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Cantiga de Amor

Capítulo 21 – Cantiga de Amor

Cena 01: Povoado das Hortaliças. Casa de Pero. Manhã.

Inês – Ouça-me, camponês. Tenho uma proposta para te fazer. Irrecusável.

Pero – (Se anima) Uma proposta? De que tipo?

Inês – De amor. Pero, queres casar comigo?

Pero fica surpreso. Aos poucos, abre um sorriso.

Pero – Ca-sa-mento? Mas… Mas… O que aconteceu? E Brás?

Inês – Aquele homem inescrupuloso morreu no mesmo dia em que chegou ao porto. O padre trouxe a notícia. Não vês que estou de preto?

Pero – Sim, claro, claro que vejo. Mas, de qualquer forma, devia ser eu a fazer esse pedido, não tu!

Inês – Ora, camponês, eu sei que tu demorarias tempos para me fazer o pedido. Com certeza ficarias com receio de incomodar meu luto. Por isso, vim logo dizer-te que eu quero, sim, me casar contigo, agora que Brás da Mata foi para Deus. Contudo, tu podes fazer o pedido oficial à minha mãe posteriormente.

Pero – Bem, nesse caso… Eu aceito, minha flor do campo! Eu quero me casar contigo! E quero casar-me o quanto antes!

Inês – Calma lá, camponês, aguarda um pouco. Preciso de um tempinho para manter o luto, se não nem o padre aceitará realizar a cerimônia. Só que, enquanto isso, nós podemos muito bem encontrarmo-nos às escondidas…

Pero – Proposta acatada. E sejamos felizes, minha Inês! Felizes!

Eles se beijam.

Cena 02: Igreja del Fiume. Manhã.

O padre Santorini, a irmã Francisca e o seminarista Gregório estão na nave da igreja.

Francisca – É uma pena que um combatente tenha morrido de forma tão prematura. Que Deus o tenha.

Santorini – Amém! Mas não vamos ficar pensando muito nesse assunto por enquanto. Até à tarde, pelo menos, quando rezaremos uma missa pela alma do pobre coitado.

Francisca – A propósito, padre, tenho algo a dizer. Enquanto estiveste fora, admiti uma noviça ao convento. E, de certa forma, fiquei surpresa. Afinal não a esperava aqui.

Santorini – E quem foi essa noviça que você admitiu, irmã Francisca?

Francisca – Agnella, a filha de Enzo.

Santorini – (Surpreso) Agnella? Olha só, quer dizer que uma moça que, até pouco tempo, ia ser casada, entrou para o convento. É… Só espero que ela tenha mesmo a vocação.

Francisca – Eu falei para seus pais que viessem conversar com o senhor quando chegasse. O senhor sabe, não gosto de admitir nenhuma moça sem a sua presença.

Santorini – Ah, não é necessário isso. Você é quem administra o convento. Você é quem toma essas decisões. Se ela foi admitida, então que faça bem seu trabalho! Falando nisso, Gregório, me diga uma coisa: como foram esses dias em que estive fora? Correu tudo bem?

Gregório – Claro, padre. Fiz tudo o que me cabia aqui, enquanto seu substituto.

Santorini – Mas não se preocupe. Em dez dias, deixarás de ser um seminarista, um simples ajudante e substituto, para também se tornar padre! Como se sente quanto a isso? Está ansioso?

Gregório – Um pouco. Deve ser normal, em casos como esse.

Santorini – Sim, meu filho, muito natural, até. É, esse será um grande dia. O dia da ordenação de Gregório!

Gregório dá um sorriso fraco, forçado, e se levanta, dirigindo-se à sala ao lado da nave da igreja. Lá, se depara com Valentina limpando a mesa. Eles se encaram por um pouco de tempo, até que Gregório sai. Valentina permanece, pensando no que acabara de ouvir.

Valentina – Ele vai se tornar padre em dez dias… Isso… Não é bom. Não! Não está certo!

Cena 03: Convento. Quarto de Valentina. Final da tarde.

Valentina e Agnella estão deitadas em suas respectivas camas.

Agnella – Valentina, notei que estás muito quieta, desde que chegaste da limpeza na igreja. Aconteceu alguma coisa?

Valentina – Aconteceu. Eu ouvi algo, uma conversa, sobre algo que deve me… Me atrapalhar.

Agnella – Atrapalhar? Em quê?

Valentina – Lembra do dia em que tu entraste aqui? Tu disseste que não era para estares aqui, e eu concordei contigo. Esse lugar não é para mim. É uma prisão, não há liberdade.

Agnella – Por acaso pensas em fugir do convento? Mas como? Na hora em que sais para fazer a limpeza?

Valentina – Não. A irmã Francisca quase não tira os olhos de mim. Só às vezes, mas sempre vai para um lugar em que me veria caso tentasse fugir. E, pelo próprio convento, é quase impossível.

Agnella – Então, como pensas em ir embora? Tens algum plano? Ah, e eu posso ir junto? (Olha para cima, esperançosa) Seria tão bom se eu achasse Gustavo. Eu queria tanto me encontrar com Gustavo!

Valentina – Gustavo? Esse nome é novo para mim.

Agnella – Eu o amo…

Agnella vira para o lado, repetindo a mesma frase. Valentina sorri.

Valentina – (Falando para si mesma) E não, eu nunca tive um plano. Mas pensei que ele poderia me ajudar… E agora? O que fazer?

Valentina fecha os olhos e dorme. Em pouco tempo, sonha. Ela está ao pé de um grande abismo, caída. Ao olhar para o lado, vê Gregório, também caído. Ela se levanta, e o ajuda a levantar. Quando olham para frente, veem a sombra de uma grande mão na outra parede do precipício. Então, eles correm, até chegarem à beira de um rio, de onde não enxergam mais a mão. Do outro lado do rio, ao longe, há casas. Então, eles mergulham, sorrindo um ao outro.

Cena 04: Povoado das Hortaliças. Casa de Simone. Final da tarde.

Inês, Simone e Leonor acabaram de voltar da igreja, onde houve a missa pela alma de Brás da Mata.

Simone – Minha filha, me diga: aonde foste naquela hora em que o padre estava aqui?

Inês – A minha casa, mãe. A senhora mesma me viu lá quando foi me chamar para o almoço.

Simone – Não sei… Podes muito bem ter ido a algum outro lugar antes disso.

Inês – Mãe, por favor, não é hora para isso.

Leonor – Exatamente. Viemos aqui para rezar por Adelmo.

Simone – Vamos. Vamos rezar. Meu filho está precisando…

Uma lágrima escorre dos olhos de Simone. As três mulheres se dirigem ao quarto de Adelmo, e se ajoelham ao lado da cama, onde ele está deitado. Uma vela está acesa em uma mesa ao lado. Elas passam alguns minutos assim. De repente, ouvem um ruído.

Adelmo – (Balbuciando) Mãe… Mãe!

Cena 05: Igreja del Fiume. Quarto de Gregório. Final da tarde.

Gregório está sentado em sua cama, relembrando um sonho.

– Flashback –

Sonho. Ele está sentado, agachado, com a cabeça entre as pernas, e encostado em alguma coisa. Está chorando. Até que sente alguém chegando, e levantando sua cabeça. É Valentina. Ele segura na mão dela, e percebe que estão em uma floresta. Então, eles veem a sombra de um rosto e de uma mão. Os dois correm, mas a sombra corre atrás deles. Depois de um bom tempo sendo perseguidos por ela, eles chegam ao final do caminho, que dá na igreja. Quando dão mais um passo, com a sombra ainda atrás, o que era chão vira precipício, e caem no abismo.

– Fim do Flashback –

Gregório fica agitado. Relembra outro acontecido.

– Flashback –

Estavam no convento. Valentina titubeou, seu corpo balançou um pouco e ela desmaiou nos braços de Gregório.

– Fim do Flashback –

Gregório leva as mãos à cabeça, tomado por outra lembrança que não queria ter.

– Flashback –

Estavam na igreja.

Valentina e Gregório – (Quase em uníssono) Eu sonhei contigo!

Eles se espantam. Cada um dá um passo para se aproximarem. Valentina se ajoelha novamente. Gregório se ajoelha ao lado dela.

Gregório – O meu sonho foi bem estranho. Porém eu também acho que não significou nada. Era só… Correria, precipício, nada que fizesse sentido.

Valentina – (Pensativa; fala baixo) Correria… Precipício… Floresta?

– Fim do Flashback –

Gregório tira as mãos do rosto, com lágrimas caindo, mesmo que contra a sua vontade.

– Flashback –

Santorini – Em dez dias, deixarás de ser um seminarista, um simples ajudante e substituto, para também se tornar padre! Como se sente quanto a isso? Está ansioso?

Gregório – Um pouco. Deve ser normal, em casos como esse.

Santorini – Sim, meu filho, muito natural, até. É, esse será um grande dia. O dia da ordenação de Gregório!

– Fim do Flashback –

Gregório – (Dá um grito abafado) Aaaah!!! (Sussurra, para si mesmo) Deus, eu não… Não quero… Não posso… Mas eu devo… Meu Deus, eu não sei…

Cena 06: Povoado das Hortaliças. Casa de Simone. Final da tarde.

Ao ouvir o filho falar, Simone deu um pulo e sentou na cama, ao seu lado, beijando-o. Com a mão em seu rosto, começou a chorar. Inês também sentou na cama. Leonor ficou de pé.

Simone – Meu filho… Você acordou! Eu sabia, Deus, eu sabia!

Inês – Ai, meu irmão querido! Que bom, que bom!

Leonor – Graças a Deus, rapaz! Estávamos todos tão preocupados…

Os olhos de Simone brilhavam.

Simone – Meu filho… Meu filho…

Adelmo tenta sentar, mas sua mãe a impede.

Leonor – Fique deitado, Adelmo. Você não esteve bem durante esses dias.

Adelmo – (Olhando assustado para ela) Como assim?

Inês – Você sofreu um acidente, meu irmão. Na floresta.

Simone – Inês, ele acabou de acordar! Vamos evitar falar sobre isso agora.

Leonor – Vamos deixá-lo descansar.

Simone – Amanhã, chamaremos o padre, para vir rezar por ele. Agradecer a Deus. Meu filho acordou!

As três saem da sala, felizes.

Cena 07: Popa do navio. Final da tarde.

Marconi e Gustavo estão sentados, conversando. De repente, Marconi levou a mão ao peito.

Marconi – Gustavo, eu… Estou me sentindo mal… Uma dor no peito…

Gustavo – Calma, Marconi, respire fundo. Inspire. (Ele obedece.) Expire. (Novamente.) Estás melhor?

Marconi – (Fala pausadamente, com dificuldade) Um pouco. Mas vai piorar, tenho certeza.

Gustavo – Não fiques pensando assim. É só respirar fundo, que isso passará.

Marconi – Não tenho tempo para respirar fundo. Preciso te contar sobre o tesouro. Aquele tesouro.

Gustavo – Deixa isso para depois! O que precisas é de um descanso.

Marconi – Não! Gustavo, me ouça bem. Eu não sei se viverei até amanhã, muito menos até o dia de chegar ao meu destino. O destino em que encontrarei meu tesouro.

Gustavo – Está bem, está bem. Eu cedo. Mas não te esforces muito, por favor. Não quero ver-te morrer, ainda mais em minha frente.

Marconi – Uma cidade. Algo raro nos dias de hoje, mas uma cidade. Nela, mora um comerciante, por nome Giancarlo. Meu avô Emiliano, pai de meu pai, conhecia o pai dele, era amigo dele. (Gregório divaga.) Como era mesmo o nome do pai desse senhor? Acho que eu não me lembro… (Ele volta a contar a história.) Enfim: juntos, eles descobriram um tesouro perdido, que deve ter sido de algum dos césares romanos, extintos séculos atrás. Decidiram não tocar nesse tesouro. Certo dia, esse homem teve que partir em viagem para o oriente – ao que parece, ele teve que voltar para a casa de seu pai. Eles temiam que algo acontecesse com o tesouro. Alguém acabou descobrindo a existência do tesouro, e eles temiam que ele fosse roubado, temiam até ser mortos. Por isso o amigo de meu avô levou consigo, prometendo escondê-lo em um lugar seguro. Antes, porém, firmaram uma aliança: a de que a terceira geração de suas famílias deveriam se reencontrar para usufruírem da descoberta, em um tempo em que talvez não corressem mais algum perigo.

Gustavo ouvia a tudo estupefato. Marconi se levantou e começou a andar em círculos, olhando às vezes para o chão, às vezes para seu interlocutor.

Marconi – Anos depois, o tal comerciante, filho do amigo de meu avô, encontrou meu pai, e eles decidiram manter a aliança. Ele contou que seu pai havia se estabelecido em um burgo, uma cidade fortificada, próximo a Constantinopla. Esse comerciante teve que ir embora, e, logo depois, meu pai morreu. (O olho dele se enche de lágrimas, mas ele segura o choro) Eu decidi vir atrás do tesouro. Descobri que esse navio pararia por um dia em Termes, a tal cidade, antes de seguir para Jerusalém, e por isso estou aqui. Não quero ir para Jerusalém. Quero… Queria encontrar meu tesouro. Mas não só ele… (Começa a tossir) Queria tentar recomeçar minha vida…

Gustavo – (Se levanta e conduz Marconi a se sentar de volta) Sente-se. Fique calmo. Eu tenho certeza de que tu conseguirás chegar a teu destino.

Marconi – Mas eu sei que não vou. Por isso eu preciso de você. Confio em você. Sei que você será capaz de ser feliz, de cuidar bem desse tesouro.

Gustavo – Mas eu nem sou de tua família! Eles não me aceitarão!

Marconi – Quando esse comerciante se encontrou com meu pai, eu era apenas uma criança. Por isso o sinal…

Gustavo – Sinal?

Marconi – Sim, o sinal da aliança. (Ele põe a mão no pescoço, e retira o colar que usava.) Este colar. Ele era do meu avô. E me identificaria, faria com que a família do falecido amigo de meu avô soubesse quem sou eu.

Gustavo – Chega. Tu não podes mais ter tanto esforço. Vamos sair daqui.

Ele se levanta. Na hora que Marconi tenta fazer o mesmo, perde o equilíbrio e cai. Gustavo se ajoelha para tentar levantá-lo, mas ele resiste no chão.

Marconi – (Respirando ofegante) É a minha hora.

Gustavo – Não! Não é! Venha, deixe-me te levantar!

Marconi – Pega o colar, Gustavo. É teu. Tu… Saberás o que fazer com ele. Até… Uma boa hora.

Gustavo – Não!! Não vá!

Marconi – Muito… Obrigado… Ade…

Não conseguiu terminar a fala. Uma leve e fina chuva se iniciou.

6 comentários sobre “Capítulo 21 – Cantiga de Amor

  • Gosto do Gregório e Valentina, eles dão um up e tanto na história. Mais uma morte, estás virando assassino em série por aqui João ahahha Ansioso pelo que vem depois, seguirei acompanhando!

    • kkkkkkkk No caso o assassino sou eu, porque morreram todos de morte natural (ou quase, né), mas ninguém matou ninguém até agora, não 😛
      E eu também gosto muito de Gregório e Valentina. Acho que eles são meus outros protagonistas kkkkk
      Conto com sua participação, então!

  • R.I.P Marconi, agora Gustavo certamente irá atrás do tesouro, e creio que será uma grande jornada. Gente o Gregório está muito em dúvida quanto a realmente se firmar padre ou se entregar ao amor por Valentina, que pelo visto é bem intenso. Agora só depende de uma atitude dele próprio. E que escolha a certa.
    Adelmo recuperando a consciência, isso pode dar problema pra Agnella, te cuida!!
    Cantiga de Amor fluindo muito bem!

    • Gustavo terá pela frente uma missão bastante difícil. Como ele irá lidar com isso?
      O dilema de Gregório, como tem dois capítulos a frente, passa também por uma questão familiar. Ele está mesmo dividido, e as circunstâncias o obrigarão a tomar uma atitude firme – e rápida.
      E Adelmo ainda irá causar algumas coisas com essa volta da consciência.
      Obrigado! Eu espero que você continue gostando! 🙂

  • É pelo visto i Marconi se foi, agora fica nas mãos do Gustavo seguir o caminho e encontrar o tesouro, lembrando que tem uma guerra na frente e até o maldito Brás, Mas também tem esse tal colar.
    Valentina e Agnella se tornaram confidentes, mas e esses sonhos que ela e o Gregório andam tendo em? O que será?

    E finalmente o Adelmo acordou, como ele irá reagir ao saber que a sua amada foi para um convento?

    😀

    • Gustavo ganhou a missão de continuar a trajetória de Marconi. Mas será que ele fará isso da maneira adequada? Brás, colar… Tudo faz parte do que virá. Devo dizer que não é para se criar tanta expectativa quanto à guerra: a rota de Gustavo será alterada.
      Valentina e Agnella se uniram por motivações iguais: ambas não se encaixam naquele convento. E os sonhos de Gregório e Valentina têm um significado, que, caso ainda não tenha sido compreendido, o será nos próximos capítulos. E Adelmo ainda vai ter que se readaptar ao mundo que ele “deixou” nos últimos dias. Vejamos o que acontecerá.
      Obrigado pela participação! 😀

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