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Recomeçar

Capítulo 4 – Recomeçar

RECOMECAR04CENA 01. AVENIDA. CARRO DE KADU. EXT/INT. DIA.

Continuação imediata da última cena do capítulo anterior. Na calçada, Júlia está agachada, depois que a sacola rasgou e as frutas caíram no chão. Olha para Kadu, que acaba de chegar e oferecer ajuda.

KADU: – Essas sacolinhas são muito vagabundas mesmo, se rompem do nada/

JÚLIA: (corta) – O que você faz aqui? (acaba de recolher as frutas)

KADU: – Estou te oferecendo ajuda com as sacolas, por quê? Vamos, eu te dou uma carona, te levo em casa.

JÚLIA: – Não, obrigada. Nem te conheço direito… Vou pegar um táxi.

KADU: – Deixa de ser teimosa. Eu não vou oferecer duas vezes. (saindo, parando na porta do carro, crente que ela vai aceitar)

JÚLIA: – Tá bem, tá bem, eu aceito. Mas só porque tô com muita pressa. Preciso deixar essas compras em casa e depois voar pro trabalho, tem uma festa pra fazer, mil coisas pra dar conta… (colocando rapidamente as compras no banco traseiro e entrando no carro) Ipanema.

KADU: (gaiato) – Meus Deus! A garota de Ipanema! Não posso crer.

JÚLIA: – Hehe, engraçadinho. Era pra rir?

KADU: – Foi mal aí, não faço mais.

Kadu sai com o carro. Corta para:

CENA 02. EXTERNA CARIOCA. EXT. DIA.

Um lugar com belíssima vista. Admirando a paisagem, Kadu está sentado numa mureta, banco de pedra ou algo assim. Júlia está irritada no carro. Cansada de esperar, ela sai. Não tem mais ninguém além deles.

JÚLIA: – Escuta aqui… Que parte da frase “estou com pressa” você não entendeu?

KADU: (ignorando-a) – Eu vinha muito aqui na adolescência. Me fazia bem essa tranquilidade, essa vista… Revigora qualquer um, não acha?

JÚLIA: (desarmando-se e chegando mais perto) – É… Não lembro de já ter vindo aqui.

KADU: – Senta aqui, ow. Que pressa é essa? Cinco minutinhos não vão tirar a sua vida do eixo. (vê Júlia resistente) Por favor?!

JÚLIA: – Tá bem. Cinco minutos.

KADU: – Você não é fácil, hein?

Júlia esboça um sorriso. Pausa. Música (When You Say Nothing At All – Ronan Keating) iniciando ao fundo. Clima. Olho no olho.

KADU: – Sabia que eu não parei de pensar em você desde ontem? Você mexeu muito comigo.

JÚLIA: (relutante) – Kadu, a gente… nós dois…

KADU: (corta) – Você também pensou em mim, posso ver nos seus olhos. Olha pra mim. Não minta pra você mesma, Júlia.

Troca de olhares. Música sobe. Mais clima. Eles se beijam. Corta para:

CENA 03. APART. DE GILDA. SALA/COZINHA. INT. DIA.

Vestida num camisolão e abraçada a uma garrafa de bebida já vazia, Gilda assiste seu filme antigo na TV. Nostálgica. Filipe está na cozinha, acabando de comer sua lasanha. De repente, Gilda tem uma ideia genial.

GILDA: – É isso! Como é que eu não pensei nisso antes?

FILIPE: – Que foi, mãe?

GILDA: – Uma ideia simplesmente genial! Filipe, a sua mãe vai voltar pros braços do sucesso, pras capas de revista, pra glória definitiva…

FILIPE: – Ih, pirou de vez. (lava o prato)

GILDA: (confiante) – Chegou a hora de botar a mão no Oscar, Gilda Lazarotto!

Na empolgação confiante de Gilda, corta para:

CENA 04. EXTERNA CARIOCA. EXT. DIA.

Continuação da cena 02. Kadu e Júlia ainda estão sentados diante de uma bela vista.

KADU: – Então você viveu os últimos anos na Argentina e tem um filho pequeno… Qual o nome do garoto?

JÚLIA: – Javier. É tudo que eu tenho. Um menino lindo.

KADU: – E nem poderia ser diferente. Com uma mãe linda como você…

Ele acaricia a mão de Júlia, delicadamente. Ligeira pausa. Júlia muda de assunto.

JÚLIA: – O que a sua noiva iria pensar disso? Quero dizer, se ela chegasse aqui de repente? Seria um flagrante avassalador, digno de manchete.

KADU: (incomodado) – Tem certeza que você quer falar sobre isso?

JÚLIA: – Mas é um cafajeste mesmo. (levanta e vai saindo)

KADU: – Não, Júlia, espera… (tocando o rosto dela) Você tem razão, eu tô vacilando, tô bancando o cafajeste mesmo. Não é justo com a Alessandra e não é justo com você também. Eu vou dar um jeito nessa situação, vou resolver isso da maneira mais sensata. Eu só preciso ouvir da sua boca que você também quer, que a gente pode se conhecer melhor.

JÚLIA: – Eu… eu me sinto péssima só em pensar que você/

KADU: (corta) – Para. Não diz isso. Você não tem culpa nenhuma. Nós não temos. Aconteceu. É simples. Não dá pra querer dominar os nossos sentimentos. Não dá.

Abraçam-se. Corta para:

CENA 05. RIO DE JANEIRO. EXT. NOITE.

Música: Waiting For Love – Avicii. Stock-shots. Mostrar imagens que ilustrem fim de tarde e início da noite. Corta para:

CENA 06. APART. DE GILDA. QUARTO. INT. NOITE.

Gilda está revirando todas as suas tralhas. Muita bagunça. Filipe observa, com cara de “minha mãe tá maluca”, comendo uma maçã.

GILDA: – Não é possível! Cadê essa maldita agenda? Todos os meus contatos importantes estão nela. Os diretores, produtores… Tem de estar aqui em algum lugar. Mas onde?Já encontrei a discografia completa da Elza Soares, mas a infeliz da agenda… (olha pra Filipe) Filipe, ajuda a morrer!

FILIPE: – Eu não. Se eu me enfiar no meio dessa bagunça, é bem capaz de não sair mais. O próprio labirinto do fauno.

Gilda começa a cantar o refrão de “I FoundSomeone”, da Cher, segurando um vidro de desodorante como microfone e um disco de vinil da cantora americana.

Now, maybe baby, maybe baby
I found someone
To take away the heartache
To take away the loneliness
I’ve been feelin’ since you’ve been gone
Since you’ve been gone

FILIPE: (debochado) – Devia ter avisado antes, assim eu poderia filmar essa performance incrível.

GILDA: – Olha só isso aqui: Cher, 1987… Presente sabe de quem? Do seu pai, aquele hiponga escroto, bandido, cínico, irresponsável… lindo, delicioso, bom de cama, me deixava um caco, ui…

FILIPE: – Mãe, por favor!

GILDA: – Toma, pra você! Presentinho da mamãe.

FILIPE: – O que é isso agora? Nem todo gay é fã da Cher, fique você sabendo.

GILDA: – Que sacrilégio! Pois eu acho que não ser fã da Cher devia ser o oitavo pecado capital. Enfim… se não quer, só lamento. Deixa eu voltar a procurar a agenda evadida. (tendo uma ideia) Não, espera… É claro!

FILIPE: – Lembrou onde colocou a agenda?

GILDA: – Não é mais necessário apelar pra contato de agenda. Já sei quem pode trazer Olívia Watterson de volta à cena. A Leonor, a Leonor Galvão. Ela não é dona de uma produtora? Pois então…

FILIPE: – Hã?

GILDA: – Amanhã mesmo, bem cedo, lá pelas 11, eu vou bater na casa da Leonor, e ela não vai recusar a proposta que eu tenho aqui em mente. Certeza que não.

Filipe sai, deixando Gilda com seus devaneios. Tira o celular do bolso e procura o contato de Davi. Depois, olha pro nada, pensativo. Entra insert da cena da pegação no banheiro (cena 05 do cap. 03). Corta para:

CENA 07. APART. DE DAVI. SALA. INT. NOITE.

Deitado no sofá, Davi também pensa no que aconteceu na noite anterior. Ótima expressão. Olha pro celular, que está na mesinha de centro. Detalhe: há um cachorro em cena, brincando.

DAVI: – Liga logo.

Celular toca. Mostrar apenas o número no display, pois Davi não tem o contato de Filipe. Ele pega rápido o aparelho. Já vai atender, quando decide contar até dez. Não quer parecer desesperado. Finalmente atende.

DAVI: – Quem é?

Intercalar com cena 06:

FILIPE: – Sou eu, o cara do banheiro.

DAVI: – Hummm, o cara do banheiro? Essa dica não ajuda muito. Sabe como é, né?

FILIPE: – Mas olha só, quer dizer que estou lidando com o maior pegador do Rio de Janeiro? Devo me considerar sortudo ou azarado? Azarado ou sortudo?

DAVI: – Ah, isso só você pagando pra saber.

FILIPE: – Taí, eu topo, vou pagar. Me encontra na Frenzy daqui a pouco.

Corta rápido para:

CENA 08. BOATE FRENZY. INT. NOITE.

Noite fervendo. Toca Can’t Feel My Face – The Weeknd. Música alta, bebida, azaração, a galera dançando e se divertindo daquele jeito. Depois de um tour pela boate, CAM vai pra Filipe, que está sentado no balcão do bar, com um drink. Olha pro relógio, está ansioso. Davi chega e Filipe só o nota quando ele fala.

DAVI: – Procurando alguém?

FILIPE: – Ah, você veio? Eu gosto assim: quando obedecem prontamente um chamado meu.

DAVI: – Pela sua ansiedade, não tão prontamente assim. (faz sinal para o barman, pedindo um drink) E então, o que espera dessa noite?

FILIPE: – O que eu espero? Da noite ou de você?

DAVI: (expressão de “tanto faz”)

FILIPE: – Humm… espero que você perca os seus pudores, por exemplo. Dá pra ser ou tá difícil? (levantando e puxando Davi pela camisa) Vem comigo!

Eles dançam. Soltos e animados. Direção pode usar enquadramentos incomuns, explorando a pista. Corta para:

CENA 09. APART. DE TIA SOFIA. QUARTO DE JÚLIA. INT. NOITE.

Quarto pouco iluminado. Deitada na cama, Júlia lê um livro. Para a leitura e pensa em Kadu. Entra música: When You Say Nothing At All – Ronan Keating. Entra flashback dois beijos do casal até agora. Corta para:

CENA 10. MANSÃO DE LEONOR. QUARTO DE KADU. INT. NOITE.

Kadu também lembra desses momentos vividos com Júlia. Está deitado na cama, usa um headphone e um laptop. Pega o celular e digita uma mensagem: “Quero te ver”.

Intercalar com cena 09, onde Júlia recebe a mensagem e logo digita outra: “Muito sono”. Logo cai outra: “Por favor, não seja má”. Ela responde: “Tá bem”. Júlia, por um tablet, aparece na tela do laptop de Kadu.

KADU: – Não consigo parar de pensar em você.

JÚLIA: – Eu sei, eu também.

KADU: – Vai sonhar comigo?

JÚLIA: – Já tô sonhando acordada.

KADU: – A gente se encontra amanhã? É domingo… vamos sair, pegar uma praia?

JÚLIA: – Não sei, acho melhor não. Quero ficar com o meu filho, levá-lo pra conhecer o Cristo, dar um passeio… E você tem uma noiva pra dar atenção, não é?

KADU: – Tudo bem. Como eu te prometi/

JÚLIA: (corta) – Kadu, por favor… Não quero que você me prometa nada. Não faça eu me sentir culpada, eu realmente não gostaria de lidar com isso.

KADU: – Você tem razão, me perdoe. (T) Durma bem.

JÚLIA: – Tchau.

Kadu fica pensativo. Não sabe muito bem como resolver essa situação, pois está se apaixonando por uma mulher e prestes a se casar com outra. Corta para:

CENA 11. TERRAÇO DE UM EDIFÍCIO. EXT. NOITE.

Música: Running Up That Hill – Placebo. Topo de um edifício. Filipe está na beira, parado, de braços abertos e olhos fechados. Vemos Davi lá atrás, sentado numa placa horizontal de cimento. Ficam uns 30 segundos em silêncio, deixando a música rolar.

DAVI: – Qual é a sensação?

FILIPE: – A sensação? De ser invencível, de poder tudo…

DAVI: – Agora pula.

FILIPE: – Você se joga depois?

DAVI: – Se eu fosse o Peter Parker, me atiraria e te salvaria antes de você se esborrachar no chão. Mas como não sou, prometo recitar Augusto dos Anjos no seu enterro.

FILIPE: (recita) – Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

DAVI: (continua) – Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

FILIPE: – Será que dói morrer? Será que é assim, como um pulo no abismo? Será que existe alguma coisa depois? Um segundo ato?

DAVI: – Quem de nós dois for primeiro, volta pra contar como é. E se não voltar, será porque nada existe.

Filipe sai da beirada. Caminho até Davi e deita ao lado dele, que faz o mesmo.

FILIPE: – Combinado. Mas eu não tenho pressa. Você tem?

DAVI: – Se eu já não tinha antes, agora muito menos.

Davi beija Filipe. A música sobe e CAM vai abrindo, panoramicamente. Corta para:

CENA 12. PRAIA. EXT. NOITE.

Continua a música da cena anterior. Davi e Filipe tomam banho no mar. Correm, sorriem, brincam e se beijam. Estão curtindo um ao outro ao máximo. Encerra a música. Corta para:

CENA 13. APART. DE DAVI. QUARTO. INT. NOITE.

Inicia: Together – The xx. Iluminação baixa. Davi e Filipe tiram a roupa um do outro, sem pressa, no ritmo da música. Continua nessa cadência até o final da cena. Se beijam, se chupam e se apertam. Há muito desejo, mas já vai muito além disso, diferente da cena do banheiro no capítulo anterior. Transam. Sexo versátil. Num enquadramento dos dois, efeito e corta para:

FINAL DO CAPÍTULO 04

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