Capítulo 5 – Agridøcє
Agridøcє
Cliquei em enviar, fechei o notebook e encostei a cabeça novamente na parede, fechei os olhos e esperei que Joy voltasse e levasse seu irmão sorridente embora. Já era ruim demais ter que lidar com garotos do lado de fora, com uma multidão de pessoas em volta, lidar com um garoto dentro do meu próprio quarto, sozinho, era quase pavoroso. Não sei quanto tempo passou, mas acho que tempo demais, até que Joy abriu a porta.
— Bora, Rylan! — Chamou.
— Vamos. — Pude ouvir seus pés tocando o chão. — Não quer mesmo vir?
— Não. — Respondi sem abrir os olhos.
— Vem com a gente, Wendy! — Abri os olhos, surpresa com o convite.
— Não vou a festas.
— Ela não vai a festas. — Rylan respondeu ao mesmo tempo que eu.
— Como assim, não vai a festas? Tipo nunca? — Ela pareceu surpresa.
— Nunca. — Eu e Rylan respondemos juntos.
— Por quê? — Ela me encarava curiosa.
— Ela não bebe, não fuma, não sabe conversar direito com as pessoas, não tem por que ir a festas. — Rylan respondeu por mim.
— Você é estranha. — Ela comentou.
— Eu sei. — Rylan e eu respondemos juntos.
— Bom, então vamos. — Joy pegou sua bolsa vermelha, jogou-a no ombro e saiu com Rylan logo atrás.
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Duas semanas extremamente longas já haviam se arrastado, mas parecia que já estava ali há alguns meses. Caminhei para o refeitório como todos os dias, para encontrar Ally, Lucy e Ralph. Abri a porta e olhei para a segunda mesa a direita, onde costumávamos nos sentar, quando parei em choque.
Ally estava sentada na cadeira de frente para a porta do refeitório, Lucy de costas para mim e Ralph sentava na cadeira ao lado de Ally, deixando assim, uma cadeira ao lado dele livre, como sempre. Mas, não foi isso que me chamou à atenção, foi Ally. Ally e seu cabelo. O cabelo de Ally estava cortado bem acima dos ombros, em uma forma reta, igual ao de Lucy, havia uma longa franja jogada pro lado, cobrindo um pouco dos olhos. Pisquei uma vez. Depois mais uma. Na terceira já estava chorando. Me virei e sai do refeitório sem que eles me vissem.
Caminhei meio sem rumo à direita do prédio refeitório. Na última semana Ally estava visivelmente diferente, não atendia minhas ligações, demorava para responder minhas mensagens, isso quando respondia. No final de semana quando fomos para casa, ela passou o final de semana todo grudada no celular e quis voltar para a Universidade assim que o dia amanheceu no domingo. Mas, cortar o cabelo? Tanto eu quando Ally sempre gostamos dos nossos cabelos iguais, ás vezes, quando o cabelo de uma crescia mais rápido do que o da outra, nós cortávamos os cabelos para que ficassem do mesmo tamanho. Já foi um choque quando ela apareceu com o cabelo pintado de preto, mas agora aquele corte. E nem me avisou. Meus olhos encheram de lágrimas mais uma vez.
Passei a mão pelos meus cabelos levemente ondulados que caiam até a metade do abdômen. Respirei fundo. Encostei perto do prédio refeitório e me sentei. A fome já havia ido embora. Encostei a cabeça na parede, puxei as pernas para perto e abracei meus joelhos, fechando os olhos.
O sol morno atravessava minha regata, acariciava meu rosto e meu pescoço. Me encolhi mais um pouco e deixei que as lágrimas limpassem meu rosto. Tudo isso era tão frustrante! Frustrante. A minha palavra do momento, tudo naquela Universidade era frustrante! Minha colega de quarto estranha, seu irmão sorridente, minha irmã gêmea idêntica, que já não era mais tão idêntica assim, o tal Ralph e seus olhos negros desconfortáveis, a amizade entre Ally e Lucy que parecia estar maior a cada dia, minha dificuldade em conseguir fazer amigos. Frustrante! Muito frustrante! E da mesma forma que eu não sabia lidar com milhares de coisas, descobri que não sabia lidar com aquilo também.
— Ei, moça do esbarrão! Sentada aí enquanto servem burritos no refeitório, qual seu problema?
Abri meus olhos e virei um pouco à cabeça para encarar o dono da voz. Neytan caminhava até mim com um pratinho de burritos nas mãos. Ou seria Nicholas?
— Estou sem fome. — Sussurrei, passando os pulsos no rosto para limpar as lágrimas.
— O que foi? Estava chorando?
— Não.
— Você é uma péssima mentirosa. — Ele deu um sorriso torto.
— Eu sei. — Abaixei a cabeça e pus entre os joelhos.
— Quer um? Estão uma delicia! — Quando ele se sentou ao meu lado, o cheiro invadiu minhas narinas.
— Vou aceitar, obrigada. — Levantei a cabeça e peguei um burrito no prato.
— Depois de quase ter me derrubado na semana passada, nunca mais te vi! — Ele sorriu.
— Exagerado. — Murmurei.
— Eu sei. — ele abriu mais o sorriso. — Wendy, né?
— Sim. — suspirei, mordisquei um pedaço do burrito, envergonhada demais para perguntar qual era o seu nome certo.
— Nicholas. Caso não se lembre. — Ele riu.
— Obrigada. — Murmurei, mordiscando mais um pedaço.
— Ei, você sabia que tem uma cópia sua andando pelo campus? — Ele riu.
— Sim. Irmã. Gêmea.
— Que maneiro! — Ele se arrumou, de modo que ficasse sentado de frente para mim. — Vocês parecem irmãs, mas não gêmeas, pelo menos não agora.
— É, eu sei.
— Então, por que estava chorando?
— Eu não estava. — Olhei para o meu burrito para não ter que o encarar.
— Achei que já tivéssemos concordado que você é uma péssima mentirosa! — Ele riu, jogando os longos cabelos para trás.
— Desculpe. — Enfiei o último pedaço do burrito na boca.
— Desculpada. Mas e então, o que pegas?
— Nada. — suspirei. Nicholas estendeu o prato para que eu pegasse mais um burrito. — Obrigada.
— Troco o burrito por sua informação. — Ele sorriu.
— Irmãs gêmeas são complicadas. — Dei de ombros.
— Queria poder dizer que entendo, mas não tenho a mínima ideia de como é ter um irmão gêmeo, na verdade, não sei nem como é ter um irmão.
— Bom. — suspirei. — É complicado, principalmente quando vocês entram na faculdade e sua irmã gêmea começa a agir de forma estranha, até que um dia você entra no refeitório e ela cortou o cabelo sem nem ao menos te avisar.
— Uau. Isso é realmente chato! Mas essa é a frase mais longa que escutei você dizer até agora. — Ele riu.
— Chato. — Concordei, mordendo um pedaço do burrito.
— Bom, não querendo me intrometer, nem nada do tipo. Mas, a Universidade é um lance pra ser novo, diferente, inesquecível, sabe? Talvez, só talvez, sua irmã queira ter uma “identidade própria”, afinal, vocês são irmãs gêmeas, não a mesma pessoa. Não precisam se vestir igual e terem o mesmo comportamento.
— Eu sei, isso só torna as coisas mais frustrantes. — frustrante. — Ally sempre foi mais independente, sempre quis ser conhecida como Ally, só Ally. Eu, bom, eu… — suspirei. — Eu sempre fui totalmente dependente da Ally, sempre preferi ser reconhecida como a irmã gêmea dela, como se fossemos um pacote só. Não sei lidar comigo, sozinha. Não ser mais um pacote é estranho.
— Queria poder dizer que entendo. — Ele mordeu seu burrito e me encarou, pensativo.
O encarei pelo canto do olho, Nicholas era pouca coisa mais alto que eu, tinha longos cabelos negros e lisos que pendiam até os ombros, olhos de um castanho com riscos de verde que ali no sol, ficavam uma mistura brilhante e chamativa. Tinha lábios carnudos e uma pele bronzeada, ombros largos e um porte atlético.
— Me analisando? — Perguntou, sorrindo.
— Hm. — Pigarreei, mordiscando meu burrito.
— Você é bonita. — Ele comentou.
— Você também. — Fixei meus olhos no burrito, senti minhas bochechas corarem.
— Vai ter uma festa, hoje à noite. Aniversário do time de futebol. Quer ir? — Ele botou seu último pedaço de burrito na boca e me encarou enquanto mastigava.
— Não vou a festas. Nunca. E sei, sou estranha. — Comi meu último pedaço de burrito também.
— Você é tão estranha que chega a ser fascinante! — Ele riu.
— Vou aceitar como um elogio. — Estiquei minhas pernas, me preparando para levantar.
— Posso te levar até sua próxima aula? — Ele levantou e esticou a mão para me ajudar, eu apoiei a mão na parede e levantei, recusando sua mão.
— Hm. Acho que sim. Não sei. — O encarei.
— Vou aceitar como um “claro Nicholas, muito gentil da sua parte”. — Dessa eu tive que rir, e ele me acompanhou, em uma risada deliciosamente arrastada.
Caminhamos devagar um ao lado do outro para o prédio quatro onde eu teria minha próxima aula, não voltamos a conversar, mas pude ver pelo canto do olho que Nicholas me analisava. Tirei meus cabelos de trás da orelha e deixei que caíssem no meu rosto. Senti minhas bochechas esquentarem.
Paramos em frente ao prédio quatro, Nicholas se virou para mim e me encarou, eu encarei o chão.
— E um café? — ele perguntou, e eu o olhei sem entender. — Já que não quer ir à festa, que tal tomarmos um café?
— Acho que tenho que, hm… Estudar.
— Acha que tem que hm… Estudar? Ah, Wendy! Hoje é sexta! — Ele botou as mãos no bolso da calça.
— Eu sei. Mas tenho que estudar, mesmo assim.
— Seria mais bonito dizer que não quer sair comigo. — Ele jogou a cabeça para trás, para conter os cabelos que caiam nos olhos.
— Eu não disse isso.
— Mas foi o que pareceu.
— Hm. — Abaixei a cabeça sem graça.
— As 20:00? — Pude sentir que ele sorria.
— Ok.
— Qual seu dormitório?
— Leste.
— Fechado. Estarei na porta do dormitório leste ás 20:00. — Ele sorriu.
— Ok. — Sussurrei.
— Ok. — ele passou a mão nos cabelos e se virou com um sorriso, começou a caminhar. — As 20:00! — gritou por cima do ombro.
— Ok. — Sussurrei, enquanto entrava no prédio quatro.
- Capítulo 6 – Dia 08/01.
Gostei muito desse capítulo, estou ansioso para o que estar por vir! Beijos