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Cantiga de Amor

Capítulo 36 – Cantiga de Amor

Cena 01: Navio 2.

Agnella – (Grita, como que desesperada) Vamos, Gustavo! Fala! Fala que me amas, Gustavo! Ainda me amas, não é?

Gustavo não fala nada, mas sua expressão facial é emocionada.

Agnella – (Agitada, nervosa e com a fala “dura”) Gustavo, o que aconteceu contigo? Por que estás calado?

Gustavo – Agnella… Foi um erro meu ter vindo aqui agora. Devia tê-la deixado descansar mais.

Agnella – Então é assim? Não irás me responder? Isso significa que não me amas mais, Gustavo? É isso não é?

Gustavo – Não, Agnella, em nenhum momento eu falei uma coisa dessas. Agora, por favor, volte a dormir. Depois conservaremos com mais calma.

Agnella – Gustavo, não saias agora! Tu não sairás daqui sem me dizer se ainda me amas!

Gustavo – Eu te peço mais uma vez, Agnella: por favor, procure descansar. Tu poderias ter morrido hoje.

Gustavo sai.

Cena 02: Navio 3.

Marlete – Tu conheces essa mulher que conversa com Giancarlo? Sabes o seu nome? Quem é essa Inês, Magno?

Brás – Ela… É uma… Ela morava próximo à região de onde eu venho. Só não sabia que ela estava em Termes. Eu realmente não estou entendendo. Por que ela está nesse navio? Não me lembro de tê-la visto antes por aqui.

Marlete – Sabe… Acho que ela não estava nesse navio. Vês como ela está molhada? Ela esteve no mar. E deve ter vindo desse outro navio que acaba de cruzar o nosso.

Brás – Do outro navio? Então está explicado… Quer dizer: o que ela fazia no outro navio?

Marlete – Não estás preocupado demais com o que alguém que mal conheces direito está fazendo? Parece até que tu ficaste assustado quando a viu no navio…

Brás – Eu fiquei surpreso, claro. E só estava curioso quanto ao fato de sua aparição.

Marlete – Nesse caso… Vamos falar com então, não é? Tenho certeza de que ela ficará feliz em te ver. Ou não?

Brás – Eu prefiro não ir. Na verdade, eu a conhecia pouco, mas por esse pouco não gostava tanto dela não. Aliás, prefiro que ela não me veja aqui, não saiba que eu estou nesse navio.

Marlete – E como farás isto? Cedo ou tarde vocês se encontrarão.

Brás – Não se eu, ou ela, passar todos esses dias em um lugar fechado, sem poder sair.

Marlete – Caro Magno, não acho que seja preciso tanto. Se não a queres ver, saia daqui então. Eu irei conversar com ela.

Marlete se separa de Brás. Ela se dirige a Inês; ele adentra o interior do navio.

Cena 03: Navio 2.

Gustavo se encontrou com Cecília, Pero e Gregório.

Gregório – Gustavo, Valentina me contou que está um pouco receosa contigo. Ela me disse que está com medo, tu achas? Ela está até ali, se escondendo de ti. Tu a conheces, não é?

Gustavo – Não sei, não me lembro… Mas por que ela ficaria com medo?

Gregório – É porque… Ela é, ou era, serva dos feudos de teus pais. Se chamava Iasmin. Porém ela fugiu, mudou de nome, e acabou parando no convento… E o resto da história tu conheces. Ela devia achar que irias prendê-la.

Gustavo – Oh, não, que besteira! Diga a Valentina que não há por que ficar com medo de mim. Eu quase casei com uma camponesa, não foi? Por que prenderia uma serva, mesmo tendo fugido? Eu mesmo não prefiro uma vida andante a uma vida fixa? De modo algum a recriminaria.

Gregório – Que bom, que bom. Estás ouvindo, não é, Valentina?

Valentina aparece, de cabeça baixa.

Valentina – Muito obrigada, Gustavo. Eu devo admitir que fiquei bastante surpresa, e depois amedrontada, quando me dei conta de quem eras tu. Mas e então? Como Agnella está?

Gustavo – Ela ainda está um pouco agitada por conta de tudo o que aconteceu. Eu pedi para que ela descansasse mais um pouco.

Gregório – Que bom. Ah, nós estávamos aqui conversando com essa moça que diz ter te conhecido na tal cidade em que terminaste tua viagem. Ela disse que podes nos ajudar com relação a nossa permanência no navio.

Cecília – Isso mesmo. Tenho algumas coisas de valor que posso oferecer ao comandante do navio, para que eles não sejam jogados ao mar. (Ela ri.)

Pero – E se não houver lugar para dormirmos, dormimos em pé mesmo.

Gustavo – Cecília tem sido uma pessoa muito prestativa, mesmo. Tu sabes, não é, que eu só tenho a te agradecer por todas essas coisas que vem fazendo por mim, e agora por meus amigos, em detrimento de ti mesma.

Cecília – Não, de forma alguma. Eu não me sinto prejudicada fazendo isso. Pelo contrário, se eu posso ajudá-los, faço isso com o maior prazer. Ah, e quanto a essas roupas molhadas com que estão vestidos, eu posso ajudar também. Quer dizer, se Gustavo puder ajudar com as roupas dos rapazes, seria muito bom, porque essas eu não tenho…

Eles riem.

Gustavo – Então ficamos assim. Mas e quando aportarmos na península? Voltaremos para o Povoado das Hortaliças?

Valentina – Se depender de mim, não. Eu arranjarei outra maneira de me manter longe daquele lugar. Não vim até aqui para me entregar assim tão fácil.

Pero – Quanto a mim, ainda não sei se volto e cuido das minhas terrinhas, mesmo correndo o risco de me reencontrar com Inês algum dia, ou se vou para um povoado onde moram alguns tios meus.

Gustavo – Tudo bem, então. Há tempo para decidir-se isso. Temos alguns dias até lá.

Pero – Eu acho que eu vou vasculhar melhor esse navio. Com licença.

Pero sai. Valentina e Gregório o acompanham.

Cecília – Gustavo, eu só queria te dizer algo… É que eu acho que agi mal contigo hoje. Disse coisas demais, e te importunei quando querias ficar só.

Gustavo – Sem problemas. Eu não estou chateado, se é isso que pensas. Só estou um pouco cansado, confuso… Devem ter sido todas essas coisas que aconteceram hoje.

Cecília – Então tu me perdoas pelo incômodo que posso ter te causado?

Gustavo segura a mão de Cecília.

Gustavo – Claro que te perdoo. Mesmo não tendo me sentido incomodado, eu te perdoo, já que isso te deixa melhor.

Nesse momento, Agnella aparece.

Agnella – Então é isso, Gustavo? Tu deixaste de me amar e passaste a amar outra mulher?

Cena 04: Navio 3.

Giancarlo – Agora, senhora, se me permites, eu tenho que ir aos meus aposentos.

Inês – Podes ficar à vontade. Saibas apenas que eu te agradecerei para sempre pelo que fizeste por mim.

Giancarlo – Não foi nada. Só que tu tens que descansar, e dar um jeito de trocar essas tuas roupas. Estão muito molhadas.

Marlete – Eu a ajudo. Como te chamas, senhora?

Inês – Inês. Quem és? O senhor a conhece?

Giancarlo – Essa é minha sobrinha Marlete. Só estou surpreso com a sua boa intenção.

Marlete – O senhor faz mau juízo de mim. Não sou uma pessoa má. Talvez prática. Olha, querida, não escute muito o que meu tio fala de mim. Às vezes ele exagera.

Giancarlo – Eu realmente preciso sair agora, cara Inês, senão ficaria para te proteger dessa maluca dissimulada. Vês se não confias muito nela.

Ele sai. Inês olha curiosa para Marlete.

Inês – Por que ele está dizendo tudo isso? Parece que não gosta muito de ti.

Marlete – Tudo não passa de uma brincadeira, com certeza, apenas para te assustar, querida. Mas tu podes confiar em mim. Se não fosse por isso, eu não te ajudaria a trocar essas roupas e a pagar essa viagem, não é?

Inês – Oh, Deus, já ia me esquecendo disso! Estou clandestina, não é? Mas então tu farias esses favores por mim… Por quê?

Marlete – Ora, eu simpatizei contigo assim que te vi. Não posso? Pensas em recusar?

Inês – Não, não. Essa atitude nobre me é muito importante.

Marlete – Pois bem. Vamos lá dentro, eu tenho uma roupa que deve servir para ti.

Elas caminham.

Marlete – Ah, já ia me esquecendo de que preciso ajudar meu amigo Magno. Ele está voltando para a península de onde veio, e ficou tão empolgado com a viagem que passou mal. Está descansando no momento. Diga-me: tu também és da península para onde esse navio vai? Ela é muito grande?

Inês – Sim, sou. E a península é grande, sim. Bastante extensa, muitas e muitas terras.

Marlete – (Simula desapontamento) Ah… Por um momento pensei que pudesse conhecer meu amigo… Ele anda tão aflito por notícias de sua terra…

Inês – Oh, é uma pena, mas eu não me lembro de conhecer nenhum Magno não. Quer dizer, havia um no povoado onde moro, mas ele morreu antes mesmo de eu me casar com meu falecido marido, que morreu pouco mais de um mês atrás. Ave, nossa Senhora, eu não gosto nem de me lembrar do crápula do Brás da Mata; que Deus o tenha bem longe de mim.

Elas chegam aos aposentos de Marlete e de outras pessoas a bordo.

Marlete – Aqui estão as minhas roupas. Enquanto te vestes, eu irei ver Magno. Ele está tão mal, coitado, que prefere não ver ninguém… Fique bem, tá? Volto em pouco tempo.

Cena 5: Navio 2.

Agnella – Tu estás amando outra, Gustavo, é isso? Confessa! Eu te vi pegando em sua mão! Eu ouvi tua voz, como falavas calmo e compreensivo!

Gustavo – Agnella, tu estás entendendo errado. Eu apenas… Estava tendo uma conversa simples com Cecília. E esse é o meu jeito de falar mesmo.

Agnella – (Sua voz embarga; aos poucos as lágrimas descem) Será que eu posso acreditar em ti, Gustavo? Eu quis tanto que esse dia chegasse… Eu corri, fugi, fui parar em um convento, em um porto, naquele navio, arrisquei minha vida para te ver, meu amor… Eu estou aqui em tua frente porque te amo… E quando eu chego aqui te encontro ao lado de outra mulher… Não me amas mais, não é?

Gustavo – Agnella, volta para o teu quarto, por favor…

Agnella – Quem sabe até nunca me amaste mesmo… Quem sabe até aquele dia em que… Tu sabes o que nós fizemos. Tu lembras, não lembras? Então foi tudo em vão? Teu único objetivo desde o início foi o de te divertires comigo, da mesma forma como deves ter feito com outras mulheres em outros povoados por onde passaste… Foi isso, não foi? E aí o nosso noivado não deu certo, tu aproveitaste a Guerra Santa para te livrares de mim, e me deixaste lá, sonhando contigo, tantas vezes nem dormindo por tua causa… Me fizeste sofrer, correr, me afogar, sem motivo… E, tu, moça, não sei o que queres com Gustavo. Só te aviso uma coisa: tenhas cuidado com ele. Cuidado para não sofrer como eu tenho sofrido.

Gustavo – (Emocionado) Agnella, tu estás me machucando com essas palavras. Eu não imaginei que tu pudesses dizer tantas calúnias. Em nenhum momento, nunca, em hipótese alguma, duvides do que eu senti por ti. Sempre fui verdadeiro, meu amor sempre foi verdadeiro… Tu estás sendo muito incompreensiva, Agnella…

Cecília – Querida, eu posso te garantir que Gustavo nunca te esqueceu. Olha só: ele sempre falou em ti todo esse tempo, ele sempre deixou claro o amor que sentiu por ti… Então não sejas dura assim com ele. Apesar de tudo, Gustavo não merece ser tão insultado assim.

Agnella – Isso… É verdade, Gustavo? Oh, perdão, perdão. Desculpe-me, por favor. Desculpe-me. Eu te amo tanto, que não suportaria te ver com outra pessoa. Eu sei que me amas…

Gustavo – Agnella, eu tenho certeza de que isso deve ser efeito de teu cansaço. Vamos, deixe-me conduzi-la até o lugar onde estavas. Lá ficarás mais tranquila, e acordarás mais calma.

Agnella – Claro…

Gustavo vai com Agnella até os aposentos. Volta em pouco tempo.

Gustavo – (Reflexivo) Acho que dessa vez ela descansará de verdade. Seus olhos até fecharam aos poucos. Ela me olhava de uma maneira, que eu não sei se era somente amor, ou se havia algo além disso…

Cena 06: Navio 3.

Marlete caminha pelos corredores do navio.

– Flashback –

Brás – Sei muito bem o que é querer se ver longe daqueles que nos tratam mal. Sabe, comigo foi assim.

Marlete – Então este rapaz te fez algum mal e o senhor quer se vingar… Entendi.

Brás – Não… Eu fui essa pessoa que uma vez tratou outra mal; e por isso fui expulso do meu lugar, da minha casa. Mas olha só onde estou agora: prestes a colocar minhas mãos em um tesouro!

– Fim do flashback –

Marlete – Hum…

Cena 07: Navio 2.

Agnella descansa no aposento que lhe reservaram.

Agnella – (Pensativa) Ai, Gustavo, acho que fui muito tola… Mas agora estou mais tranquila. Eu sei que tudo ficará bem de novo entre nós… Porque tudo precisa ficar bem entre nós…

Cecília, Gustavo, Pero e Valentina conversam na proa.

Cecília – Mas que dias turbulentos esses, não?

Valentina – Os teus também foram? Porque os nossos parecem ter sido intermináveis…

Pero – Mas graças a Deus, eu estou livre da burrada que me fez jogar tudo para o alto. Agora só me resta voltar à vida tranquila que eu levava…

Gustavo – É… Sabe que às vezes me arrependo um pouquinho por ter decidido levar uma vida viajante? Às vezes me dá uma vontade louca de ficar parado, sentado nas cadeiras e camas da casa de meu pai… Mas logo passa. O que eu gosto mesmo é disso, da incerteza, de não fazer tantos planos. Tanto é que (ele ri) não estava nos meus planos viajar para tão longe. Mas já que Deus quis assim… Só posso dizer que apesar de tudo, esses dias, meses e alguns anos têm valido a pena.

Gregório – Mas falando em dias e tempos conturbados… Parece que vai chover forte. Vamos entrando, temos que nos abrigar.

Cecília – Isso. Vamos lá para dentro, aguardar até que esse tempo ruim passe, e que cheguem logo os dias bons…

Cena 08: Navio 3.

Brás está em um compartimento do navio. Marlete aparece.

Brás – Então foste mesmo falar com Inês? E aí? Como ela está?

Marlete – Muito bem, obrigada. Eu até decidi ajudá-la com minhas roupas e mais uma das joias que minha mãe deixou. (Ela anda um pouco pelo compartimento) Não achas, Magno, que tu e tua família têm me saído caros demais esses dias?

Brás – Como assim “tu e tua família”? Não estou entendendo… Eu não tenho família.

Marlete – Mas como não? Essa Inês de quem tanto foges não é de tua família, Magno? Não seria ela tua viúva? Ou melhor, ela não é a viúva do senhor… Como é mesmo o nome? Ah, sim: (fala destacando as palavras) Brás da Mata?

2 comentários sobre “Capítulo 36 – Cantiga de Amor

  • Agnella e Gustavo passando crise no relacionamento, vish, que bom que eles conseguiram de entender!! 🙂
    Marlete se interessou e muito pela história da Inês, tanto que ata ou por descobrir tudo que o Brás esconde, esperta ela em? Rs
    A web Vera ótima 🙂

    • O mar se acalmou para Gustavo e Agnella rsrs Mas nada impede que essas águas não voltem a ficar turbulentas. Condições para isso existem.
      Marlete sempre esteve de olho aberto com Brás, e agora ela contou com a sorte com os vacilos de Brás para descobrir tudo. Será que essa parceria continua?
      Obrigado por comentar!! 😀

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