Capítulo 54 – Cantiga de Amor (Último Capítulo) – Parte I
Cena 01: Beira do Rio dos Campos.
Agnella está ajoelhada perante Gustavo e Cecília.
Agnella – Por favor, perdoem-me… Como tu falaste, Gustavo, sem nada em troca. A não ser que…
Gustavo – A não ser o quê?
Agnella – A não ser que assim o queiras, meu amor… A não ser que assim o queiras…
Gustavo – Eu não sei se posso…
Cecília – Ela tem razão, Gustavo. (Se dirige a Agnella) Agnella, eu continuo magoada com tudo o que aconteceu… Mas, por mais que os caminhos que tu escolheste seguir em busca de teu amor tenham sido tortuosos, eu consigo, agora, te entender, pelo menos um pouco. Porque também foi por amor que eu deixei minha cidade para seguir um homem que tinha me enganado e enganado a minha família. E foi por amor que eu insisti em dar-lhe uma segunda chance, porque eu também precisava viver isso… Tu podes ter sido culpada, em partes, pela destruição da Igreja, mas só nós sabemos o que é ter nosso próprio interior destruído, o que é sentir-se traída… E é por isso que eu te perdoo.
Agnella se levanta e segura em sua mão.
Agnella – Eu… Não posso te dizer nada. Apenas… Te agradecer.
Cecília – Tu não precisas. Eu faço isso por mim. Assim como eu também te perdoo, Gustavo. Te perdoo porque só assim eu também poderei ficar em paz. Eu não posso voltar a Termes guardando grandes rancores… E, de algum modo, em algum momento, eu precisarei recomeçar. Por isso eu prefiro fazer isso agora. Enterrar aqui, às margens desse rio, todo o sofrimento que eu passei. Fui feliz por um tempo, sim. Eu te amei e não me arrependo disso. Mas eu não posso mais ficar alimentando sonhos impossíveis, não é? Logo eu, que sempre busquei dar os passos certos, de acordo com a realidade que eu podia alcançar… E hoje eu vejo que fui um pouco além disso.
Gustavo – Cecília, eu só quero que saibas que eu te amei também… E que se tudo isso aconteceu foi porque, no final das contas, os meus sentimentos ainda estavam confusos, meus medos ainda estavam ali…
Cecília – Eu não quero mais tocar nesse assunto, Gustavo. Por que não fazes como eu? Enterra essa história aqui, ou joga-a nas águas do rio… Mas não carrega mais isso contigo. Porque, de minha parte, eu não carregarei mais.
Cecília vai à beira do rio. Uma lágrima sai de seus olhos. Ela a “pega” com o dedo, e a “deposita” no rio. Depois, ela passa por Gustavo e por Agnella, entra na floresta, mas olha para trás.
Cecília – Eu espero que vocês tenham me entendido. A partir de hoje, eu não quero ser mais ser vista como um obstáculo à história de ninguém. Estejam livres para fazerem o que quiserem. Quanto a minha história, eu mesma a viverei. Do jeito que eu puder.
Cecília some na floresta. Gustavo caminha em direção ao rio. Agnella fica parada, olhando para ele.
Gustavo – Isso não devia estar acontecendo… Por que, Deus, por que deu tudo errado?
Agnella – Gustavo, tu… Não me disseste se me perdoas…
Gustavo – Será que não entendes, Agnella, que é difícil para mim?
Agnella – Eu tenho certeza de que foi mais difícil para Cecília do que pode ser para ti. Por favor…
Gustavo – Agnella, a primeira vez que eu vivi o amor aconteceu desde o dia em que nossos cavalos se esbarraram na entrada do povoado, até o momento em que eu me deparei com meus sentimentos por Cecília. E com ela eu vivi novas sensações, novas emoções… Mas se eu disser que eu não sinto mais nada por ti, eu estarei mentindo, mentindo para mim mesmo. Só que eu não posso, nesse momento, te prometer nada que eu não me sinto seguro de cumprir, porque… Eu não me sinto seguro para cuidar de outra pessoa…
Agnella caminha até ele e fica ao seu lado.
Agnella – Mas eu só te peço o perdão, Gustavo… Eu terei toda a paciência do mundo para enfim viver meu amor por ti, porém eu não terei forças nem mesmo para voltar a minha casa se não me perdoares…
Gustavo – Se é assim que queres, eu te perdoo, Agnella. Mas agora eu terei que voltar.
Gustavo se vira para seguir em direção à floresta. Agnella o acompanha. Então, ela para de repente.
Agnella – (Apontando para determinada direção) Olha, Gustavo… Olha ali…
Gustavo – O que houve?
Ao lado do lugar de onde foi arrancada a árvore sob a qual estava o tesouro, uma pequenina planta despontava.
Agnella – Está renascendo… A árvore do nosso amor… Está renascendo…
Gustavo – Eu não posso mais ficar aqui. Não posso!
Atordoado, Gustavo corre em direção à floresta. Agnella se dirige à pequena planta e se agacha.
Agnella – Eu sabia… Isso só pode ser um sinal divino. Ainda haverá uma chance para nosso amor, Gustavo. Não importa quanto tempo leve para isso acontecer.
Cena 02: Povoado das Hortaliças. Casa de Inês.
Pero e Inês descem de uma carroça, levando Brás. Adelmo, Simone e Leonor também descem. Eles entram na casa, e acomodam Brás no chão da sala.
Pero – Ainda bem que uma alma boa nos emprestou essa carroça.
Adelmo – Se não fosse por isso, não teríamos conseguido trazer Brás para essa casa.
Inês – É… Rodamos, rodamos, e acabamos voltando para cá. Para o lugar em que fomos infelizes.
Simone – Minha filha, tens certeza de que não queres ir para a minha casa? Eu te ajudarei com o crápula do Brás.
Leonor – Ouve tua mãe. Deve ser horrível para ti passar os dias sozinha, com esse moribundo.
Inês – Muito obrigada, mas eu ficarei aqui. Afinal, não foi aqui que eu vim morar quando casei com Brás? É aqui que eu ficarei, e cumprirei minha sina.
Adelmo – Espero que saibas o que estás fazendo, minha irmã.
Simone abraça a filha, e umas lágrimas caem do seu rosto. Adelmo também a abraça. Leonor faz o mesmo, mas não é um abraço emocionante. Os três saem. Pero vai saindo.
Inês – Espera, Pero. Eu queria, antes, te agradecer. De novo. Por ter me ajudado, mesmo eu não merecendo.
Pero – Eu fiz o que achei ser o correto. Faria o mesmo em qualquer momento de minha vida, com qualquer pessoa. Agora, Inês, eu preciso ir. Tenho que trabalhar. E eu te desejo boa sorte.
Inês – Muito obrigada. Irei mesmo precisar.
Pero se vira. Inês segura sua mão, ele volta e, eles se abraçam. Depois, ele sai.
Cena 03: Igreja del Fiume. Exterior.
Gregório, Valentina, Ottavio, Gustavo e Cecília conversam.
Gregório – Então quer dizer que aconteceram todas essas coisas, apenas enquanto eu estive na casa de meu pai?
Cecília – Sim… O dia está tão agitado quanto os últimos têm sido. Infelizmente.
Ottavio – Minha cara, se isso vale de alguma coisa… Eu também já passei pelo que tu estás passando. Quer dizer, eu também já sofri pela perda de um amor. Mas tu és mais nova do que eu, quando perdi minha esposa, e tu podes reconstruir tua vida, não é mesmo?
Valentina – Escuta o que o senhor Ottavio diz, Cecília. Ainda há tempo para se voltar a sorrir… E por que não começar de agora, não é?
Cecília – Eu agradeço muito a vocês, de verdade. Muito obrigada.
Valentina – (Em pensamento) Eu preciso conversar com Agnella…
Edetto, Giancarlo e Izabella chegam à porta da igreja.
Giancarlo – Tens certeza de que esse teu servo é de confiança, Edetto?
Edetto – Absoluta. Por quê?
Izabella – Por acaso achas que ele nos trairia?
Giancarlo – Não sei, não o conheço. Porém nunca devemos levar ninguém em tão alta conta, não é?
Uma carroça desponta em uma estrada que sai da floresta.
Edetto – Com relação a Luca, eu posso dar-te a minha palavra de que ele nunca me trairia.
A carroça para na frente da igreja. Luca vinha guiando o cavalo, e Marlete vinha deitada, de olhos fixos no baú. Quando o cavalo parou, Marlete se levantou, ainda sem ver onde estava.
Marlete – Mas por que paramos?
Ela se vira para falar com Luca, mas dá de cara com Giancarlo e Edetto, que a pegam, um em cada braço, e a tiram da carroça, segurando-a. Cecília se aproxima deles. Ao fundo, Gustavo aparece, saindo da floresta, e se aproxima aos poucos.
Marlete – (Raivosa) Soltem-me! Soltem-me!
Edetto – Pensaste que irias fugir com o tesouro, não é? Pois estavas totalmente enganada!
Marlete – (Raivosa) Como assim? Luca? Nós combinamos, nós fizemos um acordo! Tu me ajudarias com um colar e com o tesouro, que eu pegaria o outro, e nós fugiríamos daqui! Esse tempo todo tu estavas mentindo para mim?
Luca – Ontem, quando tentaste me seduzir, para me convencer a fugir contigo e com esse tesouro, eu, como um servo fiel que sou, contei a meu senhor o que estava acontecendo.
Edetto – E eu o instruí a fingir que havia caído em tua conversa, para que tu pensasses que teu plano daria certo. E, assim, tu não desconfiarias de que, na verdade, aconteceria o contrário!
Giancarlo – Se já estava claro quem tu eras, Marlete, agora estão mais do que transparentes as tuas intenções e a tua personalidade.
Cecília – E eu sinto pena de ti. Mas, acima de tudo, eu sinto nojo de ser tua prima. Eu não consigo pensar em como pode ter saído alguém tão baixo da família de minha mãe.
Marlete – Tu podes falar o que quiseres, minha prima, que não me atingirás. Eu não me sinto incomodada nem um pouco com as ofensas que tu, uma pessoa absolutamente insossa, tens a capacidade de me dirigir. Eu acho, minha querida, que esse tesouro nunca te serviria bem, nem ao homem que por um tempo pensaste ser teu. Pessoas infelizes são incapazes de gerirem bem qualquer riqueza.
Cecília – Infeliz és tu, sua dissimulada!
Ela dá um tapa na cara de Marlete. Gustavo corre para segurá-la, mas ela consegue se livrar.
Cecília – Invejosa!
Ela dá outro tapa em Marlete. Dessa vez, Gregório também ajuda Gustavo, e Cecília não consegue se soltar.
Gustavo – Para, Cecília!
Gregório – Não é com violência que se resolve isso.
Cecília – Podes me soltar, Gustavo. (Ele a solta) Tens razão, Gregório. Agora, tu, Marlete mereces é desprezo. Eu não quero mais saber de ti em minha vida.
Giancarlo – Tu me decepcionaste, Marlete. Sabes o que fazemos com a parte podre de uma fruta? Jogamos fora! Eu não quero ter-te ao meu lado nunca mais! Tu não fazes mais parte de minha família!
Giancarlo joga Marlete no chão. Ela cai com o rosto na terra. Depois, se levanta.
Marlete – Eu também não faço questão disso. Engole a tua família, engulam esse tesouro! E, se isso muda alguma coisa em suas vidas, eu também sempre tive nojo de todos vocês! Nojo!
Giancarlo – Então some de nossa frente! Some de nossa frente!
Marlete – Adeus, grupos de inúteis, que só sabem pensar pequeno. Eu posso muito bem me virar sozinha!
Marlete entra na floresta, sumindo da vista de todos.
Izabella – Por que tu a deixaste fugir, Edetto? Por que não a prendeste?
Valentina – Perdão, senhor, mas ela é perigosa.
Edetto – Ela nos chamou de inúteis, mas a verdade é que ela não pode fazer nada se ainda quiser possuir esse tesouro. Ele permanecerá bem guardado e bem vigiado. Além disso, nós não devemos demorar para ir embora.
Gustavo – Isso é fato. E, se eu bem percebi, apesar de inteligente, ela não soube agir sozinha. Sempre esteve acompanhada, quer de Brás, quer de Luca. Ela não conseguirá pôr as mãos em seu maior objeto de desejo.
Cecília – Eu só espero que ela encontre um meio melhor de vida… Para onde ela deve ir, se embrenhando na floresta?
Giancarlo – Estando longe de nós, isso é o que importa.
Cena 04: Igreja del Fiume. Ala dos aposentos. Quarto de Cecília.
Giancarlo – Minha filha… Eu sinto muito por ti. Porém eu acredito que sempre tive razão, não é?
Cecília – Agora eu vejo que sim, meu pai. Eu quis tentar viver esse amor, mas Gustavo foi incapaz de se entregar por inteiro… Mas as águas do rio já levaram toda essa história. Eu não quero mais falar sobre isso.
Giancarlo – Eu só não quero que sofras mais… E podes ter certeza, quando chegarmos a Termes, eu faço questão de procurar o homem certo para ser teu esposo.
Cecília – Pai, eu realmente não quero tocar nesse assunto… Mas, antes que o senhor crie tantos planos, eu preciso dizer logo que eu eu não quero me relacionar com ninguém. Não por enquanto.
Giancarlo – Mas minha filha… Tu falas isso porque estás amargurada, machucada pelo que aconteceu. Além disso, o nosso comércio precisará de alguém que cuide dele quando eu me for…
Cecília – Eu posso fazer isso muito bem, meu pai. O senhor pode confiar em mim para isso. Porém se o senhor se sentir mais seguro, faça como bem entenderes com o comércio.
Giancarlo – Cecília, tu me entendeste mal. O nosso comércio é uma tradição de família…
Cecília – Pai, eu quero dizer que eu não desejo um casamento como uma medida desesperada de ser feliz. Eu só peço ao senhor que me permita escolher se e quando eu me tornarei a esposa de alguém. Eu não quero viver eternamente me sentindo desconfortável em uma relação.
Giancarlo – Minha filha, eu percebo que tu precisas ficar sozinha. Precisas pensar… Eu também preciso pensar. Porque a última coisa nesse mundo que eu quero é ver-te triste.
Giancarlo dá um beijo na filha e sai.
Cena 06: Floresta.
Agnella caminha em direção ao Povoado das Hortaliças. Então, ouve um chamado.
Valentina – Agnella, eu preciso falar contigo!
Agnella se vira, e Valentina corre e segura em sua mão.
Valentina – Minha amiga… Eu precisava muito conversar contigo.
Agnella – Mas o que houve?
Valentina – Tu sabes, Agnella… É sobre ti. Eu quero saber como estás.
Agnella – Agora? No meio da floresta?
Valentina – Sim, sim. Já a enfrentamos tantas vezes, não foi? Dormimos aqui, andamos aqui… Por que não conversarmos aqui?
Agnella – Valentina, eu estou voltando para minha casa… Eu tenho que me reconciliar com meus pais. Tu sabes o quanto eu tenho errado, e o que eu causei a toda essa gente.
Valentina – Eu sei, Agnella. Eu sei.
Agnella – E por que tu pareces tão aflita?
Valentina – Porque eu vejo que estás abatida… E eu me preocupo contigo. Fico feliz em saber que estás disposta a consertar teus erros… E é por isso que eu queria te dizer uma coisa. Vai em busca de teus sonhos… Vai em busca de tua felicidade, minha amiga. Não fica presa em ressentimentos, não te restrinja à culpa pelas tuas falhas, se elas já tiverem sido perdoadas… E não importa quantos mares, muros, florestas, rios precisares atravessar para isso.
Agnella sorri e abraça Valentina.
Agnella – Muito obrigada. Por tudo, por todos os momentos em que me ensinaste a lutar, a correr, a fugir quando necessário. Tu te lembras? Meu maior objetivo sempre foi o de encontrar Gustavo, porém me faltaba a coragem… Mas foi ao estar contigo, naquele convento, nessa mesma floresta, naquele navio, que eu vi que podia ir além. E… Se queres saber, minha amiga. Eu aprendi. Eu vou além.
Valentina – Era isso que eu queria ouvir de ti. Só fica atenta… Contigo e com os outros. E eu tenho certeza de que tudo dará certo.
As duas voltam a se abraçar. Uma lágrima cai do rosto de cada uma.
Agnella – Agora eu preciso ir. Até mais, minha amiga.
Valentina – Vai com Deus, Agnella. E boa sorte.
Agnella continua em direção ao povoado. Valentina volta para a igreja.
Cena 05: Igreja del Fiume. Sala de recepções. Minutos depois.
Valentina entra na sala.
Gregório – E então, padre? Bispo? Será que os senhores me liberariam, em definitivo, de minha obrigação enquanto um padre? Digo, eu posso mesmo ir embora com Valentina?
Ricardo – A ideia de fugires com uma serva é bastante incômoda, rapaz. Mas se seu próprio senhor assim o permitiu…
Santorini – Nesse caso, é claro que nós permitimos que você busque uma nova vida.
Gregório – Padre, o senhor não sabe como é bom ouvir essa palavra do senhor…
Ottavio – De qualquer forma, eles ainda podem procurar alguma cidade, caso julguem ser importante. Mas eu queria tanto ter meu filho perto de mim outra vez…
Gregório – O senhor terá, pai.
Valentina – Nós nem ao menos sabemos para onde iremos, a bem da verdade.
Giancarlo entra.
Giancarlo – Por que, então, vocês não vêm comigo?
Gregório – Como? Ir para onde?
Giancarlo – Para Termes, claro. Bem, é um pouco complicado, mas deixa-me explicar: minha filha Cecília passou por uma grande decepção amorosa, e não quer se casar com ninguém. Eu não concordo com ela, e talvez até a faça mudar de ideia, mas no momento eu a entendo. Marlete eu não considero mais parte de minha família. Por isso, eu temo que minha filha não consiga guiar esse negócio de família tão bem se ela estiver sozinha. É claro que eu tenho em Termes pessoas de confiança, sob cujas responsabilidades eu deixei meu comércio enquanto estou aqui. Todavia, ninguém me chamou a atenção quanto vocês dois. Um casal que, verdadeiramente, se complementa. Eu percebi, nos dois, iniciativa, coragem, e, principalmente, inspiração. Por isso, eu pensei comigo mesmo, e agora os pergunto: Vocês aceitam ir comigo a Termes, aprenderem o ofício do comércio? E, quem sabem, também serem meus sucessores quando eu não mais puder trabalhar?
Cena 06: Povoado das Hortaliças. Casa de Enzo.
Enzo, Prudência e Agnella estão na sala.
Agnella – Eu reconheço que errei, não só comigo, mas com os outros, e, pior, com quem eu não deveria, que são o senhor e a senhora… Então, mãe, pai, vocês me perdoam?
Prudência – Mas é claro que perdoamos, minha filha!
Enzo – Agnella, somos teus pais. E, apesar de tudo o que fizeste, a nossa casa é e sempre será tua. Nós só esperamos de ti que nos honre, minha filha…
Agnella – Eu sei, pai. Eu lhes prometo que, enquanto eu estiver com vocês, lhes serei obediente em tudo.
Enzo – Que bom, minha filha… Agora, dê-me um abraço.
Agnella abraça Enzo.
Enzo – Eu temi muito que nós te perdêssemos… Mas, graças a Deus, tu estás de volta. (Ele suspira) Mas, infelizmente, eu preciso sair… Combinei com o Ferreto, nosso vizinho nas terras, de analisar o estrago…
Prudência – Vá, meu senhor. Independentemente do quanto tenhamos perdido com o incêndio, eu tenho certeza de que Deus nos ajudará a nos recuperarmos.
Enzo – Que Ele te ouça! Que Ele te ouça!
Enzo sai.
Prudência – Minha filha, agora que seu pai saiu, eu preciso te falar algo… É que tu és minha filha, eu te conheço desde que estavas em meu ventre… E eu vejo em teus olhos que ainda amas Gustavo. Mas nós já discutimos tanto sobre isso. Já houve tantas brigas, inclusive entre mim e teu pai… No entanto, nós nos reconciliamos. E por isso, Agnella, eu quero te dizer que, no que depender de mim, o teu tempo será respeitado, justamente para que não sofras. Eu convencerei teu pai a não tentar arranjar casamento nenhum para ti, até que chegue o momento em que estejas preparada para isso.
Agnella – A senhora não sabe como eu fico feliz por ouvir isso, minha mãe! Muito obrigada, de verdade. Mas eu também garanto uma coisa à senhora: que a senhora será a primeira pessoa a saber, quando eu estiver pronta para ser feliz novamente.
Elas sorriem. Depois, se beijam e se abraçam.
Prudência – Eu te amo, minha filha.
Agnella – Eu também a amo, mãe.
Cena 07: Igreja del Fiume. Sala de recepções.
Gustavo – (Feliz) Que bom, meu amigo! Gregório, essa é uma ótima notícia!
Cecília – Eu tenho certeza de que tu irás gostar bastante, tanto do lugar, quanto do trabalho de comerciante.
Giancarlo – Eu já falei a ele. É um pouco penoso, mas vale a pena.
Ottavio – E eu sentirei tua falta, meu filho…
Gregório – Muito obrigado, Gustavo. (Ele abraça o pai) Pai, eu também sentirei sua falta. (Vira-se para os outros) Eu já estou começando a ficar ansioso com esse novo horizonte se abrindo para minha vida. Aliás, para nossa vida. Porque eu não existo sem a mulher que me trouxe de volta à felicidade.
Ele puxa Valentina pela cintura e lhe dá um beijo no rosto.
Gregório – Eu só consigo me imaginar em um futuro feliz por causa do que ela fez por mim.
Valentina – Que é isso… Desse jeito eu fico sem graça. Mas eu confesso que, se não fosse por Gregório, minha vida também seria outra. Nós dois somos a prova de que é possível sonhar, e acreditar no sonho, seja ele qual for, ainda que todo um mundo diga não.
Santorini, Ricardo, Edetto e Izabella entram.
Santorini – Interrompemos a conversa de vocês?
Gustavo – Claro que não, padre. O que o senhor deseja?
Ricardo – Na verdade, Gustavo, eu gostaria de lhe avisar sobre o julgamento da irmã, ou melhor, da senhora Francisca. Eu pretendo viajar amanhã cedo para me encontrar com os representantes da Santa Inquisição, e para fazer a denúncia. Eu levarei comigo os artefatos que ainda sobraram daquele ritual demoníaco, para que sirvam como provas. E, como eu já havia dito ao padre Santorini, eu precisarei dos dois como testemunhas do que aconteceu, em um julgamento que, se tudo der certo, deve ocorrer daqui a aproximadamente um mês.
Gustavo – Mas, bispo, será que o senhor não pode ser uma testemunha em meu lugar? Já haveria duas testemunhas, além dos objetos e da própria irmã Francisca, que, pelo modo como agiu ontem, não irá negar nada. Eu… Eu não quero ter que passar por tudo isso novamente. Além do mais, eu estarei longe.
Edetto – Era o que eu conversava com ele. Nós também viajaremos para nossa casa, amanhã de manhã. Já passamos tempo demais longe do nosso feudo.
Izabella – E agora é que eles precisam mesmo de nós…
Ricardo – Bem… Eu irei pensar… Amanhã, antes de partirmos, eu te darei uma resposta. (Ele anda pela sala) Gustavo, e o tesouro? Está tudo bem com ele?
Gustavo – Graças a Deus, sim. E o senhor não precisa se preocupar, porque tudo sairá como foi combinado.
Izabella – De que combinado tu falas, Gustavo?
Gustavo – É um assunto particular entre mim e o bispo. Eu tenho certeza de que ele entendeu. Só que esse assunto me fez lembrar uma coisa. Eu quero dar novos passos em minha caminhada. Não quero mais ser imprudente, inconsequente… Quero fazer as coisas certas. E eu me recordo de uma conversa que eu tive ontem com Gregório e Valentina. Gregório, tu me disseste para fazer diferente de todos que estiveram envolvidos com o tesouro, e para fazer bom uso dele.
Gregório – Sim, sim. Eu me lembro disso.
Gustavo – Pois bem. (Dirige-se a Santorini) Padre, ao ver a destruição que esses saqueadores causaram no povoado, e que as pessoas causaram nessa igreja, eu não pude deixar de ser tocado pela compaixão. Afinal, eu possuo um tesouro, uma grande fonte de riqueza. E eu gostaria de doar uma parte desse tesouro para a igreja e para esse povo, para que tudo isso que foi perdido possa ser restituído por coisas melhores.
Santorini fica emocionado, e abraça Gustavo.
Santorini – Você não sabe, Gustavo, como eu lhe agradeço imensamente por esse ato de compaixão. Não tem outra palavra para isso.
Gustavo – O senhor não tem que me agradecer. Eu estou convicto de que estou fazendo o certo. O restante do tesouro será usado, principalmente, para arcar com os prejuízos causados pelos saqueadores nas terras de meu pai, e para torná-las novamente terras prósperas.
Edetto – Saiba, meu filho, que, acima de tudo, eu me orgulho de ti.
Izabella – Nós nos orgulhamos.
Cena 08: Povoado das Hortaliças. Casa de Pero. Interior. Final da tarde.
Pero está vindo do quarto para a sala.
Pero – Mas quem está batendo à porta assim, de modo tão desesperado?
Ele abre a porta. Se assusta ao ver Marlete, com a roupa rasgada e o corpo arranhado.
Marlete – (Surpresa) Pero?
Pero – Mas o que é isso? Por que estás assim, Marlete?
Marlete – Por favor, Pero, deixa-me entrar em tua casa! Dá-me um pouco de água…
Pero a leva para a cozinha e dá água a ela.
Pero – Mas por que estás assim? O que aconteceu contigo?
Marlete – Isso é uma longa história… Mas eu posso resumir que eu fui rejeitada e escorraçada pela minha família, e que eu passei um perrengue na floresta… No momento, eu estou com fome. Só preciso de ajuda. E de abrigo.
Pero – De abrigo? Tu não irás voltar mais com teu tio e com tua prima?
Marlete – Eu disse que eles me rejeitaram! Que me abandonaram!
Pero – Será que não houve motivos para isso?
Marlete – (De cabeça baixa) Eu reconheço que sim. Porém eu estou arrependida, Pero. Claro, ainda tenho um pouco de orgulho, que me impede de voltar lá e pedir perdão a eles. Mas eu quero recomeçar minha caminhada. Será que tu não podias me ajudar?
Pero – Em que sentido? Eu posso te oferecer agora um pão, mais um copo de água… Mas como eu posso te ajudar a recomeçar?
Marlete – Não sei… Ensinando-me como é ser uma camponesa, dando-me incentivo e proteção… Eu posso ser uma pessoa melhor, Pero. E eu quero começar provando isso. Eu preciso contar algo, a verdade, a uma das pessoas que menos mereceu o que eu fiz até agora.
Continua…