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Cantiga de Amor

Capítulo 51 – Cantiga de Amor (Última Semana)

Cena 01: Igreja del Fiume. Sala de recepções.

Gustavo está imóvel, petrificado. Santorini arregala os olhos e desvia o olhar dos outros.

Santorini – Bispo, eu… Nós… Essa história… Ela não era de conhecimento de ninguém…

Gustavo – Não houve história nenhuma… Não aconteceu nada…

Francisca – Não mintas, rapaz! O próprio padre já confessou a verdade, que foi conivente e que escondeu esse fato das pessoas a quem era de dever saber dele.

Santorini – Eu não fui conivente, irmã. Bispo, o senhor pode me entender. Eu o puni, sim, eu mandei-o para a Guerra Santa para que lá, lutando pela causa divina, ele pudesse expiar seu pecado!

Ricardo – Certo. Porém o senhor sabia que essa não era a melhor atitude a ser tomada. Além disso, padre, pelo que me foi dito, esse rapaz não cumpriu com sua obrigação. Não foi mesmo, Gustavo?

Gustavo – Eu me recuso a dizer alguma coisa.

Francisca – Se negares, será pior para ti. A punição pode ser mais grave…

Gustavo – Eu continuo afirmando! Eu não fiz nada… Responde-me, irmã Francisca, por que a senhora inventou tudo isso para o bispo? Ou melhor, de onde a senhora obteve inspiração para essa história?

Francisca – História, história… Não adianta mais negares. E saiba, rapaz, que eu prezo para que a vontade de Deus e as determinações da Igreja sejam cumpridas. No dia do teu noivado com Agnella, que não deu certo, eu estava na igreja quando tu voltaste. Eu te vi seguindo na direção da sala do padre, e depois vi o próprio tomar o mesmo caminho. Então, eu decidi segui-lo, porque eu percebi que algo sério estava acontecendo. Quando o padre desceu as escadas, eu entrei em sua sala e consegui ouvir a conversa entre os dois. Naquele momento, eu quis dar um voto de confiança a Santorini, esperando que tu, Gustavo, obedecesses às suas ordens. Porém, ao ver-te aqui, de volta, três dias atrás, descobri que a punição não tinha sido efetuada. Por isso, eu fiz, hoje, a coisa certa. Trouxe todos os fatos à luz do nosso bispo Ricardo, e ele concordou que o caso era muito importante. E que os dois merecem ser punidos.

Santorini – E o que isso significa, bispo?

Ricardo – O que o senhor deve saber. Padre, o senhor deve, no mínimo, ser excomungado por sua conduta eclesiástica incorreta. Quanto ao rapaz… O santo tribunal não deve deixar que a transgressão desse rapaz permaneça impune. Caso permaneça negando o fato, e caso seja por isso condenado, ele morrerá.

Gustavo sai correndo da sala, atordoado.

Gustavo – Não!!! Eu não posso morrer… Deus, eu não posso… Perdoa-me, Deus… Não permitas que isso aconteça…

Os outros permanecem na sala.

Santorini – E a senhora, irmã Francisca, me decepcionou bastante. Será que não compreende o significado da palavra compaixão?

Francisca – Sim, padre, eu compreendo. Porém, acima de tudo, eu compreendo o significado da justiça.

Cena 02: Em frente à Igreja del Fiume.

Agnella está andando próximo à floresta. Encontra um grupo de pessoas remexendo na terra.

Agnella – O que vocês estão fazendo?

Giuseppe – Procurando um tesouro, menina. Não ouviste dizer que tem um tesouro aqui, perto da igreja?

Anita – Imagina o bem que ele ia causar a todos nós, que perdemos tudo!

Agnella – Sim! Eu ouvi mesmo. Mas eu ouvi dizerem foi que estava dentro da igreja.

Giuseppe – Dentro da igreja? Quem te falou isso?

Agnella – Quem? É… Não foi ninguém, quer dizer, eu só ouvi uma conversa e eles diziam isso.

Anita – Ah… Foi minha amiga quem me contou esse fato. Ela está procurando ali atrás, junto com o esposo dela. Será que ela ouviu isso também? Vou perguntar a ela.

A mulher sai. Agnella também sai. Anda um pouco, e se dirige a outro grupo.

Cena 03: Nave da Igreja del Fiume.

Um pouco desnorteado, o padre Santorini se ajoelhou ao pé do altar. Seus olhos estavam marejados.

Santorini – Meu Senhor, minha Nossa Senhora… Eu vivi todos os anos de minha vida para minha função… Eu existo para ser um sacerdote teu… Eu tenho a plena convicção de que não errei. Mas o que eu posso fazer? O que eu posso fazer?

Gregório se ajoelha ao seu lado.

Gregório – Padre, eu gostaria de falar com o senhor. É sobre… Sobre minha ordenação. Eu gostaria de ser liberado definitivamente dessa obrigação. Padre… (Ele olha para o padre) Padre, o que aconteceu? Por que o senhor está chorando?

Santorini – Não podem me proibir de ser o que eu mais gosto… De fazer o que dá sentido à minha vida…

Gregório – Padre, o que está acontecendo? O senhor está me assustando…

Santorini – Olhe para mim, meu filho. Olhe! Diga-me: o que farei de minha vida se eu não for mais um padre?

Gregório – Mas por que isso aconteceria? O senhor é um excelente sacerdote! O senhor é um exemplo para todos nós!

Santorini – Essa igreja… Eu me dediquei a ela por tantos e tantos anos! Eu administrei, cuidei, guiei todo esse povo que vive ao redor. Quantas confissões eu guardo comigo até hoje? Quantas crianças eu batizei, quantos casamentos realizei, quantas comunhões celebrei… Mas será que ninguém reconhece isso?

Um barulho principia a ecoar na igreja. O padre Santorini e Gregório olham para trás. Pessoas começam a entrar na igreja, atropelando os bancos, mexendo nas paredes, derrubando bancos.

Santorini – Mas o que está acontecendo aqui? (Grita) Parem com isso! Parem com isso!

Ninguém para.

Santorini – Parece que as pessoas nem dão mais ouvido a minha voz…

Ottavio se junta a eles.

Gregório – Pai, o que houve? Por que essa algazarra toda?

Ottavio – Estão dizendo que o tesouro, aquele tesouro que nem deve existir, está dentro da igreja.

Gregório – Dentro da igreja?

Santorini – Eles precisam parar… Precisamos fazê-los parar…

Gregório – Eu tenho que encontrar Gustavo.

Gregório se dirige à ala dos aposentos.

Cena 04: Igreja del Fiume. Ala dos aposentos. Quarto de Gustavo.

Gustavo está sentado na cama, cabisbaixo. Está chorando. Edetto está ao seu lado.

Edetto – Meu filho, como isso foi acontecer? Por que não me contaste antes?

Gustavo – Eu não podia, pai. Nem poderia estar agora…

Gregório entra no quarto.

Gregório – Gustavo, ainda bem que te encontrei. Tenho algo urgente para falar contigo. Diz-me: onde está o tesouro?

Gustavo – Isso lá é hora de falar de tesouro? Eu não quero saber de tesouro!

Gregório – O que está havendo aqui? Por que todos resolveram chorar ao mesmo tempo?

Gustavo – Eu serei condenado à morte, entendes? À morte!

Cena 05: Igreja del Fiume. Exterior.

Agnella está caminhando em direção a um grupo de pessoas mais distante, quando é abordada por seu pai.

Enzo – O que pensas que estás fazendo, Agnella? Agora tu resolveste sumir a todo instante! Uma hora está no rio, outra hora está passeando na floresta! Onde tu estavas agora?

Agnella – Eu estava na igreja, pai!

Enzo – Tudo bem. Então tu voltarás para lá comigo. Eu não quero mais que saias de perto de mim!

Agnella – E onde está minha mãe?

Enzo – Está na igreja, com Simone, Leonor e seu futuro marido. Eu ainda estou um pouco chateado com ela, mas confesso que ela tem me ajudado bastante a te controlar. Parece que, desde que voltaste daquela viagem, aprendeste a achar que pode tomar conta de tua vida. Pois eu tenho que te dar uma notícia: não aprendeste ainda! Agora vamos.

Cena 06: Igreja del Fiume. Ala dos aposentos. Quarto de Gustavo.

Gustavo – Entendeste agora por que eu estou chorando? Eu serei entregue à Santa Inquisição, e devo ser queimado em praça pública! Agora, por favor, não contes isso a ninguém… Ninguém pode ficar sabendo disso.

Gregório – Meu Deus… Tudo bem, eu não contarei. Eu compreendo o risco que estás correndo. Porém tem uma coisa muito grave ocorrendo na igreja agora, e alguém precisa interferir. Sabe toda aquela gente do povoado, que estava chafurdando o terreno da igreja, em busca do tesouro? Eles entraram na igreja. Estão destruindo tudo!

Edetto – E por que estão fazendo isso?

Gregório – Espalhou-se um boato de que o tesouro estaria aqui, na igreja. Foi por isso que eu te procurei. Gustavo, fala-me: onde tu guardaste o baú que contém a tua herança?

Gustavo – O tesouro está junto com as coisas do bispo, como se fossem roupas dele. Ah meu Deus… Quantos problemas ao mesmo tempo… Coitado do padre… Deus é testemunha de que pelo menos ele não merecia nada disso…

Gregório – (Reticente) Testemunha… (Começa a ficar eufórico) Sim, testemunha! Gustavo, senhor Edetto, precisamos procurar o bispo. Se ele estiver em seu quarto, melhor ainda. Eu acho que tenho uma solução para esses problemas.

Cena 07: Igreja del Fiume. Ala dos aposentos. Corredor.

Edetto, Gregório e Gustavo andam pelo corredor. Gregório e Gustavo, um pouco mais atrás. Estão conversando baixo.

Gustavo – Será mesmo que isso dará certo? Quem somos nós para convencer o bispo a voltar atrás…

Gregório – Mas precisamos tentar, meu amigo. Gustavo… Eu estou me lembrando de uma coisa. No dia em que fomos ao convento, em busca de Valentina, e em que acabamos seguindo alguém que talvez fosse a irmã Francisca… Tu soubeste exatamente onde ficava a porta de saída daquele galpão subterrâneo. Foi por isso… Porque tu já havias estado ali.

Gustavo – Sim, Gregório… Naquele dia… (Ele tem uma ideia) Gregório, meu amigo, eu realmente espero, eu peço a Deus que Ele nos ajude agora. Sabes de uma coisa: quem nos denunciou não quer tanto que a justiça seja feita? Pois então: ela será.

Cena 08: Em frente à Igreja del Fiume.

Inês – Sabes o que eu queria agora, Pero? Eu queria poder descontar em Brás todo o sofrimento que ele me causou. Se eu ao menos soubesse em que quarto na igreja ele está…

Pero – Tu não pensas em meter-se naquela confusão não, ou é?

Inês – Não, não… Mas eu ainda encontrarei uma maneira de me vingar, já que a primeira, a tal viagem para Jerusalém, não deu certo. E só serviu para que ele voltasse mais louco. Tu verás, Pero. Tu verás.

Inês sai. Valentina se junta a Pero.

Pero – Eu tenho receio. Receio por ela. Inês age impensadamente. E Brás…

Valentina – Se Brás ainda for o mesmo que eu conheci, ele não se renderia fácil a uma simples vingança.

Cena 09: Igreja del Fiume. Ala dos aposentos. Quarto de Ricardo.

Ricardo – Eu não estou entendendo… É uma pena, mas vocês dois cometeram muitos erros até hoje. Um fugiu da ordenação com uma serva. O outro entrou em lugares proibidos pela Igreja. Por que eu concordaria com vocês?

Gregório – Bispo, perdoe-me, mas nós conhecemos as regras que seriam aplicadas no tribunal da Santa Inquisição. A palavra de uma única testemunha não teria poder para condenar os réus.

Ricardo – Porém eu também sou testemunha da confissão do padre. Eu os entendo, rapazes, a situação toda é triste, mas eu não posso fazer nada.

Edetto – Bispo, se o senhor me permite… Confie em mim. Eu acho que o senhor pode, sim. Lá fora está havendo uma grande algazarra. As pessoas estão destruindo a igreja por causa de um tesouro… Um tesouro que pertence a minha família… E que está com o senhor.

Ricardo – Comigo? (Ele entende) Então esse baú que o senhor pediu-me para guardar é um tesouro? Mas qual a relação desse tesouro com o caso de seu filho?

Gustavo – (Agoniado) Nós precisamos retirar, urgentemente, esse baú daqui. Se nós conseguirmos mantê-lo a salvo, em outro lugar… Bispo, eu posso… (Tom de súplica) O senhor poderia aceitar uma parte do que está contido nele como uma expiação do meu pecado… Do pecado que eu reconheço ter cometido.

Gregório – O senhor entende… Seria uma doação para a igreja. Com a confissão de Gustavo, se esse caso for mesmo para os tribunais da igreja, ele teria mesmo que pagar uma multa, não é?

Ricardo – E se eu aceitasse… Como tiraríamos esse grande baú daqui, sem que ninguém notasse?

Gregório – Pelo quarto do padre. Foi por lá que eu fugi no dia em que eu deveria ter me ordenado.

Cena 10: Lateral da Igreja del Fiume.

O lugar está vazio. De repente, alguns tijolos da parede da igreja se mexeram, e dela surgiram quatro pessoas, carregando consigo um baú.

Gustavo – Pensei que não conseguiríamos. Na hora em que nós entramos no quarto do padre, eu pude ouvir a algazarra chegar ao local.

Edetto – Parece que não tem ninguém aqui.

Gregório – Será que estão todos dentro da igreja? Como não deve estar o padre agora?

Ricardo – Nós tiramos o baú de meu quarto, nos apertamos na parede. Onde o colocaremos, então?

Gregório – Em uma clareira, no meio da floresta. Eu sei o caminho até lá.

Cena 11: Igreja del Fiume. Meia hora depois.

Com aspecto frustrado, as pessoas começam a sair da igreja.

Santorini – (Chorando) Até que enfim, meu Deus, até que enfim… Mas olha o estado em que está essa igreja… (Olha para cima) O que eu fiz foi tão grave assim, Deus, foi tão grave assim?

As pessoas começam a se juntar, formando um círculo de conversa.

Ottavio – O que será que vai acontecer agora? Será que eles vão voltar para cá? O senhor precisa impedir, padre! Somente o senhor tem autoridade sobre essa gente toda!

Santorini – Talvez tenhas razão. Eu irei até lá.

O padre se dirige ao grupo. Um homem sai de lá, com uma expressão aflita.

Santorini – O que vocês irão fazer? Já não acham demais a destruição que causaram na casa do Senhor?

Homem – Nós não iremos mais causar destruição nenhuma, padre. Na verdade, agora que paramos para refletir, percebemos como estivemos muito errados. Fizemos tudo de cabeça quente. Nós… Nós queremos reparar esse erro. Se houver uma maneira de consertarmos os estragos que causamos…

Santorini – Mas assim? De uma hora para a outra? Os bancos estão quebrados, nossos santos estão destruídos… Os quartos até que sofreram menos, mas o que vocês poderão fazer? Em certa medida, eu entendo o que os tentou hoje, pois suas casas também foram destruídas e suas lavouras foram queimadas. Porém a desgraça que todos causaram aqui é injustificável! E irreparável nesse momento.

Homem – Então nós voltaremos para nossas casas. Dormiremos no chão, no frio, ao relento. Nós, nós sofreremos todos esses dias, e todos os dias nós estaremos aqui, rezando os terços que forem precisos, e consertando o que for possível…

Santorini – Não sei se essa é a melhor atitude a tomar, meu filho.

Homem – Nós estamos dispostos a isso, padre. E o senhor não nos demoverá dessa intenção. Porém estamos prontos para receber qualquer punição que o senhor julgue ser justa.

Santorini – (Fala para si mesmo) Eu não sei se ainda posso punir alguém por algo… Vão para suas casas, se é isso que vocês querem.

O homem deixa o padre de lado e se junta novamente aos outros. Pouco a pouco, as pessoas que destruíram a igreja começam a tomar o caminho do Povoado das Hortaliças.

Cena 12: Em frente à Igreja del Fiume.

Agnella – Não era para isso ter acontecido… Eu não queria…

Adelmo – O que disseste, Agnella? Tu não querias? E tu tinhas algo a ver com toda essa tragédia, por acaso?

Agnella – Eu? Claro que não… Nada… Foi só um modo errado de expressar-me…

Enzo – Sabe o que eu acho? Eu acho que nós também deveríamos voltar para nossas casas.

Prudência – Mas por quê? Nós nem estivemos envolvidos nessa confusão!

Enzo – Não importa. Não há condições para ninguém permanecer aqui. E eu acho, inclusive, que nossa filha deveria ir contigo, Adelmo. Agnella, eu já estou farto de te ver perambulando por aí, provavelmente atrás daquele filho de senhores feudais. E olhe que havia nos dito que o havia esquecido! Está na hora de te juntares ao teu quase esposo!

Leonor – O senhor está falando em dormirem juntos?

Enzo – Pode ser. Depende de suas vontades. Eles ainda não casaram, é verdade. Mas o padre já abençoou essa união. Além do mais, esse casamento deve ocorrer muito em breve.

Simone – Eu acho que o senhor tem razão… Não é uma prática tão comum, mas… Deverá ser tão ruim para eles se tiverem que ficar no chão frio e duro. Um casal em bodas merecia um conforto um pouquinho maior, o senhor não acha?

Prudência – Nós poderíamos perguntar ao padre. Ao que parece, os quartos não foram tão arrasados. Quem sabe não há ao menos um lençol que ele nos permita levar?

Adelmo – Bem, se o senhor Enzo está autorizando, e se o padre assim o permitir… Essa noite será especial para nós, Agnella. Tu entenderás que sou eu quem te ama de verdade.

Agnella – Mas eu não irei dormir com ninguém! Eu quero, sim, eu quero mesmo é ficar com Gustavo!

Enzo – Agnella, já está decidido! Tu irás com Adelmo, e irás esquecer essa tua obsessão por Gustavo! Entendido?

Cena 13: Nave da Igreja del Fiume.

Santorini – Aqui está. O único que sobrou. E digam a vossos filhos que tenham juízo.

O padre Santorini entrega um lençol a Prudência, Simone e Enzo, que saem. Ele, então, se agacha sobre um dos bancos da igreja, que foi quebrado.

Santorini – Quanta destruição, meu Deus… E pensar que é assim que eu irei me despedir do meu sacerdócio… Tão melancolicamente…

Gustavo e Ricardo se aproximam.

Ricardo – Padre, o senhor não irá mais precisar se despedir da batina.

Santorini – (Se levanta, um pouco atordoado) O senhor fala sério? O senhor voltou atrás? Foi a irmã Francisca? O que aconteceu?

Ricardo – Digamos, padre, que foi encontrada outra maneira de expiar os seus erros.

Santorini – Eu não estou entendendo… Que maneira foi essa?

Gustavo – Padre, nós ainda precisamos explicar algumas coisas ao senhor. Mas o senhor pode ficar tranquilo, porque, graças a Gregório e à compreensão do bispo Ricardo, nós não iremos à Inquisição.

Santorini – (Exultante) Que bom! Que bom… E eu já estava achando que tudo tinha sido culpa minha… O senhor entendeu, não foi, bispo? Eu não errei em minha conduta.

Ricardo – Sim, sim. De certa forma, eu entendi.

Gustavo – Padre, eu agora tenho um assunto muito sério para tratar com o senhor e com o bispo. Talvez toda essa desventura, esses infortúnios não tenham sido um castigo aos nossos erros.

Santorini – Do que tu estás falando?

Gustavo – O senhor e o bispo irão entender o que estou falando. Para isso, é preciso acreditarem e confiarem em mim. Por causa justamente dessas experiências arriscadas, naquele lugar ao qual eu não deveria ter ido, acabei descobrindo coisas muito mais comprometedoras… Das quais somente agora me dei conta. E eu gostaria que os senhores vissem-nas por conta própria. Hoje à noite.

Cena 14: Noite.

Gustavo, Santorini e Ricardo estão entre a igreja e o convento. A lua está cheia.

Santorini – (Sussurra) Tu não explicaste direito por que estamos aqui…

Ricardo – (Sussurra) E esses lampiões? Qualquer que seja tua intenção em manter-te escondido, ela não é auxiliada por essa luz!

Gustavo – (Sussurra) Precisamos correr os riscos. Mas, se nos mantivermos afastados, deve dar certo. E, por favor, precisamos ficar em silêncio para ouvir o que deve acontecer em pouco tempo.

Eles se calam. Permanecem calados por alguns momentos, até que ouvem um som quase imperceptível de uma porta se fechando, vindo do convento. Depois, ouve-se sons de passos. Cuidadosamente, Gustavo começa a segui-los. Os passos – e a luz de lampião que está com eles – entram na floresta. Ricardo e Santorini acompanham Gustavo, que também entra na floresta, procurando ser o mais silencioso possível. O som e a luz continuam a se afastar, entrando cada vez mais na mata fechada. Ainda assim, Gustavo os percebe. Até que eles parecem parar. Gustavo para. O bispo e o padre o alcançam.

Ricardo – (Sussurra) Ufa! Meu rapaz, eu não estou mais em idade para aventurar-me por aí.

Gustavo – (Sussurra) Shh! Silêncio! Venham, talvez estejamos perto.

Gustavo volta a andar em determinada direção, sendo “escoltado” pelos dois senhores. Até que eles avistam uma clareira que fica ao pé da montanha. A luz da lua permite ver um bocado de gravetos no chão, rodeados por lenha. Os gravetos começam a pegar fogo. Uma pessoa, que está de costas para os três, parece estar atiçando para que a lenha vire fogueira. Quando o fogo começa a queimar a lenha, a pessoa se levanta, dirige-se até o pé de uma árvore, e desenterra uma pequena panela. Ainda de costas, ela volta e coloca a panela sobre o fogo. Ela busca um livro que está ao seu lado, e lê algo nele. Depois, pega um vasilhame que estava junto do livro, e derrama seu conteúdo – que parece serem folhas e algum líquido – na panela. Um aroma envolvente começa a subir. Depois, no mesmo lugar de onde tirou a panela, a pessoa pega uma pequena estátua e a põe do outro lado da fogueira, sobre uma pedra alta, de frente para Gustavo, Ricardo e Santorini. A luz da fogueira ilumina seu rosto.

Santorini – Eu não posso mais ficar aqui. Essa cena… Ela me dá repulsa!

A pessoa mexe a panela, e a retira do fogo. Então, pega a estátua e, rindo alto, passa a dar voltas em torno do fogo. Até que, de repente, joga a estátua no fogo.

Ricardo – Isso tem que acabar agora!

O bispo sai da floresta, onde se escondia, e entra na clareira.

Ricardo – Irmã Francisca! A senhora foi pega em flagrante e será levada às supremas cortes da Igreja para ser julgada por ser uma praticante de bruxaria!

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