Capítulo 28 – Cantiga de Amor
Cena 01: Termes. Noite.
Brás – O que eu sei, eu sei sobre o outro homem. Aquele que entrou com o senhor Giancarlo na casa dele. E eu posso garantir: o dono da casa não gostaria em nada de ouvir o que eu tenho comigo.
Marlete – (Surpreendida) Então… Conheces Gustavo? Mas de onde?
Brás – Eu venho do mesmo lugar que ele. E então, a senhora se interessa em ouvir minha história?
Marlete – Bem… Eu fiquei curiosa, confesso. Como te chamas, mesmo?
Brás – Meu nome é Magno. E a senhorita?
Marlete – Marlete. Muito prazer. Eu posso te escutar, sim. Só gostaria de saber qual o interesse que tens em me contar algum “segredo”.
Brás – O mesmo que eu acredito que a senhorita deve ter, caso seja da família. És da família?
Marlete – Tudo bem, eu admito que sim, eu sou. Sou como uma sobrinha do dono da casa, filha do irmão de sua falecida esposa; o que, no final das contas, não resulta em tanto, não. Nunca sou tratada como um parente legítimo. (Cai em si) Ah, mas eu estou expondo minha vida para o senhor? Afinal de contas, por que queres saber de tudo isso, hein?
Brás – Porque, como disse, imagino termos um interesse em comum: um certo… Tesouro.
Marlete arregala os olhos, e afasta Brás para um lugar escuro, num beco. Começam a falar baixo.
Marlete – Quer dizer que também sabes do tesouro? Como sabes disso? É por isso que queres (fala com uma imponência irônica) me revelar um segredo?
Brás – Exatamente. Aliás, não é simplesmente um motivo, é uma condição: eu quero ter acesso ao tesouro dessa família. Eu quero ter a garantia de que terei acesso a ele. E, aí, eu conto tudo.
Marlete – Sinceramente, está sendo muito petulante! E eu não consigo relacionar as coisas que o senhor fala. Gustavo e Cecília, minha prima, irão casar, possuirão o tesouro que era dos seus avós, e então farão o que quiserem com ele. Não é comigo que o senhor tem que falar.
Brás – Claro, eu poderia ir diretamente ao senhor Giancarlo, mas não acho que ele atentaria a nenhuma palavra minha. Não se eu estivesse sozinho.
Marlete – (Se desinteressando) E o senhor quer que eu o ajude? Não vejo que razão eu teria para isso.
Brás – E se a senhorita conseguisse o tesouro, também? E se, digamos… Os dois, Gustavo e Cecília, não chegassem a se casar?
Marlete volta a se interessar.
Marlete – Bem… Isso mudaria o jogo. É aí, então, que se encaixa a tal história sobre Gustavo? Ela seria capaz de desfazer o casamento e desvinculá-los do tesouro? Mas isso seria impossível. Eles continuariam como herdeiros.
Brás – Se a senhorita tivesse paciência para me escutar…
Marlete – Está certo. Conte tudo o que quiseres.
Brás – Se a senhorita for mesmo paciente, esperará até amanhã. E me ajudará a pagar a estalagem, afinal sou um viajante.
Marlete – Como? Tu queres que eu pague tua estada na cidade? É óbvio que não faria isso!
Brás dá as costas para ela.
Brás – Nesse caso, não haverá história nenhuma. Descobrirei outra maneira de revelar o segredo e garantir este tesouro.
Marlete – Tá, tudo bem. Eu desisto. Pegarei alguma joia minha para servir de escambo. Eu só espero que o senhor não se acostume. Espere-me aqui. Irei em casa, voltarei com a joia e o senhor partirá para onde quiser.
Marlete sai, um pouco raivosa. Brás dá um sorriso.
Cena 02: Floresta ao redor do Povoado das Hortaliças. Dia seguinte. Manhã.
Inês e Pero estão em um lugar afastado de Gregório, Valentina e Agnella.
Inês – Pero, eu não conseguirei ficar quieta por muito tempo. Eu ainda acertarei minhas contas com essa despudorada que tu estás colocando perto de ti, perto de nós! Exatamente como Brás fez! Por acaso também me trancarás no quarto, me prenderás na casa?
Pero – Tens que ter calma, Inês, e cuidado. Primeiro porque não estamos casados, e, portanto, eu abrigo quem eu quiser em minha residência. Segundo porque eu acredito em Valentina. Tu e eu sabemos quem era Brás. Depois do que ele fez, ao mentir para ti e ser covarde ao ponto de te tornar sua prisioneira, não é nada surpreendente descobrir que esta moça também foi vítima dele. Por favor, Inês, irás me prometer que não farás nada contra Valentina. Melhor ainda: que irás pedir perdão, e perdoá-la também, pelo que aconteceu.
Inês – Eu não sei. Sei que é importante perdoar, mas não sei se estou preparada para isso. Eu tentarei me controlar, por tua causa. Mas perdoar, me entender com essa mulher aí… Não será hoje que isso acontecerá.
Pero – (Suspira) Ai, ai… Teu gênio sempre difícil, não é, minha flor? Acho até que é isso que me atrai em ti…
Inês – Hum… (Um pouco zombadora) E ainda pedes que eu mude? Está difícil de te entender, hein, Pero?
Pero – Não, não. Eu sempre fui e sempre serei o mesmo apaixonado por ti.
Os dois dão um leve beijo.
Cena 03: Floresta ao redor do Povoado das Hortaliças. Tarde.
Valentina e Gregório conversam.
Valentina – Eu só queria que ficasse claro que eu apenas concordei em vir para esse lugar como uma medida paliativa. Ainda não me sinto totalmente segura. E, se depender de mim, sairemos daqui quanto antes possível.
Gregório – Eu te entendo, Valentina. Por mais que estejamos longe da vista das pessoas, estamos próximos demais de onde elas realmente podem nos ver. Entretanto, esse é o único local onde podemos nos “abastecer”, nos preparar de verdade, antes de partir para essa viagem que tanto queres… Ou melhor, que tanto queremos…
Valentina – Ainda estás em dúvida sobre tuas atitudes, Gregório? Por favor, se estiveres, nós nos despediremos agora mesmo.
Gregório – Não, Valentina. Não é isso. Só estou me deparando com situações novas. Mas os motivos que me levaram a vir embora contigo permanecem. Aquele não era o meu espaço. Eu percebi que me sinto bem somente quando estou ao teu lado, aqui, do lado de fora. És como um refúgio, um porto seguro para mim. Depois de Jesus, é claro.
Valentina – (Sorri, embaraçada) Sim, percebo que ainda estás confuso. Eu também, por mais convicta que seja de todas as minhas ideias sobre algumas das vidas que levamos, às vezes me deparo com dúvidas. Porém é para isso que existem pessoas como tu, que nos permitem ver como não estamos sozinhos, como nossos problemas podem ser resolvidos se não formos apenas um…
Gregório – Valentina, eu só posso te agradecer por ter me feito enxergar, e entender tudo o que se passava comigo. O único pensamento que consigo ter é que foi Deus quem te colocou no meu caminho. Eu sinto como… Como se Ele tivesse uma espécie de missão para nós dois.
Gregório e Valentina seguram-se pelas mãos, e aproximam os rostos. Nesse momento, eles ouvem um barulho de passos. Então, dirigem seus olhares para o local de onde estes vêm.
Valentina – Mas, mas, isso é Agnella?
Gregório – O que ela faz indo em direção ao povoado?
Cena 04: Termes. Casa de Giancarlo. Quarto de Gustavo.
Gustavo está sentado na cama.
Gustavo –
Oh mi’amor, quero tua calma.
De tua beleza estou longe
E tua lembrança se esconde!
Já não descansa minh’alma.
Por que precisei jogar
O meu amor pelo vento,
E vê-lo, no firmamento,
Além das nuvens, do ar?
Só quero passar o muro
E encontrar-te do outro lado…
Mas será? Tenho sonhado
O que não posso alcançar?
Gustavo – É… Talvez estejam melhores… Mas como posso melhorar a cantiga, se estou longe de minha inspiração?
Alguém bate na porta. Gustavo vai abri-la.
Gustavo – (Surpreso) Cecília? Como conseguiste vir aqui? Pensei que nossos quartos ficavam tão separados, a fim de que não nos encontrássemos antes do… Casamento.
Cecília – Ah, sim, é verdade. Mas existe problema em apenas conversarmos? Será que uma simples conversa é errado? (Sorri) Eu acho que não. E, pelo visto, os empregados de meu pai também não.
Gustavo – Hum, pois bem. Já que vieste conversar, eu deixo. (Ele ri) Também não vejo problemas. (Fala um pouco para si) Apesar de que isso já me custou caro…
Cecília – O que disseste?
Gustavo – Nada. Foi só uma ideia sem muito nexo, uma lembrança desimportante. Vamos sentar?
Eles sentam.
Cecília – Sabe, Gustavo, eu preciso te dizer algumas coisas sobre mim as quais julgo serem necessárias, antes de quaisquer ações serem tomadas daqui para frente. Eu sinto que devo contar-te um pouco dos meus pensamentos…
Gustavo – Então, (ele ri, brincando) essas apresentações pessoais costumam ser feitas pelos nossos pais, mas isso não importa agora. O que queres falar?
Cecília – Pois bem. Eu não pretendo ser enfadonha; então, se achares que estou falando demais sobre mim, por favor, me interrompa. (Gustavo acena com a cabeça) Eu só queria te dizer… Que eu sempre fui uma pessoa de sonhos. No final de tudo, o maior deles sempre foi ser feliz. Sempre queremos ser felizes, não é?
Gustavo – (Quase sussurrando) Aristóteles…
Cecília – Como? Oh, me desculpe. Vou continuar. (Pausa) Eu acredito que sou um pouco diferente dessas outras moças de hoje. A felicidade é minha meta, mas eu nunca depositei em um casamento a esperança de que ele seria o meio para alcançá-la. Pelo menos, não o único meio. Nem sempre se consegue viver com alguém e estar alegre, ao mesmo tempo. E que Deus me perdoe por isso, mas nem todos os casamentos formam casais.
Eles riem.
Cecília – Olha, eu e tu estamos prometidos em casamento desde crianças, talvez até desde antes de nascermos, com a promessa de recebermos um tesouro que foi de nossos avós. Talvez tu me ouças e tomes para si que eu sou ambiciosa, porém eu não sou. Eu só penso que, se é nosso direito possuir tal tesouro, não poderá ser com ele que eu alcançarei a felicidade? Ou não poderá ser ele um complemento essencial para uma vida feliz? Não sei, ele pode acabar não significando nada, não contribuindo em nada para isso… Mas, e se ele for importante? O que tu achas, Gustavo?
Gustavo – Eu não sei como te responder… Mas de fato, eu nunca criei tantas expectativas com relação ao… Tesouro.
Cecília – Compreenda-me, não são exatamente expectativas. São apenas esperanças. Todavia eu sou uma pessoa, como se diria, realista. Eu não sonho alto, eu planejo meus passos, meus sentimentos de acordo com a realidade que eu posso alcançar. E eu vim aqui para compartilhar isso contigo porque eu queria saber se tu também tens os mesmos sonhos que eu. Afinal, deveremos nos casar em breve, e eu gostaria de poder te auxiliar em tudo que for possível, e de ser amparada também. Mas, por favor, como eu havia dito, não quero que me entendas mal. Se essa conversa estiver te sufocando, se tu achares que eu estou sendo muito direta, se achares que eu estou te atacando com minhas palavras e meus sonhos, não hesites em me dizer. Eu não tenciono desapontar nem afugentar ninguém.
Gustavo se levanta, dá às costas para ela, anda um pouco no quarto com a mão no queixo e os olhos reflexivos. Então, ele volta ao seu lugar.
Gustavo – Cecília, tu foste corajosa e sincera comigo. E por isso eu também não posso esconder nada de ti. (Inspira profundamente) Por favor, te peço, da mesma maneira, que não me entendas mal. Antes de vir para cá, eu… Me apaixonei por outra mulher.
Cecília – Como?
Cena 05: Floresta próxima ao Povoado das Hortaliças.
Agnella está saindo da floresta.
Agnella – Eu preciso encontrar meus pais… Eles precisam me dizer de Gustavo… Eles precisam me levar até onde ele estiver…
Atrás dela, a uma distância razoável, estão Valentina e Gregório.
Valentina – Não podemos permitir que ela saia dessa floresta. Agnella! Volta aqui!
Gregório – Agnella! Não faças isso!
Mas ela não ouve.
Cena 06: Termes. Quarto de uma pequena estalagem.
Brás abre a porta para Marlete.
Brás – Demorou um pouco, não, senhorita?
Marlete – Não achei que deveria me apressar muito. Nem sei se o que tem para me dizer é verdade… E o senhor não está em condição de me cobrar tanto, não é? Já o estou ajudando demais. Vamos lá, não quero perder tempo. Pode desenrolar o novelo.
Brás – Está certo. Mas olha só: enquanto eu não colocar minhas mãos no prêmio, a senhorita não estará livre de mim.
Marlete – Por favor, essa ameaça não funcionou. E então, irá contar esse segredo que pode separar minha prima do outro, ou não irá?
Brás – Sente-se, por favor. O que eu tenho a dizer é chocante.
Ela se senta.
Marlete – Esses adjetivos inúteis só me fazem perder a paciência! Resuma tudo: o que o senhor sabe sobre Gustavo?
Brás – Pois bem. Em primeiro lugar, sei que ele começou a se engraçar para uma moça da região onde eu morava. Eles quase chegaram a noivar, mas eu mesmo ajudei os pais da tal garota a perceberem quão leviano esse rapaz era. Isso porque eles dois se encontravam às escondidas, sem o conhecimento nem o consentimento de ninguém.
Marlete – (Sorrindo levemente) Prossiga.
Brás – Depois que sua tentativa de noivar a moça falhou, ele embarcou em uma viagem para cá. Eu também estava nessa viagem, mas de modo independente do dele. Na verdade, o nosso destino final era Jerusalém. Era a Guerra Santa contra os mouros que a invadiram. Posso garantir à senhorita que não estava nos planos dele, muito menos nos meus, parar em outro lugar a não ser na Cidade Santa.
Marlete – Nesse caso… Eu não entendo. Que motivos ele teria para não vir para cá? Não é aqui que nós moramos, que a mulher prometida a ele mora? E, também, se ele não viria para cá, por que desistiu da ideia e desembarcou em Termes? (Encara Brás fixamente) Muito bem, senhor Magno, o senhor tem muito a explicar.
Brás – E eu estou disposto a isso. Se eu dissesse à senhorita, por exemplo, que Gustavo não é quem ele diz ser, a senhorita se assustaria? (Brás sorri, maliciosamente)
Marlete – Como? Repita isso, por favor. Seja mais claro.
Brás – Mais claro do que serei, impossível: minha cara Marlete, Gustavo simplesmente não é o herdeiro da fortuna do pai de Giancarlo. Ele não é, nunca foi, neto de um dos homens que encontrou o tesouro!
Cena 07: Povoado das Hortaliças.
Adelmo está caminhando em seu cavalo.
Adelmo – Ai, Agnella, por que sempre que penso em ti minha cabeça dói? Eu acho que preciso ir a um local calmo para tentar ficar mais relaxado. (Ele pensa um pouco) E por que não o rio? Seria uma ótima escolha. Pensando bem… Eu acho que não tomarei o caminho de sempre. Hoje eu quero me aventurar um pouco mais. Só espero que meu corpo já esteja pronto para isso. Não quero sofrer outro acidente…
Ele ri de si mesmo. Toma a direção de um caminho alternativo que leva ao rio. Quando ele chega às proximidades da casa de Pero, leva um susto.
Adelmo – Ai, meu Deus. Eu estou enxergando direito, ou essa é… (Grita) Agnella!! Agnella, minha Agnella! Eu te encontrei! Eu te encontrei!
Chegamos à segunda metade de Cantiga de Amor, e muita coisa ainda vai acontecer até o capítulo 54! Capítulos agitados, alguns segredos revelados, o desenvolvimento do triângulo amoroso principal… Espero a presença de todos! 😀
Viiii!! a fuga da Agnella não foi uma ótima idéia não, olha só quem ela encontrou em seu caminho o Adelmo, acho que isso não é nada bom para ela e seus companheiros!
Gustavo e Cecília, tendo uma conversa franca, eu amei. E amei ainda mais o que Cecília falava!!!
Mas parece que o Brás e a Marlete podem colocar tdo a preeder. Louco para ver com seguirá essa situação!!!! 😀
Uma hora alguém seria visto. O azar pra Agnella, em específico, é que esse alguém foi logo Adelmo… Mas é bom lembrar que, por enquanto, ele viu apenas Agnella, mas nada impede que ele acabe abrindo a boca.
A relação entre Cecília e Gustavo começa sendo construída assim, com franqueza (se bem que Gustavo ainda esconde algo crucial, que é sua identidade). Que bom que a conversa agradou (confesso que eu tinha um pouco de receio quanto a isso 😉 ).
E Brás encontrou em Marlete uma pessoa ideal para lhe ajudar em seus planos. Acompanhe os próximos capítulos! 😀