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A Santa e o Bruxo

Capítulo 3 – A Santa e o Bruxo

A Fazenda Jequitaí ficava perto do Arraial de Nossa Senhora da Conceição do Jequitaí, distante umas quatro horas a cavalo da Barra do Rio das Velhas. Era uma das vinte e duas fazendas pertencentes ao homem mais poderoso da região. Cipriano fora adotado pelo próprio pai, um grande fazendeiro que não quis admitir que tivera um filho fora do casamento, e ainda mais com uma escrava, muito embora nunca tivesse um dentro. Edson Jaqueira Medeiros Lima, nunca tendo filhos legítimos, teve que deixar a herança para Cipriano. O jovem Cipriano, legalmente, era filho de um escravo e trabalhou na fazenda como marceneiro enquanto não herdava a fortuna do seu benfeitor, que morreu de tuberculose, deixando-lhe uma fortuna em ouro e diamantes. Na idade de trinta anos, tornou-se o homem mais poderoso do Norte da Província, sendo proprietário de terras que iam do Norte das Minas Gerais até o Sul da Bahia. O maior latifúndio do Brasil. Temido por uns e adorado por outros, ele dizia proteger aquela gente dos bandoleiros, como Celson Canaveira. Ex-Alferes da Coroa Portuguesa, e agora um temido bandido que com o seu bando, aterroriza as Minas Gerais e a Bahia. Era justamente esse bandido, que chegava à fazenda Jequitaí Velho, seguido de um dos seus lacaios, o Carcará.
Quando Celson Canavieira adentrou a cancela, chegando aos domínios de Cipriano, os jagunços logo o cercaram, postando suas espingardas a ponto de disparar, mas o próprio Tenente-Coronel já o esperava.

CIPRIANO – Deixem o “home”, eu tô esperano ele.
CELSON CANAVIEIRA – Tenente-Coroner Cipriano. É realmente um prazer.

Celson Canavieira fora alferes da Coroa e frequentara boas escolas. Ele tirou o chapéu de couro que só usava quando ia visitar Cipriano. Este fora tomado de um importante nobre da Bahia, depois de um assalto. As suas roupas também eram de couro, e na cintura jaziam um espadim francês, com o qual ele já tirara muitas vidas. E do outro um revólver também francês.

CIPRIANO – Vamo deixar o prazer de lado. Apeia. O negrinho vai cuidar dos cavalos. Ocê deve estar com canceira na cacunda. Vamo lá pra varanda, que eu servir uma cachacinha feita aqui na fazenda, e a dispois vou lhe dar um refresco.
CELSON CANAVIEIRA – Voismercê tá com muito trato comigo, coronel. Lhe aviso que não sou homem de frescuras, num sabe?
CIPRIANO – E eu num sei? Mai eu gosto de tratar bem meus amigos.

Cipriano foi na frente, e o ex-alferes o seguia até uma imensa varanda na frente da casa-grande, onde logo uma escrava muito jovem apareceu com uma garrafa de cachaça e refrescos. Cipriano apontou para a cadeira espaçosa e confortável, onde seu amigo deveria se sentar. Carcará ficou em pé, como já era acostumado, sempre de prontidão para matar o que quer que oferecesse risco à vida de Celson Canavieira.
Celson enternou o cálice de cachaça, de uma só vez, fazendo uma careta horrível. Fez sinal para que a escrava enchesse de novo, ao que obedeceu prontamente.

CELSON CANAVIEIRA – Eu imagino que o coronel não me chamou aqui por cortesia…
CIPRIANO – E cumo de fato, é mermo! Num foi não.
CELSON CANAVIEIRA – Então, por favor, o senhor fale…
CIPRIANO – Eu to quereno dar cabo da vida de um fi-duma-égua que andava sumido e que agora voltou. O pai dele morreu com um segredo que eu preferia manter morto também, mas o diacho veio descavar o passado, e eu quero dar um sumiço nele. Mermo porque, o tal baú da muléstia e num vale a pena ficar alembrano coisa que num presta.
CELSON CANAVEIRA – Pois eu quero aquele baú. Conheço um cabra lá na Bahia que paga uma fortuna por ele.
CIPRIANO – E é? E quem é esse cabra? Eu conheço?
CELSON CANAVIEIRA – É gente de igreja, coroner. Gente com muito poder, num sabe? Gente que pode abrir e fechar as portas de quarquer um lá no céu.
CIPRIANO – Pois eu to precisano é de um desses aqui. Tem um padre aqui que é preto, e isso é um sacrilégio cum nosso senhor Jesus Cristo.
CELSO CANAVIEIRA – O senhor me adisculpa, mas a senhora vossa mãe também num era preta?

Cipriano sacou nesse momento sua pistola, apontada bem na testa de Celson Canaveira.

CIPRIANO – Ocê num tem amor à vida não, cabra?

Mas ele não viu que Carcará também ameaçava a sua vida com uma imensa espingarda de dois canos.

CELSON CANAVIEIRA – Se voismercê prestar atenção, vai ver que está em igual desvantage.

Cipriano baixou a arma.

CELSON CANAVIEIRA – Voltano a falar no serviço, o senhor me adesculpa, mas eu não faço esse tipo de coisa não. O senhor sabe muito bem porque segui essa vida miserável que eu tenho. E não foi pra fazer o serviço sujo de ninguém.
CIPRIANO – O negócio, Canavieira, é que esse segredo diz respeito ao vosso pai também…

Houve um silêncio quase mortal, e Celson Canavieira retornou à sua infância, quando viu o seu pai ser amarrado por um nobre. Amarrado, espancado e incendiado. Ele não podia chorar alto, porque senão seria descoberto e morto também. Ele ficou vendo o fogo consumir o seu pai lentamente, e o velho Armando Canavieira gritar até o último suspiro. Ali nasceu o novo homem. Nasceu o homem que primeiro seria tenente da força policial do Império, e mais tarde seria o bandoleiro que se tornou o terror do sertão de Minas e da Bahia.

CELSON CANAVIEIRA – Não fala mais do meu pai, ou eu lhe mato.
CIPRIANO – Eu num quero morrer não, ‘se Minino(UMA FORMA SERTANEJA DE DIZER ESSE MENINO – UM PRONOME DE TRATAMENTO INVENTADO NO SERTÃO). Eu sei muito bem porque ocê é o bandido que é. E porque o ocê sabe que eu sei, é que ocê vai colaborar comigo.
CELSON CANAVIEIRA–Mas por que você não manda seus jagunços fazerem o serviço? Já fez isso tantas vezes.
CIPRIANO–Porque já tá aconteceno coisas misteriosas demais por essas bandas, e eu não quero aliar o meu nome a isso. A morte da Santinha e do Bruxo logo irá trazer gente do Marquês pra cá, e nesses assunto, eu prefiro me manter bem oculto, porque se o Marquês achar que eu não estou botano respeito, ele me puxa o tapete. Mas ocê não. Ocê já tem fama de bandido, de assaltante. Um a mais um a menos, não faz diferença pra Bombal, que aliás é muito meu amigo.
CELSON CANAVIEIRA – Mais um motivo pra voismercê mesmo fazer o serviço: não será julgado.
CIPRIANO –Até mesmo os favores do Marquês têm limite, Canavieira.
CELSON CANAVIEIRA–Então eu devo entender isso como uma chantagem.
CIRPIANO – Não! Entenda isso como a proteção de alguém que sabe que ocê andou de conversa com um certo bruxo antes de ele morrer.
CELSON CANAVEIRA – Mas não fui eu que o matei…

Cipriano gargalhou de forma sombria e zombeteira.

CIPRIANO – Meu amigo, para um visitador do Santo Ofício, conversar com um bruxo, é mil vezes pior que matar um homem.

Celson se levantou silenciosamente, e com a raiva estampada em seus olhos. Colocou o seu chapéu e saiu. Cipriano sequer se deu ao trabalho de se levantar do seu lugar. Ficou sentando, com um sorriso cínico, de quem acaba de vencer uma disputa. O jagunço se aproximou, servindo o seu senhor com mais um cálice de cachaça.

JAGUNÇO – O senhor acha que ele vai matar Jesuíno, coronel?
CIPRIANO – Matar Jesuíno é o de menos. Eu preciso é do segredo do Jesuíno Velho com o tal Malheiros. E Celson Canavieira vai dar um jeito de descobrir pra mim. A dispois nós mata ele também, porque se é um segredo tão terrível assim, é melhor que continue segredo, num é mermo?

Cipriano esticou as pernas em cima de uma mesinha de madeira próxima à sua cadeira e acendeu seu charuto. Da varanda da sua casa, ficou olhando seus escravos realizarem suas tarefas. Ele sabia como lidar com cada tipo de pessoa, e isso lhe proporcionava a certeza de que Celson saíra de lá com certo temor. Nesse momento, o passado lhe retornou à mente. Dois anos atrás, ele chegara a um pequeno armazém na Barra do Rio das Velhas, onde diariamente os homens se encontravam para tomar uma cachaça e jogar conversa fora

FLASHBACK

CIPRIANO–Ora ora, se não é o maluco do Jesuíno Veio.

Jesuíno não andava bem da cabeça naquela ocasião e todos sabemos por que.

CIPRIANO – Chico, traz aí uma cachaça para o meu amigo…
JESUÍNO VELHO – Não sou seu amigo!
CIPRIANO – Traz a cachaça pro Jesuíno. Senta aqui, “meu veio”, vamo ter um dedo de prosa.

Jesuíno sentou-se à mesa de Cipriano. A presença do Tenente-Coronel, por si só já causava grande desconforto para os demais fregueses, mas afinal de contas ele era o melhor freguês de Chico. O dono do armazém serviu Jesuíno, e ia levar a garrafa, quando Cipriano mandou que ele a deixasse.

CIPRIANO – Jesuíno, quer se livrar desse fardo que tá te matano ? Fala pra mim que segredo é esse. Fala, que eu ajudo ocê.
JESUÍNO – Eu não preciso da sua ajuda!
CIPRIANO – Acalma, homem. Todo mundo precisa de ajuda. Até ocê. Vamo lá, me mostra o que foi que ocê e o Malheiros acharam…
JESUÍNO – Aquele traidor, desgraçado! Traidor! Traidor
Saiu correndo.
Cipriano entornou seu copo de cachaça, e ficou olhando o maluco correr até o fim da rua.
CIPRIANO – Alguma coisa muito errada aconteceu aí.
FIM DO FLASHBACK

Corta para Jesuíno e Roberto

ROBERTO – Você não pode estar falando sério
JESUÍNO – Fui apresentado à franco-maçonaria por um amigo francês. Uma coisa muito importante está para acontecer na Europa. Uma revolução. E como eu pretendia permanecer na França, a única forma de permanecer em segurança era estar do lado de quem estava planejando o levante.
ROBERTO – Que levante?
JESUÍNO – Daqui a alguns anos, muito em breve, vamos levantar forças contra a Igreja e a Monarquia. Será a maior revolução não somente da Europa, mas do mundo. E será lembrada para sempre. Você pode imaginar a importância disso?

Jesuíno se vê no passado, no memorável dia da sua iniciação:

FLASHBACK

Ele foi introduzido então no grande salão de chão cinza azulado, tendo ao meio a formação quadriculada tradicional da maçonaria, onde estava uma assembléia em circulo, e na frente um trono, protegido por duas cadeiras aos lados, e um nível atrás quatro fileiras de cadeiras de um lado e de outro. Jesuíno foi exposto a todos eles, para que todos os iniciados conhecessem o candidato.
Em seguida a privação dos metais. Relógio, anéis, correntes. Tudo é retirado. O lado esquerdo da sua camisa foi retirado, assim como o lado direito das suas calças foi rasgado, e seu sapato retirado, sendo substituído por uma alpargata, e uma corda foi colocada em seu pescoço. Ele é introduzido na Sala das reflexões. Uma sala escura, simples, com uma mesa contendo um livro sagrado, papel e caneta. Nas paredes, motivos assombrosos são representados: galos, sangue, caveiras. Um lugar que leva realmente o candidato a refletir sobre a sua intenção real de fazer parte da Associação.
PADRINHO – Deixarei que fiques só, mas não tenhais medo, pois Deus é testemunha da sinceridade das suas respostas. A Associação a que estás por fazer parte pede que respondas de coração aberto e sem reservas mentais, as perguntas que ora te apresento. De vossas respostas dependerá a vossa admissão em nosso seio.

Formulário de perguntas ao profano:

Á G.Very Happy.:G.:A.Very Happy.:U.:
Senhor,
Respondeis livremente as seguintes perguntas:
Sim;
Quais são os vossos deveres para com Deus?
Honrá-lo acima de tudo;
Quais são os vossos deveres para com Humanidade?
Trabalhar incessantemente pelo seu aprimoramento;
Quais são os vossos deveres para com Pátria?
Lutar pela sua liberdade e soberania;
Quais são os vossos deveres para com Família?
Amá-la e protegê-la;
Quais são os vossos deveres para com próximo?
Tê-lo como um irmão menor digno da minha consideração e do meu amor;
Quais são os vossos deveres para convosco?
Trabalhar incessantemente pelo meu aprimoramento e pelo bem da humanidade.

No interior da Câmara principal, o Venerável Mestre se encontra sentado em um trono, ladeado por dois Conselheiros.

VENERÁVEL MESTRE –Irmão Experto, podeis me dizer se há na Câmara das reflexões algum candidato à iniciação à nossa Augusta Ordem?
EXPERTO–Sim, Venerável Mestre. O Profano Jesuíno Teobaldo Ferreira Filho aguarda na Câmara das Reflexões o momento de ser iniciado.
VENERÁVEL–Meus irmãos, tendo em vista que ocorreu regularmente o processo preliminar de admissão do profano, é chegado o momento de sua recepção. Como sabeis, este ato é um dos mais solenes em nossa instituição, pois não devemos esquecer que com a aceitação de um novo membro nessa loja, estamos dando a um novo irmão a Família Maçônica. Portanto, se há um de vós que seja contra este ato, manifeste-se livremente nesse momento, leal e francamente.
Houve um silêncio.
VENERÁVEL – Irmãos, os que aprovam a iniciação do profano em nossos augustos mistérios, favor manifestarem-se com o sinal de costume.
A aprovação foi unânime.
VENERÁVEL – Irmão Experto. Ide ao lugar onde se encontra o profano, e dizei-lhe que sendo perigosas as provas por que terá que passar, é conveniente que faça seu testamento, e ao mesmo tempo, responda as questões que submetemos ao seu espírito, para bem conhecermos seus princípios e avaliarmos os méritos de suas virtudes.

O Experto cumpre a ordem e retorna trazendo as respostas e o testamento. Em seguida, retorna à Câmara das Reflexões.

EXPERTO –Venerável Mestre, O profano respondeu às questões e entregou-me seu testamento.
VENERÁVEL –Entrega-os pois ao irmão orador para que os decifre.

O orador lê primeiro as respostas e em seguida, o testamento.

VENERÁVEL –Irmãos, se estais satisfeito com o que ouvistes, manifestai com os sinais de costume.
Todos aprovaram.
O Mestre se vira para a sua esquerda e diz:
VENERÁVEL – Irmão Testamenteiro, estais satisfeito?
Ele fez o sinal positivo.
O Mestre se vira para a direita.

VENERÁVEL –Irmão Orador, vossas conclusões.

O Orador nem sequer se dá ao trabalho de se levantar da cadeira dourada. Ele diz, olhando solenemente para o mestre:

ORADOR – Venerável Mestre, se razões não há para impor o contrário à Vossa Sabedoria, eu, em nome dessa Loja e de acordo com as Leis que regem esta Instituição, respeitosamente solicito-vos que procedas com a iniciação do profano Jesuíno Teobaldo Ferreira Filho.
VENERÁVEL–Irmão Experto, acercai-vos do profano e dizei-lhe que dele esperamos a necessária coragem para sair vitorioso das provas que vamos submetê-lo. Preparai-o segundo os nossos usos e trazei-o à porta do Templo. Recolhamo-nos, meus irmãos, ao mais profundo e respeitoso silêncio.

O Experto vai buscar Jesuíno, e o traz até a porta simbólica do Templo, e lá, dá três batidas. Em seguida, mais três.
Os guardiões do Templo desembainham suas espadas, e vão respeitosamente até o Mestre.

GUARDIÃO –Venerável Mestre. Profanamente batem à porta do Templo.
VENERÁVEL–Verificai quem é o Temerário que ousa interromper nossa meditação.

Os guardiões se curvam e, fazendo uma reverência, dão meia volta.

GUARDIÃO–Quem sois, temerários, que insistentemente batem à porta do Sagrado Templo?
PADRINHO – Suspendei vossa espada, irmão Guardião do Templo, pois ninguém jamais ousaria penetrar sem vossa permissão. Este profano que me acompanha, deseja ver a Luz, e humildemente vem pedi-la.
GUARDIÃO–Admira-me muito, irmão, que em vez de virdes meditar conosco nos Augustos Mistérios que procuramos desvendar, deles vos desvieis, conduzindo a este templo um curioso, talvez até um dissimulado.

O Guardião se volta ao Mestre, sem fechar a porta. Ele diz:

GUARDIÃO – É nosso irmão Experto, que vem trazer um profano desejoso de ver a luz.
VENERÁVEL – Por que, ó irmão Experto, vieste interromper nosso silêncio, conduzindo à Loja um profano para participar de nossos Augustos Mistérios? Como pode ele ter concebido tal esperança?
EXPERTO–Porque ele é livre e de bons costumes, Grande Mestre.
VENERÁVEL – Não é o bastante, meu irmão. Sabeis por ventura, se ele possui merecimento? Conheces esse profano? Sabeis o seu nome, onde nasceu e a sua idade? Sabeis se crê em Deus? Sua profissão e seu estado civil?
EXPERTO – Venerável Mestre, este homem se chama Jesuíno Teobaldo Ferreira Filho, nasceu no Brasil, filho de Jesuíno Teobeldo Ferreira e de Conceição de Jesus Ferreira,. Tem 26 anos e nasceu em 10 de outubro de 1742, é advogado e especialista em Direitos Humanos.
VENERÁVEL–Meus irmãos, ouvistes o que declarou o irmão Experto. Se concordais com o desejo do candidato, se julgai digno de receber a revelação de nossos Mistérios, manifestai-o pelo sinal.

Sinal favorável de todos.
O Guardião se volta à entrada do templo e diz:

GUARDIÃO–Irmão Experto, frequenta-lhe o ingresso.

Jesuíno entra e o Experto vai atrás dele. Um dos guardiões fecha a porta, e o outro posta a ponta da sua espada no peito nu do padre.
VENERÁVEL–Vedes alguma coisa, senhor?

Jesuíno fica em silêncio, como se diante de acusadores ferozes.
O Mestre continua.

VENERÁVEL–Sentis alguma impressão no peito?

Mais silêncio.

VENERÁVEL–A arma cuja ponta simboliza o remorso que, ferindo vosso coração, há de perseguir-vos se fordes traidor à associação a que desejai pertencer. Serve também para advertir-vos de que deveis mostrar-vos acessível às verdades que sentem e não se exprimem. O estado de cegueira em que se encontrais é o símbolo das trevas que cercam o mortal que ainda não recebeu a Luz que o guiará na estrada da virtude.

O Guardião retira a espada. O Mestre continua:

VENERÁVEL–É filho de teu coração o desejo de ver a Luz?
JESUÍNO–Sim!
VENERÁVEL–É por vossa vontade e sem constrangimento algum que desejais fazer parte dessa associação que te acolhe?

Antes que ele pudesse responder, o Mestre continuou:

VENERÁVEL–Refleti bem no que pedis! A Maçonaria não é uma sociedade de auxílios mútuos. Ela tem responsabilidades e deveres para com a Sociedade, a Pátria e a Humanidade. Preocupada com o progresso e adstrita aos princípios de uma severa moral, assiste-lhe o direito de exigir de seus adeptos o cumprimento de sérios deveres, além de enormes sacrifícios. Todos aqueles que não cumprirem os deveres de Maçonaria, em qualquer oportunidade, nós o consideramos traidor. Vamos às provas de que são necessárias toda a vossa coragem. Tendes a firmeza precisa em afrontar os perigos que apresentaremos à vossa coragem?
JESUÍNO –Sim…
VENERÁVEL–Já passastes pela primeira prova , a da terra , pois é o que representa o compartimento em que estivestes encerrado e onde fizestes vossas ultimas disposições. Resta-vos, porém, outras provas, para as quais é necessário toda a vossa coragem. Consiste em vos submeter a elas? Tendes a firmeza precisa para afrontar os perigos a que vai ser exposta vossa coragem?
JESUÍNO – Sim, eu tenho.
VENERÁVEL–Ainda uma vez, refleti, senhor. Se vos tornardes Maçom, encontrareis em nossos símbolos a realidade do dever. Não deveis combater somente vossas paixões e trabalhar para vosso aperfeiçoamento, mas tereis, ainda, de combater outros inimigos da Humanidade, como sejam, os hipócritas que a enganam, e os pérfidos que as desfraldam; os ambiciosos que a usurpam, e os corruptos e sem princípios, que abusam da confiança dos povos. A estes não se combate sem perigo. Senti-vos com energia, coragem e dedicação para combater o obscurantismo, a perfídia e o erro?
JESUÍNO–Sim.
VENERÁVEL–Pois sendo essa a vossa resolução, não respondo pelo que possa te acontecer.

Houve um silêncio sepulcral, o que aumentava a confusão de Jesuíno, que com os olhos vendados, nada podia ver.
Logo se levanta outro homem, chamado de Irmão Terrível. Ele disse:

IRM. TERRÍVEL– Levai esse profano fora do Templo e conduzi-o por esses caminhos escabrosos, por onde passam os temerários que aspiram conhecer nossos arcanos.

O Experto toma Jesuíno pelo braço e o leva a dar voltas às cegas pelo templo, e ao retornar à entrada do mesmo, Jesuíno nota que está subindo em uma pequena rampa. Ele diminui o passo, pois não sabe onde ela termina. Mas enfim, o Experto faz sinal para que ele diminua a marcha. É quando ele o empurra devagar e Jesuíno cai para a frente, sendo amparado por dois outros membros, encerrando a prova.
O Experto se vira ao Mestre e diz:

EXPERTO–Venerável Mestre, o profano deu mostras de resignação e coragem.

Ao que o Mestre responde:

VENERÁVEL–É somente através dos perigos e das dificuldades é que se pode alcançar a iniciação.

O Mestre refletiu por alguns segundos, e disse:

VENERÁVEL – Irmão Experto, conduza o profano para junto do irmão 2º Vigilante, e faça com que se ajoelhe.

A ordem foi cumprida.

VENERÁVEL–Profano, tomais parte na oração que em vosso favor vamos dirigir ao Senhor dos Mundos e Autor de todas as coisas.

O Mestre tira da cabeça uma espécie de chapéu cerimonial que cobria até então todo o seu rosto. Ele conduziu a oração que foi repetida por Jesuíno:

VENERÁVEL– Eis-nos, ó Grande Arquiteto do Universo, em que reconhecemos o Infinito Poder e a Infinita Misericórdia, humilde e reverente aos Teus pés. Contém nossos corações nos limites da retidão e dirige nossos passos pela estrada da virtude. Dá-nos que, por nossas obras, nos aproximemos de Ti, que és Uno e subsistes por Ti mesmo e a quem os seres devem a existência .Tudo sabes e tudo dominas. Digna-te ó Grande Arquiteto do Universo, a proteger os obreiros da Paz, que a Virtude guia-nos para que, sempre esteja à Tua proteção e ampara-o com Teu braço onipotente em todos os perigos por que vai passar.

E de pé, perguntou a Jesuíno:

VENERÁVEL–Senhor, nos extremos lances da vida, em quem depositais vossa confiança?
JESUÍNO–Em Deus!
VENERÁVEL–Porque confiais em Deus, levantai-vos e segui vosso guia a passo seguro e nada receeis.

O Venerável Mestre cobre novamente o rosto, e Jesuíno é conduzido por entre as colunas jônicas Boaz e Jaquim, em profundo silêncio.

VENERÁVEL–Sinal que batem o martelo!

Os martelos se batem e todos se sentam, exceto Jesuíno e o Experto, que é o seu guia nessa jornada.

VENERÁVEL– Senhor Jesuíno Teobaldo Ferreira Filho, antes que esta Assembléia consinta em admitir-vos ás provas, devo sondar vosso coração, esperando que respondais com sinceridade e franqueza, pois vossas respostas não nos ofenderão. Que ideias, que pensamentos vos ocorreram, quando estáveis no lugar sombrio de meditação, onde vos pediram que escrevêsseis vossas última vontade?
JESUÍNO–Venerável Mestre, pensei nos perigos que corre a alma que busca evoluir e tornar-se melhor.
VENERÁVEL–Em parte já vos déssemos com que fim fostes submetido á primeira prova – a da Terra. Os antigos diziam que havia quatro elementos: a Terra, a Água, o Ar e o Fogo. Vós estáveis no escuridão e no silêncio, como um encarcerado numa masmorra e cercado de emblemas da mortalidade e de pensamentos e ela alusivos, principalmente para compelir-vos a refletir séria e profundamente, antes de realizardes um ato tão importante como o da iniciação em nossos Mistérios. A caverna onde estivestes, como tudo o que nos cerca, é simbólica. Os emblemas que ali existem vos levaram, certamente a refletir sobre a instabilidade da vida humana, lição trivial, sempre ensinada e sempre desprezada. Se desejais tornar-vos verdadeiro Maçom, deveis primeiro, extinguir vossas paixões, os vícios e os preconceitos humanos que ainda possuirdes, para viverdes com virtude, honra e sabedoria. Credes em um Princípio Criador?
JESUÍNO–Sim!
VENERÁVEL– Essa crença, que enobrece vosso coração, não é exclusivo patrimônio do filósofo e do Maçom. Desde que o selvagem compreendeu que não podia existir por si mesmo, que alguém deveria ter criado a majestosa natureza que o cerca, foi levado, instintivamente, a admirar este Criador Incriado, a quem rende tosco mas sincero culto, como Ente Supremo e Grande Arquiteto dos mundos. É uma disposição da alma que nos induz á pratica do Bem.
Pausa.
VENERÁVEL–Que pensais vós de ser o vício?
JESUÍNO –Uma corrente de fogo que aprisiona o espírito e queima a carne, Venerável Mestre.
VENERÁVEL– É tudo que avilta o homem. É o hábito desgraçado que nos arrasta para o mal. Para impormos freio salutar a essa impetuosa propensão, para elevar-nos acima dos vis interesses que atormentam vulgo profano e acalmarmos o ardor de nossas paixões, é que nos reunimos neste Templo. Aqui trabalhamos para adaptar nosso espírito às grandes afeições e só concebemos idéias sólidas de virtude, porque somente regulando nossos costumes pelo eternos princípios de moral é que poderemos dar a nossa alma este equilíbrio de força e sensibilidade que isso, deveis refletir bem, antes de vos fazerdes Maçom , pois se fordes admitido entre nós, a ele tereis de vos sujeitar com satisfação.
Mais uma pausa.
VENERÁVEL–Preferis seguir os caminhos da virtude ou do vício? Da maçonaria ou do mundo profano?
JESUÍNO–Da virtude e da maçonaria!
VENERÁVEL– Senhor, toda associação tem leis particulares, e todo associado, deveres a cumprir. Como não seja justo sujeitar-vos à obrigações que não conheceis, ouvi a natureza desses deveres que terá que cumprir, se persistir em partilhar dos bens de nossa Ordem.

O 1º Orador lê todo a constituição maçônica, e o Mestre pergunta a Jesuíno, se ainda assim, deseja partilhar do vinho da luz e do conhecimento dos Augustos Mistérios.
JESUÍNO–Sim!

E assim é servido a Jesuíno um cálice de vinho amargo. O Mestre profere a fórmula de juramento, e Jesuíno a responde.

VENERÁVEL–Jura solenemente sob o Livro Branco, e à Luz da Bíblia, preservar e proteger os segredos da Irmandade?
JESUÍNO–Sim!

A corda que representa a forca, é retirada do seu pescoço. Assim, Jesuíno se ajoelha e levanta a mão direita, dizendo:

JESUÍNO–Juro por Deus e Por São João, pelo Esquadro e pelo compasso submeter-me ao juízo de todos. Trabalhar sob as ordens do meu Mestre dessa honorável Loja. Guardar as leis, sob pena que me seja arrancada a língua sobre o queixo e ser sepultado sob ondas num lugar desconhecido por todo e qualquer homem.

Ele se levanta.

VENERÁVEL–Irmãos, deem a eles a pequena Luz.

O 1º e 2º Vigilantes retiram a venda e o ajudam a vestir novamente.
–Recebamos o nosso novo irmão!
Palmas. Jesuíno Teobaldo Ferreira Filho se tornou um maçom.

Fim do 3º Capítulo

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