Capítulo 29 – Detalhes Sórdidos
TOM – Garibaldi, escuta, vamos conversar…
Garibaldi fungou e ficava esfregando o nariz como um viciado em cocaína
GARIBALDI – Conversar?! Não quero conversar. Não agora. Eu quero matar você. E eu vou fazer isso agora.
Apontou o rifle para Tom.
GARIBALDI – A minha vida inteira eu pensei nesse plano. Sabe por que? Não somente porque esse desgraçado não quis publicar meu livro. Nãããooo! Mas porque esse aleijado de uma figa me humilhou durante todo o ginásio e toda a faculdade. Ele não lembra. Não! Quando se faz mal pra alguém nunca se lembra. Mas fica aqui(bateu no peito, descontroladamente). Aqui dentro. Na alma!!!!
TOM – Mas é ele, não sou eu. Nunca te fiz nada. Pelo contrário, eu te defendi quando todos achavam que você era um louco, lembra?
GARIBALDI – Cala a boca!
Disparou na perna, e Tom caiu.
GARIBALDI – Todos são culpados. Todos! E eu vou matar você, e depois vou lá fora, e mato eles.
TOM – Se você me matar, eles não vão ter motivos pra ficar. Ao passo que me deixando vivo, eles voltarão para me salvar, e…
GARIBALDI – Você tem razão! Sim, tem razão. Como eu poderia ser tão ingênuo? Sim, vou esperar. Eu vou.
Ele se sentou, colocando a arma entre as pernas, abaixando a cabeça, colocando-a entre as mãos.
GARIBALDI – Eu planejei tudo, nos mínimos detalhes. Até os detalhes mais sórdidos(gargalhou). Mas todo mundo acha que eu sou mal, eu não sou mal. Sou incompreendido.
Ele se levantou e foi até Tom, sentando-se ao lado dele e passou o seu braço no pescoço deste. Tom não tirava os olhos da arma a poucos metros dele.
GARIBALDI(chorando) – Quando eu era rapaz, jovem assim com 15 anos, eu falei para o meu pai que queria ser escritor. Ele brigou comigo. Disse que não era coisa de homem. Que coisa de homem é o que os meus irmãos faziam. Nós discutimos, e ele bateu em mim. A surra não doeu mais do que o fato de aquele velho desgraçado não ter me respeitado durante toda a minha vida. Nunca!(gritando) Ele nunca me respeitou. Ele…(parou e ficou assim por uns segundos)
Tom ficou olhando estarrecido a loucura de Garibaldi.
GARIBALDI – Está ouvindo? Ó…! É ele(rindo e chorando ao mesmo tempo) O desgraçado está no inferno, e agora quer que eu tire ele de lá. Eu não posso, papai, você foi muito ruim pra mim e para a mamãe.
Segurou Tom pela cabeça, e falou bem perto do seu rosto.
GARIBALDI – Ele era muito ruim… Muito ruim… Ele… ele batia em mim quando eu arrancava folhas do meu caderno para escrever histórias. Ele falava que eu era burro. Eu(riu nervosamente), um intelectual. Eu sempre fui intelectual, sabe? Mas afinal de contas, em que isso me ajudou? Isso nunca me ajudou. Olha meus irmãos. Cada um com suas famílias, suas mulheres, seus filhos e seus carros, suas vidas perfeitas de propaganda de margarina.(Baixou a cabeça e falou balbuciando) O que sobrou para mim? Os restos. Ter que aceitar ajuda dos meus irmãos para viver. Ter que ouvir da minha mãe que eu era incompetente, louco e fracassado, e que nem mesmo para casar eu servia. Eu ainda ouço isso da minha mãe. Aposto como a sua mãe tem orgulho de você. Nunca, ninguém da minha família teve orgulho de mim. Nunca.
TOM – mas você não precisa ser assim. Não precisa culpar os outros pelas suas frustrações…
GARIBALDI – Se eu tivesse um filho, por mais idiota que fosse, eu sempre teria orgulho dele. (Gritou) Olha o que eu fiz, papai. Eu sozinho bolei e executei um plano que você nem nos seus mais lindos sonhos, conseguiria. Seu miserável!
TOM – Olhe para você, Garibaldi. Você parece um espantalho. Acha mesmo que teve êxito? Provavelmente todos já foram embora, e vão chamar a polícia. Vão interná-lo num hospício.
GARIBALDI – Não! Tsc tsc tsc! Não foram ainda. Ainda não. Não ouvi o rotor do helicóptero funcionar. Sabe de uma coisa, eu vou me sentar aqui com você e esperar a casa cair. Essa mansão será nosso túmulo, heim? Que tal.
Sentou-se novamente ao lado de Tom.
GARIBALDI – Aposto como seus pais já te elogiaram.
TOM(olhando para o rifle) –Sim, eles me elogiavam bastante.
GARIBALDI – Viu só? É só isso. Simples. “Nossa, Hernesto de redação bonita” – eu queria ouvir! –“Nossa, Hernesto, meu filho, você escreve muito bem!” –Eu queria ouvir. Sabe por que eu sou um fracasso editorial? Por isso! Se os meus pais não eram capazes de admirar meus feitos, por que eu esperaria que algum desconhecido o fizesse?
TOM – Mas aposto como eles gostavam de você. Eles admiravam você. Só nunca disseram.
GARIBALDI(gritando) – Mas não adianta! Criança, adolescente, quer ouvir! Elogios fazem parte da formação! Aquele desgraçado lá fora, o Vilella, o Anfritrião nunca elogiou ninguém. Pelo contrário, é um aleijado cheio de empáfia e de orgulho. Trata todo mundo como lixo. Mas ele é o lixo. Eu queria incendiar toda essa casa com todos os corpos, inclusive o dele. Mas acabou. Daqui a pouco vai ruir tudo, e eu quero morrer. A vida se tornou para mim uma triste peça teatral, escrita por um escritor sem talento e de mal gosto.
TOM – Como você…
GARIBALDI – Exatamente. Como eu. Uma pena que não têm mais cães. Eles nos matariam bem mais rápido. Uma pena.
Sentou-se novamente.
Corta para o lado de fora.
EDSON – Eles estão de morando muito. Eu vou entrar pelo outro lado.
ANFITRIÃO – Deve estar muito perigoso lá dentro.
EDSON – Mas não podemos deixar o Tom sozinho com aquele lunático. Me dê uma arma, eu vou.
ANFITRIÃO – Ainda tenho homens lá dentro, fique calmo.
EDSON – Não posso ficar calmo. Me dê a arma.
O piloto o entregou uma pistola semi-automática.
Corta para o lado de dentro.
Tom esperou a distração de Garibaldi e avançou sobre o rifle. Ele o estava quase alcançando, quando Garibaldi o agarra pelas pernas, e o puxa de volta. Garibaldi então levanta e chuta as costelas de Tom, que rola de dor.
GARIBALDI(Já de posse da arma) Eu estou aqui defraudando a minha vida para você e o tempo todo você só pensava em me trair? Viu como não se pode confiar em ninguém? Viu!
Mais lágrimas caíram dos seus olhos. Ele encostou o cano do rifle à queima-roupa no rosto de Tom.
GARIBALDI – Eu estava gostando da sua companhia. Eu não queria fazer isso…
Fim do capítulo 29