Capítulo 3 – O Último Ano
O ÚLTIMO ANO
O BEIJO.
“Estávamos a alguns centímetros de distancia um do outro. E isso já era o suficiente. A cada palavra que Diego falava eu o conhecia melhor. Até mesmo além das palavras eu o conhecia mais. Ele sentadinho na minha cama sem estar azucrinando ninguém parecia como uma fera mansa… Ele contava sobre seus pais, sua família, suas experiências numa naturalidade que me impressionei. Parece que por muito tempo ele esperou alguém para conversar, alguém que lhe desse segurança para se desfazer daquele personagem da escola e das ruas para desabafar. Bom, o felizardo de ver esse momento foi eu. E eu estava muito contente por isso. Diego era um menino bom, mas que amava ser mal. Se por um lado Diego era odiável, por outro ele era muito amável, cativante… Se como amigo ou não, eu já estava começando a perceber uma coisa: eu queria Diego para mim.”
(Trecho do diário de Elvis Braga)
Diego estava inquieto por um momento. Elvis percebeu isso.
ELVIS: Você está incomodado com alguma coisa Diego?
DIEGO: Hum… Sim. Quero fumar.
ELVIS: Você fuma?
Diego assentiu com a cabeça.
ELVIS: Você sabe que não deveria. A asma é…
DIEGO: …Eu sei. Mas o estresse daquela casa, da escola…
ELVIS: Eu acho que você deveria pensar numa maneira mais inteligente de morrer aos poucos.
Os dois riem.
ELVIS: Porque esse estresse todo?
DIEGO: Ah, você não tem noção de como é minha família cara! Um inferno aquela casa!
ELVIS: Nossa, por que? O negócio é tão sério assim?
DIEGO: Meus pais vivem pegando no meu pé. Eu já sou um homem e eles querem me tratar como criancinha me proibindo de fazer as coisas. Por isso eu faço. Por birra! Eu dou graças a Deus, quando eles estão viajando.
ELVIS: E seus avós?
DIEGO: Esses são piores! Minha avó vive me vigiando e qualquer coisa que eu faça ela conta para minha mãe.
ELVIS: Complicado…
DIEGO: Às vezes acho que eles só querem uma maneira de se livrar de mim. Minha mãe já falou que no próximo ano eu vou morar com meus irmãos.
ELVIS: Você tem irmãos?
DIEGO: Dois. Diana e Daniel. São mais velhos. Dois nerds chatos. Eu não quero morar com eles. Já falei que não saio daqui nem morto.
Elvis ficou calado. No seu íntimo queria dizer para que ele fosse, pois lá teria oportunidades maiores. Mas ele já desejava que Diego nem saísse de sua casa, quanto mais do país! Era melhor ficar caladinho e desejando que ele realmente não fosse embora.
DIEGO: Eu chego até a pensar que tudo que passo em casa é consequência das coisas ruins que faço.
ELVIS: Diego, tudo que fazemos volta pra gente. Se fizermos coisas boas elas voltam pra gente da mesma maneira que as ruins. Não acha que deveria pelo menos mudar um pouco as coisas?
DIEGO: Até penso às vezes. Mas não faço por orgulho. Minha família vive reclamando de mim, queriam que eu fosse uma pessoa melhor… Mas o exemplo que eu deveria ter deles, eu não recebi. Meus pais nunca param em casa, meus avós parecem que mais me toleram do que gostam de mim… Meus irmãos nem se fala! Nunca tive relacionamento com eles. Eu cresci vendo meus pais planejarem o futuro deles, e agora parece que eles só querem que eu siga o mesmo caminho.
ELVIS: Os pais são assim mesmo. Minha mãe quer que eu seja engenheiro assim como ela. Na verdade eu queria fazer música. Mas ela me ensinou uma coisa importante.
DIEGO: O que?
ELVIS: Que eu posso fazer tudo e tenho tempo para tudo. Isso foi o suficiente para eu acreditar que posso fazer engenharia e depois posso fazer música ou qualquer coisa que eu quiser.
DIEGO: É disso que estou falando cara. Apoio. Você tem apoio. Eu não! Na verdade você tem tudo né? Olha sua casa, olha essa TV, olha a mãe que você tem! Nem tem porque reclamar, mas eu sim!
ELVIS: Discordo de você Diego. Isso aqui que eu tenho é só conforto. Seria feliz mesmo se não tivesse isso.
DIEGO: Duvido.
ELVIS: Questão de ponto de vista…
DIEGO: Você recebeu carinho e atenção. Eu desejo carinho, mas só roubo a atenção. E sempre da pior maneira possível.
Diego se cala repentinamente. Elvis estranha e se levanta do colchão. Diego está com os olhos lacrimejando. Diego enxuga o rosto.
DIEGO: Estava. Não vim dar chilique na casa alheia!
ELVIS: Cara pode chorar. Mas só se for pra chorar tudo de uma vez.
As lágrimas voltam a cair pelo rosto de Diego. Ele cobre o rosto. Elvis senta na cama meio sem saber o que fazer.
ELVIS: Diego você é uma boa pessoa. Senta aqui do meu lado.
DIEGO: Vou ficar bem não se preocupe. Isso é bobagem minha.
ELVIS: Bobagem não. Homens também choram. Eu já chorei muito. Quero só lhe ajudar se possível. Senta aí cara.
Diego se levanta da cama e senta ao lado de Elvis.
ELVIS: Fica assim não cara. As coisas vão se resolver pro teu lado. Tudo é uma questão de tempo…
Elvis sente seu coração bater forte. Ele gostaria de dar um abraço forte em Diego. Mas sentia muito medo. No entanto ele foi surpreendido quando o próprio Diego se virou e deu-lhe um abraço breve, mas muito significante para ele.
DIEGO: Desculpa pelo vexame. Muito obrigado pelas coisas que você me falou. Acho que a partir de agora a gente pode se dizer amigo não é?
ELVIS: Que privilégio!
Os dois riem.
DIEGO: A gente julga muito os outros né? Quando você chegou ontem na escola eu pensei “nossa, que cara metido”, “convencido só porque veio de Brasília”… E, no entanto, eu fui super bem recebido e tal… Só não digo que me sinto em casa porque minha casa tá longe disso aqui!
ELVIS: Você pode vir aqui todo dia se quiser. O GTA está aí esperando a gente.
DIEGO: É mais do que GTA. Eu sinto que posso confiar em ti, sei lá.
ELVIS: Estranho…
DIEGO: O que?
ELVIS: Apesar de ter ouvido horrores sobre você, e até visto, eu sentia que deveria fazer o mesmo.
DIEGO: Você será meu guru conselheiro!
Elvis ri.
ELVIS: Eu aceito.
DIEGO: Podemos jogar mais um pouco?
Não era exatamente o que Elvis queria. Ele preferia continuar ali sentado conversando. Mas resolveu ceder à vontade Diego.
ELVIS: É pra já parceiro!
Elvis coloca o jogo. Em seguida, ele liga o aparelho de som e coloca uma música.
DIEGO: Quem está cantando?
ELVIS: Clarice Falcão. Conhece?
DIEGO: Não é aquela do “Porta dos Fundos”?
ELVIS: Ela mesma. Gosto muito das canções dela.
DIEGO: É, até que é legal. Qual o nome dessa música?
ELVIS: “Eu Me Lembro”. Acho essa música muito engraçada.
DIEGO: Mas é lenta demais. Vou acabar ficando com sono. Tem algo mais agitado?
ELVIS: O que você gosta?
DIEGO: Link Park, Green Day, Evanescence…
ELVIS: Gosto muito também. Tenho Red Hot Chilli Perpers. Curte?
DIEGO: Muito.
Elvis tenta colocar a música.
ELVIS: O aparelho não quer ler o formato do áudio. Minha mãe está usando meu notebook. Acho que vamos ficar com Clarice Falcão.
DIEGO: Tudo bem. Até que é legal mesmo. Como é mesmo nome dessa música?
ELVIS: “Eu Me Lembro”.
Sentados na cama, os dois jogaram vídeo game novamente. Em certo momento Elvis foi buscar suco e sanduíche na cozinha e eles comeram. Em dada hora da madrugada, o sono começou a pesar sobre seus olhos, quando virou para o lado Diego estava cochilando sentado. Elvis deu pausa no jogo e ficou olhando para Diego por alguns segundos. Eles estavam tão próximos… Seus ombros se tocavam… Elvis sentiu um desejo imenso de abraça-lo, mas sentiu que não deveria fazê-lo. Apenas olhou para o teto e ficou pensando. Ele se surpreendeu quando a cabeça de Diego pendeu para o lado e se apoiou em seu ombro desabando de sono. Clarice Falcão ainda tocava no quarto. A música era “Macaé”. A letra veio bem a calhar…
“Ei, se eu tiver coragem de dizer que eu meio gosto de você, você vai fugir a pé? E se eu falar que você é tudo que eu sempre quis para ser feliz, você vai pro lado oposto ao que eu estiver? Eu queria tanto que você não fugisse de mim…”
Elvis ficou imaginando a cena vista de outro ângulo: Diego cochilando com a cabeça em seu ombro. Pareceu fofo. Pareceu lindo. Elvis ainda olhou para a mão de Diego e quis segurar, mas seria demais. Ele poderia acordar. No seu coração não havia um interesse amoroso ainda. Apenas um carinho imenso, enorme até. Elvis poderia passar a eternidade ali, mas Diego acordou. Vagarosamente.
DIEGO: Elvis?
ELVIS: Você cochilou.
DIEGO: Desculpa. Eu te deixei falando?
ELVIS: Não. Eu fiquei jogando.
Diego afastou-se e deitou na cama caindo de sono. Elvis ficou entre Diego e a parede. Encurralado. Devagarinho ele foi deitando e ficou encolhido do lado de Diego. Sem nenhum sono. Apenas pensativo… Elvis poderia jurar que Diego estivesse dormindo. Mas minutos depois Diego falou.
DIEGO: Você vai dormir aí?
ELVIS: Não. Desculpa. Eu já iria me levantar só que está difícil sair daqui e não queria acordar você.
Diego virou-se, ainda deitado, e olhou para Elvis. O coração de Elvis palpitou elétrico.
DIEGO: Posso te perguntar uma coisa?
Elvis gelou. A voz quase não saiu.
ELVIS: Pode.
Diego ficou em silencio por algum instante.
DIEGO: Nada não. Esquece.
E virou-se novamente dando as costas para Elvis, que continuou nervoso. Ele poderia apostar que sabia a pergunta que Diego iria fazer. Nesse instante, Elvis se moveu a fim de sair da cama e ir deitar no colchão. Mas de repente, sem avisar, Diego se levantou segurou o braço de Elvis e num instante colou seus lábios aos de Elvis. Um selinho. Elvis ficou olhando atônito para Diego assim que ele se afastou de sua boca, atônito, sem saber o que fazer. Mais um segundo em silêncio… Elvis então se adiantou e retribuiu o beijo. Diego recebeu o beijo, mas depois se afastou deitando novamente.
DIEGO: Eu já sabia!
Elvis continuou envolto em uma nuvem de confusão e dúvida sobre o que tinha acontecido ali naqueles segundos. Diego o beijou inesperadamente. E essa seria a última pessoa do mundo do qual ele poderia esperar um beijo. Porque ele fizera aquilo de maneira tão inesperada? Elvis não podia imaginar. Nem sequer poderia cogitar a possibilidade de Diego ser gay. Foi um segundo mágico, eterno, inesquecível… O que aconteceria pela manhã? Elvis agora queria dormir e esperar que a resposta o dia seguinte lhe trouxesse.
Enfim o dia amanheceu… Elvis acordou se espreguiçando. De repente, como num lapso, o acontecimento da noite passada lhe veio em memória… De súbito ele se pôs de joelhos e olhou para a cama. Para sua surpresa Diego não estava deitado. A camisa com estampa do Homer estava sobre a cama e a mochila dele já não estava sobre a cadeira da escrivaninha. Nesse momento dona Elis entra no quarto.
ELIS: Meu amor, eu já estou indo trabalhar.
ELVIS: Mãe…
ELIS: Ah, seu amigo acordou cedo e foi embora. Eu insisti para que ele tomasse café, mas nem isso ele quis. Disse que tinha um compromisso agora cedo.
ELVIS: Ah tudo bem. Falo com ele na escola.
ELIS: Tá certo então. Agora deixa eu ir que estou atrasada. Beijos. Te amo filho.
Elvis voltou a deitar mais confuso ainda. Diego foi embora sem ao menos se despedir. Será que ele estava com vergonha? Pensou Elvis. De qualquer maneira eles se veriam mais tarde e ele poderia tirar todas suas dúvidas sobre aquele selinho. Elvis passou toda a manhã pensando naquilo até a hora de ir para a escola.
INSTITUTO EDUCACIONAL DANIEL DE LA TOUCHE
Meio dia, os alunos começavam a chegar na escola. A turma do terceiro médio era de longe a mais preocupante para a direção da escola. Os alunos abusavam da paciência dos professores na certeza que não ficariam reprovados, uma vez que ronda a escola a lenda que no terceiro médio o Instituto Daniel de La Touche quer se livrar dos alunos e não reprova ninguém. Naquele momento a turma estava chegando à sala de aula. Elvis entrou na escola praticamente caçando Diego com os olhos. Mas de repente seus olhos se deparam com Eduarda.
EDUARDA: Ei Elvis!
ELVIS: Oi Duda.
EDUARDA: Aconteceu alguma coisa? Você parece apreensivo.
ELVIS: Dá pra perceber?
EDUARDA: De longe. Praticamente escrito na sua testa. Fala pra mim amigo, aconteceu alguma coisa?
ELVIS: Aconteceu, mas não sei se devo contar.
EDUARDA: Não se sinta obrigado, mas se é sério gostaria de ajudar.
ELVIS: É que não envolve só a mim.
EDUARDA: Entendo… E envolve quem mais?
ELVIS: Diego.
EDUARDA: Pode rasgar! Conta tudo. Como assim com o Diego?
ELVIS: Acho que ainda vai demorar um pouquinho pro professor entrar na sala. Vamos guardar nossas coisas na sala e iremos à lanchonete. Te conto tudo lá.
Elvis e Eduarda, como combinados, antes foram na sala e dois para a lanchonete. Compraram uma Coca-Cola e começaram a conversar.
Enquanto isso na sala de aula, João Pedro chegava. Como maioria dos alunos, ele simplesmente colocou sua mochila na cadeira e preparava-se para sair quando notou um detalhe: a mochila de Elvis estava dando sopa na sala. Não havia mais ninguém ali, exceto Gutierres, o nerd antissocial da turma que lia um livro na primeira cadeira. João Pedro abriu a mochila de Elvis sorrateiramente e pegou o primeiro caderno que viu. Arrancou duas folhas. No entanto, quando já ia fechando o caderno, uns escritos na contracapa lhe chamou a atenção. Era visivelmente uma declaração de amor. Bem apaixonada por sinal. No fim da espécie de poema havia um coração e o nome PIETRO. João Pedro mal podia acreditar no que viu. Logo a o plano da carta anônima pareceu antiquada demais diante daquela nova informação. “A escola toda vai amar saber disso!” Pensou. Assim ele tirou uma foto da contracapa do caderno e em seguida o guardou. “Elvis era gay e tinha um namorado” isso seria o novo “babado” do colégio, imaginou João Pedro rindo sozinho.
Na lanchonete…
ELVIS: Ontem no fim da aula, eu vi Diego indo em direção à quadra da escola. Eu fui atrás para devolver a bombinha dele. Ele iria pintar o muro como punição à ofensa que fez a Jeremias. A gente começou a conversar sobre GTA…
EDUARDA: GTA? Certo.
ELVIS: Sim, GTA. Acabou que a gente marcou de ir jogar lá em casa. Eu o ajudei a pintar o muro e fomos para minha casa.
EDUARDA: Diego foi para sua casa… Muito amiguinhos né?
ELVIS: Escuta Duda. Bem, a gente foi pra casa e lá jogamos GTA por horas a fio. Nem nos demos conta do tempo passando. Quanto a gente se tocou já eram onze horas e chovia muito. Ele teve que dormir lá em casa porque não tinha como ir embora.
EDUARDA: Sério?
ELVIS: Sim, mas o impressionante é o que aconteceu na madrugada.
EDUARDA: Vocês transaram?!
ELVIS: Não! Tá louca?
EDUARDA: Ufa! Seria um babado daqueles!
ELVIS: Mas a gente se beijou!
Eduarda salta da cadeira.
EDUARDA: COMO É QUE É?!
As pessoas ao redor olham para ela.
ELVIS: Senta nessa cadeira e procura ser menos escandalosa.
EDUARDA: Me conta isso direito. Olha isso aqui! Menino eu estou me tremendo todinha.
ELVIS: Nem eu entendo bem. Só sei que uma hora ele acordou e disse se poderia me perguntar uma coisa. Eu disse que sim, mas ele me mandou esquecer. Um segundo depois ele se virou e meu deu um selinho.
EDUARDA: Calma… Deixa eu processar. Ele te beijou certo?
ELVIS: Isso.
EDUARDA: Beijou, tipo, tocou tua boca com a boca dele…
ELVIS: Existe outra maneira de beijar? Foi assim, claro. Eu retribui o beijo e ele recebeu sem problemas. O mais estranho é que depois ele se virou e dormiu. Só disse “eu já sabia”.
EDUARDA: Eu estou chocada, abismada, bestificada, passada, dobrada e recolhida no armário da incredulidade! O Diego é uma encubada?!
ELVIS: Não. Na verdade, não sei. A gente conversou muito a noite toda, sobre muita coisa. Ele até chorou sabe?
EDUARDA: O Diego chorou? Isso é que eu chamo de fenômeno da natureza, meu caro!
ELVIS: Pois é. Ele abriu o coração completamente para mim. Mas em momento algum falou de que curtia meninos. Talvez nem curta.
EDUARDA: Ah meu amor, me poupe né? Acorda Alice. O cara te dá um selinho e você acha que ele não curte o babado? Conta outra.
ELVIS: É nisso que está minha dúvida Duda. Porque ele me beijou? Sem falar nada. E calado ficou. Mas, por favor, que esse assunto morra entre nós, certo?
EDUARDA: Claro. Até porque quem acreditaria nisso? O cara é o maior safado! Mulherengo. Galinha. Já pegou todas as meninas da sala. Menos eu! Eu não mereço!
ELVIS: Engraçado que pela manhã ele se levantou e foi embora sem me avisar. Acordei e encontrei a cama vazia. Foi minha mãe quem me disse.
Eduarda fica calada.
ELVIS: O que foi?
EDUARDA: Estou imaginando Diego e você se beijando… Na verdade estou tentando, porque é difícil. Se bem que hoje não se pode duvidar de nada!
A campainha toca anunciando o primeiro tempo de aula. Os dois se levantam e vão para a aula. Chegando lá Elvis nota que Diego ainda não havia chegado. Atrasou ou ele não queria lhe ver hoje? Elvis não sabia e isso só aumentou sua angustia. Professor Almeida começou a aula de Biologia, mas Elvis pouco prestou atenção. Sua cabeça estava longe.
Passou o primeiro e o segundo tempo. Elvis não tinha mais esperança de ver Diego, quando de repente ele entrou na sala. Elvis sentiu o coração palpitar e podia jurar que Diego lhe deu uma rápida olhada e desviou o olhar. Professor Jairo estava na sala.
JAIRO: Nem pensar! Diego você vai sentar nessa cadeira aqui da frente. Hoje não quero você no fundão e muito menos perto do João Pedro.
Diego pareceu não resistir. E foi uma surpresa para todos.
JOÃO PEDRO: Diego não se recusou? Quero meu amigo de volta! O que fizeram com o outro?
Todos riram. Inclusive Diego, que apenas obedeceu ao professor.
JAIRO: É, a previsão meteorológica falou que hoje seria dia de sol, mas acredito que em alguma hora do dia vai chover! Isso é um milagre! A que santo devemos agradecer?
Eduarda se vira para Elvis e sussurra.
EDUARDA: Ao Santo Elvis Braga, padroeiro do beijo!
ELVIS: Boba!
A aula de Jairo naquele dia foi muito produtiva. Diego pouco falou na aula. Estava distante, sério, pensativo. Após a aula de Jairo deu-se inicio ao intervalo. Diego foi o primeiro a abandonar a sala. Elvis fechou a mochila com rapidez e saiu na tentativa de encontra-lo. Mas ele simplesmente sumiu.
EDUARDA: Aonde você vai?
ELVIS: Vou procurar Diego. Preciso falar com ele.
EDUARDA: Cara, você não vai ficar correndo atrás dele né? Só foi um selinho. Mesmo que ele seja assim igual a você talvez seja um cafajeste como ele é com as mulheres!
ELVIS: Eu só preciso saber por que ele fez aquilo. Somente isso.
EDUARDA: Elvis cuidado para não quebrar a cara. Cuidado.
Elvis sai à procura de Diego pela escola. Mas parece que ele havia tomado chá de sumiço. Nesse exato momento, aproveitando que o resto da turma jogava vôlei no intervalo, João Pedro se trancou na sala de aula. Pegou um pincel para quadro branco e começou a transcrever o poema do caderno de Elvis na lousa. Fez um coração, colocou o nome Pietro e ainda escreveu:
ASS. ELVIS BRAGA.
P.S: EU SOU GAY
A armação estava feita.
Enquanto isso, Elvis conseguiu encontrar Diego. Ele estava saindo de um dos boxes no banheiro.
ELVIS: Diego!
DIEGO: Depois a gente se fala!
ELVIS: Eu só queria conver…
DIEGO: A gente se fala depois cara!
E saiu deixando Elvis sozinho. Foi como se uma tonelada desabasse sobre sua cabeça. O sentimento era de decepção. Após a noite anterior onde os dois se divertiram muito, ele sinceramente esperava que o tratamento fosse outro. Não pelo beijo, claro! Afinal de contas aconteceram coisas mais importantes até. Eles conversaram, riram enfim. Fizeram coisas de amigos. De repente do lado de fora do banheiro uma voz feminina bradava.
EDUARDA: Elvis! Você está aí? Sai daí rápido.
Elvis saiu do banheiro assustado.
ELVIS: O que aconteceu?
EDUARDA: Cara você não vai acreditar! Eu disse que esse cara só ia brincar contigo!
Eduarda puxou Elvis até a sala de aula. A turma toda, inclusive alunos de outras turmas, estava reunida na sala do terceiro médio. Quando Elvis entrou todos os olhares se voltaram para ele. No rosto de muitos a expressão era de deboche e risos contidos, algumas piadinhas foram jogadas. Samara falou.
SAMARA: E aí Elvis quando é seu casamento com o Pietro?
A turma riu. Elvis sentiu uma sensação gélida lhe percorrer a espinha. Quando olhou para a lousa viu o texto transcrito. Sua mente travou por um segundo até voltar a processar muitas informações ao mesmo tempo. “Ele aproveitou enquanto eu dormia ontem e descobriu sobre mim e o Pietro. Deve ser por isso que ficou calado o dia todo. Ele estava esperando a hora certa para fazer isso. Idiota! Idiota!”. Pensou. Em seguida saiu da sala correndo.
SAMARA: Ih, a noiva correu pro altar?
Eduarda vai à lousa e começa a apagar tudo com as mãos.
EDUARDA: Qual o problema de vocês hein?
SAMARA: Falou a protetora das Barbies!
EDUARDA: Sou sim. Se defender um amigo do preconceito de vocês é ser isso. Eu sou.
DANIELA: Ah então ele é gay mesmo. Ela acabou de confirmar galera. Ela já sabia!
EDUARDA: Sim, sabia sim. Assim como sei que você é a maior puta da escola. Afinal todos já sabem. E aí, me diz Daniela, o que é pior? Pelo menos Elvis se dá o respeito!
DANIELA: Olha lá como fala comigo queridinha!
EDUARDA: Olha lá você! Baixa tua bola. Ridícula!
Eduarda empurra Daniela e as duas saem aos tapas debaixo da gritaria da turma que observava.
Elvis sai pela escola à procura de Diego, quando o encontra na lanchonete. Elvis se aproxima de Diego e empurra o lanche dele no chão.
ELVIS: Seu idiota!
DIEGO: Tá maluco?
ELVIS: Foi você não foi Diego?
DIEGO: Do que você está falando?
ELVIS: Daquela merda no quadro!
DIEGO: Eu não sei do que você está falando!
ELVIS: Ah não sabe? Eu sou um idiota mesmo de ter acreditado que você fosse diferente. Mas as pessoas estavam certas. Seu ridículo!
Elvis sai. Eduarda vem chegando, descabelada e a marca da palma de uma mão bem visível no rosto.
EDUARDA: Você não tem vergonha não garoto?
DIEGO: Do que vocês estão falando?
EDUARDA: Você descobriu sobre o Pietro e fez aquela babaquice na lousa!
DIEGO: Eu não fiz nada. Pietro? Nunca ouvi falar.
EDUARDA: Sínico. Palhaço!
Eduarda sai atrás de Elvis passando por Diego e quase lhe derrubando. João Pedro chega perto de Diego rindo.
JOÃO PEDRO: Ih, a bicha ficou bolada. Mas o serviço tá feito chefe. Me diz, isso não foi mais legal que a ideia da carta anônima?
DIEGO: João Pedro foi você que fez isso que a Duda falou?
JOÃO PEDRO: Pode admitir. Trabalho de gênio não é?
DIEGO: Cara porque você fez isso? Você tinha que ter falado comigo antes! Porra, você fez uma merda!
JOÃO PEDRO: Mas nosso plano não era ferrar ele?
DIEGO: João Pedro vá se ferrar!
Diego dá um empurrão em João Pedro e sai.
“A decepção talvez seja a pior coisa para um coração sentir. Sei que não nos conhecíamos a muito tempo, mas o que aconteceu na noite anterior e da forma que aconteceu, me dava a certeza que eu seria importante para Diego. Ali vendo meu segredo revelado diante de todos, e acreditando que seria ele o responsável por aquilo, desejei morrer. Doeu por vários motivos. Ele expos um segredo que queria guardar da turma pelo menos por enquanto, ele mexeu na minha memória expondo Pietro que já nem está mais vivo, ele traiu minha confiança. Aquele acontecimento foi como um balde de solvente removendo a tinta na qual eu pintava meu coração de sentimento por ele. Queria ver o diabo, se possível, menos Diego. Mas agora era difícil distinguir os dois…”
(Trecho do diário de Elvis Braga)