Capítulo 4 – Detalhes Sórdidos
Quarto da irmã Sofia
PADRE DORNAS – Irmã, acorde. A senhora está bem?
IRMÃ SOFIA(aos gritos) – Socorro! Socorro! Ele quer me matar!
PADRE DORNAS – Quem quer lhe matar, irmã? Fale.
IRMÃ SOFIA – Eu não sei. Saí do quarto porque ouvi um choro de criança, e então eu andei pelo corredor, foi quando senti uma corda me estrangulando. Eu lutei, mas inutilmente. Eu não conseguia respirar, foi quando eu perdi a consciência. Quem foi que me achou?
GARIBALDI – Eu encontrei a senhora, madre. A senhora estava deitada, e respirava com dificuldades. Eu fiz uma respiração boca-a-boca e…
PADRE DORNAS – Você fez o que?
GARIBALDI – Eu salvei a vida dela…
EDSON – Muito conveniente. Quem é que pode garantir não ter sido você a estrangulá-la?
Você é um lunático…
GARIBALDI – Eu não acredito que estou ouvindo isso!
MORDOMO – Com licença, cavalheiros, senhoras, mas a mesa do desjejum está posta. O meu senhor deseja falar-lhes assim que estiverem satisfeitos com a refeição.
Sala de refeições.
SÉRGIO – Sabe o que eu vou fazer? Vou atear fogo nessa casa, assim ele nos deixará ir embora…
TOM – Pessoal, vocês estão esquecendo de um detalhe: um milhão de reais. Esse maluco vai nos testar, mas não pode nos matar…
EDSON – Ah não?! Sabe o que é isso aqui no meu ombro? Uma marca de tiro! Isso mesmo, eu levei um tiro lá fora. O que me diz agora? Eu vou esperar na sala de convivência. Não tenho mais apetite.
Sala de convivência
ANFITRIÃO – Anita, como você se sente sendo uma destruidora de lares? Quantos homens você acha que já se matou por sua causa?
ANITA – Não sei do que você está falando.
ANFITRIÃO – Deixe-me ser mais direto então: O trabalhador acaba de receber o seu miúdo salário, vai para um bordéu. E lá ele acaba ficando com uma prostituta, digamos, você. Entre bebidas, drogas e sexo, ele não vê que de real em real, seu salário vai todo para dentro das suas gavetas. Ele chega em casa, sem dinheiro, rescindindo a bebida barata, perfume de quinta e implora pelo perdão da esposa, a quem ele não procura na cama a muito, muito tempo, porque as profissionais são melhores. Os filhos estão famintos, a esposa esfarrapada, e o homem com o espírito destruído. Ele então coloca uma corda em volta do pescoço, e pula, e acaba ali uma vida miserável, que você, na pessoa de todas as prostitutas, ajudou a fazer.
ANITA – Não! Quando ele nos procura é ,porque algo não vai bem em casa. Não é ele que não procura a esposa, ela é que o recusa…
ANFITRIÃO – E o que dizer de jovens como o Thomas, que são ricos, e podem ter a mulher que quiser, e mesmo assim procuram prostitutas?
ANITA – Eu não tenho nada com a vida dos outros. Nem conheço esse rapaz…
ANFITRIÃO – Tem certeza? Pense bem, olhe em seus olhos. Tem certeza que ele nunca foi cliente seu.
Anita atirou um copo no monitor.
ANITA – Vai pro inferno.
Ela saiu correndo, e houve uns minutos de silêncio.
ANFITRIÃO – Sérgio… Sérgio… Sérgio. Você disse que está desempregado, podemos saber o motivo?
SÉRGIO – Não é da sua conta.
ANFITRIÃO – Como foi a sua vida quando você era menino? Você tinha muitos amigos?
SÉRGIO – alguns, mas o que isso…
ANFITRIÃO – E você sofreu muito booling quando era criança, professor Sérgio.
SÉRGIO – Toda criança já sofreu booling uma certa altura da vida.
ANFITRIÃO – Ah, sim, com certeza. Inclusive eu. Mas vamos voltar a você. Você morava em Minas Gerais. O que faz agora em São Paulo? Por que São Paulo? Aconteceu alguma coisa em Minas Gerais?
SÉRGIO – Não aconteceu nada. Eu quis vir morar em São Paulo. Tem algum problema nisso?
ANFITRIÃO – Não quando não se tem nada a esconder.
SÉRGIO – Pois eu não tenho nada a esconder.
ANFITRIÃO – Não mesmo? Não é o que a sua consciência está dizendo.
SÉRGIO – O que você sabe sobre a minha consciência?
ANFITRIÃO – Muito mais do que você pode imaginar. Todos vocês. Todos ligados por acontecimentos do seu passado, e que eu vou extrair cada palavra, cada sentimento. Cada Culpa. Por hoje é só.
SÉRGIO – Esse cara é louco.
IRMÃ SOFIA – Louco ou não, alguém tentou me matar essa noite. Eu não quero dormir sozinha.
MARIAH – Se quiser, posso dormir com a senhora, irmã.
IRMÃ SOFIA – Eu agradeço.
À tarde, salão de jogos.
MARIAH – Gosta de jogos?
TOM – Desde que eu não seja uma peça do jogo.(risos)
MARIAH – Você é um cara interessante. Jovem, bem sucedido…
Ela falava por trás, bem perto do pescoço de Tom.
TOM – E também muito observador. Notei que você e o Edson se dão muito bem.
MARIAH – Nem tanto. Na verdade, eu não gosto de compromissos, gosto de me divertir.
TOM – Sabe que isso pode ser um prato cheio para o Anfitrião. Reparei que ele quer tirar os detalhes mais sórdidos da vida de cada um.
MARIAH – Você tem algo a esconder?
TOM – E você não? Não adianta tentarmos nos enganar. Se estamos aqui, é porque cada um tem algo a esconder da sua própria vida.
MARIAH – A minha vida é um livro aberto…
TOM – Não é não. Assim como, aposto como você tem coisas que não gostariam que soubessem, assim como eu, ou qualquer pessoa aqui dentro. É por isso que estamos aqui. Aceitamos expor nossos “podres” por um milhão de reais, se é que vamos mesmo receber essa quantia.
MARIAH – Você acha mesmo que o Anfitrião é um escritor e que quer escrever um livro sobre o comportamento humano?
TOM – Não sobre o comportamento humano, mas sobre o seu pior lado.
Alta madrugada, quarto da irmã Sofia.
IRMÃ SOFIA (aos gritos)– Saia daqui!
MARIAH – Irmã, sou eu, Mariah. Prometi dormir aqui com a senhora. Acorde, a senhora está tendo um pesadelo, irmã!
IRMÃ SOFIA – Saia já daqui ou eu vou te matar! Saia já!
A irmã estava agitada e Mariah tentava segurá-la.
IRMÃ SOFIA – Saia! Saia! Eu não aguento esse barulho. Alguém faça essa criança parar.
Empurrando Mariah, a freira saiu correndo do quarto ainda em trajes de dormir. Ela parecia em transe. O barulho acordou os demais.
TOM – O que está acontecendo aqui?
MARIAH – A freira enlouqueceu. Ela saiu correndo pra lá.
TOM – Vamos atrás antes que ela se machuque.
Todos foram procurar a irmã, mas era noite, e a propriedade muito grande. Eles se espalharam no jardim, e nesse momento, a toda a luz foi cortada. Eles ficaram na mais completa escuridão.
TOM – Fique perto de mim, Mariah. Para voltarmos para a casa, é só virarmos para trás, não tem erro.
MARIAH – Que dia para não ter lua!
De repente, novamente eles ouvem um urro de cão. Os cães eram raivosos e sanguinários, como se estivessem passando fome.
TOM – Os cães! O que vamos fazer?
MARIAH – Vamos voltar para a casa. Estamos seguros lá.
TOM – Mas e a freira?
MARIAH – Ou ela, ou nós. Não é uma escolha difícil. Venha.
Edson e Valéria.
EDSON – Você está vendo alguma coisa?
VALÉRIA – Só ouvindo. Um cão urrando aqui perto. Ele parece raivoso. Estou com medo.
EDSON – Que desgraçado. Por que será que ele faz isso?
VALÉRIA – Vamos gritar pela freira. Quem sabe assim ela nos ouve e tudo isso acaba?
EDSON – Se gritarmos, vamos atrair os cães…
VALÉRIA – Estamos atraindo os cães pelo nosso cheiro.
Edson se lembrou do seu canivete de estimação, e tirando-o do bolso, sacou a sua lâmina.
VALÉRIA – Os cães estão perto! O que vamos fazer?
Eram dois. Vinha um de cada lado, e o pânico tomou conta da dupla, que no escuro, pouco podia fazer. De repente, Edson sentiu o bafo quente e a mordida no braço. O outro atacou Valéria pelas costas. Edson caiu e o cão tentava mordê-lo no pescoço. Valéria agarrou o pescoço do dobermann, mas ele era mais forte do que ela e já estava quase lhe abocanhando toda a face. Edson enterrou a lâmina do canivete debaixo da pata esquerda do dobermann, e ele caiu de lado. Foi certeiro no coração. Em seguida pegou um porrete e acertou o dorso do cão que atacava Valéria. Meio atordoado, o cão caiu de lado. Não havia tempo de mata-lo com o canivete.
EDSON – Vamos correr!
Eles corriam, mas o cão os perseguia tenazmente.
VALÉRIA – Meu Deus, eu não quero morrer!
EDSON – Pare de gritar e corra!
De súbito um disparo de rifle e o cão cai. Garibaldi conseguiu a arma e lhe salvara as vidas.
EDSON – Eu lhe devo uma, Garibaldi.
GARIBALDI – E vai pagar agora. Mãos para o alto vocês dois, porque esse é o último dia das suas vidas.
EDSON – O que?!
Fim do Capítulo 4
NO PRÓXIMO CAPÍTULO
Garibaldi diz que vai matar Valéria e Edson, e manda que Edson comece a cavar a sua sepultura. Na sala de convivência, o Anfitrião introduz o assunto sobre pedofilia, e todos os olhares se voltam para o padre Dornas. Garibaldi, ainda com a arma apontada para Edson, diz que vai matar a todos até que chegue ao que verdadeiramente quer matá-los. O suspense é insuportável para Edson.