Capítulo 5 – A Ilha
Passamos o restante do dia sem nos falarmos. Na realidade não me fez nenhuma falta. Foi algo até conveniente. Não estava querendo falar com ele mesmo. Só não estava gostando muito de ver meu coração acelerando toda a vez que ele se aproximava. O que seria isso? Será que minha raiva por ele é tão grande que eu chego a ficar nervosa quando ele se aproxima?
Na manhã seguinte fiquei surpresa de ver que Richard já estava acordado. Ele estava juntando um amontoado de galhos e folhas e fazendo a maior bagunça. Tive que quebrar o silêncio.
– O que você está fazendo? – já fui perguntando.
– Você não quer que eu saia da sua casa logo? – ele nem olhou para minha cara – Então? É exatamente o que eu estou fazendo. Estou separando material para construir minha própria casa.
– Fala sério! – olhei com cara de descrença.
– Nunca falei tão sério na minha vida! – ele continuava sem olhar para mim.
– Então pelo menos escolhe direito! – comecei a separar alguns galhos – Estes daqui vão quebrar na primeira topada que você der.
– Não precisa fazer nada por mim! – desta vez ele olhou para mim e tomou os galhos da minha mão.
– Eu só estava querendo ajudar! – fiz uma careta.
– Você me ajuda ficando longe de mim! – ele voltou a desviar o olhar.
– Você me ajuda ficando longe de mim! – o imitei deixando a voz bem pesada.
– Deixa de ser palhaça, Susi! – ele gritou.
– O palhaço aqui é você! – devolvi o grito.
– Vocês ainda estão nessa de ficarem brigados? – Lila apareceu – E depois eu que sou a infantil. O café já está pronto!
– Podem ir sem mim. – Richard amarava alguns galhos com cipós – Eu já comi algumas frutas por aí. Não estou com fome.
– Aqui o café não seria muito diferente mesmo. – fiz como quem pouco se importasse com a presença dele.
– Lila, você podia tentar fazer um pão qualquer dia desses. – Richard soltou a pérola.
– Pão, Richard? – quase gritei – Você quer comer pão? Você acha mesmo que nesta selva tem de tudo?
– Susi – Lila interveio – deixe o Rich sonhar um pouquinho!
– Mas é sério! – ele estranhou – Achei que vocês fizessem pão uma vez ou outra. Com tanto trigo atrás da ilha.
– Espere um minutinho! – fiquei intrigada – Do que você está falando?
– Da plantação de trigo! – ele respondia como se fosse a coisa mais óbvia do mundo – Vai me dizer que nunca foram na parte de trás da ilha?
Imediatamente Richard nos levou até o local onde ele viu a tal plantação de trigo. Era um pequeno monte, do qual eu já havia passado e subido algumas poucas vezes. E nunca, em nenhum momento, encontrei plantação de trigo por ali. Mas Richard me mostrou algo que eu jamais havia reparado antes. Uma passagem escondida!
Fiquei completamente sem palavras com a revelação. Dois anos rondando toda aquela ilha e nunca havia encontrado aquela passagem. Ela estava escondida em meio às pedras e plantas, mas estava lá para quem quisesse ver.
– Como você descobriu isso? – perguntei – Estava certa de que tinha rodado toda a ilha. Achei que essa parte não passava de um monte de pedras que havias deslizado do alto daquele rochedo.
– Eu estava tentando arrancar aquele galho grande ali, tropecei e cai. – ele falava com uma naturalidade que me assustava.
– E você viu até onde ela vai? – a curiosidade invadiu meu ser – Encontrou algo de interessante?
– Olha isso aqui! – Richard tirou a camisa e mostrou um arranhão consideravelmente grande nas costas e depois nos cotovelos – Me arrebentei todo nessas pedras. Fui procurar um lugar para me lavar e segui de volta para casa.
– E nós estamos aqui esperando o quê? – Lila fazia uma excelente pergunta.
– Não estamos esperando absolutamente nada! – respondi já tomando a liderança da “excursão”.
Fui esquivando das pedras e logo avistei, não muito de longe, uma imensa plantação de trigo. Era algo totalmente inexplicável. Trigo e mais trigo como eu nunca tinha visto antes. E mais inexplicável ainda era o que vinha depois. Vários morros, montes e montanhas até perder de vista. Uma imensidão verde muito maior que a própria ilha. Era impossível. Não fazia lógica nenhuma.
– Isso aqui era para ser no máximo uma caverna! – estava de boca aberta – Não tem condições alguma disso aqui ser parte da ilha.
– Mas é real! – Lila também estava espantada – E eu estou ficando com muito medo.
– Medo do que? – Richard parecia achar tudo normal – Vocês não vivem dizendo que já estão aqui faz dois anos e nada aconteceu?
– Vocês uma vírgula! – Lila não tirava os olhos dos montes – A Susi que sempre diz isso. Eu nunca confiei plenamente na nossa segurança nesta ilha. Ainda mais depois daquelas pegadas enormes.
– Pois desta vez eu também estou com medo! – admiti.
– Ainda não consigo entender! – Richard coçava a cabeça.
– Vem aqui Richard! – o puxei pelo braço.
Voltei para a entrada da passagem e subi o monte até o topo com o Richard. Ele precisava ver com os próprios olhos para entender o motivo de tanto medo.
– Olha bem para esse lugar! – apontei em direção ao mar – Olha o tamanho disso. Agora me diga, tem alguma condição de todo aquele universo caber dentro disso aqui?
O monte não era assim tão alto e ele ficava bem próximo à baía da ilha. Era totalmente impossível que existisse algo ali dentro. Pelo menos não com toda aquela proporção.
– Realmente – Richard começava a entender – Não faz sentido algum.
– Estou te dizendo! – começava a descer o monte – Não faz sentido algum.
– Que lugar é esse? – Richard coçava a cabeça – Uma ilha que nem está no mapa! Será que morremos e estamos em um tipo de universo paralelo?
– Pode ter certeza que não! – tive que fazer força para soltar essas palavras – Se isso fosse um universo paralelo nós teríamos pelo menos mais duas pessoas com a gente.
– Entendo! – Richard baixou a cabeça – Sinto muito.
– Tudo bem. – dei um sorriso torto – De qualquer maneira essa ilha tem algo fora do comum. Estou começando a achar possível aquele papo de sobrenatural que você falou quando chegou.
– E o que pretende fazer? – Richard parecia apreensivo – Pretende explorar o lugar?
– Honestamente? Não sei. – confessei – Isso é tudo muito estranho. Não sou de me acovardar facilmente, mas estou tendo um péssimo pressentimento sobre esse lugar.
– Acha que a tal criatura que deixa aquelas enormes pegadas pode se esconder ali? – Richard tentava me alcançar, mas não tinha ainda o costume de subir e descer montes e morros.
– Eu já não sei de mais nada. – suspirei fundo.
Voltamos ao “mundo perdido” para buscar Lila, mas ela não estava mais lá. Então resolvemos voltar para casa. Richard queria explorar o lugar, mas eu definitivamente não estava gostando nada da ideia de voltar ali seja para o que for. Mas é claro que eu seria obrigada a voltar.
– Lila? – Richard chamou enquanto entrava em casa – Resolveu seguir o meu conselho e fazer pão?
O silêncio era apavorante. Agora eu não desconfiava, eu tinha certeza de que algo de ruim havia acontecido.
– Ela não está na cozinha? – perguntei já sabendo a resposta – Lila?
Subi para o quarto e ela não estava por lá. Olhei pela janela e ela também não estava ao redor. Não estava querendo acreditar que ela desapareceu naquela imensidão escondida em um monte, mas eu sabia exatamente que era por lá que eu deveria procurar.
– Está pensando o mesmo que eu? – Richard perguntou quando me viu descendo.
– Estou! – fui seguindo para a porta – E não gostei nada disso!