Capítulo 4 – Em nome do filho
Cena 01. Capela Mortuária/ Sala de Velório/ Interior/ Dia.
Continuação do capítulo anterior. Miguel abraça Eva com ternura, os dois se olham por um bom tempo.
(Música “I’ll Try” – Allan Jackson)
Eva e Miguel se beijam com doçura.
(Fad out trilha “I’ll Try” – Allan Jackson).
Eva (se afastando) – Eu não posso, não dá!
Miguel – Por quê? Você é comprometida?
Eva – Não, mas…/
Miguel (corta) – Já entendi tudo. Não gostou de mim, ou pior, não gostou do meu beijo.
Eva – Por favor, não é nada disso Miguel. Mas é que eu não quero me aproveitar da situação. Olha onde estamos, com que objetivo estamos aqui. É uma falta de respeito com a memória do seu pai. Por favor, esqueça isso.
Miguel – Mas a gente vai voltar a se encontrar?
Eva – Essa cidade é um ovo, bucólica demais. Com certeza voltaremos a nos ver.
Miguel – Sabe que não falo disso. Falo de te ver em outro lugar, numa outra circunstância.
Eva fixa seu olhar, apaixonado, em Miguel, que chega mais perto dela.
Miguel e Eva se olham fixamente, com muita suavidade e carinho.
Miguel (lento) – Posso te ver de novo?
Eva então o olha mais um instante e sai correndo.
Miguel (pra si) – Eu quero essa mulher pra mim.
Close no olhar admirado de Miguel.
Corta para:
Cena 02. Mansão Trajano/ Quarto de Meg/ Interior/ Dia.
Meg está se penteando, enquanto Álvaro está deitado na cama de sunga.
Meg – Pra morrer basta estar vivo mesmo né?
Álvaro – Eu nunca imaginei que o magnata das farmácias fosse morrer. Pra mim o Ângelo ficaria pra semente, ou ao menos, morreria com seus cento e tantos anos.
Meg vira-se para Álvaro.
Meg (gritando) – Ainda não se arrumou Álvaro? Meu Jesus amado quero chegar cedo a capela.
Álvaro – Rilex meu bem. Tudo tem que ser com calma.
Meg – Anda Álvaro, se arruma meu querido. Quero chegar antes de todo mundo.
Álvaro se levanta e começa a colocar sua roupa.
Meg – Só quero ver como a Vitória estará.
Álvaro – Como ela sempre esteve no casamento: fingindo sentir algo que nunca teve.
Meg – Vou decretar luto na cidade.
Álvaro – Para de viajar Meg Trajano. Daqui a pouco as pessoas vão começar a achar o que eu já tenho certeza.
Meg – E o que é?
Álvaro – Que você é uma louca varrida e não sabe nem o que faz naquela prefeitura.
Meg – Engano seu meu querido. Eu sei muito bem tudo que faço.
Álvaro (sínico) – Uhum.
Meg volta a pentear seu cabelo.
Corta para:
Cena 03. Casa de Edu/ Sala/ Interior/ Dia.
Lucído está sentado no sofá, com o notebook em suas mãos, digitando algo. Edu está deitado no outro sofá assistindo TV.
Lucído (lendo) – Olá, eu sou Helena Ávila. Prazer.
Lucído volta a digitar.
Lucído (lendo) – Nunca conheci meu pai. Acho que faleceu antes de eu nascer.
Lucído volta a digitar.
Edu – Que Poxa é essa vô?
Lucído – Você vai cair duro quando souber.
Edu – Então diga.
Lucído – Acho que eu encontrei a minha Helena. É ela, tenho certeza.
Edu – Vô, para! Quantas Helenas você já não achou? Quantas delas o senhor não disse: “É essa a minha Helena”? Por favor, esquece essa história.
Lucído – Não dá. A Helena faz parte da minha vida, do meu caminho. É importante que eu a ache.
Edu – Quem é essa Helena? O que ela é ou foi na sua vida? É uma namorada? Amante?
Lucído (emocionado) – Deixa Edu, deixa! Você nunca iria entender as minhas razões e nem eu quero que entenda.
Lucído deixa o notebook de lada, se levanta e fica olhando o horizonte pela janela. Edu se levanta e abraça o avô.
Lucído – A Helena é algo inexplicável pra mim, sabe?
Edu – É chato perceber, depois que já houve um grande apego emocional, que só você tá ligando, escrevendo, se importando. Você precisa se valorizar.
Lucído se vira para Edu, o beija e sai pela porta de entrada.
Corta para:
Cena 04. Capela Mortuária/ Entrada/ Exterior/ Dia.
Um carro preto estaciona bem em frente à capela. Descem dele: Antero (banco do motorista), Vitória, com sua muleta, (carona da frente) e Milena (carona de trás).
Milena – O corpo já está aqui
Vitória – Vai desovar esse traste hoje mesmo?
Milena (brava) – Estúpida você. Desovar. Quem desova é bandido. Mas acho que você é muito mais que isso né?
Antero (corta) – Vão começar a brigar aqui? As pessoas vão reparar.
Vitória – Deixa Antero. O que vem de baixo não me atinge.
Milena – Ah é? Senta no formigueiro pelada pra você ver.
Antero começa a rir, mas para após o olhar mortal de Vitória.
CAM focaliza Miguel ao fundo, na porta da capela.
Miguel – Vão entrar, ou vão ficar aí brigando? Daqui eu ouvi sua voz Milena.
Milena – Sua mãe me tira do sério.
Vitória (sínica) – Eu tô abaladíssima com a morte do seu papai. Tive que tomar floral, chá de ervas, calmante. Quase nem vinha. Tô dopada filhinho.
Miguel caminha em direção a eles.
Miguel – Deixa que eu te ajudo mãe.
Miguel pega o braço direito de Vitória e começa a leva-la para o interior da capela. Antero e Milena ficam parados.
Milena (indignada) – Como pode ser tão falsa?
Antero – Muitos anos de escola. Vá se acostumando minha querida.
Vitória olha pra trás e pisca o olho.
Milena – É muita urubuzada pra uma carniceira só.
CAM dá close no rosto de Milena, com ar de indignação, sendo iluminado pelo sol da tarde.
Corta para:
Cena 05. Casa de Edu/ Sala de Atendimento/ Interior/ Dia.
Julieta está sentada a mesa com seu baralho em mãos.
Julieta (pra si) – Chegou a minha vez de saber tudo.
Julieta começa a colocar as cartas sobre a mesa e então começa a ficar surpresa.
Com muito ritmo, as cartas vão sendo colocadas à mesa. CLOSE em uma carta: a DAMA.
Julieta (desesperada) – Mais uma vez não. Não acredito que tem outra mulher na vida do César. Não pode ser.
Julieta então se levanta e num acesso de raiva vira a mesa no chão.
Julieta (gritando) – Eu vou destruir quem quer que seja essa mulherzinha ordinária.
CAM focaliza na carta da DAMA no chão.
Corta para:
Cena 06. Cidade Flores/ Pontos Turísticos/ Exterior/ Dia – Noite.
Transposição do dia para noite com um clipe:
(Música “Uma história de Amor” – Fanzine.) Vista aérea, plano aberto. CAM aérea faz um clipe dos principais pontos turísticos da fictícia cidade de Flores. Clipe com suaves emendas das imagens, a fim de mostrar toda a beleza da cidade, na seguinte ordem: 1º: Pórtico de entrada da cidade, feito de madeira envernizada e coberto por telha colonial portuguesa, com o letreiro “Bem vindo à Flores”. 2º: Praça Central, com um lindo chafariz no meio, cercada por bancos com pessoas e animais domésticos, além de alguns vendedores de pipocas e brinquedos. 3º: Cruzeiro Municipal, localizado no morro mais alto da cidade, com uma cruz imensa branca, feita em concreto e com iluminação interna, cercado por um grande gramado que é delimitado por canteiro de diversas flores campestres.
(Fad out trilha “Uma história de amor” – Fanzine)
Som de toque desesperado de uma campainha – Que é da cena posterior.
Corta rápido para:
Cena 07. Mansão Amadeu/ Sala de Estar/ Interior/ Noite.
Teresa está caminhando depressa pela sala em direção a porta de entrada. Ela abre e Fabrício entra desesperado.
Fabricio (nervoso) – Cadê o Miguel? Cadê o meu pai? Cadê todo mundo?
Nesse instante Ana Rosa entra bem mais calma. Teresa fecha a porta.
Teresa – Seu pai tá sendo velado na capela.
Fabrício (inquieto) – Eu vou pra lá agora.
Ana Rosa – Calma. Respira, toma uma água. Passamos um dia inteiro de viagem. Você precisa relaxar.
Fabrício – Mas relaxar como? Me explica.
Ana Rosa – Eu sei que você está eufórico, abalado com a morte do seu pai, mas não pode se desesperar agora. Vamos tomar um banho e comer alguma coisa pra poder ter energia.
Teresa – A dona Ana Rosa tem razão. Chegando assim a capela, você só iria piorar as coisas.
Fabrício então se senta no sofá.
Teresa – Eu vou preparar algo pra vocês comerem e arrumar toalhas de banho também.
Ana Rosa – Obrigada Teresa. Mas antes eu preciso de um telefone pra ligar pro Miguel e avisar que já chegamos. Meu celular tá com a bateria vazia e o Fabrício esqueceu o dele no Rio.
Teresa – Tá bem. Venha me acompanhe que te mostro onde tem um.
Ana Rosa segue Teresa em direção ao segundo andar da casa. Close em Fabrício, com um olhar triste.
Corta para:
Cena 08. Flores/ Elevado/ Subúrbio/ Exterior/ Dia – Noite.
(Música “Aceita, paixão” – Péricles).
Tomadas do bairro suburbano Elevado. Ônibus passando pelos pontos, camelôs ambulantes vendendo salgados e quinquilharias, periguetes circulando pelas ruas, em meio a carros antigos e velhos e motoboys.
(Fad out trilha “Aceita, paixão” – Péricles)
Corta para:
Cena 09. Elevado/ Casa de Fernanda/ Quarto de Eva/ Interior/ noite.
Eva está sentada na cama, com um sorriso enorme e os olhos brilhando de felicidade. Pensativa.
***Inserte do Flashback gravado ( Capítulo 3 : Cena 22. Capela Mortuária/ Sala de Velório/ Interior/ Dia.)***
(Música “I’ll Try” – Allan Jackson)
Eva e Miguel se beijam com doçura.
Eva continua igualmente como estava. Malu entra de fininho no quarto e abraça Eva por trás, que leva um susto e volta à realidade.
Eva (assustada/ feliz) – Quer me matar do coração, garota?
Malu – Eu acho que esse seu coraçãozinho já tem um dono, ou melhor, um ladrão. Quem roubou?
Eva sorri e Malu se senta na cama de frente para ela.
Malu – Eu sei que você tá apaixonada. Todo mundo que fica apaixonado tem essa mesma cara de bocó e esse sorriso besta. Eu mesma sou assim quando tô perto do Edu.
Eva – Não dá pra esconder nada de você mesmo.
Malu – Não. Agora me conta quem é o sortudo.
Eva – Ah, Malu. É um rapaz lindo, educado, simpático. Desses de contos de fadas, sabe?
Malu – Sei. Mas agora eu quero o nome do sujeito.
Eva – Miguel. O nome dele é Miguel. Anjo Miguel.
Malu – Nossa. Mais derretida pelo rapaz que chocolate na praia de Ipanema. Você merece Eva.
Eva – Nós nos beijamos.
Malu (eufórica) – Me conta como foi, onde foi. Quero saber de tudo. Detalhes por detalhes.
Eva – Foi na capela mortuária.
Malu (cara de nojo) – Eca. Meu Deus, que gosto exótico o de vocês.
Eva – Não é questão de gosto, mas sim de sentimento. As coisas foram acontecendo, sabe? O clímax desse desejo foi o beijo. Foi errado, eu sei.
Malu – Errado como? Pra amar não existe hora certa. Tudo bem que não precisava ser numa capela, mas já que foi, pronto. Deixa fluir naturalmente. Pegou o celular dele?
Eva – Não tive tempo pra mim. Não deu pra pegar celular nem nada.
Malu – Minha priminha vai desencalhar. Eba, eba, eba.
Eva sorri com brilho nos olhos.
Corta para:
Cena 10. Capela Mortuária/ Sala de Velório/ Interior/ Noite.
Tudo com muito silêncio. A sala está com umas vinte pessoas, entre elas: Miguel, Milena, Vitória, Antero, Meg e Álvaro.
Miguel e Milena estão de pé, próximos ao caixão. Álvaro e Antero estão perto da porta conversando.
CLOSE em Meg e Vitória, sentadas ao fundo conversando bem baixinho.
Meg – Agora você tirou a sorte grande hein amiga.
Vitória (feliz) – Nem me fala. Mal vejo a hora da leitura desse testamento. Quero fazer uma viagem pelo Leste Europeu.
Meg – Hum, tô gostando de ver. Isso mesmo, aproveita. Como dizia Madame Catalina: “Passear no Brasil é como fazer programa de dia, não dá nem pro café. É mixuruca”.
Vitória – Não pronuncie esse nome aqui, tá maluca? Não quero saber de Madame Catalina. Isso já me faz lembrar que a Dama voltou.
Meg – Não está mais aqui quem falou.
CAM percorre todo o local e foca na conversa de Antero e Álvaro.
Antero – E agora, quem assumirá a presidência da empresa?
Álvaro – Você só pode estar de deboche Antero. O Miguel é lógico.
Antero – Ah, menos mal. Tenho medo de que o Fabrício assuma.
Álvaro – Aquele lá só quer escrever os livros dele em paz. Não liga pra administração.
Antero – Tomara que eu suba de cargo na empresa.
Álvaro – Vai pular de puxa-saco pra papagaio de pirata? Você não fazia nada, a não ser lamber o chão que o Ângelo pisava.
Antero – Eu só queria me firmar na empresa e no testamento dele. O mundo é dos espertos meu querido. Aprenda isso.
Álvaro olha com desdém para Antero.
Antero (olhando para fora) – Olha lá quem tá chegando: Fabrício.
Álvaro olha rapidamente.
Close na entrada de Fabrício e Ana Rosa.
Fabrício chega e corre para perto do caixão, onde se ajoelha e começa a chorar.
Ana Rosa vai em direção a Miguel e o abraça. Close em Milena indignada.
Ana Rosa (a Miguel) – Meus sentimentos.
Miguel – Obrigado Ana. Foi uma perda muito grande.
Ana Rosa – Muito mesmo. Eu imagino o quanto você deve estar triste.
Milena – Boa noite pra você também Ana Rosa. Chegou toda pomposa e já foi se dando ao desfrute com meu marido.
Ana Rosa – Eu me recuso a falar qualquer coisa. Pode esbravejar aí, sozinha.
Miguel – Não liga não Ana.
Ana Rosa – Com licença Miguel.
Ana Rosa se abaixa ao lado de Fabrício e o consola.
Close em Vitória e Meg, observando tudo.
Vitória – Essa daí é piranha. Já se deitou com mais homens do que a Bruna Surfistinha.
Meg ri discretamente.
Vitória – Sorte dela é que o otário do Fabrício a aceitou.
Meg – Você não para de destilar veneno.
Vitória – Destilo veneno porque ainda não consegui destilar bomba atômica. Pessoas miseráveis.
Meg – Você é uma graça Vitória.
Vitória – E você é uma chata às vezes. Volta pra garrafinha.
Close em Vitória, séria.
Corta para:
Cena 11. Casa desconhecia/ SALA/ Interior/ Noite.
Dama está sentada no sofá, enquanto Regininha está de pé com um caderno em mãos. Regininha anda de um lado para o outro na frente de Dama.
Dama – Dá pra parar de ficar fazendo isso? Tô tonta já de ficar te acompanhando.
Regininha – Calma Dama. Tô bolando uma estratégia aqui.
Dama se levanta.
Regininha – Eu arrumei um jeito de amarrar a Vitória a gente.
Dama – Colocando uma corda nela. Mas a família iria sentir falta. Se bem que seria divertido maltratar aquela mulher.
Regininha – Não é nada disso tia. Amarrar no sentido figurado, conotativo da situação. Eu pretendo amarrar ela, pra que ela não tenha saída. E com isso garantir a nossa segurança.
Dama – Para de rodopiar feito galinha d’angola nervosa e me conta.
Regininha então para de andar.
Regininha – Dossiê.
Dama – O que?
Regininha – Eu quero montar um dossiê contando toda a vida da Vitória. Dizendo tudo que ela já fez na vida. Incluindo a parte da minha mãe.
Dama (ressabiada) – Sei lá, eu tenho medo. Vai que ela consegue pegar esse troço e de raiva, acaba com a nossa raça.
Regininha – Não. Só se a gente fosse muito burra de fazer isso. Vamos escrever tudo aqui nesse caderno e amanhã quando você for pra lá, vai entregar tudo nas mãos dela.
Dama – Mas assim ela vai acabar comigo. Entregar as provas na mão dela?
Regininha – As provas não. Uma cópia desse dossiê. Só assim ela saberá que temos um original muito bem guardado.
Dama – Tô começando a gostar da ideia.
Regininha – Então vamos nos sentar e mãos a obra.
Dama e Regininha se sentam.
Regininha – Agora me conte tudo, desde o início. Eu quero ver aquela mulherzinha no chinelo.
Dama – Era carnaval e a Vitória…
O áudio é cortado, mas permanece a imagem de Dama falando e Regininha escrevendo tudo.
Corta para:
Cena 12. Flores/ Elevado/ Subúrbio/ Exterior/ Noite.
(Música “Aceita, paixão” – Péricles).
Tomadas do bairro suburbano Elevado. Ônibus passando pelos pontos, camelôs ambulantes vendendo salgados e quinquilharias, periguetes circulando pelas ruas, em meio a carros antigos e velhos e motoboys. Close na Fachada do Bar Chegaí.
(Fad out trilha “Aceita, paixão” – Péricles).
Corta para:
Cena 13. Elevado/ Bar Chegaí/ Interior/ Noite.
O bar está com pouco movimento. Zé Diogo está limpando o balcão e Ondina vem do interior do bar com uma bandeja de croquetes, a qual coloca na estufa de vidro do balcão.
Ondina – Hoje eu não faço mais nenhum croquete Zé. Tô mais morta que o ricaço lá.
Zé Diogo – Ai ai Ondina. Nem deve sair mais croquete hoje. O movimento tá fraquinho demais.
Ondina – Tomara mesmo. Meus pés doem demais, preciso muito me deitar.
Close em Tamara entrando no bar e indo em direção ao balcão, com dois vasilhames de cerveja, vazios.
Tamara – Zé me dá duas louras aí e uns croquetes.
Ondina – Vai comer aqui?
Tamara – Não. Vou levar pra casa.
Zé Diogo pega os vasilhames e coloca em um engradado, em seguida pega duas cervejas no freezer. Enquanto isso, Ondina separa alguns croquetes.
Tamara – Você bem que poderia sorrir mais vezes Ondina. Vive aí enfurnada atrás dessa cara feia.
Ondina (ríspida) – Vai querer só os croquetes?
Tamara – É.
Zé entrega uma sacola com duas cervejas.
Tamara – Tá uma chuva terrível né Zé. Acho que por isso o Chegaí tá vazio hoje.
Zé Diogo – Justamente Tamara. Vai comemorar alguma coisinha hoje?
Ondina entrega os croquetes.
Tamara – Não. Só pra relaxar mesmo. Pendura na minha conta aí.
Tamara pega suas coisas e vai embora.
Ondina – Garota desaforada. Não gosto dela.
Zé Diogo – A Tamara é gente boa.
Ondina – Ela é ruim. E gente ruim é como dor de dente: quanto mais se presta atenção nela… Como que é o restante mesmo?
Zé Diogo – Quanto mais se presta atenção nela, mais se incomoda.
Ondina – Ah, é isso mesmo.
Zé Diogo volta a limpar o balcão enquanto Ondina volta pra cozinha do bar.
Corta para:
Cena 14. Casa de Edu/ Cozinha/ Interior/ Noite.
Edu e César estão sentados a mesa, enquanto Julieta coloca uma última panela em cima da mesa e se senta também.
César – Tô morto de fome.
Julieta – Cadê seu pai? Chama ele pra jantar César.
Edu (gritando) – Vô vem jantar.
Julieta – Eu tô sem fome.
César – Mas por quê?
Julieta – Nada.
César e Edu começam a arrumar seus pratos.
Julieta (gritando) – Seu Lucído sai desse computador, pelo amor de Jesus Maria José.
Nesse instante Lucído aparece.
Edu – Ô glória hein vô. Desgruda desse computador. Desapega.
Lucído se senta.
César – O que tem de tão importante nesse computador? Achou outra Helena?
Lucído – Fiz melhor, achei uma pessoa que sabe por onde anda a minha Helena.
Julieta – Eu queria botar as cartas na mesa pro senhor, mas…
Lucído – Eu não acredito em bruxaria.
César – Não é bruxaria.
Edu – Seja como for, não vamos discutir crença à uma hora dessas né?!
Julieta – Tem razão. Vamos jantar porque eu preciso lavar a louça.
Todos começam a jantar em silêncio.
Corta para:
Cena 15. Capela Mortuária/ Sala de velório/ Interior/ Noite.
O local está com as mesmas pessoas da cena 10. Close na conversa entre Fabrício e Miguel. Ambos abalados.
Miguel – Você vai ficar aqui por quanto tempo?
Fabrício – Tô querendo ir embora amanhã após o enterro.
Miguel – Tem certeza?
Fabrício – Não tenho certeza, tenho convicção. Não gosto dessa cidade. Nunca gostei.
Miguel – Mas a empresa do pai é aqui.
Fabrício – Na boa Miguel, o pai morreu agora. O corpo nem esfriou. Eu não estou disposto a ficar discutindo herança. Nunca liguei pra essa coisa mesmo.
Miguel – Só estou tentando resolver a situação.
Fabrício – Deixa que o tempo resolva tudo.
Miguel e Fabrício ficam calados, cabisbaixos.
Close na chegada de Mafalda e Téo. Mafalda vai direto abraçar Miguel e Fabrício.
Close na conversa entre Meg e Vitória.
Vitória – Chegou a sua irmã e o gigolô dela. Mafalda não aprende. Vai gastar toda a fortuna sustentando esse pivete.
Meg – Eu já avisei, o Álvaro avisou, mas ela não escuta ninguém. Tá cega por esse homem.
Vitória – Nojo dos homens.
Meg – Mas bem que você gostava.
Vitória – Você me cansa Meg. Deus me livre.
Corta para:
Cena 16. Capela Mortuária/ Pátio lateral/ Exterior/ Noite.
Ana Rosa está sentada em um banco de madeira. A chuva já se foi. O pátio permanece vazio. Nesse instante Milena chega.
Milena – Tá aí admirando a paisagem ou pensando numa estratégia para roubar maridos?
Ana Rosa permanece calada.
Milena se senta no banco ao seu lado.
Milena – Você é tão sínica né? Mas dessa vez se tentar algo pra cima do Miguel eu acabo com a sua raça.
Ana Rosa – Eu tenho pena de você Milena. Eu só não fiquei com o Miguel naquela época porque não quis.
Milena (brava) – Ele nunca te amou. Ele te usou e descartou. Fez com você o que faria com qualquer garrafa pet.
Ana Rosa – Sabe o que me anima? É saber que existem mulheres com a autoestima tão baixa, que aceitam mentiras, e pior, acreditam nelas. Você é jovem, mas ficou amargurada, reprimida. Tá se retorcendo de medo do Miguel chegar em mim novamente, e sabe por quê? Porque você não se garante. Não tem bala na agulha pra segurar seu macho, é frouxa.
Milena levanta a mão pra dar na cara de Ana Rosa, mas desiste.
Ana Rosa – Esse é seu único recurso né. A violência. Não aguentou escutar a verdade. E olha que eu não disse metade do que deveria.
Milena – Vagabunda.
Ana Rosa – Veio aí bancando a justiceira, vai voltar pra casa engolindo sapos, cachorros e outros bichos. Mexeu com a pessoa errada filhinha. Eu sei ser educada, mas também desço das tamancas quando necessário.
Ana Rosa se levanta.
Ana Rosa – Tenha uma boa noite, querida!
Ana Rosa entra para a capela.
Close no semblante de ódio de Milena.
Corta para:
Cena 17. Cidade Flores/ Exterior/ Noite-Dia.
Transição da noite para o Dia.
Imagens aéreas dos principais pontos turísticos da cidade: começando pela praça central, cruzeiro, pórtico e terminando no portão principal do cemitério.
Corta para:
Cena 18. Cemitério/ Interior/ Dia.
Miguel, Antero, Fabrício e Álvaro carregam o caixão em direção à sepultura. Logo atrás vem um padre, Meg e Vitória juntas, atrás delas vem Mafalda, Téo e Milena e no final de tudo Ana Rosa.
O padre faz a benção final, enquanto Miguel e Fabrício choram muito.
Close na conversa entre Meg e Vitória.
Vitória – Chegou a hora do meu show. Usar do meu lado atriz.
Meg – Como assim?
Vitória – Olha só.
Vitória chega próxima ao caixão, que está lacrado já e começa a fingir um choro.
Vitória – Isso não poderia ter acontecido, porque meu Deus, por quê? Não Ângelo, não se vá, nós te amamos demais.
Todos olham espantados para Vitória, que se ajoelha.
Vitória – Leve a mim Deus, mas deixe esse homem santo. Essa doce criatura não deveria sair da Terra, onde deixará muitas saudades em muitas pessoas que o querem bem. Como hei de viver agora? Sua doce presença me acalentava o coração. Oh Jeová, não faça isso comigo, eu te suplico pela alma de todos que amam esse ser único e digno de toda misericórdia.
Mafalda faz cara feia, chega próxima a Vitória e se ajoelha também.
Mafalda (cochichando) – Para com esse seu teatrinho mequetrefe, onde você faz a boa moça, a esposa zelosa. Nós duas sabemos quem você é, uma piranha vulgar, uma chantagista.
Vitória (gritando) – Eu não quero que ele se vá. Por favor, não!
Mafalda (cochichando) – Você deve estar com saudade da minha mão estalando na sua cara. Continua esse show pra ver quantos dentes irão te faltar. Deixa de ser ordinária.
Mafalda se levanta e volta para junto de Téo.
O caixão desce até a cova, Vitória chega até a ponta da cova e olha para baixo.
Vitória – Não tem sentido viver sem ele mais. Me leva com você Ângelo, me leva.
Vitória acaba escorregando e cai dentro da cova.
Vitória (gritando/ nervosa) – Me tira daqui. Socorro! Alguém me ajuda. Me tira daqui pelo amor de Deus.
Mafalda chega perto da cova.
Mafalda – Fique aí pra viver com esse homem santo. Não era isso que você queria?!
Mafalda dá altas risadas. Miguel desce até a cova e socorre a mãe.
Vitória (se limpando) – Que nojo. Ah, que nojo.
Corta para:
Cena 19. Livraria Dom Casmurro/ Fachada/ Exterior/ Dia.
Um ônibus para no ponto em frente à livraria e Tamara desce.
Tamara (PRA SI) – Odeio ônibus lotado. Quando eu for gerente dessa livraria, o que não vai demorar, prometo que vou alugar uma casa aqui no centro.
Tamara entra para a livraria.
Corta para:
Cena 20. Livraria Dom Casmurro/ Salão Principal/ Interior/ Dia.
Fluxo pequeno de pessoas. Tamara chegando e caminhando em direção ao caixa. Nesse instante CAM dá close em Eva e Lucas conversando entre algumas prateleiras.
Eva – Eu achei que nem fosse dar gente hoje aqui.
Lucas – É, também achei. Mas pelo que vejo tudo está correndo bem.
Eva – Mudando de assunto, eu pensei em fazer umas mudanças aqui.
Lucas – E quais são?
Eva – Utilizar o outro pátio pra fazer o “Momento Leitura”, onde os clientes teriam espaço para lerem seus livros, folhearem nossos catálogos com mais calma, tomarem um café, o que acha?
Lucas – Você é sensacional. Eu acertei na sua escolha como gerente. Faça as mudanças que precisar.
Eva – Pensei também que no dia da estreia, poderíamos trazer um autor famoso, além de representantes das editoras e autoridades locais. Assim a livraria fica mais famosa.
Lucas – Genial. Agora mãos a obra. Esse projeto vai ser pra daqui a quinze dias, você consegue?
Eva – Vamos tentar. Nada é impossível pra gente.
Lucas – Assim que eu gosto de ver. Vou até a minha casa procurar os contatos da Talita Rebouças, Walcyr Carrasco e outros autores de livros.
Eva – ótimo. Enquanto isso eu vou recrutar a Tamara e traçarei o projeto todo.
Lucas – Ok!
Lucas caminha em direção à saída.
Eva (gritando) – Tamara vem aqui rápido, por favor.
Tamara rapidamente chega até Eva.
Tamara – Pois não.
Eva – Pega caneta e papel e vamos até a minha sala. Tive uma ideia que pode dar um up na livraria. Se tudo der certo, e eu tenho fé que dará, isso aqui vai bombar, pode anotar.
Eva sobe as escadas em direção sua sala. Tamara fica parada.
Tamara – Veremos. É nessa goiabada que eu vou fartar, pode apostar.
Corta para:
Cena 21. Floricultura/ Interior/ Dia.
Vendedora – Pronto. Dentro de meia hora entregaremos o buquê.
Miguel – Ah que ótimo. Mas não se esqueça, quero que entreguem em mãos.
Vendedora – Fique tranquila, será em mãos.
Miguel – ótimo. Quero enviar um urso de pelúcia também.
Vendedora – Pode vir aqui escolher.
A vendedora mostra a Miguel inúmeros ursos de pelúcia.
Corta para:
Cena 22. Livraria Dom Casmurro/ Sala de Eva/ Interior/ Dia.
Eva e Tamara estão sentadas conversando.
Eva – Preciso que reúna a equipe da limpeza e peça a eles que limpem aquele pátio a partir de amanhã, tá?
Tamara – Sim Eva. E quando será a inauguração?
Eva – Será daqui quinze dias, eu acho. Mas quero quem em dez dias tudo esteja funcionando já. Nada de sustos ou imprevistos.
Tamara – Pode deixar chefinha. Tudo vai sair como estou pensando. Será um sucesso.
Eva – Deus lhe ouça, minha querida.
Nesse instante alguém bate a porta.
Eva (TOM ALTO) – Pode entrar.
Então um homem, o entregador, entra com um buquê grandioso e lindíssimo cheio de rosas vermelhas e um ursinho todo rosa.
Entregador – Com licença, quem é a Eva?
Eva – Sou eu.
Entregador – Isso aqui é pra senhora.
Eva se levanta pega o buquê e sente um aroma gostoso, em seguida pega o ursinho.
Eva – Quem enviou?
Entregador – Não sei, tem um cartão em meio as flores. Se me dão licença preciso ir.
Eva – Obrigada, querido.
Entregador – Disponha.
O entregador vai embora.
Tamara – Hum, Eva Magalhães arrasando corações. Quem é o admirador secreto?
Eva – Deixo em off.
Tamara (se levantando) – Deixa eu ir cuidar de tudo pra que nosso projeto saia perfeitamente.
Tamara sai da sala.
Eva então fica toda sorridente.
Eva pega o cartão em meio as rosas e começa a lê-lo.
Eva (lendo) – “Você não sai mais da minha cabeça. Seu beijo, seu cheiro, seu toque, tudo muito bom. Espero vê-la novamente, o mais breve possível. Beijos, Miguel”.
Eva sorri apaixonadamente.
(Música “I’ll Try” – Allan Jackson)
Eva começa a girar pela sala com o buquê em mãos.
Corta para:
Cena 23. Mansão Amadeu/ Fachada Frontal/ Exterior/ Dia.
Imagens da mansão.
Corta para:
Cena 24. Mansão Amadeu/ Quarto de Vitória/ Interior/ Dia.
Close em um envelope grande, no centro da cama.
Vitória vem saindo do banheiro só de roupão e sem muleta. Ela percebe o envelope, o pega e abre, onde tem um bloco de folhas.
Vitória dá um grito e joga o bloco no chão.
Close no bloco, uma Xerox manuscrita, com os dizeres: “Vitória Amadeu, eterna Nameless”.
Nesse instante uma pessoa vai surgindo por trás de Vitória, que vira-se rapidamente. É Dama.
Dama (convicta) – Como tem passado Nameless? Gostou do presentinho que lhe dei?
Close em Vitória assustada.
Corta para:
FIM