CONTOS DE HYSTERIA – edição especial: episódio 02
Os Contos de Hysteria
Duas semanas haviam se passado desde que Max tinha ouvido Aria dizer-lhe adeus com os mesmos lábios que haviam tocado os seus. Ele tentava não pensar nela, tentava focar em qualquer outra coisa que não fosse na princesa já que era inútil. Os dois não ficariam juntos. Ela se casaria com o nobre que passasse nos testes como o rei Reed queria. Ele contou a Vinyl tudo o que acontecera naquele belo campo de morangos, mas não contou a mais ninguém. Era doloroso falar sobre o assunto, mas ao mesmo tempo ele não era o tipo de pessoa que gostava de sofrer sem se abrir com alguém.
Max ainda ia passar as tardes na casa dos anões, mas agora, acima de tudo, era para se distrair, e mesmo assim, pouco adiantava. Era melhor que eles nunca tivessem de fato se conhecido. Quando ele só a tinha visto uma vez, sua vida era melhor e mesmo que às vezes sua mente lembrasse-se dela, ele ficava feliz quando acontecia. Agora, quando ele se lembrava dela e de tudo o que passaram nos poucos dias em que estiveram juntos, ele se sentia deprimido. Um leve vazio surgia em seu coração e toda vez que acontecia, ele fingia que não estava se sentindo bem e ia para casa. Passava muitas horas sozinho, tocando guitarra e observando o castelo.
Em uma dessas ocasiões, Vinyl se aproximou calmamente dele para conversar. Sabendo de tudo, se sentia preocupado com seu melhor amigo, já que a tristeza estava estampada em seu rosto de uma forma cada vez mais evidente. Tocou-lhe o ombro suavemente, o que fez Max parar de tocar e olhar para o anão.
— Max… Qual é o problema? – ele disse cheio de preocupação. Max refutou por alguns segundos antes de responder. — Você sabe que pode me contar, não é?
Max respirou fundo antes de dizer qualquer coisa. — Eu não sei exatamente o que é carinha… Mas dói. Dói saber que eu não irei mais vê-la, ou que nunca mais vou ouvir sua voz.
O anão pareceu confuso. Era ainda mais jovem que o amigo, e aquilo parecia complicado. Seria amor? Nas histórias, os apaixonados sempre se comportavam assim. Ele arriscou perguntar. — Tudo isso por causa de uma garota?
— Não é só uma garota. Alguma coisa no jeito que ela se move me atrai como nenhuma outra. – Ele voltou a olhar para o castelo antes de continuar falando. — Há alguma coisa em seu jeito que me encanta.
Vinyl sentiu a voz do amigo desaparecendo enquanto ele olhava para a imensidão. Parou na frente dele e viu que ele estava chorando. Parece que a dor não era brincadeira e ele queria, desesperadamente, descobrir uma maneira de ajudá-lo. Max mirava o chão e deixava as lágrimas correrem, não de uma maneira escandalosa, mas de uma forma que ele não era capaz de controlar. Ele não emitia som algum enquanto chorava, só sentia as gotas salgadas tocarem a boca. Vinyl olhou para os lados e para o chão, sem saber o que fazer e procurando algo decente para dizer, mas sabia que aquela não era a atitude certa. Por impulso, ele agarrou Max pelos braços e o colocou de pé, e então o abraçou. O amigo deu um pequeno soluço antes de dizer nos ombros de Vincent. — Eu não quero deixá-la Vinyl.
Algumas horas depois os dois estavam caminhando pelas ruas da Capital. Max já se sentia mais calmo, embora ainda triste, mas Vinyl o havia convencido de caminhar para relaxar e tirar o peso que carregava das costas. Ambos estavam em um desconfortável silêncio, sem saber o que dizer, quando Max resolveu finalmente quebrá-lo. — Obrigado pelo que você fez. Acho que eu realmente precisava.
— Sem problemas. Amigos são para isso. – disse o anão, dando um pequeno sorriso em direção ao amigo. Ele queria poder ajudar mais, mas não entendia muito os sentimentos que Max tinha em relação à princesa a ponto de poder aconselhá-lo. O anão olhou para cima e o céu estava escurecendo, com nuvens negras se formando. — Talvez seja melhor voltarmos, Max. Acho que vai chover.
Mas Max não estava prestando atenção. Ele havia parado alguns passos atrás de Vinyl para observar algumas carruagens e uma movimentação mais intensa que o normal aos portões do castelo. Seus pés lhe obrigaram a ir até lá ver o que estava acontecendo. O anão chegou a chamá-lo, mas ele não deu meia-volta, parecia determinado a descobrir o que estava havendo e rendendo-se a vontade do amigo, Vinyl o seguiu. Quando chegaram mais perto viram algumas famílias nobres adentrando o castelo e alguns guardas anotavam os nomes dos rapazes.
— Você acha que vai acontecer um baile ou algo assim? – o anão perguntou, quase de forma inocente, mas Max fez que não com a cabeça olhando diretamente para os guardas. Vinyl percebeu a grande atenção que os filhos dos nobres estavam recebendo e então entendeu tudo. — Oh… São os testes, não é?
Max sentia a ira entre os dentes quando confirmou que aquilo eram de fato os testes. Via aqueles garotos metidos e cheios de dinheiro que iriam disputar a mão de Aria, sem o consentimento dela e sentia nojo deles. Foi quando uma ideia lhe surgiu à cabeça. Umma, a mãe de Vinyl e uma das pessoas por quem tinha mais respeito e carinho em todo o mundo era uma excelente costureira. Ela costumava fazer trajes para a realeza quando era mais nova e em alguns casos, quando o traje não era o escolhido, a velha anã guardava o figurino em seu baú já que podia usar os tecidos em outros trabalhos. Sua raiva de repente se tornou uma alegria e ele sentiu sua boca formando um sorriso genioso e Vinyl sabia que sua mente estava trabalhando.
— Max?
— Vinyl, sua mãe ainda guarda aquelas roupas de gala no baú, certo?
Quando Max virou-se sorrindo para o amigo, este estava perplexo. Já tinha entendido a ideia, mas não achou que Max teria a coragem de participar dos testes ou de se arriscar a ser descoberto daquela maneira. — Você não está pensando em… — Max cobriu sua boca com a mão e deu um sorriso decidido.
— Eu não vou deixá-la tão facilmente carinha. – ele tirou a mão da boca do amigo, que não parecia muito certo em seguir com aquele plano maluco. O apanhou pelo braço e começou a correr em direção à casa dos anões a procura de Umma.
Quando os dois garotos entraram em casa, encontraram Umma sozinha e exasperada. Pop e Eddie estariam voltando das minas à uma hora dessas. A mulher parecia tão atordoada que nem deu atenção quando os dois passaram pela porta e só foi ter alguma reação quando Max gritou seu nome, fazendo-a parar e olhar para eles.
— Oh… Oi meninos. – Cuidadosamente ela colocou os cabelos por trás das orelhas, tentando parecer que estava bem. — Como vocês estão?
Vinyl conhecia bem sua mãe. Sabia como ela agia quando algo estava errado ou quando ela estava a ponto de surtar. — Mãe, aconteceu alguma coisa? – O garoto fez a pergunta de maneira tão decidida e confiante que fez com que sua mãe cedesse. Ela caminhou até uma poltrona e se sentou.
— Um dos guardas reais veio aqui hoje de manhã. Ele encomendou um vestido de festa para a princesa e queria que ficasse pronto até hoje à noite… Eu geralmente tenho mais tempo para fazer esse tipo de coisa. – Ela disse limpando discretamente um pouco de suor que escorria de sua testa. Vinyl parecia nervoso por cobrarem de sua mãe daquela maneira. Caminhou até ela e lhe abraçou pelos ombros.
— Eles não deviam te pressionar assim. Essa gente nobre se acha demais, não é mesmo, Max? – Quando o anão olhou para o amigo, este parecia estar raciocinando o mais rápido que podia. Ele então correu e ajoelhou-se em frente a Umma e segurou em uma de suas mãos.
— Tia Umma, o que exatamente os guardas disseram? Você perguntou o porquê precisavam de um vestido assim, tão de repente?
A anã pareceu confusa, mas permitindo que Max segurasse a sua mão, ela respondeu. — Bem, disseram que os testes para os pretendentes da princesa ocorreriam amanhã, mas que hoje teria um baile de máscaras no castelo, para que ela já pudesse ter uma primeira visão de quem são os rapazes. – Os olhos de Vinyl se arregalaram quando ele ouviu “baile de máscaras” e conforme sua mãe ia falando, ele percebia que Max ia ficando mais entusiasmado. — Por que está me olhando assim?
— Aposto que você precisa de alguém para levar o vestido lá no castelo. Digo, já que está tão cansada por trabalhar o dia inteiro.
Vinyl se levantou nessa hora, sabendo que seria envolvido naquele plano idiota. — Max… Por favor, não podemos…
— Não podem o que, Vincent? – Sua mãe perguntou erguendo uma sobrancelha para ele. Ele abriu a boca para tentar explicar que Max queria fazer uma loucura total, mas o amigo pulou na frente dele e começou a contar tudo.
Primeiro, contou a Umma um breve resumo sobre ele e a princesa Aria e como os dois jamais poderiam ficar juntos devido aos malditos testes. Depois começou a contar seu plano que consistia em pegar emprestado uma das roupas de gala que a anã guardava no baú para aproveitar os tecidos. Inicialmente ele iria tentar a sorte de entrar disfarçado de nobre no castelo e torcer para que os guardas não o reconhecessem, mas agora que tinham o trunfo do vestido e das máscaras, seus problemas estavam resolvidos. Tudo o que ele e Vinyl tinham que fazer era levar o vestido para a princesa e enquanto o anão tratava de entregá-lo, Max encontraria um lugar para se esconder, desceria para o salão e se misturaria com os outros presentes. Umma e seu filho pareciam chocados por Max ter pensado tudo aquilo tão rapidamente.
— Max… Não é bem assim que funciona. – disse Vinyl e seu amigo o olhou já com as suspeitas de que seu plano seria criticado. — Eles verificam quantas pessoas entram no castelo. Se nós dois entrarmos, nós dois precisamos sair.
— É por isso que vamos precisar do Eddie. – Max respondeu confiante, mas viu o rosto de Vinyl balançar negativamente com precisão. Vincent odiava precisar do irmão mais velho para qualquer coisa porque sabia que o pagamento pela ajuda de Eddie seriam dias e mais dias de tortura e essa era a última coisa que ele queria.
— AH NÃO! Nem pensar!
Quando Pop e Eddie chegaram do trabalho nas minas encontraram Vincent sentado á mesa modelando uma espécie de máscara, e ele parecia irritado com a tarefa. Umma estava de pé em frente à porta do banheiro esperando algo, ou alguém, sair por ali. Os dois a ouviram perguntar se iria demorar muito e a voz de Max respondendo que não, mas que iria precisar de ajuda para ajustar a roupa. O pai olhou para o filho mais velho que estava tão perplexo quanto ele.
— Que está acontecendo aqui? – Pop perguntou a esposa e escutou Vincent grunhir com a pergunta. Antes que sua mulher tivesse tempo de explicar tudo, Max abriu a porta do banheiro e saiu usando calças bufantes, uma camisa branca com uma gola trançada, uma capa e um chapéu enorme enfeitado com uma pena.
Umma foi rapidamente até o garoto para ajeitar a roupa que era levemente larga para ele. Max sempre fora muito magro e por isso a maioria das roupas que usava sempre sobravam um pouco na cintura. — Bem… Como se sente, Max? – A anã perguntou da maneira mais prestativa que encontrou.
— Me sinto ridículo. Como os nobres podem usar algo assim? É tão desconfortável e pinica… – Max deu uma puxada na parte de trás das calças, claramente se sentindo estranho naquelas roupas, mas parou quando escutou um riso. Quando olhou para frente viu que se tratava se Vinyl tentando segurar a risada vendo-o usar algo daquele tipo. — Não tem graça, Vinyl!
— É claro que tem! – Ele disse deixando o riso fluir. Max notou que Eddie também exibia um sorriso sarcástico em direção á ele. — Para que o chapéu, hein?
Umma terminou os ajustes respondendo. — Para esconder os cabelos dele. Pelo que vocês contaram, Max não pode ser reconhecido pelos guardas. – Ela saiu andando e apanhou um baú, onde o vestido de Aria para o baile estava cuidadosamente guardado e colocou em frente a Max. — Eu sei que pode parecer suspeito um baú tão grande só para um vestido, mas foi a única maneira que eu pensei de você entrar sem ser visto.
Eddie soltou uma gargalhada fraca quando entendeu o plano da mãe. Caminhou até seu irmão mais novo e apoiou um dos braços em seu ombro. — E algum de vocês podem me explicar como é que o bebê aqui vai carregar o Max dentro desse baú sozinho? – Vincent fez uma cara feia para o irmão quando este o chamou de “bebê”, odiava quando ele fazia isso. Voltou sua atenção à máscara, sabendo que ele não seria o responsável de contar para Eddie que ele fazia parte do plano.
— Bem… Sobre isso… – Max começou a dizer e a expressão de Eddie foi mudando quando ele percebeu que estava envolvido.
Alguns minutos mais tarde, após decidirem qual seria o pagamento de Eddie por ajudá-lo, Max estava experimentando a máscara que Vinyl havia feito. Escondia quase todo o seu rosto, era feita de uma espécie de metal e mais parecia algo que colocavam no rosto dos loucos no hospício, mas era a única que tinham no momento. — Você podia ter caprichado mais, carinha. – Ele então entrou no baú e encontrou uma posição para que não amassasse acidentalmente o vestido da princesa. Vinyl e Eddie já estavam prontos. Fecharam o baú e começaram a carregá-lo em direção ao castelo real.
Quando chegaram lá, pensaram que teriam dificuldades de passar pelos portões, já que era ridículo estarem carregando uma encomenda num baú daqueles, mas os guardas não pareceram questionar e disseram-lhes para que o deixassem no quarto da princesa. Os dois entraram e Eddie fez questão de dar um chute no baú para informar a Max que tinham conseguido até ali. Antes de chegarem ao quarto de Aria, os dois meninos repousaram o baú no chão, em um corredor deserto que encontraram ali perto. Vinyl deu algumas batidas no baú e disse para Max sair.
— Não precisava me chutar, Eddie! – Disse Max, abrindo a tampa e saindo do baú, com suas roupas nobres e sua máscara de ferro. Já em pé, passou as mãos pela roupa para desamassá-la.
— Achei que você ia querer saber que passamos pelos portões principais. – Ele respondeu com aquele sorriso sarcástico que sempre estava no seu rosto quando ele se dirigia a Max ou Vinyl.
Os três garotos ouviram os passos de alguém se aproximando dali, o que fez Max perceber que precisava descer para o salão do baile. Os irmãos fecharam novamente o baú e se despediram as pressas do garoto que rapidamente começou a descer ao último nível do castelo, onde ficava o salão de festa. O lugar estava todo enfeitado, cheio de pessoas bem vestidas que faziam seu disfarce parecer muito suspeito. Ele avistou o rei Reed e a rainha Scarlett conversando com algumas pessoas do outro lado da sala, perto do muro que ele deveria ter terminado de construir antes de ser expulso do castelo. De fato, como o rei havia dito, seus homens deram um jeito e fizeram um trabalho melhor do que Max teria feito, mas olhar para o muro ainda o deixava irritado.
Max também notou alguns rostos confusos se curvando em sua direção e depois virando-se novamente para comentar algo com alguém próximo. Talvez sua máscara estivesse deixando todos desconfortáveis, inclusive ele mesmo, mas ele não podia arriscar retirá-la. Ele apenas continuou andando sem dar atenção aos comentários que ouvia ao seu respeito. O hino da Capital fez com que ele parasse, e todos os jovens se reuniram em volta dele. Algumas luzes foram apagadas, deixando todos na penumbra e apenas uma pessoa totalmente visível. O rei Reed havia subido em um pequeno palco e estava se preparando para falar. Mas quando o homem começou a discursar, Max escutou um menino fazendo um som de deboche. Ele virou o rosto e olhou para o garoto que, com certeza, tinha uma aparência melhor do que a dele.
Não parecia ser muito mais velho que ele, embora seus cabelos escorridos fossem de um tom de loiro quase branco. Alias tudo naquele garoto era claro demais, seus cabelos, sua pele, seus dentes quando ele sorria sarcasticamente como estava fazendo. Tudo a não ser seus olhos, que eram castanhos escuros. Eles estavam bem próximos e por isso era impossível fingir que não estava percebendo a atitude do rapaz, menosprezando o rei, e quando ele notou que Max o olhava, virou-se para falar com ele.
— Bela máscara. – Ele disse em meio a um riso cínico. — Você é desfigurado ou algo assim?
Max sentiu seu rosto se curvando em uma expressão raivosa por baixo da máscara e não pode suportar tirá-la, só para provar que ele não era um estranho. Seus músculos faciais relaxaram e ele mostrou seu rosto para o menino. — Ah não. Meu rosto é bem normal, a diferença é que o cobrindo inteiro, o mistério para a princesa será bem maior, você não concorda? – Ele disse no mesmo tom do garoto. Talvez estivesse pegando o jeito nessa de agir como um rico metido. O garoto curvou a sobrancelha para Max e por um segundo ficou sem reação, mas depois sorriu e estendeu a mão para apertar a de Max.
— O meu nome é Deezer. – Max, que já tinha recolocado a máscara, considerou rapidamente se deveria ou não apertar a mão do garoto. Quando o fez, sentiu que ele balançou sua mão de forma confiante e firme. Talvez a máscara estranha de Vinyl tivesse uma coisa boa: ela escondia completamente qualquer expressão que Max fizesse tornando-o uma incógnita.
— Maxwell. – Ele respondeu tentando parecer indiferente. Os dois voltaram sua atenção para o rei novamente, mas sem mover o rosto, Max resolveu ressaltar. — Parece que você não gosta muito do rei.
— Ele nem sequer deveria ser rei. Não passou por nenhuma provação para conseguir o cargo. Tudo o que fez foi se apaixonar pela princesa. – Deezer disse, dando destaque a última parte de forma nojenta, como se o amor não bastasse. — Os testes da rainha Scarlett já estavam marcados na época que ela anunciou que se casaria com esse otário. Meu pai era o favorito.
Mais uma vez, Max escondeu sua expressão, que agora estava surpresa, por baixo da máscara. Se Reed e Scarlett não tivessem se apaixonado, provavelmente Deezer seria o príncipe, e agora o salão estaria repleto de moças disputando por sua mão. O destino parecia irônico. E se o pai dele era o favorito e lhe foi retirado o direito de disputar, o filho agora também seria, e a sociedade não permitiria que o mesmo erro acontecesse duas vezes.
— Como sabe que seu pai era o favorito? – Max arriscou perguntar.
— Os testes não aconteceram, mas um baile, como este, sim. Minha família sempre foi influente. A rainha já estava planejando anunciar que não haveria testes e tudo mais, mas precisava fingir que estava tudo certo na noite do baile. – Max não conseguiu evitar virar o rosto para escutar a história, que com certeza era mais interessante que o discurso do rei. — A princesa sempre escolhe um pretendente para sua primeira dança. Não necessariamente é aquele que vai vencer, mas este se torna um favorito.
— E a rainha Scarlett escolheu o seu pai… – Max concluiu e Deezer confirmou com a cabeça.
— E hoje à noite, a princesa Aria vai escolher a mim. – O garoto sorriu com tamanho ar de superioridade, que Max teve vontade de socá-lo, mesmo que isso significasse perder sua chance.
Respirou fundo e se controlou. Tudo o disse enquanto virava novamente o rosto foi: “Veremos”.
O rei estava terminando de falar e tudo indicava que ele iria chamar Aria para o palco para que todos pudessem vê-la, como se ela fosse um prêmio a ser disputado. Toda aquela situação o deixava enojado. Ele se perguntou o que estaria pensando se de fato fosse um nobre, com verdadeiro direito a participar dos testes. Talvez pensasse como Deezer, como se a princesa pouco importasse desde que casar-se com ela viesse junto com uma coroa de rei. Isso o reconfortava. Sabia que não pensava assim, ele não ligava para a realeza, ou para o dinheiro. Tudo o que importava era ela.
O rei Reed finalmente anunciou seu nome e parte do palco onde ela deveria estar se iluminou. Mas Aria não estava ali e passados alguns segundos ninguém apareceu. O rei e a rainha pareceram nervosos e os convidados impacientes. O rei pediu calma e afirmou que os guardas a buscariam e em breve ela estaria ali. Max sabia que ele iria ordenar que a procurassem, e que nem mesmo o rei sabia exatamente onde ela estaria naquele castelo enorme. Mas Max sabia.
Em meio à confusão, ele pediu licença a Deezer e começou a andar calmamente em meio às pessoas que haviam voltado a conversar entre si. Quando percebeu que ninguém notaria sua presença, se desviou para a saída do salão e correu o mais rápido que pode. Parou apenas quando alcançou seu objetivo. Ofegante e com gotas de suor ao redor das partes da máscara que pressionavam seu rosto, ele se viu novamente no campo de morangos. Era um belo jardim, mesmo de noite. Ele sorriu quando viu que a lua brilhava exatamente no ponto onde estava disposto um banco de pedra e onde ela estava sentada. Ela estava mais bonita do que nunca, no vestido que Umma havia feito. Instintivamente virou o rosto na direção onde ele estava parado.
Ele andou confiante em sua direção e quando estava próximo o suficiente, segurou suas mãos nas dela. — Aria…
O brilho da lua batia em seus olhos que estavam lacrimejando, indicando que havia chorado, mas naquele momento ela simplesmente ergueu a sobrancelha e sua boca curvou-se de maneira confusa. — Eu te conheço? – Max não entendeu bem inicialmente. Depois começou a rir lembrando-se que estava com a máscara. Levou uma das mãos ao rosto e a retirou, revelando seu rosto que sorria carinhosamente para ela. — Max… ? Max! O que está fazendo aqui?
Ela parecia contente e desesperada ao mesmo tempo. Fazia sentido, já que se o pegassem ali, ele não seria punido com um simples castigo, como construir um muro por exemplo. Ela segurava suas mãos firmemente, como se ela soltasse, ele fosse lentamente sumir. — Vim participar dos testes ora. E no momento, estão todos te procurando.
— Mas como… Como você pagou sua inscrição? – Ela perguntou e então seu rosto se iluminou lembrando-se dos dois anões que vieram lhe entregar o vestido. Durante o tempo que passara no castelo, Max havia lhe contado sobre sua família de anões. De fato, ela havia achado o enorme baú estranho. Ela começou a rir enquanto olhava para as vestes de Max e pensando nele dentro do baú. — Mas espere… Se você entrou aqui escondido, seu nome não está na lista. Você não pode participar dos testes, Max.
— Você pode dar um jeito nisso? – Max perguntou de forma apreensiva. Havia se esquecido completamente dos guardas anotando os nomes dos rapazes que chegavam ao baile. — Talvez você possa colocar um nome falso para mim.
— Eu posso tentar. Agora vamos antes que os guardas nos encontrem aqui.
Os dois, se esquivando de quaisquer guardas que encontrassem pelo caminho, voltaram para o salão. Aria entrou por um lugar diferente, para que não fosse vista junto a Max e os convidados não pensassem que os dois já se conheciam e que ele possuía uma vantagem sobre todos os outros. Novamente o rei Reed subiu ao palco e anunciou a princesa. Ela apareceu radiante e com um sorriso deslumbrante no rosto, como se estivesse, de fato, amando tudo aquilo. Max, porém, sabia que era por ele e que ela também desprezava toda a história de casamento forçado.
Durante o baile, Aria parou para conversar com diversos rapazes, fingindo estar interessada no que eles diziam para excluir qualquer suspeita. Max até viu Deezer tentando impressioná-la e ela fingindo que o achava encantador. De repente todos ouviram o anuncio ecoar por todo o salão.
— Como de costume, está na hora da valsa da princesa. A tradição diz que ela deverá escolher o pretendente que mais a agradou essa noite e o levará até o centro do salão para a dança. – disse a voz e uma luz iluminou a princesa, que corou um pouco. Todos se silenciaram e aguardaram sua decisão.
Max sentiu uma intensa vontade de rir quando viu todos aqueles rostos milionários chocados, pois Aria andou lentamente até ele e o pegou pela mão. Ninguém parecia acreditar que a princesa havia escolhido o garoto estranho da máscara de hospício. A luz, agora, cobria os dois, deixando todo o resto da festa na penumbra. Aria lentamente o guiou até o centro do salão e Max conseguiu ver a expressão petrificada do rei Reed e sentiu sua boca curvar-se em um sorriso vitorioso.
— Espere. – Ele disse e deu alguns passos em direção à banda. Cochichou algo no ouvido do vocalista, pedindo uma música especifica para a valsa. O homem concordou com um sorriso e Max retornou a sua posição. Ele respirou fundo e a música começou.
Ele tomou Aria em seus braços e os dois dançaram como se estivessem sonhando. Parecia mágica o fato de Max estar se saindo bem, já que nunca havia dançado com uma menina antes. Enquanto rodopiavam pelo salão e a luz seguia seus passos, ele podia ver o rosto de algumas pessoas que estavam mais próximas. A maioria estava confusa ou perplexa, algumas estavam em estado de choque, mas uma estava com raiva. Max conseguiu ver a pele branca como papel de Deezer atingir um tom sombrio, quase de ódio.
Ele só parou de prestar atenção na reação dos outros quando Aria colocou a mão em seu queixo fazendo-o voltar a olhá-la. — Não ligue para eles. Imagine que estamos sozinhos aqui.
Quando a música acabou e as luzes se acenderam, as cabeças dos dois estavam tão próximas como se estivessem enfeitiçados pela sintonia da música e que ela tivesse proporcionado o clima perfeito. Foram acordados pelo barulho crescente de palmas que vinha dos convidados e lentamente foram se afastando. Max fez uma reverência e então se virou. Queria tê-la beijado, mas sabia que estragaria completamente o seu disfarce. Aria sentou-se ao lado de seu pai e Max conseguiu ver que ele e a rainha a enchiam de perguntas.
O garoto se apoiou de maneira satisfeita perto de um balcão onde serviam bebidas. Deu um suspiro aliviado. No final das contas, parece que ele de fato teria uma chance com Aria. A viu desviando-se de seus pais e indo em direção aos guardas, provavelmente para tentar colocar o nome de Max na lista.
— Parece que você se deu bem, favorito. – Ouviu alguém sibilar de maneira maldosa em direção a ele. Virou-se para o lado e viu Deezer sentado no balcão próximo a ele bebendo um liquido rosa que ele nunca tinha visto. — A dança quase me fez crer que você e a princesinha são perfeitos um para o outro.
— Me deixa em paz… – Max disse começando a se afastar do garoto, mas este o apanhou pelo braço, impedindo-o de seguir.
— Você não me disse o seu sobrenome. De que família nobre você vem? – Um alerta na cabeça de Max o informava de que aquele garoto o estaria intimidando de alguma forma. Ele não disse nada e permaneceu imóvel, de maneira que, por baixo daquela máscara, ele não parecia estar tão assustado quanto de fato estava. — Sabe, não importa. Os Manilow deveriam ter chegado ao poder anos atrás se não fosse por intervenções românticas como essa.
Os Manilow. Max conhecia esse sobrenome, já que se tratava de uma das famílias mais ricas e importantes de Hysteria. Eles controlavam todo o comércio de matérias-primas na sede que possuíam na Montanha Punk. — E ainda vamos chegar. Farei questão disso, não importa quem esteja no meu caminho. – Max não podia acreditar que Deezer o estava ameaçando tão abertamente. Ele sorria maldosamente para Max como se ele fosse um inseto que estava em seu caminho e que ele precisaria se livrar o mais rápido possível. Max livrou seu braço dos do garoto e deu uma última olhada nele.
— Eu disse para você me deixar em paz, Deezer… – E então lhe deu as costas. Queria ir embora, ir para casa e contar tudo para Vinyl. Contar que ele tinha uma chance, contar como havia dançado com Aria e contar que ele agora tinha um empecilho nas costas.
Estava prestes a chegar à porta do salão quando sentiu uma mão, menos perturbadora do que a de Deezer, lhe tocando o ombro e chamando seu nome. Era Aria. — Max, consegui colocar seu nome na lista de amanhã. Mudei seu sobrenome, porém. Vão te chamar por Max Strawberry.
Max sorriu. Era um sobrenome engraçado e que carregava um significado que só os dois entenderiam. Só eles sabiam o que se passou no campo de morangos. — Está bem. Tenho que ir agora. – Ele disse segurando suas mãos.
— Tudo bem. Mas preciso te contar uma última coisa. – Ela começou dizendo acariciando as mãos dele. – Sou eu quem vai escolher o desafio amanhã, então… Preciso saber no que você é o melhor. Digo, algo que vá garantir que você vença.
— Música. – Max respondeu sem pensar duas vezes. – Peça para tocarem uma música.
Aria sorriu e confirmou com a cabeça. Max olhou para os lados para verificar se não estavam chamando muita atenção. Rapidamente ele levantou a máscara e deu um beijo de despedida na princesa. Estava tudo bem, ele a veria no dia seguinte, venceria o desafio e eles não poderiam negar que os dois ficassem juntos.
Ouviu Aria sussurrar “Até amanhã” em seu ouvido e lentamente se afastar. Ele abaixou novamente a máscara e seguiu seu caminho, de volta para a casa dos anões, onde ele sabia que estava sempre seguro. Enquanto corria pelo corredor a fim de deixar o palácio, não percebeu os dois olhos castanhos escuros que o miravam na porta do salão. Deezer Manilow não ia deixar um camponês sem nome tomar o que deveria ser da sua família de novo.
Quando chegou à casa dos anões, Max encontrou toda a família reunida em volta da lareira, apreensivos para que ele chegasse bem. Depois de tranquilizá-los dizendo que estava tudo bem, contou-lhes como havia sido sua noite. Ele estava feliz como não esteve há dias e vê-lo dessa maneira fez com que Vinyl se desculpasse por duvidar do plano.
Umma preparou um chocolate quente para Max que se sentou satisfeito em uma poltrona em frente à lareira. Tinha uma chance, mesmo que muito remota, de vencer o desafio e ninguém poderia lhe negar o direito de ficar com Aria. Ela escolheria um desafio musical. Tudo o que ele precisava fazer era tocar a música certa e sabia exatamente qual era. A mesma música que o rei Reed tocara para a rainha Scarlett e que fez com que os dois se apaixonassem. Aria adorava aquela música e, além disso, também era a música que ele estava murmurando quando ela falou com ele pela primeira vez.
Com aqueles pensamentos maravilhosos, o gosto morno do chocolate e a visão das chamas da lareira dançando em frente a ele, Max foi sentindo-se mais e mais cansado até que pegou no sono. Vinyl tirou a caneca das mãos do amigo para que ele não a deixasse cair e colocou o cobertor sobre ele, antes de ir para sua própria cama.
Não muito longe dali, na hospedaria mais chique da Capital, Deezer Manilow estava à espera de seu segurança. Estava louco de raiva. Ele deveria ser o favorito, ele deveria ter dançado com a princesa. Se não fosse pelo garoto idiota com a máscara de lunático tudo estaria acontecendo conforme o planejado. Ele também não conseguia esquecer o fato de que o menino da festa era um mentiroso, já que tinha escutado a conversa que ele teve com princesa antes de ir embora, tão repentinamente.
Aparentemente, seu nome nem sequer estava na lista dos convidados com direito a participar do desafio. Ele havia dito abertamente qual desafio a princesa deveria escolher para que ele fosse o vencedor. Isso deveria ser considerado trapaça, mas Deezer não tinha provas e única coisa que podia fazer era julgar que os dois já se conheciam antes do baile e que ele precisava pensar em uma maneira de passar por cima daquela situação. Deezer pensou que ao menos, por ter escutado a conversa, estava um passo acima de todos os outros candidatos, pois sabia o desafio um dia antes de todos.
Seu segurança pessoal, que o acompanhou durante a viagem até a Capital, estava naquele momento investigando a princesa. O garoto havia mandando o homem atrás de algo que o beneficiasse para o desafio logo depois que ouvira a conversa. Talvez ela tivesse escrito alguma música, ou ele a visse cantarolando alguma coisa. Qualquer dica seria o suficiente para que Deezer definisse qual música cantaria para a princesa no dia seguinte.
De repente, ouviu batidas apressadas na porta. Quando avançou para abri-la se deparou com seu segurança parado na porta, com um sorriso triunfante.
— Espero que isso signifique que você conseguiu o que eu preciso. – disse Deezer deixando o homem corpulento entrar.
— Sim, meu amo. Conseguiu entrar no quarto da princesa enquanto todos ainda estavam no baile e achei isto. – O homem entregou a Deezer um pequeno caderno, quase uma espécie de diário. O garoto folheou o caderno a procura de algo que fosse interessante. Era todo decorado com desenhos feitos a mão e algumas descrições de eventos na vida de Aria, e em uma das páginas estava uma pequena história de uma princesa que encontrava o amor da sua vida, e que ela o via pela primeira vez reconstruindo o muro do palácio. A descrição do menino da história lembrava o Maxwell que Deezer havia conhecido no baile. — Também a ouvi cantando uma música pelos corredores quando o baile acabou. Ela parecia bem feliz.
— Música?!? Que música? – Deezer perguntou agarrando o segurança pela camisa e este cantarolou um trecho da canção de Aria nervosamente. O garoto pálido não sabia, mas era a música que Max estava cantando quando Aria o encontrou pela primeira vez. Embora o segurança fosse muito maior e mais forte do que Deezer, o menino era muito mais agressivo e manipulador e, portanto, mais ameaçador. — É ótimo ouvir isso… Já tenho o que preciso para amanhã. Vou me deitar, está bem? Sugiro que faça o mesmo.
Max teve uma noite maravilhosa. Era praticamente impossível não dormir bem depois de uma noite como aquela que teve no baile. Em seu sono profundo ele sonhava com a cena dos dois dançando, e estava prestes a beijá-la quando um anão pulou em cima dos dois gritando seu nome.
— Max! – O menino abriu os olhos, sobressaltado e viu Vinyl apoiado em cima dele na poltrona onde havia pegado no sono na noite passada. — Cara, acorda! Você vai se atrasar para o desafio.
Max sentiu todo o sangue de seu corpo circulando instantaneamente ao ouvir aquelas palavras. Que horas eram? Ele não sabia dizer, mas se de acordo com Vinyl ele estava atrasado, então o que precisava fazer era correr. Levantou-se e se dirigiu ao banheiro. Conseguiu tomar um banho e colocar uma roupa apresentável em tempo recorde, só para abrir a porta e encontrar a família Vinyl sentada em volta à mesa para o café da manhã. Umma olhou para ele de forma orgulhosa e piedosa ao mesmo tempo.
— Sabe, você ainda tem um tempinho para o café… – Ela disse o puxando para perto da mesa. Vê-lo apaixonado e pensando no futuro fazia a anã, que havia cuidado de Max desde a infância, perceber que seu pequeno humano estava se tornando um homem. Isso significava que em breve ele teria outras preocupações e em pouco tempo seu filhinho mais novo, Vincent, também estaria com a cabeça em outros lugares. — Vincent não quis dizer que você já estava atrasado. Agora, sente-se e coma alguma coisa.
Max sorriu para a anã e fez como ela pediu. Ele amava a ela e a Pop como se, de fato, aqueles fossem seus pais. Era difícil evitar a saudade que sentia da mãe de verdade, mas ela se fora há muitos anos e ele era agradecido pela família que o acolhera. Alguns minutos depois que Max começou a comer, notou que ninguém estava falando muito e o silêncio permaneceu até que Umma levantou-se e se dirigiu rapidamente para o seu quarto. Logo ela retornou com um embrulho que parecia um presente.
— O que é isso? – Max perguntou quando a viu com o embrulho.
— Eu andei pensando e você não estava com o rosto à mostra ontem à noite. Os guardas ainda não podem te reconhecer senão vão te impedir de participar do desafio. – Ela disse dispondo o presente no colo de Max. — E você não pode usar a máscara de novo, seria muito suspeito.
O menino abriu o embrulho de forma cautelosa, mostrando carinho pelo presente. Tirou de lá um belíssimo tecido negro dobrado de maneira perfeita. Max levantou-se da cadeira e desdobrou o tecido, revelando uma capa de viajante, e agora ele conseguia ver os detalhes na linha da costura. — Laranja… — Ele disse tocando os fios. — É a minha cor favorita.
— É, eu sei. — Umma respondeu cobrindo a boca com uma das mãos e tentando conter as lágrimas. Pop e Vinyl se levantaram também e chegaram mais perto. — Você vai tomar cuidado, não é, meu bem?
Pop abraçou a mulher e olhou para Max dando um sorriso honesto e o garoto finalmente entendeu o silêncio anterior. Aparentemente, todos estavam aflitos demais com o que o futuro de Max reservava. Queriam que ele realizasse seus sonhos, mas ao mesmo tempo tinham medo de perdê-lo se ele os alcançasse. Max agarrou-se firmemente a capa como se aquele fosse o objeto mais importante que ele possuía. Mordeu os lábios sentindo-se conflituoso em ir ao desafio pela primeira vez nos últimos dias e só começou a relaxar quando sentiu uma mão segurar a dele.
— Você vai voltar aqui sempre que puder, não é, Max? – Vinyl disse segurando a mão do amigo. Às vezes Max achava que fazia um papel de irmão mais velho muito melhor que Eddie jamais fez para aquele pequeno anão. Com a outra mão, ele colocou a capa sobre a cabeça e olhou para toda a família Vinyl antes de repousar seu olhar somente em Vincent.
— É claro, carinha. Eu prometo.
Ventava muito no caminho até o palácio. O céu parecia mais escuro do que de costume, provavelmente significando chuva. Max caminhava, pensativo, com a guitarra pendurada nas costas, enquanto ele trajava o longo capuz de viajante que tinha ganhado. A roupa traria sorte, ele sabia disso, porque se sua família estivesse ao seu lado, não importava o resultado final.
Escondeu o rosto o máximo que pode quando deu seu nome falso, Maxwell Strawberry, na entrada do castelo. O guarda confirmou sua chegada e o deixou entrar. Alguns nobres o encaminharam até um salão especial, onde estava uma fila de garotos. Parecia que a apresentação aconteceria por ordem de chegada e por isso Max andou até o fim da fila, mas quando estava prestes e se posicionar, alguém entrou correndo na sua frente.
— Ei! Calma ai! – Ele disse sobressaltado, já que o garoto havia praticamente o empurrado para entrar primeiro. Quando seu foco voltou, ele viu que se tratava de Deezer Manilow. — Ah… É você.
— Não leve a mal, Maxwell. – Disse Deezer mostrando seu largo e psicótico sorriso. — Mas é que eu faço questão de ser a pessoa a se apresentar antes de você. A propósito, bela capa. Esconde bem o seu rosto.
Max sentiu algo incrivelmente ameaçador naquelas palavras. Abaixou o capuz que lhe cobria a cabeça, já que naquele momento estava rodeado apenas dos garotos participantes do desafio, e não importava que aqueles vissem seu rosto. — O que você quer dizer com isso? – Ele perguntou dando um passo. Os dois haviam chegado cedo, de maneira que apenas alguns garotos estavam na sua frente. Deezer tirou um diário colorido de dentro do bolso do casaco e abriu na página de história de Aria, com um pequeno esboço de um menino sujo segurando cimento.
— Esse rapaz não te lembra alguém? – Deezer disse no tom mais sarcástico possível.
— O-onde conseguiu isso? – Max perguntou assustado e dando um passo para trás, afastando-se do outro garoto.
— Isso não importa. – disse guardando novamente o diário no bolso. — O fato é que eu não posso provar nada em relação a sua conversinha com a princesa ontem. Mas com isso, posso provar que vocês já se conheciam e que você não é quem diz ser.
Deezer colocou as mãos a cintura e permaneceu seu olhar vitorioso sobre Max. Aquele sorriso demoníaco e aquele olhar feroz que repousavam sobre ele, fez Max corar de uma maneira horrível, como se naquele momento, aquele garoto rico e metido pudesse ver dentro da sua mente. Max abaixou a cabeça, ainda corando um pouco e deixou as palavras escaparem. — E o que você vai fazer agora, Deezer?
— Vou lhe propor algo. Você pode apresentar sua música estúpida, mas deve contar quem você é de verdade, senão… – Ele não terminou a frase, mas tocou seu bolso no lugar onde havia colocado o diário.
Quando Max levantou novamente a cabeça, não estava mais corando. Odiava ser ameaçado daquela maneira. Não importava de qualquer forma, se vencesse, iria ter que expor sua identidade mesmo. Ele confirmou seriamente com a cabeça antes de os dois ouvirem alguém chamando o próximo concorrente, que era Deezer. O garoto, ainda exibindo aquele terrível sorriso, também confirmou e voltou-se para a sala dos testes, deixando Max sozinho com os garotos que estavam atrás na fila.
Cuidadosamente, ele abriu uma fresta na porta para ver o que Deezer estava apresentando. Viu o pequeno salão limpo e arrumado, com uma espécie de júri sentado de frente para um circulo onde os garotos deveriam se posicionar para o teste. Havia três cadeiras no júri, onde se sentavam, respectivamente, o rei, Aria e a rainha. Ao lado do rei, de pé, estava um guarda segurando uma longa lista com o nome dos meninos de maneira a apresentá-los quando entrassem e também anotar suas notas ao final da apresentação.
Max viu Deezer sorrindo da forma esnobe de sempre e pegando um violão dentre os instrumentos dispostos na sala. Max não pensou que eles deixariam os instrumentos à escolha do participante, mas notou que de acordo com as leis, o desafio fora proposto naquela manhã e trazer seu próprio violão de casa talvez o expusesse, como se ele já soubesse o que princesa escolheria.
Deezer se ajeitou, afinou as cordas do violão e começou a tocar a música que tinha escolhido. Ele não tocava perfeitamente, mas sua voz era limpa e afinada. Max forçou sua audição para ouvir qual exatamente era a música e quando conseguiu sentiu sua garganta fechando de preocupação. Era a mesma música que ele havia planejado tocar. Lembrou-se da voz do garoto dizendo “Não leve a mal, Maxwell, mas é que eu faço questão de ser a pessoa a se apresentar antes de você”. Como ele podia saber? Aria havia descrito como os dois se conheceram no diário, mas não havia mencionado a música.
Quando a situação parecia não poder ficar mais desesperadora, Deezer chegou ao refrão. Aria parecia igualmente aturdida com a canção. Reed e Scarlett, por outro lado, conhecendo o significado da música na relação dos dois, sorriam calorosamente. Uma luz brilhante e dourada que descia dos céus começou a iluminar Deezer enquanto ele tocava e o ergueu levemente no ar, como mágica. Max não podia acreditar em seus olhos e nesse momento, os três nobres na mesa do júri se levantaram. O garoto terminou a canção e a luz ainda o rondava, quando o rei a rainha correram em direção dele.
— E-eu não sei da onde vem essa luz… – Ele disse de forma um pouco assustada. Aparentemente, nem Deezer, com sua mania de grandeza, sabia explicar o que tinha acabado de acontecer.
— É a benção de Harmos, garoto. Significa que você venceu! – Disse o rei colocando sua mão sobre o ombro do menino, que parecia confuso, mas extremamente feliz ao mesmo tempo. Aria que estava de pé atrás da mesa do júri sentiu-se sentando novamente, com vontade de chorar. Max também sentou-se inconscientemente no chão ao ouvir aquelas palavras. Aria só conseguiu falar novamente quando ouviu a voz do pai a chamando. — Venha aqui, filha. Precisa conhecer seu futuro marido.
— Espere! – Ela gritou quase como um pedido de socorro, o que fez Max olhar novamente para dentro da sala. — Mas e o favorito? O rapaz com quem dancei ontem à noite? Nem tivemos a chance de ouvi-lo e ele, por suas ações no baile, tem tanta chance quanto o senhor Manilow.
— Não vejo porque não! – Disse Deezer para a surpresa de todos dentro da sala, que não sabiam da conversa entre os dois meninos minutos atrás. — Eu também me sinto curioso para saber o que o garoto mascarado pode fazer.
O rei visualizando a situação e não vendo nenhuma objeção para não fazê-lo, pediu ao guarda com a lista que chamasse o garoto do baile. Maxwell entrou no recinto com o rosto coberto pela capa e com o violão pendurado nas costas. Aria e seus pais retornaram aos seus assentos e Deezer ficou de pé ao lado do guarda.
— Muito bem. Pode começar quando quiser. – Ordenou o rei. Max não sabia ao certo o que fazer. Sua apresentação havia sido roubada e ele não tinha preparado nada no lugar. Além disso, teria que ser desmascarado logo depois e mesmo que a luz maluca também brilhasse sobre ele, na mais remota das chances, o rei ainda preferiria que o vencedor fosse um nobre que de fato havia pagado sua inscrição nos testes.
Levou uma das mãos a cabeça para retirar o capuz, revelar seu rosto e acabar com tudo. Suas chances haviam morrido depois da apresentação de Deezer e ele não estava com vontade de ser humilhado por aquele garoto metido. Mas quando estava prestes a tomar sua decisão final, ouviu uma voz dentro da sua cabeça ordenando-o para não desistir. Uma voz grave e estranhamente familiar que lhe deu um arrepio mais forte do que quando teve aquela estranha conversa com Pop sobre as histórias de Hysteria. O calafrio fez com que instintivamente, ele tirasse a mão do capuz e a levasse para posicionar o violão a frente de si. Abaixou a cabeça, sentindo uma energia nova, queimando em seu peito, e colocou os dedos nas cordas. Não conseguia pensar em nada, quase como se estivesse em uma espécie de transe. Traçou seus dedos uma vez pelo violão e sua voz começou a sair.
“Eu estou apaixonado pela garota de quem vivo falando,
Eu estou apaixonado pela garota sem a qual não posso viver,
Eu estou apaixonado, mas estou certo que escolhi um tempo ruim
Para se apaixonar.”
Após cantar as primeiras frases, sentiu a energia queimando ainda mais, obrigando-o a continuar. Uma nova luz, muito mais forte, se ergueu não dos céus, mas do chão sob os pés de Max e o circundava e enchia ainda mais a canção de vida e sentimento. A magnitude da luz era tão grande, que ao atingi-lo tombou o capuz de Max para trás, revelando seu rosto. Os nobres se levantaram e se encurralavam cada vez mais contra a parede, conforme a luz ia enchendo a sala.
Max lentamente terminou a música e a luz foi desaparecendo exatamente do ponto no chão onde havia surgido. O garoto sentiu seus pés retornando ao piso do castelo, mas sem energia suficiente, ele caiu de joelhos no circulo de apresentação. Ele soltou o violão no chão e esfregou os olhos que ainda estavam um pouco embaçados. Aria correu em direção a ele, preocupada.
— Max! – Ela gritou e correu para se ajoelhar ao lado dele. Ele olhou para ela confuso até que sua visão se ajustasse completamente e quando a viu, acariciou lentamente seus cabelos dourados e a puxou para um abraço.
— Isso é um ultraje! – gritou Deezer saindo de trás do segurança. Estava completamente chocado pelo que tinha acabado de acontecer no salão, mas não podia deixar aquilo atrapalhar seus planos. — Os dois já se conheciam, vossa majestade. Ele sabia do desafio antes de todos!
— Isso é um milagre… – Disse o rei, em um tom desacreditado.
— Aria… O que esse menino está fazendo aqui? – A rainha perguntou se aproximando da filha. — Você colocou o nome dele na lista? Profanou as leis dos deuses!
— Mãe, eu fiz por amor! – Aria gritou, levantando-se. Atrás dela, Max também ergueu-se, mas ainda estava confuso demais para dizer qualquer coisa. — Além do mais, você viu o que aconteceu, com certeza Max merece vencer.
— Querida… Talvez Aria esteja certa. – Disse o rei tentando acalmar a esposa. — Eu nunca vi algo assim, esse garoto despertou algo incrível bem na frente dos nossos olhos.
Deezer, em um ataque súbito de raiva empurrou o guarda, fazendo-o derrubar a lista e subiu em cima da mesa onde a família real estava sentada. — Não! Eu não vou permitir que a sua família de sangue ruim estrague tudo outra vez! – Ele gritou apontando para Reed e bateu um dos pés com toda a força na mesa e o barulho criado foi incrivelmente poderoso, como um trovão. Instantaneamente, começou a chover.
Deezer olhou para cima, perplexo com aquela coincidência. Tinha certeza que não tinha causado aquilo, mesmo que todos estivessem olhando para ele. Max se colocou à frente de todos, agora que já se sentia recuperado. — E o que você vai fazer, Deezer? – Os garotos se olhavam, um imaginando se a mudança repentina de tempo foi obra do outro, quando de repente o teto do salão fora arrancado por um vento violento. A família real correu para se esconder, enquanto os dois garotos não ousaram se mover, a não ser por suas cabeças e agora olhavam para o céu escuro e tempestuoso.
Um raio cruzou os céus e atingiu exatamente o meio do circulo de apresentação. Sua força foi tão árdua que fez Max dar alguns passos para trás e Deezer cair de cima da mesa de madeira. O raio lentamente começou a se materializar na forma de um homem alto e forte. Seus cabelos longos e amarelos como a eletricidade emitida por uma guitarra ligavam-se a sua barba curta, da mesma cor. Usava uma armadura simples, colocada perfeitamente em seu corpo e braceletes de ferro nos pulsos.
— Este simples mortal não vai fazer nada. – Ele disse firmemente, e sua voz ecoava de forma grandiosa por todo o salão. — Mas eu vou.
O homem estalou os dedos e uma jaula de ferro apareceu ao seu lado como num passe de mágica. Ele olhou para trás e seus olhos alaranjados caíram sobre a princesa. Ele a levantou nos ares com a força da própria mente e ao estalar os dedos novamente, ele a teletransportou para dentro da jaula. Ao vê-la presa, Max correu e se agarrou as barras de metal que os dividiam.
— Quem é você? – Ele gritou olhando para o homem. — O que você quer?
O rei a rainha estava desesperados em um canto, agarrados um no outro. O guarda havia fugido da sala e Deezer estava assustado e estranhamente mais pálido do que de costume, agachado debaixo da mesa. — Harmos é o meu nome. Acredito que já deva ter ouvido falar de mim. — Max não podia acreditar. Pop sempre teve razão, as lendas eram verdadeiras. Agora ele estava diante de um Deus vivo e aparentemente, nada contente. — A verdadeira pergunta aqui é: Quem é você, menino? O que você acabou de fazer é de fato incrível, e do contrário das luzes que enviei para o albino ali, aquelas não foram feitas por mim.
— Eu não as criei também. Não sei dizer o que houve. – Disse Max, levantando-se e aproximando-se do Deus. — Pelo menos, eu acho que não as criei.
— Isso não diz muita coisa. — Harmos estalou novamente os dedos e Max sentiu seu corpo petrificado, incapaz de se mover. O Deus o ergueu no ar, de modo que seus olhos ficassem na mesma altura. — Talvez eu devesse torturar sua pequena princesa para fazer você falar. Faria você assistir até você resolver soltar essa sua língua.
Os olhos de Max se arregalaram e Harmos fez algumas visões de Aria sofrendo aparecerem na cabeça do garoto. Max tentava fechar os olhos ou desesperadamente mover alguma parte do seu corpo, mas era inútil. Sentiu tudo voltar ao normal apenas quando ele gritou por clemência.
— Pare! Por favor, eu realmente não sei como aconteceu! Eu faço qualquer coisa, mas não a machuque. Se houver algo que eu possa fazer para compensar minha falta de respostas, eu farei.
O Deus o olhou com curiosidade e com uma confirmação de cabeça, Max sentiu seu corpo movendo-se novamente e sendo puxado de volta ao chão pela força da gravidade natural. — Qualquer coisa, é? Nesse caso, existe algo que possa fazer por mim. — Max notou que Harmos sorria pela primeira vez desde que apareceu. — O que acha de ser o meu escolhido?
— Do que diabos está falando?
Harmos tirou um livro da armadura, um que Max não precisou fazer muito esforço para reconhecer. Lembrou-se na mesma hora do dia em que fora expulso do castelo, logo depois que foi encontrado junto de Aria lendo aquela história. Conseguia ver as letras brilhantes na capa com os dizeres “A lenda dos artefatos mágicos”. — Eu vejo que você já sabe do que eu estou falando agora. Bem, vai aceitar ou não?
— Pensei que os artefatos tivessem sido destruídos…
— Eu entendo que esse seja o momento mais inoportuno para dizer isso… Mas não acredite em tudo o que você lê, menino. – Harmos deu um sorriso com um ar quase malicioso e então estendeu a mão em direção a Max, a fim de concretizar o acordo. — Ah, e só para deixar claro, manterei sua amiguinha aqui como incentivo. Caso você resolva dar uma de espertinho e não me entregue os artefatos. Isso se você sobreviver, claro.
Max olhou pensativo para as mãos terrivelmente grandes de Harmos. Sabia que se aceitasse estaria arriscando a própria vida, mas do contrário estaria sacrificando a de outros. Virou o rosto em direção à jaula e viu Aria tremendo, completamente assustada, e vê-la dessa maneira foi suficiente para que ele tomasse sua decisão. Voltou-se novamente para o Deus, com sua raiva transbordando e um dos punhos cerrados, ele levantou a outra mão para apertar a de Harmos.
Suas mãos unidas pelo aperto brilharam consagrando o acordo, tornando impossível voltar atrás. Harmos sorria de uma forma assustadoramente vitoriosa, quase que visionaria. Quando o brilho minguou e suas mãos se afastaram, o Deus rapidamente se teletransportou para uma das cadeiras dispostas atrás da mesa que fora o júri, o que fez Deezer finalmente se levantar e sair da onde estava escondido. Harmos deu uma breve risada vendo o garoto correr antes de se recompor e voltar a falar.
— Muito bem Maxwell Starr, é esse seu verdadeiro nome, certo? – Ele perguntou ironicamente e Max confirmou com a cabeça. — Vamos estipular um prazo. Creio que duas semanas sejam mais do que suficientes.
— Espere, o que? – Max disse surpreso.
— Você terá exatamente duas semanas para me trazer os artefatos. Caso contrário… — Harmos lentamente desviou seu olhar em direção a princesa de maneira ameaçadora e Max entendeu do que se tratava sem precisar de nenhuma explicação. Em seguida, Ele atirou o livro dos artefatos guardado na armadura em direção ao menino. — Leve o livro, será seu maior suporte durante a jornada. Acredito que todas as informações que você necessitará estão ai.
Max apanhou o livro nas mãos e sabia que aquilo era mentira. Todas as informações que ele precisava não estavam ali, já que quando Aria leu a história, ele lembrava de ficar intrigado em muitas partes. — Mas senhor, essa é só uma cópia comum. Como eu vou saber onde procurar?
— Digamos que eu possua uma versão um pouco mais completa dessa história. – Max abriu cautelosamente o livro e viu a verdade. Mapas e diversas outras informações não contidas nas versões mundanas do livro estavam diante dos seus olhos. Ainda assim, percebeu que estava em desvantagem. Havia passado toda a vida na Capital sob os cuidados do velho Pop. Nunca tinha lutado ou enfrentado os grandes perigos do mundo, era apenas um garoto. Com esse pensamento, ele coçou a cabeça de maneira confusa e relutante. — Algum problema?
— Sei que não estou em posição de barganhar, mas… Senhor Harmos, eu nunca lutei. Nem sequer coloquei um pé para fora da Capital durante toda a minha vida. Como poderei enfrentar tamanha missão sozinho?
Harmos ergueu uma sobrancelha, pensativo. O Deus, acima de tudo, queria seus artefatos de volta, e mesmo que quisesse que ele pensasse assim, não podia arriscar que o garoto morresse tão facilmente. Ainda com a expressão séria e fria, ele balançou a cabeça em concordância. Levantou um dos braços em direção a um dos muros do salão, que agora que o teto estava destruído devido à tempestade, não sustentavam nada. Max notou que era o mesmo muro que ele jamais havia terminado de reformar, já que havia sido expulso do castelo.
Rapidamente, com o poder do Deus, o muro novamente tornou-se cimento, como era antes de Max começar a reconstruí-lo. O garoto viu a massa cinzenta sendo arrastada em direção ao Deus e ao mesmo tempo, sua guitarra foi mentalmente trazida junto por alguma força maior que a gravidade. Harmos mentalizou no cimento a forma de homem, grande e forte como um guerreiro. Era uma estátua perfeita em todos os detalhes, tanto que quase parecia viva. Com a guitarra de Max nas mãos, Harmos tocou um acorde que ecoou por toda a sala e deu vida a escultura. O ex homem de cimento lentamente ganhou cores e começou a se mover, começando por abrir seus ferozes olhos verdes, com os quais mirou Max de cima a baixo.
— Ai está garoto. Este é… Bem pode chamá-lo como quiser. Foi criado com o intuito de te proteger na missão. Ele é um bom guerreiro, vai te defender se necessário.
Max aproximou-se do homem, que era muito mais alto do que ele. O estranho tinha uma aparência ameaçadora, mas embora tivesse sido moldado como alguém feroz, no momento ele estava tão perplexo e confuso, que não assustava o garoto. Quando seus olhos se encontraram, Max quase conseguiu enxergar um pedido de socorro, mas eles teriam tempo para conversar mais tarde. — O prazo começa a contar a partir de agora? – Ele perguntou, curioso, e Harmos afirmou que sim.
— Você pode levar quem quiser, se achar digno de confiança. – O Deus disse finalizando as regras. — Agora, diga adeus para sua princesa e vá!
Max confirmou e andou cabisbaixo até a jaula de Aria. Ela pegou com suas mãos trêmulas nas dele e num tremendo esforço, tentou sorrir confiante, mas qualquer um veria o quanto ela estava assustada. Ele esfregou as mãos dela em seu rosto carinhosamente e tentando segurar as lágrimas disse: “Adeus…”, prometendo para si mesmo que a salvaria. Virou-se, chamou o seu guerreiro e recolocando a capa sobre a cabeça, ele saiu do palácio.
— Boa sorte, Maxwell. Que a música o guie até o fim.
Ele deveria ter ido diretamente até a estrada. Deveria ter deixado a Capital, já que seu tempo corria e a cada segundo, diminuía. Mas Harmos havia dito de maneira quase profética que ele não seria impedido de levar as pessoas que lhe eram de confiança. E ele simplesmente não podia ir embora numa jornada mortal, sem avisar ao menos Vinyl.
Enquanto andava até sua cabana, inquieto, notou que a chuva havia parado e encontrou o pequeno anão sentado em frente a porta de sua casa esperando-o com noticias. Inicialmente, o amigo o olhou aliviado por ele estar bem, mas sua expressão mudou assim que ele viu o homem gigante caminhando atrás de Max.
— Max… Quem é esse cara? – Ele disse apontando para o homem. Max atravessou o amigo sem dizer nenhuma palavra e entrou em casa. — Max? Está tudo bem?
— Ele não tem nome, pode escolher se quiser. – Max disse quando voltou com uma mochila de suprimentos. — Nós vamos ter que sair, Vinyl.
— O que? Do que está falando, cara?
Max retirou novamente o capuz para mostrar seu rosto. Estava um pouco sujo por causa da apresentação e da tempestade alguns minutos atrás. Seus olhos estavam marejados com a dor que sentia em seu peito e angustia de, possivelmente, Aria morrer por causa dele. Lembrou-se então da música que havia tocado para ela, e como aquela força que o ergueu do chão o havia feito se sentir. Talvez o estúpido Harmos tivesse razão. Talvez o garoto órfão criado por anões fosse especial no fim das contas. Ele passou o olhar de Vinyl para o homem e de volta para Vinyl e sentiu um sorriso maldoso formando-se em seus lábios.
— Vamos sair em uma aventura, carinha.