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Cantiga de Amor

Capítulo 27 – Cantiga de Amor

Cena 01: Ponto da floresta próximo à casa de Pero. Manhã.

Valentina – Nós viemos porque precisamos da tua ajuda, mais uma vez. Pero, tu poderias nos abrigar em tua casa, pelo menos por um tempo?

Agnella – Por favor, nós imploramos…

Gregório – Tenhas compaixão de nós…

Inês – Como? Tu queres que Pero os abrigue em sua casa? Vocês, que fugiram da igreja? Eu não acho que ele irá fazer isso. Irás, Pero?

Pero – Não sei, Inês. Não digas nada em meu lugar, por favor. Agora, Valentina, por que vocês vieram para cá? Por que procuraram a mim?

Valentina – É difícil de explicar. Se dependesse de minha vontade, nós já estaríamos muito longe nesse momento. Mas eu fui convencida a vir, porque nós não temos o que comer, e não bebemos água desde ontem. E será perigoso para nós se quisermos ir ao rio, porque com certeza alguém nos veria. Então, eu achei que tu poderias nos socorrer.

Inês – Pero, não podes fazer isso. São duas noviças e um seminarista, fugidos de Deus! Nós temos que avisar sobre eles ao padre! (Se vira para Valentina) Aliás… Eu reconheço a ti… Como te chamas? Valentina? Eu me lembro de ti. (Se “revolta”) Tu és a libertina que entrou em casa e seduziu a Brás, que me humilhou, junto com meu finado marido! Tu não mereces ser ajudada! Tu mereces mesmo é a surra que eu não consegui te dar aquele dia!

Inês avança para bater em Valentina. Gregório se interpõe, impedindo-a.

Gregório – Tu não baterás em ninguém.

Valentina – E, pelo visto, tu foste muito bem iludida por teu marido, porque eu fui vítima dele, assim como tu. Ele me prendeu naquele quarto, retirou minhas roupas à força, e ia fazer o que fez sem o meu consentimento!

Inês – Não sei se acredito em ti. E só não te dei os tapas que devia, porque este seminarista me atrapalhou. Mas ainda terei tempo de acertar minhas contas contigo.

Gregório – Ah, e nós não fugimos de Deus como disseste. Ele nos entende. Ele sabe que ser padre não era o caminho certo para mim, que serem freiras não era a vocação, o destino dessas duas moças!

Agnella – Meu destino… Ele está apontado para onde Gustavo estiver…

Inês – Acho que somente tu, Agnella, merece algum perdão. Porém eu creio que deverias voltar para junto de teus pais.

Agnella – Eu preciso que eles me digam onde Gustavo está… Por favor, Inês, me leve até eles.

Valentina – Não, Agnella! Tu não irás mais longe do que a casa de Pero! Isso se tu, Pero, fores gentil conosco.

Pero – Sabe, Valentina, eu posso ajudá-los. Todavia, como os manterei em casa sem que ninguém desconfie?

Valentina – Este lugar. Ele é perto de tua casa? Nós podemos ficar aqui durante o dia, e só dormir em tua casa à noite, aproveitando o escuro para andarmos sem sermos notados.

Pero – O que tu falas tem sentido. Eu estou disposto a fazer isso por vocês.

Inês – Pero, isso é loucura…

Pero – Não, Inês. Eu estou fazendo o que eu sinto que deve ser feito. Um dia, eles podem ter dito que queriam seguir os caminhos dos quais fugiram, mas, se hoje eles sentem que continuar onde estavam não era o melhor para eles, eu acredito. Quem sabe, até, o padre os entenda. Pelo menos, eles se arrependeram antes de tudo estar consumado, não é mesmo?

Gregório – Isso mesmo. Eu não poderia voltar atrás se tivesse entrado naquela cerimônia de ordenação. Quanto ao padre, nós não queremos vê-lo, nem explicar nada a ele. Não agora.

Valentina – Agora, nós precisamos de água. Pero, tu tens água que possa saciar nossa sede?

Pero – Claro. Vocês podem aguardar aqui, enquanto eu busco em casa. E tu, Inês, não arranjes confusão, por favor. E nem conte a ninguém sobre meus novos hóspedes.

Inês – Somente farei isso porque tu estás me pedindo. E, pensando bem, não ficarei aqui. Prefiro ir para casa, ficar em companhia da minha mãe e do meu irmão. Com licença.

Inês sai.

Pero – Perdoem-me por ela. Acho que ela está com ciúmes por eu ter aceitado abrigar vocês. Agora ela terá que dividir a atenção com mais três pessoas… Ai, minha Inês, parece até que não sabes que eu sou somente teu…

Pero também sai.

Cena 02: Termes. Estalagem. Quarto de Gustavo.

Gustavo – (Surpreso) O senhor tem um convite? Pois não…

Giancarlo – Gustavo, eu não sei por quanto tempo teus recursos te permitirão ficar nesse quarto de estalagem. E, como tu irás fazer parte da família em breve, eu acredito que não seja loucura, um erro, convidar-te para realizar uma mudança para minha casa.

Gustavo – O senhor quer que eu more com a sua família, antes mesmo do… Do…

Giancarlo – Casamento? Claro que sim. Não me seria incômodo nenhum ter-te em meu lar. Pelo contrário, tua presença é muito bem-vinda em nosso meio. Claro, tu e Cecília ficarão em quartos separados, distantes, para evitar qualquer acidente. Mas, então, o que me dizes: aceitas o meu convite?

Gustavo – Eu… Estou sem palavras. (Fala como se procurasse as palavras) Estou surpreso. São poucos os homens que tomariam uma atitude como essa. Eu… Aceito o seu convite.

Giancarlo – Muito bem, rapaz. Tomaste uma atitude inteligente.

Eles apertam as mãos. Giancarlo vai saindo.

Giancarlo – Um detalhe: eu gostaria que tu chegasses em minha companhia, a fim de que não houvesse problemas. Porém tenho que ir ao trabalho. Por isso, ao fim do dia, eu passarei aqui, e nós dois iremos a casa.

Gustavo – Tudo bem, senhor. Tenha um bom dia.

Giancarlo – Um bom dia para ti, também.

Giancarlo sai.

Gustavo – Morar na casa dele, ao lado de Cecília… O quanto dará isso certo, meu Deus?

Cena 03: Povoado das Hortaliças. Rua da casa de Enzo.

Enzo e Adelmo conversam no final da rua. Prudência está na porta de casa, e ouve tudo.

Prudência – Agnella? O que Adelmo tem para falar de Agnella? Será que é sobre aquilo…

Prudência sai de casa e vai em direção aos dois.

Enzo – O que tu sabes sobre Agnella? Por acaso sabes onde ela está?

Adelmo – Ela não está na casa do senhor? Pensei que…

Enzo – Ah, acho que ainda não tomaste conhecimento do que aconteceu… Agnella estava no convento, mas fugiu. Estamos todos à procura de minha filha.

Adelmo – Eu… Eu… Não entendi… (Leva a mão à cabeça) Ai! Eu pensei que ela estava com o senhor, em sua casa. E eu vim aqui porque queria lhe dizer que a vi conversando com outro homem, um desconhecido, conversando como se fossem íntimos. Porém o senhor me diz que ela estava no convento!

Enzo – Eu não sei o que está acontecendo em tua cabeça, rapaz. O que falas não faz sentido. Quando dizes ter visto isso?

Adelmo – Pensei que havia sido há pouco tempo.

Nesse momento, Simone aparece, vindo do mesmo caminho que Adelmo.

Simone – Meu filho, eu falei para não saíres de casa enquanto não estiveres bem. Venha comigo, Adelmo.

Adelmo – Não, mãe. Preciso entender o que está acontecendo. Por que a senhora não me disse que Agnella estava no convento?

Simone – Porque sempre que eu falava nessa moça, tua cabeça doía. Devem ser tuas memórias, que ainda não voltaram.

Prudência – Então tu perdeste a memória?

Adelmo – Sim… Eu me lembro das coisas como se elas tivessem ocorrido há pouco tempo, quando na verdade elas são mais antigas… Assim como agora. Eu me lembrei de algo sobre Agnella que parece ter acontecido há mais tempo, mas eu não sei quando…

Enzo – Ah, eu compreendi. Isso que disseste, rapaz, ocorreu há mais ou menos dois meses. E o tal homem de quem falaste já foi embora daqui. Espero inclusive que esteja bem longe no momento.

Simone – Agora, vamos, meu filho. Tens que descansar.

Adelmo – Tudo bem, mãe. Eu acho que já descobri coisas demais por hoje. Senhor Enzo, senhora Prudência, com licença. Muito obrigado pelo que falaram. Os senhores podem ter certeza de que eu não descansarei enquanto não encontrar a filha de vocês.

Adelmo vai embora. Prudência respira aliviada. Enzo segue em direção às terras.

Cena 04: Igreja del Fiume.

Santorini, Francisca, Ottavio, Ricardo, Edetto e Izabella estão na nave da Igreja.

Ottavio – Padre, o senhor vai me desculpar. Eu sou muito grato ao senhor por ter me abrigado aqui hoje, mas eu preciso voltar para minha casa. Só me dói o coração o fato de não saber notícias sobre Gregório… Mas o senhor pode me avisar de tudo, não é?

Santorini – Não há necessidade de voltar agora. Eu entendo que o senhor está preocupado com sua casa, mas eu lhe garanto que não tardará até encontrarmos seu filho.

Ottavio – Não, padre. Meu povoado não é tão distante. Eu estarei rezando por meu filho de lá, e eu confio que o senhor me colocará a par de todas as coisas que souber acerca dele… (Ele olha pra baixo) Por que, padre? Por que ele fez algo assim comigo?

Santorini – Nós não sabemos, ainda. Mas acalme seu coração. Não te preocupes tanto. E tudo bem, vá em paz. Sempre que houver uma nova notícia sobre Gregório, eu o avisarei.

Ottavio – Muito obrigado, muito obrigado, de verdade. Bom dia, padre.

Ottavio sai. Santorini é abordado pelo bispo Ricardo.

Ricardo – Padre, precisamos concordar que essa situação está um pouco constrangedora. Eu havia vindo para celebrar uma cerimônia de ordenação, mas me deparo com a fuga de um seminarista e de duas noviças. O senhor tem certeza de que estava tudo bem por aqui?

Santorini – Meu caro bispo, para nós é difícil conhecermos o coração do homem. Exteriormente, tudo parecia bem. Interiormente, somente Deus pode afirmar.

Ricardo – Entretanto, padre, as pessoas costumam fornecer sinais que denunciam seu estado. Muitos deles, sutis, mas nós, que estamos aqui para cuidar dessas pessoas, devemos sempre estar preparados, treinados, a fim de captá-los quando forem soltos no ar. E eu acredito que o senhor é capaz disso. E, se me permite dizer, o que pode ter faltado foi mais ação. Estou certo?

Santorini – (Mexe a cabeça, como quem está em dúvida) Talvez, bispo. Eu só gostaria de esclarecer ao senhor que eu sou um padre, digamos assim, que confia nos outros. E, como eu conhecia as suas famílias, ou pelo menos a do rapaz e a de uma das moças, eu não cheguei a desconfiar de nenhuma possibilidade de surpresa por parte deles.

Ricardo – Tudo bem, tudo bem. Eu também confio no senhor e no seu trabalho. (Olha para a porta da igreja) O dia está lindo, não acha? Irei contemplar o céu, essa maravilha divina. O senhor me acompanha?

Santorini – Não, obrigado. Quero tomar conhecimento do que se passa ali.

O padre, então, se dirige aos outros três presentes na nave.

Izabella – Pois bem, padre. Nós decidimos que ficaremos aqui até a nossa serva ser encontrada.

Edetto – Eu já enviei um aviso a minhas terras, para que viesse um dos homens especialistas em procurar servos que fogem para a floresta. Só torço para que sua presença não seja mais necessária quando chegar, que Valentina já tenha sido encontrada.

Francisca – Me perdoe, senhor Edetto, mas da maneira que o senhor fala, me parece que esses mesmos homens que diz serem especialistas foram aqueles que permitiram a Valentina estar por aqui no momento. (Edetto assume uma expressão raivosa) E, por favor, não me entenda mal. O que quero dizer é que nós mesmos podemos encontrar os fugitivos, que não há necessidade de desconfiar da capacidade do nosso exército: um povo faminto por novidade, aventuras. Ah, e com medo, claro. Afinal de contas, é uma afronta a Deus o que eles fizeram, e quem for conivente com isso também o afronta. Não é mesmo, padre?

Santorini – Exatamente, irmã. Eu tenho plena certeza de que quando esse povo vir os três que fugiram, nos contarão onde estão.

Edetto – E se eles não virem?

Francisca – Impossível. Em algum momento, com certeza eles vacilarão. Não são tão espertos quanto pensam. Principalmente a menina, a apaixonada. Com certeza ela será vista logo. E quem a vir, descobrirá os outros. E os delatará a nós.

Izabella – Assim esperamos.

Francisca – Assim será.

Cena 05: Termes. Casa de Giancarlo. Final da tarde.

Giancarlo chegou com Gustavo a sua casa. Foi recebido por Cecília.

Cecília – Pai! Senhor Gustavo, estou surpresa por vê-lo aqui.

Giancarlo – Filha, eu devo anunciar que Gustavo, teu futuro marido, é o mais novo morador da casa!

Marlete vem chegando da cozinha.

Marlete – Esse rapaz irá morar conosco? Isso é realmente surpreendente. Assim, tão cedo? Nem se casaram ainda…

Giancarlo – Sim, realmente não é o mais tradicional a ser feito. Mas os recursos, as condições dele de se manterem na cidade morando em uma estalagem são insuficientes. E nós achamos que é melhor para ele que fique conosco. Não é mesmo, rapaz?

Gustavo – Sim, senhor. Eu também fiquei surpreso pelo convite. E o senhor Giancarlo me garantiu que o meu quarto e o de sua filha ficarão longe um do outro. Então, eu aceitei a chamada.

Giancarlo – E fez o que é certo. Agora, acho que é bom que te acomodes no quarto. Serás chamado quando o jantar estiver pronto. (Vira-se para um dos empregados) Por favor, leve-o para o quarto de hóspedes que está do outro lado da casa. Lá é o lugar ideal para que ele fique.

Gustavo e Giancarlo saem.

Marlete – Eu… Preciso sair agora.

Cecília – Aonde vais, minha prima?

Marlete – A nenhum lugar importante, Cecília. E, se perguntarem por mim, diga que eu voltarei logo, antes do anoitecer.

Marlete sai de casa.

Marlete – Era só o que faltava… Colocar esse estranho para dentro de casa, assim, do nada? Eu sei que ele é o tal prometido, o que terá acesso ao tesouro… Mas essa atitude… É um total absurdo.

Ela dobra a esquina. Da sombra da parede, surge um homem desconhecido, que se coloca em sua frente e impede sua passagem. Ela dá um grito, se assustando.

Marlete – (Um pouco amedrontada, um pouco desafiadora) Quem és tu? O queres comigo?

Brás – Eu te vi saindo daquela casa, ali na outra rua. E fiquei me perguntando: por acaso conheces o dono da casa?

Marlete – Por que queres saber? Não vejo motivos para teu interesse. E também não vejo motivos para conversar contigo, um total desconhecido para mim. Com licença, por favor. Tenho coisas para fazer.

Brás – Calma, moça, calma. Eu não pretendo nada de ruim com a senhorita não… Eu só te fiz essa pergunta porque… Porque acredito que, se a senhorita tiver relação com o dono daquela casa, poderia se interessar pelo que eu tenho a dizer.

Marlete – Sobre Giancarlo? (Ri ironicamente) Eu duvido que conheças algo sobre Giancarlo. Nem mesmo és da cidade, nunca o vi aqui.

Brás – E quem disse que o que eu tenho a falar diz respeito ao dono da casa? Um homem respeitadíssimo, por sinal, de muito boa fama nesse lugar, até onde descobri.

Marlete – Pelo visto és bem informado. Mas então… Continuo sem enxergar razões para teres me parado nessa esquina. Se me permites, não estou com vontade de ouvir conversas inúteis hoje.

Brás – Percebo que és muito apressada. Serei direto, então: o que eu sei, eu sei sobre o outro homem. Aquele que entrou com o senhor Giancarlo na casa dele. E eu posso garantir: o dono da casa não gostaria em nada de ouvir o que eu tenho comigo.

2 comentários sobre “Capítulo 27 – Cantiga de Amor

  • Estava até bom, até o Brás aparecer, o que será que ele vai falar do Gustavo para a Marlete? Pelo visto o Gustavo pode sr meter em uma vasta confusão por causa do Brás.
    Pero decidiu abrigar Valentina, Agnella e Gregório em sua casa, será que isso dará certo? Acho que não, mas não sei… e se a Inês abrir a boca?
    Adelmo está sofrendo muito com essa perda de memória, coitado da até uma dor dele.
    Pelo visto Adetto e Izabella não vão sussegar até encontrarem Valentina

    • Brás tem condições de dificultar ainda mais a vida de Gustavo em Termes. Basta ele abrir a boca sobre o que ele sabe acerca de Gustavo.
      E será que Inês teria coragem de revelar sobre a estada de Gregório, Valentina e Agnella na casa de Pero? Isso não levantaria suspeitas sobre seu relacionamento escondido?
      Adelmo aos poucos está recuperando sua memória. Essa dor inclusive é um sinal do esforço que sua cabeça faz pra tentar se lembrar das coisas.
      E Edetto e Izabella estão dispostos a fazer o que for preciso para encontrar Valentina. Talvez isso tenha um ponto negativo, mas eles só entenderão isso bem mais pra frente.
      Obrigado por estar sempre comentando! 😀

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