Capítulo 22 – Cantiga de Amor
Cena 01: Popa do navio. Final da tarde.
Marconi não conseguiu terminar a fala. Uma leve e fina chuva se iniciou. Sua mão, que continha o colar, ficou segurada na mão de Gustavo, que deixou uma lágrima cair ao lado do seu novo amigo, agora morto.
Gustavo – Tu… Foste embora.
Gustavo pegou o colar e o levou à altura dos olhos. O colar possuía um pingente metálico, comprido, com algumas reentrâncias. Depois, cerrando o punho, levou a mão ao peito.
Gustavo – Se este foi teu último desejo, meu amigo, eu o cumprirei. Só peço que me ajudes…
Ao fundo, a sombra de uma pessoa, que estava projetada, se acompridou cada vez mais, até sumir.
Cena 02: Aposentos do navio. Noite.
Estava próximo à hora de todos se recolherem e, por isso, havia um alvoroço em todo o navio, com pessoas correndo de lá para cá. Gustavo chegou ao aposento que dividia com outros homens, e sentou em sua “cama”. Ainda remoendo as lembranças da morte de Marconi, ele segurava e apertava o colar. Cansado, decidiu dormir antes do toque de recolher, colocando o colar embaixo da cama, na lateral. Alguns minutos depois, pegou no sono. Então, nesse momento, alguém aproveitou que os outros ao redor estavam preocupados consigo mesmos, e colocou a mão por baixo do colchão e pegou o colar. Saiu dali furtivamente. Pouco tempo depois, estava em seu quarto.
Brás – Desculpe-me, caro rapaz! Mas esse tesouro será meu!
Cena 03: Povoado das Hortaliças. Casa de Simone. Manhã.
Simone, Leonor, Inês, Adelmo e Santorini estavam reunidos na sala.
Santorini – Meus irmãos, confesso que estou bastante feliz com o fato de Adelmo ter voltado a abrir os olhos. Infelizmente, a impressão que tínhamos era de que você não poderia sobreviver ao acidente…
Simone – Não, padre, não! Eu sempre achei que meu filho voltaria!
Adelmo – Sabe, a história que vocês me contaram, de eu ter sofrido um acidente, me assusta tanto, porque eu não lembro de ter sofrido um acidente. Não lembro… (Levou a mão à cabeça) Ai, e essa dor de cabeça está forte!
Leonor – Normal, Adelmo. É somente esperares um pouco, que a dor passará.
Santorini – Ah, rapaz, e tu sabes que não podes aceitar qualquer receita ou chá que prometa curar a dor, não é?
Simone – Ui, padre, credo, nem me fale. Só em pensar nessas coisas de bruxaria, me dá arrepios!
Inês – Padre, chamamos o senhor para rezar, não foi? Para agradecer a Deus? Então, vamos logo.
Santorini – Está bem, minha filha. Só peço que sejas menos impaciente em outros momentos. Nem todas as pessoas são mansas de coração, pacientes como eu.
Do momento em que começaram a rezar, até aquele em que acabaram, passou-se meia hora.
Adelmo – Sim, minha irmã, tu e todos me garantem que passei dias com os olhos fechados. Mas agora, aproveitando que o padre está aqui, por que vocês não me põem a par dos preparativos?
Inês – Preparativos? De que estás falando, Adelmo?
Adelmo – Ora, dos preparativos para teu casamento com Brás! Aliás, onde está ele?
Inês, Simone, Leonor e Santorini se olharam, perplexos.
Cena 04: Aposentos do navio. Manhã.
Gustavo acordou. Estava sentindo o corpo doído. Por causa do cansaço, ele dormira bem durante a primeira hora, mas os acontecimentos recentes tomaram sua mente de tal forma que ele não conseguiu mais dormir tranquilamente, e, por isso, ficava se remexendo, entre um cochilo e outro. Nos primeiros raios da manhã, decidiu despertar definitivamente. Passou a mão nos olhos, para ver se espantava o sono, e sentou. Então, colocou a mão embaixo da “cama”, no local em que havia guardado o colar, e levou um susto.
Gustavo – Mas, onde está o colar?
Ele se levantou, e passou a mão por baixo de toda a “cama”, em busca do objeto.
Gustavo – Nada do colar!
Gustavo olhou por todo o chão do aposento, e não localizou o que queria.
Gustavo – Como ele pode ter sumido assim? Será se… Alguém o roubou?
Então, ele aproveitou que todos dormiam, e olhou, no pescoço de cada um, se algum deles usava o colar. Mais uma vez, não o encontrou. Pensou em revistar seus pertences, mas, nesse momento, um deles acordou. Então, ele resolveu se trocar, e sair.
Cena 05: Povoado das Hortaliças. Casa de Simone. Manhã.
Ninguém respondeu a Adelmo.
Adelmo – O que foi? Por que todos ficaram mudos, de repente?
Simone – Meu filho, diz-me que isso é uma brincadeira! Tu estás querendo nos dar um susto de leve, não é?
Adelmo – Mas por que eu brincaria? Por acaso… (Abaixou o tom de voz) Inês não se casará mais com Brás?
Leonor – Graças a Deus, não!
Simone – Quieta, Leonor! Não o confunda!
Adelmo – (Levando uma mão à cabeça) Eu não estou entendendo…
Simone – Meu filho, Inês se casou com Brás há meses…
Inês – E Brás está morto.
Adelmo levou a outra mão à cabeça, que passou a doer mais.
Adelmo – Então… Eu… Por que estou assim? Por que não me lembro desse acidente, e por que acho que estou vivendo em um tempo que vocês dizem que já passou?
Santorini – Meu rapaz, você deve ter perdido a memória dos acontecimentos ocorridos desde a época do casamento de Inês.
Adelmo – Mas por quê?
Leonor – Deve ter sido uma batida com a cabeça no momento do acidente. Isso pode ter prejudicado a tua memória.
Adelmo – E agora? O que eu faço? Ficarei assim para sempre?
Santorini – Agora, meu filho, é rezar. Rezar, e esperar.
Tendo dito isso, o padre saiu.
Adelmo – Eu quero trabalhar. Quero me ocupar.
Simone – Não por enquanto. Não enquanto tua dor de cabeça estiver assim, meu filho.
Resignado, Adelmo abaixou a cabeça. Apreensiva, Simone foi se ocupar, na cozinha.
Adelmo – Mas, Inês, me explica melhor essa história da morte de Brás.
Então, ele, Inês e Leonor continuaram conversando.
Cena 06: Povoado das Hortaliças. Casa de Enzo. Sala.
Enzo – Mulher, sabes de que eu fiquei sabendo hoje, enquanto tu foste buscar a água no rio?
Prudência – Não, meu senhor. É algo de importante?
Enzo – Sim. Adelmo acordou, ontem à noite.
Prudência arregalou os olhos.
Prudência – Meu Deus… Foi um milagre! Eu…
Enzo – (Completando a frase) Pensava que ele nunca iria acordar? É, todos pensavam assim. E eu me perguntei: será que fizemos certo em levar Agnella ao convento?
Prudência – Sim! Sim! Nós fizemos certo! Pensávamos que ele nunca iria reabrir os olhos, e garantimos o futuro de Agnella! Sim, nós fizemos a nossa obrigação!
Enzo – Não sei… Sabes, eu vou até a casa dele. Estou curioso para saber o que ele tinha para me dizer antes de sofrer o acidente.
Prudência – Não, meu senhor! Não faça isso.
Enzo – (Curioso) Por quê? Por que, Prudência, há algo errado em ir até lá? Ou há algo errado no que ele ia me contar?
Prudência – Não… Claro que não! Nem sei o que ele ia te contar. Apenas considero necessário esperar que ele se recupere melhor. Então, ele mesmo virá até ti, e continuará a conversa interrompida.
Enzo – É. Pode ser que estejas certa. Irei ao trabalho, agora.
Cena 07: Navio. Início da tarde.
Gustavo está caminhando no corredor principal do navio, pensando no desaparecimento do colar.
Gustavo – Eu já procurei nos pertences de todo mundo naquele quarto. Não achei. Também não achei na proa. Onde mais o poderia encontrar? Quem mais poderia pegá-lo? (Pausa para pensar) Será que foi alguém de outro quarto? Nesse caso, eu não teria como achar! Há muita gente nesse navio!
Gustavo está chegando ao fim do corredor, onde há uma curva e se inicia um outro, menor. Nele, Brás também caminha, porém na direção do corredor principal. Em suas mãos, o colar.
Brás – Minha belezinha… Por sua causa ficarei rico, e eu quero ver se Inês não me respeitará!
Então, ele ouve uma voz familiar, se aproximando cada vez mais.
Gustavo – Onde procurar? Onde?
Nesse momento, Brás, ao ver uma porta, tentou abri-la, mas não conseguiu. Tentou novamente. A voz estava mais próxima, quase presente.
Gustavo – Talvez possa pedir ajuda a alguém… Mas Marconi não gostaria que mais alguém soubesse de nada. Afinal, um colar não é algo assim comum, chamaria atenção, despertaria curiosidade.
A porta, enfim, se abriu. Era uma espécie de depósito. Brás entrou. Quando foi fechar a porta, esta se fechou abruptamente, prendendo a mão que segurava o colar. Na tentativa de liberar a mão, o colar caiu do lado de fora, um pouco afastado da porta, a qual mais uma vez se fechou de repente. Do outro lado, no corredor, Gustavo dobrou.
Gustavo – Se bem que… Será que a pessoa que roubou o colar o fez sabendo da existência do tesouro? Nesse caso, essa pessoa ficará com o que pertence Marconi, e que ele me confiou…
Então, Gustavo chutou algo. Ao olhar para o chão, reconheceu o colar.
Gustavo – Graças a Deus! É ele! Mas de que forma veio para aqui? Será que alguém o deixou cair? (Olhou ao redor) No entanto, o corredor está vazio. Alguém que seguiu pra algum lugar perdeu o colar aqui. Alguém que não sei quem possa ser. Mas agora, preciso ter mais cuidado.
Gustavo colocou o colar no pescoço e seguiu para o fim do corredor. Uma porta estava aberta no início dele.
Brás – (Furioso) Raios! E eu estive tão perto!
Brás saiu bufando de raiva.
Cena 08: Convento. Início da tarde.
Valentina estava na antessala da irmã Francisca.
Valentina – Limpeza atrasada… Missa de entrada de Agnella para o convento. Por que as pessoas têm que ficar felizes com uma prisão? Por que não celebrar a liberdade?
Ela se aproximou de dois apoios para lampiões, situados em uma parede, lado a lado, com uma distância entre eles de aproximadamente 50 cm. Havia dois lampiões de tamanhos diferentes, um em cada apoio.
Valentina – Vamos ver, tenho que limpar isso.
Valentina limpou cada um dos lampiões e dos apoios.
Valentina – (Pensativa) E se eu trocasse os dois de lugar? O maior poderia iluminar a parte maior da sala, e o menor clarearia a parte menor da sala. Vamos ver como ficaria.
Valentina, então, tirou cada lampião de lugar, e realizou a troca, colocando os lampiões sobre os apoios exatamente ao mesmo tempo. Nesse momento, uma surpresa. Silenciosamente, alguns blocos de pedra das grossas paredes do convento recuaram para trás, como se fossem uma porta, mostrando um espaço oco dentro da parede.
Valentina – (Espantada) Meu Deus, o que é isso?
O espaço era estreito, e era mais confortável ocupá-lo de lado. Quando entrou, carregando um dos lampiões, Valentina notou que ele não era um simples buraco. Dava para andar nele. Ela então, andou um pouquinho, quando visualizou uma escada, para baixo. Desceu.
Valentina – Isso… É um corredor subterrâneo!
Agora eu só digo uma coisa pra Valentina: Run, baby, run. Talvez esse corredor seja a chance dela de fugir. Brás se ferrou, e eu gosto assim u.u tomara que Gustavo chegue logo nesse tesouro, embora eu creia que Brás não facilitará tanto. Adelmo não se lembra de nada, ok, melhor assim, mas tenho a LEVE sensação que logo ela voltará. E quando Adelmo lembrar do vaso em sua cabeça…Vai ter briga!
Valentina descobriu esse corredor, mas ela ainda não sabe onde ele vai dar. Será que essa é realmente a solução para ela? Tá 1 a 0 pra Gustavo, mas Brás ainda pode fazer mais coisas. Ele com certeza não se deixará perder assim tão fácil. E o acidente de Adelmo o privou da memória, mas temporariamente. Mas quando será que ela voltará? É só ler os próximos capítulos, pra saber!
😀
Adelmo teve perda de memória? Será que ele se lembra da Agnella? Ou do que ele ia contar para o Enzo?…
Mas esse Brás é insistente mesmo, roubou o colar a fim de pegar o tesouro do Marconi, ainda bem que por obra do destino o Gustavo conseguiu recuperar o colar, acho que ele não se conformaria até encontra-lo.
Valentina achou uma porta secreta, onde ela deva leva-la?
A web está tomando caminhos magníficos, parabéns, tá Linda!!! 🙂
Adelmo lembra de Agnella sim. Afinal, sua memória mais recente data do casamento de Inês e Brás, e nesse tempo ele já conhecia Agnella. Agora, do que ele ia contar para Enzo… É bom acompanhar pra saber.
Brás é insistente, sim, às vezes até irrita. Mas Gustavo pegou o colar de volta, e não dará mais bobeira.
Os capítulos seguintes trarão a resposta para a pergunta sobre a porta secreta. Não perca!
E eu fico feliz por estar gostando dos caminhos da web! Espero que essa sensação se mantenha! Obrigado! 😀