Capítulo 4 – A Ilha
Após o surto de Richard, ninguém teve coragem de pronunciar uma palavra. Nem mesmo a Lila. Só não era um silêncio total devido aos sons da mata, mas o clima havia ficado tão pesado que tive a sensação de ter ficado surda.
Chegamos aos destroços do avião, digo, do jatinho com cara de decepção. De longe era possível ver que poucas coisas seriam reaproveitadas.
– Não disse! – Richard quebrou o silêncio – Não tem nada aqui para resgatar.
– Vamos pelo menos conferir melhor? – insisti.
– Olha! – Lila gritou – Este lado do avião não está tão danificado assim.
– É um jatinho! – Richard e eu falamos juntos.
– E faz alguma diferença? – Lila fez uma careta – Essa poltrona aqui ainda dá para ser usada!
– Mas está furada! – Richard reclamou.
– Não tinha reparado! – fui bem ácida – Você está realmente achando que isso aqui é uma colônia de férias? Nesta ilha nós nos viramos com o que temos. E isso é o que temos.
– Acha que dá para fazer alguma coisa com essa porta? – Lila perguntou apontando para uma porta que estava jogada no chão.
– Vamos separar! – respondi.
– Olha! – Lila parecia um pinto no lixo – Achei um copo!
– Mas está quebrado! – Richard reclamou novamente – Vocês não vão me fazer usar um copo quebrado. Posso furar minha boca com isso!
– Você bem que merecia! – fechei o rosto – Mas não se preocupe. Tenho muitas ferramentas nesta caixinha aqui. A gente serra essa ponta quebrada e vê no que pode ser útil.
– Vocês querem levar todo o jatinho? – Richard parecia espantado.
– Tudo o que der para ser reaproveitado! – respondi.
– E vai dar para levar tudo isso de uma vez? – ele parecia estar suando frio. Provavelmente já sabia a resposta.
– E quem disse que vamos levar tudo de uma vez? – sorri – Acordamos cedo para isso, meu bem!
– Mas você não acha perigoso ficar subindo e descendo a montanha com esse monte de tralha? – Richard estava realmente assustado com a possibilidade.
– Olha o que eu encontrei! – Lila gritou novamente. Mas desta vez o grito dela não parecia de felicidade.
– De novo! – Richard também gritou.
Novamente aquela grande pegada havia aparecido. Era estranho que em dois anos nem eu e nem a Lila nunca tivéssemos encontrado aquelas pegadas. Isso estava começando a me assustar.
– Vamos levar tudo o que der de uma vez! – falei.
– Você está doida? – Richard gritou mais alto que de costume. Isso acabou fazendo sua voz falhar um pouco.
– Mas você não disse que isso não era nada? – Lila começava a tremer.
– E ainda acho que não estamos correndo todo esse risco que você e o Richard estão pintando. – tentei manter a calma – Mas de qualquer maneira, seja lá o que isso for, é melhor não ficarmos de bobeira.
Não deu para levar muita coisa. Além da poltrona e da porta, só levamos mais alguns pedaços do avião que poderiam servir para construir a cabana do Richard. E levar tudo aquilo foi complicadíssimo. Amarramos tudo o que deu com a corda que tinha trazido em minha maleta de ferramentas. A corda não era tão grande, então muita coisa a gente teve que ir apoiando e tomando cuidado para não cair na descida. Demoramos mais que o terço do tempo que levamos para subir, mas pelo menos já tínhamos algo para começar a cabana do Richard.
– O que iremos comer? – foi a primeira coisa que Richard perguntou quando chegamos – Estou com muitafome.
– Todos nós estamos! – fiz questão de ser grossa – E isso tudo é culpa sua!
– Mas o que foi que eu fiz? – ele perguntou fingindo confusão.
– Você caiu aqui! – bufei – Só pra atrapalhar nossas vidas.
– Olhe aqui – ele ficou nervoso – eu não planejei me acidentar!
– Você está sendo muito dura com o Rich! – Lila interveio a favor dele – Você não é assim Susi.
E realmente não era. Não conseguia entender bem o que estava acontecendo. Eu sabia que estava sendo estúpida com o Richard, que ele era tão vítima quanto nós. Mas toda vez que eu olho para ele algo acontece. E o que me dava mais medo era que no fundo, bem lá no fundo, eu sabia exatamente o que estava acontecendo comigo. E não estava gostando nenhum pouco disso.
– Desculpa. – tive que ser justa – Eu estou um pouco nervosa. É muita novidade. Não estou mais acostumada a ter a minha rotina interrompida por tantos acontecimentos.
– Tudo bem! – Richard respirou fundo – Eu te entendo. Também não está sendo fácil para mim. Mas acho que podemos tentar conviver pacificamente.
– Amigos? – estendi a mão.
– Amigos! – ele apertou.
– Muito bem! – Lila bateu palmas – Agora estão agindo como duas pessoas civilizadas!
– Está nos chamando de selvagens? – brinquei.
– Deixa de ser boba! – Lila sorriu – Agora precisamos encontrar um lugar para construir a casa do Rich. E mais materiais também, afinal, só isso não vai dá para construir muita coisa.
– Um quarto e uma cozinha já estão ótimos para ele! – provoquei um pouquinho. Só para não perder o hábito.
– Engraçadinha! – Richard fez uma careta – Mas desta vez você está certa. Não preciso de mais que isso.
– Nossa! – fiquei surpresa – Podia jurar que você iria querer uma casa triplex.
– Está me achando com cara de riquinho mimado? – Richard perguntou.
– Mas não é o seu apelido, Rich? – lembrei-o do fato.
– Pois pensou errado! – ele sorriu – Não sou nenhum riquinho.
– Então o que estava fazendo com um jatinho? – desta vez foi Lila quem perguntou. Algumas vezes ela até que raciocinava bem.
– Isso é uma história que eu não quero contar. – Richard fechou a cara de repente. Pelo visto havia algo de muito grave. Como eu desconfiava.
– Richard – tentei ser o mais séria possível – nós vamos conviver juntos por um bom tempo. Talvez pelo resto das nossas vidas. Seria bom se você começasse a revelar um pouco da sua história para a gente.
– Se é assim então prefiro ficar bem longe de vocês! – ele voltou a se irritar.
– Qual é Richard? – estranhei – O que de tão grave pode ter sido? Por acaso roubou o jatinho? Matou alguém? O que de tão hediondo você cometeu que não pode nos contar.
– Não é nada disso! – ele berrou – E você deixa de ser tão intrometida!
– Mas você é um estúpido mesmo! – gritei – Não sei como pude imaginar que poderíamos nos dar bem.
– Gente – Lila começou – não vamos voltar a estaca zero. Vocês já tinham superado isso. Vamos fazer o seguinte: ninguém toca mais neste assunto. Quando o Rich quiser contar, se ele quiser contar, então ele conta. Eu vou preparar alguma coisa para comermos.
– Pois prepare só para vocês duas. – Richard foi em direção a porta – Perdi a fome.
– Viu o que você fez! – Lila estava nervosa. De um jeito que eu só tinha visto em pouquíssimas vezes.
– Lila eu só acho que…
– Não Susi! – ela me cortou – Chega desse assunto.
– Tudo bem! – suspirei – Não vou deixar que um completo estranho estrague a nossa amizade.
– Eu também não quero que isso aconteça. – Lila se aproximou de mim – E nem deixaria. Mas vamos com calma. Ele está em estado de choque. Você sabe muito bem o que é perder toda a sua vida de repente.
– Eu sei Lila – também me acheguei – mas você não acha essa reação do Richard um pouco exagerada? E essa moça que estava com ele? Quem era? Se ele não era nenhum riquinho, o que estava fazendo no jatinho?
– Será que isso realmente importa? – Lila já estava mais calma – Nas condições que estamos, bem, se ele era um ladrão ou coisa parecida, com a gente ele não vai ter muito que roubar.
– Não sei não – ainda estava desconfiada – Mas tem algo estranho nessa história! E eu vou descobrir!