Capítulo 20 – Cantiga de Amor
Cena 01: Navio. Início da noite.
Um dos tripulantes morreu. Brás e o comandante falam sobre ele.
Comandante – Mas por acaso tu o conhecias? Sabes como ele se chamava?
Brás – Sim, sim, eu o conhecia. O nome dele era Brás. Brás da Mata.
Comandante – E tu, como te chamas?
Brás – Me chamo Magno. E… Por acaso, o que farão com ele?
Comandante – Bem, um barco estará voltando ao porto em poucos minutos para buscar mais mantimentos. Acho melhor aproveitarmos e levarmos o corpo para a família, já que os padres e as famílias de todos vocês só devem partir para suas casas amanhã. Carlino, coloque o corpo do homem dentro de um saco…
Brás fica em alerta.
Brás – Eu… Acho melhor não, comandante.
Comandante – (Se assusta) Por quê?
Brás – Ele não possuía família, não haverá ninguém para enterrá-lo. Acharia melhor se o corpo fosse jogado no mar, mesmo, como uma lembrança do destino que ele escolhera para si.
Comandante – É… Acho que tens razão. Homens, joguem-no ao mar. (Vira-se para Brás) Ah, e muito obrigado pela sua ajuda.
Brás – Por nada, comandante. Podes dispor da minha colaboração sempre que necessário. Agora, com licença, preciso ir a algum local reservado. A dor da perda de um amigo é muito grande…
Brás sai chorando. Ao sair da vista deles, sorri, satisfeito.
Cena 02: Nave da Igreja del Fiume. Início da manhã.
A irmã Francisca está conversando com Enzo e Prudência. Agnella está sentada em um dos bancos, um pouco distante.
Francisca – Meus caros, receio que seja melhor esperarmos o padre Santorini chegar de sua viagem, para que sua filha entre no convento. Não gosto de tomar decisões desse tipo sem ele.
Prudência – Mas, irmã, pense bem. Quanto mais tempo minha filha passar em casa, mais ela ficará pensando naquele homem por quem diz estar apaixonada. Por isso achamos melhor que ela viesse logo para cá, para poder se dedicar a Deus. E não dizem que o diabo gosta de trabalhar em mentes vazias?
Enzo – E, como já dissemos, o futuro de Agnella não pode ficar incerto. Por favor, irmã, aceite nossa filha no teu convento.
Francisca – Está bem, vocês me convenceram. No entanto, quando o padre chegar, vocês terão que conversar com ele.
Enzo – Entendemos. Muito obrigado, irmã, pela sua compreensão.
Enzo e Prudência se dirigem à filha.
Agnella – E então? Serei obrigada a ficar aqui?
Enzo – Mais respeito com nossas decisões, Agnella! Sabemos o que é melhor para você. E, sim, você foi aceita para o convento.
Prudência – Sentiremos muitas saudades, filha.
Eles se abraçam. Uma lágrima cai do rosto de Agnella.
Enzo – Adeus, filha. Até breve.
Agnella – Até logo.
Eles saem.
Francisca – Muito bem, filha. É hora de conhecer sua nova casa.
Resignada, Agnella segue com Francisca para o convento.
Cena 03: Convento. Quarto de Valentina.
Valentina voltava ao seu quarto após o café da manhã. Nesse momento, a porta foi aberta. Era Francisca, acompanhada de Agnella.
Francisca – Agnella, este será seu aposento. Irmã Valentina, conheça sua nova companheira de quarto, a irmã Agnella.
Valentina – Olá, irmã Agnella.
Agnella – Olá.
Francisca – Irmã Agnella, voltarei em pouco tempo para te dar as instruções devidas. Bem vinda ao convento.
A irmã Francisca sai. Calada, Agnella segue para uma cama. Valentina a observa.
Valentina – Tudo bem? Como estás? Pareces preocupada.
Agnella – Eu não queria estar aqui. Não era para eu estar aqui.
Valentina – (Senta ao seu lado) Tenha calma. Como tua nova companheira, eu te darei um conselho. Não expresse isso aqui dentro. Muitas irmãs são muito boas, mas precisas ter cuidado com outras. De resto, eu estou aqui. (Diz secamente) Mas como você, também não deveria estar.
Elas se entreolham.
Agnella – Muito obrigada. Muito. Obrigada.
Agnella e Valentina seguram uma nas mãos da outra, sorrindo levemente.
Cena 04: Litoral italiano. Região portuária. Igreja del Mare. Início da manhã.
A missa matutina tinha acabado de ser celebrada. As “delegações” estavam perto de partir. Nesse momento, um grupo de marinheiros chegou à igreja, e conversou com o padre local. Minutos depois, os padres que haviam trazido os combatentes da Guerra Santa estavam reunidos na sala de recepções da Igreja.
Padre local – Bem, irmãos, esses homens têm uma triste notícia para lhes dar, e que deve ser de interesse de algum de vocês em especial.
Um pequeno alvoroço é gerado.
Padre local – Irmãos, se acalmem, por favor. (Se dirige ao marinheiro) Meu filho, podes falar.
Marinheiro – Infelizmente, um dos nossos companheiros morreu ontem à noite.
O alvoroço recomeça, mas logo é contido.
Padre local – Diga o nome dele, para sabermos de onde ele veio.
Marinheiro – Brás da Mata era o nome dele.
Santorini – (Assustado) Brás da Mata? Meu Deus, ele… Meu jovem, diga-me, de que ele morreu? Onde está o corpo?
Marinheiro – Ao que parece, ele passou muito mal. E quanto ao corpo, nós o jogamos ao mar.
Santorini – Por que não o trouxeram? E como direi isso à esposa, quer dizer, viúva, dele?
Marinheiro – Padre, eu peço que nos perdoe. Pensamos que ele não possuía família.
Santorini – (Respira fundo) Tudo bem, tudo bem. Agora não há como voltar atrás. Mesmo assim, obrigado por ter me avisado sobre isso.
Santorini sai da sala.
Santorini – Meu Deus, que tragédia. Uma vida perdida sempre será uma tragédia…
Ele vai ao encontro da sua comitiva.
Santorini – Bem, irmãos, acabo de ficar sabendo de algo bastante triste, acerca de um dos nossos que estão naquele navio. Mas podem ficar despreocupados, porque seus familiares que viajarão para combater na Guerra Santa estão todos bem. (Há um burburinho entre o povo.) Por favor, contenham-se. Nós precisamos partir agora.
10 dias depois…
Cena 05: Igreja del Fiume. Manhã.
A comitiva que viajara com o padre Santorini para a região portuária acaba de chegar, de volta, à Igreja del Fiume.
Santorini – Meus irmãos, voltamos para casa. Cada um de vocês se dirigirá aos seus lares, aos seus povoados, retomará sua vida, mas pensando nos seus filhos, netos, sobrinhos, que viram partir dez dias atrás. Apenas peço que todos os dias se lembrem de que tudo isso foi feito pela causa divina, para ajudar na propagação do Evangelho e no combate aos inimigos do Senhor. Peço que não se esqueçam de rezar, não só por seus parentes, mas principalmente por essa guerra, que é mais importante que todos nós. Por ora, tenho apenas isso para lhes dizer. Vão em paz para os vossos lares.
As famílias se dispersam. Edetto e Izabella vão ao encontro do padre.
Izabella – Padre, viemos nos despedir. Queríamos a sua bênção.
Edetto – Sinceramente, estamos envergonhados por tudo o que nosso filho fez com aquela moça. Mas eu creio que, por mais que a saudade seja grande, Gustavo está fazendo o certo. Somos realmente agradecidos ao senhor.
Santorini – Na verdade, eu devo pedir perdão a vocês por ter contribuído com uma mentira.
Edetto – Não se preocupe. Nós o perdoamos.
Santorini – Sendo assim, vão sob a bênção do Senhor. E muito cuidado com seu filho após ele voltar.
Eles vão embora.
Santorini – Quanto a mim, tenho algo de urgente a fazer.
Cena 06: Povoado das Hortaliças. Casa de Simone. Manhã.
Inês e Simone estão na sala, conversando.
Simone – Mas minha filha, por que tu não vens passar esses dias aqui comigo? Depois que aquele crápula pobre foi embora, as pessoas do povoado estão comentando que tu estás sozinha naquela casa! Daqui a pouco, até o padre e a irmã Francisca deverão se manifestar, e tu sabes que é imprescindível obedecer ao porta-voz de Deus.
Inês – Não, mãe. Eu prefiro ficar ali, mesmo com a imagem do Brás passando por minha cabeça de vez em quando. Além do mais, eu fico o dia quase todo aqui com a senhora, ajudando-a a cuidar do meu irmão… Que não acorda…
Simone – Mas Adelmo vai acordar. Rezo todos os dias, e Deus há de ter compaixão dele.
Batidas se ouvem na porta. É o padre Santorini.
Simone – Meu padre, que bom vê-lo! O senhor trouxe alguma notícia de Brás? Deu tudo certo com a partida dele?
Santorini – Por favor, peço que as senhoras me entendam. Eu tenho algo muito sério para lhes falar, e por isso não vim aqui para ficar comentando sobre a viagem, a partida ou coisas assim.
Inês – O que poderia ser tão sério? Isso… Está me assustando.
Santorini – Eu preciso ser direto. Inês, o seu marido, Brás da Mata, morreu no navio, na noite em que partiram do porto.
As duas ficam estupefatas por um tempo. Depois, Simone fica relativamente ofegante, enquanto Inês passa a ter o olhar fixo em algo, pensativa.
Simone – O que o senhor disse… É verdade?
Santorini – Claro que sim! Eu não mentiria em uma situação dessas!
Simone – E o corpo? Por mais que ele tenha sido muito ruim para minha filha, é nosso dever enterrá-lo.
Santorini – Infelizmente, foi jogado ao mar por marinheiros desavisados. E mesmo que não tivessem feito isso, não haveria tempo para o corpo chegar intacto aqui. Creio que a única coisa que poderão fazer é ficar de luto. Você principalmente, Inês, que é sua viúva.
Nesse momento, Inês “acorda” do transe em que estava.
Inês – Como? Luto? (Suspira) Sim, sim, irei em casa agora colocar uma veste preta.
Santorini – Não é só isso, minha cara. A partir de agora, a sua vida é outra. Você não tem mais marido para lhe ajudar, apenas seu irmão, que já cuida de sua mãe. Mas até ele está inabilitado agora para trabalhar. Receio que você e sua mãe precisarão da compaixão alheia, se é que vocês me entendem.
Inês – Tornar-me uma mendiga, padre? Não, não é isso o que eu quero, nem o que eu vou fazer.
Inês se levanta e sai da casa.
Simone – Filha, volta aqui! Aonde vais?
Santorini – Calma, Simone. Ela não terá a quem recorrer.
Cena 07: Navio. Manhã.
Gustavo e Marconi estavam sentados na proa. Marconi cantava.
Marconi –
“Ó formosura sem falha
que nunca um homem viu tanto
Senhora, que Deus vos valha!
Por quanto tenho penado
seja eu recompensado
vendo-vos só um instante.”
Enquanto isso, Gustavo pensava.
Gustavo – Como estará minha Agnella agora? Será que estará bem…
Marconi –
“Da vossa grande beleza
da qual eu esperei um dia
grande bem e alegria
só me vem a tristeza.
Sendo-me a mágoa sobeja,
deixai que ao menos vos veja
no ano, o espaço de um dia.”
Marconi parou de cantar.
Gustavo – São versos bonitos… São teus, Marconi?
Marconi – Não. Um trovador vivia os cantando no povoado que pertencia ao nosso feudo.
Gustavo – E como eles se chamam?
Marconi – Não sei se há um título para eles. Mas nós os conhecemos por cantigas. Cantigas de amor.
Gustavo – Cantigas de amor… E de separação, também. Por que nem todas as pessoas que se amam podem ficam próximas? Por que elas não têm a chance de viver o amor? Por que há pessoas que se separam, que são separadas?
Marconi – (Passando a mão no ombro de Gustavo) Eis uma pergunta difícil, meu amigo. Para esta tua dor, só te aconselho uma coisa.
Gustavo – O quê?
Marconi – Cantar. Criar. Expressar, pôr para fora o teu amor através de trovas. De cantigas. Cantigas de amor.
Gustavo sorri contidamente.
Gustavo – Estás certo. Não sei se meus versos sairão tão belos quanto esses. Mas, mesmo eu não podendo estar com Agnella, sua lembrança, sua presença é tão real que podem, sim, me inspirar. (Olha para o céu) Tu, Agnella, és a minha inspiração.
Cena 08: Povoado das Hortaliças. Casa de Pero. Manhã.
Pero está se preparando para trabalhar. Ele arruma seus instrumentos, confere todos, e abre a porta. Nesse momento, uma surpresa. Inês, vestida de preto, está em sua frente.
Pero – Minha Inês? O que fazes aqui?
Inês – Ouça-me, camponês. Tenho uma proposta para te fazer. Irrecusável.
Pero – (Se anima) Uma proposta? De que tipo?
Inês – De amor. Pero, queres casar comigo?
Gostei da explicação do nome da web, embora eu ainda esteja no capítulo 20… tudo segue se encaixando perfeitamente. Cara estou adorando essa web!
Fico muito feliz por isso, por ver que a web tem agradado aos leitores. Espero que goste do decorrer da história! 😀
Inês faz de tudo para não virar mendiga, até se casar com Pero. Mal sabe ela e os outros que Brás continua vivinho! Muito bonitas as cantigas do Marconi. E Agnella iniciou uma nova fase de sua vida, no convento, lamentavelmente, já que não era isso que ela queria. Acho que ela e Valentina vão passar por poucas e boas sobre a rigidez de Irmã Francisca.
Ótimo capítulo!! 😀
Inês estava devendo algo a Pero, desde que ele a ajudou tanto para se livrar de Brás. Mas é claro que ela também pensou por esse lado, e foi recorrer a Pero. As cantigas do Marconi, como eu ressaltei aí embaixo, são cantigas realmente medievais. Cantigas daquele tempo. E a vida de Agnella e de Valentina no convento terá emoções. Continue acompanhando! Obrigado! 😀
Cabe uma observação quanto a esse capítulo. A cantiga recitada por Marconi é de autoria alheia à minha. O link de onde foi tirada seguem abaixo:
http://dorareviewschool.pbworks.com/w/page/18104207/Trovadorismo%20%3E%20Cantigas%20de%20Amigo%20e%20de%20Amor
😉
Gustavo e Agnella sofrem por amor, ainda bem que eles tem Marconi e Valentina para conforta-los.
Brás não tem jeito mesmo, assumiu mesmo a identidade do morto. E Inês não perdeu tempo, mau soube da morte do marido e já foi “pedir” o Pero em casamento!!!
🙂
Valentina e Marconi tornaram-se amiga e amigo de Agnella e de Gustavo, respectivamente. Eles serão de grande importância para os dois. Brás não está disposto a medir esforços para conseguir o que quer, enquanto Inês estava apenas esperando o momento de ser mais “livre” para retribuir a Pero tudo o que ele fez por ela. As emoções continuam… 😀