anos atrás… – Max disse voltando seus olhos para o segurança que apenas grunhiu irritado.

— O que mais você quer lembrar? Que eu desafiei Harmos? Que trouxe desgraça para a minha família e para o meu lar? – ele disse abaixando a cabeça e cerrando os punhos, porém, quando se ergueu novamente, seus olhos brilhavam como a chama de uma fogueira e sua boca se transformou em um sorriso maníaco, como se uma nova personalidade tivesse se apossado dele. — EU SEI BEM O QUE AQUELE DIA ME CUSTOU! E NO QUE A MALDIÇÃO ME TORNOU EM TODOS OS QUE SE SEGUIRAM!

Ele lançou as mãos em direção ao céu produzindo alguns raios a mais que o natural daquele ambiente e até mesmo Jack deu alguns passos para trás com a cena. Logo criou coragem novamente e sacou suas armas. Max fez o mesmo segurando a espada azul como toda firmeza. Vinyl pareceu inicialmente desesperado, mas forçou-se a parar de tremer. Ele não ia ter medo dessa vez, não ia ser um covarde ou um peso extra. Precisava ajudar Max, custasse o que custar.

O anão apanhou o pequeno martelo de seu pai no mesmo momento em que o punk tirava uma faca extremamente afiada de dentro dos bolsos de couro, dando inicio a briga. Vinyl tentava desviar-se dos raios que caiam do céu, ao mesmo tempo que pensava se realmente eles eram produzidos pela loucura do segurança. Um deles atingiu Jack que foi arremessado alguns metros de distância da luta.

— JACK! – Max gritou preocupado vendo seu gigante guarda-costas voar pelos ares, o que deu brecha para o punk investir contra o menino, que não prevendo o que ia acontecer, foi acertado em cheio na lateral de seu corpo pela faca do inimigo.

Max sentiu a pontada aguda seguida de um tremendo frio na espinha. Ouvia o riso louco do protetor do portão e conseguiu visualizar Vincent correndo em sua direção. Sentiu que havia perdido a batalha e que tudo estaria acabado quando escutou um gemido escapar da própria boca. O mundo já havia ficado em câmera lenta quando sua cabeça encontrou o chão. Começou a perder os sentidos e seu último pensamento antes do blecaute foi constatar que tinha fracassado.

 

No que pareceu uma questão de horas, a luz começou a voltar e Max foi capaz de abrir seus olhos. Estava vivo. Não sabia exatamente como, mas estava. Demorou alguns segundos para que sua vista se ajustasse a luz do ambiente onde se encontrava: um pequeno quarto de madeira com uma aparência descuidada. A cama onde estava, porém, era muito confortável. Ele começou a olhar ao redor tentando notar o máximo de coisas possíveis só para chegar à conclusão que tinha certeza que não sabia onde estava. Do seu lado esquerdo havia uma janela decorada com uma cortina preta e, em cima de um criado-mudo pintado a mão, estavam dispostos um copo da água e um pano sujo de sangue. À direita, ele encontrou Vinyl recostado em uma velha cadeira dormindo. Seu amigo não parecia estar tendo um sono pacifico e tranquilo, mas sim, turbulento e horrível.

Max tentou se virar para chamá-lo, mas então sentiu a fisgada. Uma dor aguda transpassou por todo seu corpo até atingir a sua cabeça e lembrá-lo dos acontecimentos na entrada da montanha. Logo que se ajeitou, a dor passou e o garoto concluiu que já havia sentido dores piores. Deu novamente uma olhada em direção ao pano sujo ao seu lado e então deu um longo suspiro. Estava na hora de dar uma olhada no machucado, mesmo que ele estivesse com medo de sua gravidade. Lentamente empurrou os cobertores para longe de si e levantou a camisa limpa, que não era dele, para só então conseguir contemplar uma ferida na sua lateral esquerda, um pouco abaixo do peitoral. Estava melhor do que ele esperava, sem pus e com uma casca já se formando, mas mesmo assim, não era algo bonito de ver em seu próprio corpo.

Ele só abaixou a camisa novamente quando ouviu Vinyl se mexendo ao seu lado e aos poucos abrindo os olhos.

— Max! – gritou o anão em êxtase, levantando da cadeira para ver o melhor amigo mais de perto. — Você finalmente acordou!

Dava para sentir o alivio na voz do anão e as olheiras em seus olhos confirmavam a teoria de que as sonecas de Vinyl não tinham sido as melhores. Seus olhos estavam marejados como se, depois de um longo sofrimento, ele finalmente tivesse certeza que Max estava mesmo vivo. — É… Acho que não sou tão fácil de matar. – o menino respondeu com um sorriso bobo no rosto, tentando tranquilizar seu amigo. — Carinha, onde estamos?

— Aquele cara te acertou com a faca e você caiu no chão. Eu achei que tudo estava acabado e corri até você para ver se o seu coração ainda batia, mas ele me atacou também. Eu… Eu usei sua espada, Max. Me defendi até que Jack conseguiu voltar a resolveu a situação. Ele te carregou nas costas até aqui.

— Certo, mas… Onde exatamente é aqui?

— Umas das residências da Montanha Punk. – a expressão de Max se tornou confusa com essa resposta. — Ah sim, conseguimos entrar. Uma velha senhora chamada Sarah nos ajudou. Você vai conhecê-la e já digo de dianteira que vai querer agradecê-la, já que ela deu um jeito em você. – ele disse apontando suavemente em direção aonde a ferida de Max estava. — Demos muita sorte de tê-la encontrado. Se ela não tivesse parado o sangramento…

A voz do anão de repente morreu e Max voltou-se novamente para ele, vendo o quanto parecia difícil relembrar que ele quase se encontrou sozinho em uma luta que não podia vencer. Completamente desamparado ao lado do cadáver de seu quase irmão e, nesse momento, Max deu graças silenciosamente. Ficou feliz por estar vivo, por ter uma nova chance de salvar a princesa e por Vinyl estar aliviado por ele. Ainda se sentia confuso pelos eventos que tinha perdido, como por exemplo, como os dois tinham escapado do segurança punk? Ele ainda não tinha visto Jack e começava a se preocupar com seu protetor e se ele estava bem.

— Ei, não se preocupe, já passou. Eu estou bem. – disse Max novamente levantando sua camisa para mostrar que a ferida já no processo de cicatrização, mas isso o levou a pensar que nenhum machucado se curava tão rápido e o quanto Vincent pareceu aliviado ao vê-lo acordar. — Espere… Vinyl, por quanto tempo eu dormi?

— Não sei como contar… – ele respondeu coçando a nuca nervosamente. — Você esteve apagado há quase quatro dias, Max… Amanhã vai fazer uma semana que deixamos a Capital.

— O que?!? Mas nós nem encontramos a segunda pedra ainda! – Max gritou, chocado, levantando bruscamente da cama e esquecendo-se do machucado. Sentindo novamente o incomodo, ele gemeu e sentou-se relutante. — Ah deuses… O que eu vou fazer?

Vinyl levantou a mão, disposto a dizer algo que trouxesse um pouco de esperança ao amigo, mas as suas próprias estavam abaladas. No mesmo momento, a porta do quarto se abriu, e Jack entrou acompanhado de uma senhora baixinha, com cerca de oitenta anos de idade, cabelos arroxeados presos em um coque, que carregava uma bandeja com comida e remédios em uma das mãos. Na outra, ela se apoiava em uma bengala com uma caveira na ponteira e assim como o segurança, suas roupas eram feitas de couro preto.

Ela sorriu ao ver Max acordado, e as rugas em seu rosto se exaltaram ainda mais. Ela dispôs a bandeja em uma cômoda perto da porta e se encaminhou em direção ao menino. — É um prazer finalmente conhecê-lo, Maxwell. Como se sente?

Max logo agradeceu a senhora por ter salvado sua vida e que seja lá o que ela tivesse feito, havia tido um efeito muito veloz e que ele já se sentia muito bem. A velha insistiu que ele tentasse comer alguma coisa, mas ele recusou, tristemente. Estava preocupado demais para que qualquer coisa descesse por seu estômago.

A expressão de Sarah, como Max tinha ouvido que ela se chamava, havia se tornado igualmente melancólica. Ela, educadamente, pediu que Jack e Vinyl se retirassem do quarto, e assim eles fizeram, deixando Max e a velha a sós, dando liberdade para que ela perguntasse exatamente o que estava acontecendo e ele lhe desse as respostas do porque ela teve de cuidar de um garoto esfaqueado nos últimos dias. Sarah ouviu com atenção tudo que Max contou, e conforme foi se abrindo, de fato conseguiu comer. Narrou tudo o que passara até o momento, e quando ele terminou, ela apenas deu um longo suspiro.

— Creio que estejam com pressa então. – ela se levantou retirando a bandeja, agora vazia, do colo de Max. — Melhor você tomar um banho. Consegui tirar o sangue das suas roupas, mas pode levar essa troca. Eram do meu filho, mas ele não mora mais aqui. Ah, e não se esqueça de esfregar o remédio no machucado quando sair do banho, sim?

Ela então deixou o quarto e Max continuou sentado hesitante na cama por alguns minutos. Talvez sua história não a tivesse convencido, o que era natural. Ele se levantou e seguiu as instruções da senhora. Depois de colocar suas roupas limpas, que encontrou dobradas sobre a cama em que esteve apagado, Vinyl e Jack voltaram ao dormitório.

— Querem me explicar o que aconteceu depois que eu desmaiei?

Jack pareceu vacilante com a pergunta e Vinyl refletiu um pouco antes de responder. — Foi como eu disse, eu tentei me defender com a sua espada, até que Jack conseguiu voltar e… Bem, Jack o matou, cara.

Max encarou o gigante de forma receosa, sem saber o que dizer. Sabia que provavelmente tinha sido difícil para Vinyl assistir Jack tirando a vida daquele homem, devido a suas recentes reações em Glam. Depois de um curto silêncio, Jack abriu a boca para falar. — Eu vi Vinyl lutando e você morto. Pensei que tinha falhado em te proteger.

— De qualquer forma, foi estranho. Nos seus últimos minutos foi como se duas personalidades diferentes se dividissem e se libertassem uma da outra. Me levou a pensar sobre a tal “maldição” que ele mencionou.

A maldição. Max se lembrava. O segurança havia mencionado o fato de sua vida ter sido destruída depois que ele descumprira a lei do silêncio e que uma terrível maldição havia caído sobre ele depois do acontecido. Antes que aquela conversa pudesse continuar, Sarah os chamou para jantar antes que eles seguissem viagem. O jantar foi mudo. Nenhum dos três queria fazer comentários e de vez em quando, apenas a velha tentava iniciar uma pauta, que logo morria. Ao terminarem de comer, juntaram suas coisas e se encontraram à porta de Sarah para se despedirem da velha mulher.

Max foi o último a se aproximar e quando o fez, ela o puxou para mais perto e sussurrou em seu ouvido. — Meu jovem, tome cuidado com Harmos. – o conselho havia o pegado de surpresa, fazendo ele se afastar um pouco, mas não o suficiente para que ela deixasse de tocá-lo.

— Quer dizer que acredita em tudo o que eu disse lá no quarto?

— Mas é claro, todos na Montanha Punk temem o grande Deus, principalmente depois do que ele fez com esse lugar. Eu sei o que as lendas dizem, sobre ele ser o irmão bom, mas ele está mudado. – a seriedade com a qual ela pronunciava as palavras era alarmante. — Jack também me contou o porquê você está o ajudando, mas confie em mim. Ele não vai poupar a sua princesa.

— Do… Do que está falando?

— Ele sabe muito bem que precisa de você para conseguir o que quer. Sabe que tem nas mãos alguém com as qualidades necessárias para encontrar os artefatos, mas Harmos é cruel, e assim que entregar as armas, Ele vai se livrar de você. – ela fez uma breve pausa, desviando o olhar, mas sem soltá-lo. — Este lugar não costumava ser tão sombrio, mas… Meu filho. Há anos, ele o desrespeitou. Harmos o castigou impiedosamente. O amaldiçoou e o colocou como segurança da montanha. Eu nunca mais o vi.

A cor sumiu do rosto de Max ao perceber que a bondosa mulher que havia salvado sua vida e ajudado seus amigos de fato, jamais veria seu filho outra vez. Não porque ele estava amaldiçoado e condenado a uma loucura interminável, mas porque estava morto, e por mais que fosse difícil de aceitar, o menino assumia sua parcela de culpa. Ele, inconscientemente, desviou-se de Sarah, como se agora que ele sabia a verdade, fosse duro encará-la, mas a senhora não parecia satisfeita.

— Ele não vai cumprir o que disse. – ela afirmou, puxando o queixo de Maxwell de volta a uma posição que ele pudesse olhá-la de uma maneira quase maternal.

— Ele me prometeu, senhora…

Ela largou as mãos do garoto e deu novamente o mesmo longo suspiro de quando Max terminou de contar sua história no quarto. Sem dizer mais nada, ela caminhou casa adentro e por um segundo, o menino pensou que ela não ia mais voltar, mas se enganou. Ela levemente depositou algo redondo e maciço embrulhado cuidadosamente em uma trouxa na palma da mão direita de Max. — Então prometa você algo a mim. Prometa que tomará cuidado com Ele!

Assim que ela a largou, a trouxa se abriu exibindo a brilhante esfera dourada, que mais parecia uma pepita de ouro. Os olhos de Maxwell se arregalaram de maneira assustadora ao vislumbrar o segundo artefato em suas mãos. Ele direcionou-se novamente para Sarah. — Eu… Eu prometo. – ela sorriu ao ouvir o voto, algo que Max retribuiu ainda mais agradecido. Ela acenou com a cabeça e entrou em casa.

Max correu em direção aos amigos, que o esperavam em uma árvore próxima a casa de Sarah. Assim como ele, Jack e Vinyl não podiam acreditar no que viam. — O que está esperando? – disse Vinyl alegremente, e Max, jogando a trouxinha no chão segurou a pedra amarela com as esperanças renovadas, embora as últimas palavras trocadas com senhora tivessem lhe levantado milhares de novas dúvidas. Novamente o menino sentiu um choque de energia atravessando todo o seu corpo, e dessa vez, escutou a risada ácida do Deus por uma fração de segundo. Logo em seguida a luz dourada que o envolveu e tudo ao seu redor se extinguiu e ele viu-se segurando uma bela adaga de ouro.

— Sem descanso hoje à noite? – Max disse ainda sentindo suas moléculas agitadas. Sabia o tempo que haviam perdido e não podiam perder mais.

— É… Sem descanso hoje à noite. – Vinyl respondeu em concordância. Max mirou a adaga novamente. Já tinha sua espada e aquele riso medonho só o fez querer ter distância da arma. Ele apanhou suas coisas e antes de tomar dianteira na caminhada, colocou a adaga nas mãos de Jack.

— Melhor você cuidar dessa ai, grandão.

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