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Contos de Hysteria

Capítulo 2 – Os Contos de Hysteria

Os Contos de Hysteria

Capitulo 2: Por Todo O Caminho (All The Way)

Duas semanas haviam se passado desde que Max tinha ouvido Aria dizer-lhe adeus com os mesmos lábios que haviam tocado os seus. Ele tentava não pensar nela, tentava focar em qualquer outra coisa que não fosse na princesa já que era inútil. Os dois não ficariam juntos. Ela se casaria com o nobre que passasse nos testes como o rei Reed queria. Ele contou a Vinyl tudo o que acontecera naquele belo campo de morangos, mas não contou a mais ninguém. Era doloroso falar sobre o assunto, mas ao mesmo tempo ele não era o tipo de pessoa que gostava de sofrer sem se abrir com alguém.

Max ainda ia passar as tardes na casa dos anões, mas agora, acima de tudo, era para se distrair, e mesmo assim, pouco adiantava. Era melhor que eles nunca tivessem de fato se conhecido. Quando ele só a tinha visto uma vez, sua vida era melhor e mesmo que às vezes sua mente lembrasse-se dela, ele ficava feliz quando acontecia. Agora, quando ele se lembrava dela e de tudo o que passaram nos poucos dias em que estiveram juntos, ele se sentia deprimido. Um leve vazio surgia em seu coração e toda vez que acontecia, ele fingia que não estava se sentindo bem e ia para casa. Passava muitas horas sozinho, tocando guitarra e observando o castelo.

Em uma dessas ocasiões, Vinyl se aproximou calmamente dele para conversar. Sabendo de tudo, se sentia preocupado com seu melhor amigo, já que a tristeza estava estampada em seu rosto de uma forma cada vez mais evidente. Tocou-lhe o ombro suavemente, o que fez Max parar de tocar e olhar para o anão.

— Max… Qual é o problema? – ele disse cheio de preocupação. Max refutou por alguns segundos antes de responder. — Você sabe que pode me contar, não é?

Max respirou fundo antes de dizer qualquer coisa. — Eu não sei exatamente o que é carinha… Mas dói. Dói saber que eu não irei mais vê-la, ou que nunca mais vou ouvir sua voz.

O anão pareceu confuso. Era ainda mais jovem que o amigo, e aquilo parecia complicado. Seria amor? Nas histórias, os apaixonados sempre se comportavam assim. Ele arriscou perguntar. — Tudo isso por causa de uma garota?

— Não é só uma garota. Alguma coisa no jeito que ela se move me atrai como nenhuma outra. – Ele voltou a olhar para o castelo antes de continuar falando. — Há alguma coisa em seu jeito que me encanta.

Vinyl sentiu a voz do amigo desaparecendo enquanto ele olhava para a imensidão. Parou na frente dele e viu que ele estava chorando. Parece que a dor não era brincadeira e ele queria, desesperadamente, descobrir uma maneira de ajudá-lo. Max mirava o chão e deixava as lágrimas correrem, não de uma maneira escandalosa, mas de uma forma que ele não era capaz de controlar. Ele não emitia som algum enquanto chorava, só sentia as gotas salgadas tocarem a boca. Vinyl olhou para os lados e para o chão, sem saber o que fazer e procurando algo decente para dizer, mas sabia que aquela não era a atitude certa. Por impulso, ele agarrou Max pelos braços e o colocou de pé, e então o abraçou. O amigo deu um pequeno soluço antes de dizer nos ombros de Vincent. — Eu não quero deixá-la Vinyl.

 

Algumas horas depois os dois estavam caminhando pelas ruas da Capital. Max já se sentia mais calmo, embora ainda triste, mas Vinyl o havia convencido de caminhar para relaxar e tirar o peso que carregava das costas. Ambos estavam em um desconfortável silêncio, sem saber o que dizer, quando Max resolveu finalmente quebrá-lo. — Obrigado pelo que você fez. Acho que eu realmente precisava.

— Sem problemas. Amigos são para isso. – disse o anão, dando um pequeno sorriso em direção ao amigo. Ele queria poder ajudar mais, mas não entendia muito os sentimentos que Max tinha em relação à princesa a ponto de poder aconselhá-lo.  O anão olhou para cima e o céu estava escurecendo, com nuvens negras se formando. — Talvez seja melhor voltarmos, Max. Acho que vai chover.

Mas Max não estava prestando atenção. Ele havia parado alguns passos atrás de Vinyl para observar algumas carruagens e uma movimentação mais intensa que o normal aos portões do castelo. Seus pés lhe obrigaram a ir até lá ver o que estava acontecendo. O anão chegou a chamá-lo, mas ele não deu meia-volta, parecia determinado a descobrir o que estava havendo e rendendo-se a vontade do amigo, Vinyl o seguiu. Quando chegaram mais perto viram algumas famílias nobres adentrando o castelo e alguns guardas anotavam os nomes dos rapazes.

— Você acha que vai acontecer um baile ou algo assim? – o anão perguntou, quase de forma inocente, mas Max fez que não com a cabeça olhando diretamente para os guardas. Vinyl percebeu a grande atenção que os filhos dos nobres estavam recebendo e então entendeu tudo. — Oh… São os testes, não é?

Max sentia a ira entre os dentes quando confirmou que aquilo eram de fato os testes. Via aqueles garotos metidos e cheios de dinheiro que iriam disputar a mão de Aria, sem o consentimento dela e sentia nojo deles. Foi quando uma ideia lhe surgiu à cabeça. Umma, a mãe de Vinyl e uma das pessoas por quem tinha mais respeito e carinho em todo o mundo era uma excelente costureira. Ela costumava fazer trajes para a realeza quando era mais nova e em alguns casos, quando o traje não era o escolhido, a velha anã guardava o figurino em seu baú já que podia usar os tecidos em outros trabalhos. Sua raiva de repente se tornou uma alegria e ele sentiu sua boca formando um sorriso genioso e Vinyl sabia que sua mente estava trabalhando.

— Max?

— Vinyl, sua mãe ainda guarda aquelas roupas de gala no baú, certo?

Quando Max virou-se sorrindo para o amigo, este estava perplexo. Já tinha entendido a ideia, mas não achou que Max teria a coragem de participar dos testes ou de se arriscar a ser descoberto daquela maneira. — Você não está pensando em… — Max cobriu sua boca com a mão e deu um sorriso decidido.

— Eu não vou deixá-la tão facilmente carinha. – ele tirou a mão da boca do amigo, que não parecia muito certo em seguir com aquele plano maluco. O apanhou pelo braço e começou a correr em direção à casa dos anões a procura de Umma.

 

Quando os dois garotos entraram em casa, encontraram Umma sozinha e exasperada. Pop e Eddie estariam voltando das minas à uma hora dessas. A mulher parecia tão atordoada que nem deu atenção quando os dois passaram pela porta e só foi ter alguma reação quando Max gritou seu nome, fazendo-a parar e olhar para eles.

— Oh… Oi meninos. – Cuidadosamente ela colocou os cabelos por trás das orelhas, tentando parecer que estava bem. — Como vocês estão?

Vinyl conhecia bem sua mãe. Sabia como ela agia quando algo estava errado ou quando ela estava a ponto de surtar. — Mãe, aconteceu alguma coisa? – O garoto fez a pergunta de maneira tão decidida e confiante que fez com que sua mãe cedesse. Ela caminhou até uma poltrona e se sentou.

— Um dos guardas reais veio aqui hoje de manhã. Ele encomendou um vestido de festa para a princesa e queria que ficasse pronto até hoje à noite… Eu geralmente tenho mais tempo para fazer esse tipo de coisa. – Ela disse limpando discretamente um pouco de suor que escorria de sua testa. Vinyl parecia nervoso por cobrarem de sua mãe daquela maneira. Caminhou até ela e lhe abraçou pelos ombros.

— Eles não deviam te pressionar assim. Essa gente nobre se acha demais, não é mesmo, Max? – Quando o anão olhou para o amigo, este parecia estar raciocinando o mais rápido que podia. Ele então correu e ajoelhou-se em frente a Umma e segurou em uma de suas mãos.

— Tia Umma, o que exatamente os guardas disseram? Você perguntou o porquê precisavam de um vestido assim, tão de repente?

A anã pareceu confusa, mas permitindo que Max segurasse a sua mão, ela respondeu. — Bem, disseram que os testes para os pretendentes da princesa ocorreriam amanhã, mas que hoje teria um baile de máscaras no castelo, para que ela já pudesse ter uma primeira visão de quem são os rapazes. – Os olhos de Vinyl se arregalaram quando ele ouviu “baile de máscaras” e conforme sua mãe ia falando, ele percebia que Max ia ficando mais entusiasmado. — Por que está me olhando assim?

— Aposto que você precisa de alguém para levar o vestido lá no castelo. Digo, já que está tão cansada por trabalhar o dia inteiro.

Vinyl se levantou nessa hora, sabendo que seria envolvido naquele plano idiota. — Max… Por favor, não podemos…

— Não podem o que, Vincent? – Sua mãe perguntou erguendo uma sobrancelha para ele. Ele abriu a boca para tentar explicar que Max queria fazer uma loucura total, mas o amigo pulou na frente dele e começou a contar tudo.

Primeiro, contou a Umma um breve resumo sobre ele e a princesa Aria e como os dois jamais poderiam ficar juntos devido aos malditos testes. Depois começou a contar seu plano que consistia em pegar emprestado uma das roupas de gala que a anã guardava no baú para aproveitar os tecidos. Inicialmente ele iria tentar a sorte de entrar disfarçado de nobre no castelo e torcer para que os guardas não o reconhecessem, mas agora que tinham o trunfo do vestido e das máscaras, seus problemas estavam resolvidos. Tudo o que ele e Vinyl tinham que fazer era levar o vestido para a princesa e enquanto o anão tratava de entregá-lo, Max encontraria um lugar para se esconder, desceria para o salão e se misturaria com os outros presentes. Umma e seu filho pareciam chocados por Max ter pensado tudo aquilo tão rapidamente.

— Max… Não é bem assim que funciona. – disse Vinyl e seu amigo o olhou já com as suspeitas de que seu plano seria criticado. — Eles verificam quantas pessoas entram no castelo. Se nós dois entrarmos, nós dois precisamos sair.

— É por isso que vamos precisar do Eddie. – Max respondeu confiante, mas viu o rosto de Vinyl balançar negativamente com precisão. Vincent odiava precisar do irmão mais velho para qualquer coisa porque sabia que o pagamento pela ajuda de Eddie seriam dias e mais dias de tortura e essa era a última coisa que ele queria.

— AH NÃO! Nem pensar!

Quando Pop e Eddie chegaram do trabalho nas minas encontraram Vincent sentado á mesa modelando uma espécie de máscara, e ele parecia irritado com a tarefa. Umma estava de pé em frente à porta do banheiro esperando algo, ou alguém, sair por ali. Os dois a ouviram perguntar se iria demorar muito e a voz de Max respondendo que não, mas que iria precisar de ajuda para ajustar a roupa. O pai olhou para o filho mais velho que estava tão perplexo quanto ele.

— Que está acontecendo aqui? – Pop perguntou a esposa e escutou Vincent grunhir com a pergunta. Antes que sua mulher tivesse tempo de explicar tudo, Max abriu a porta do banheiro e saiu usando calças bufantes, uma camisa branca com uma gola trançada, uma capa e um chapéu enorme enfeitado com uma pena.

Umma foi rapidamente até o garoto para ajeitar a roupa que era levemente larga para ele. Max sempre fora muito magro e por isso a maioria das roupas que usava sempre sobravam um pouco na cintura. — Bem… Como se sente, Max? – A anã perguntou da maneira mais prestativa que encontrou.

— Me sinto ridículo. Como os nobres podem usar algo assim? É tão desconfortável e pinica… – Max deu uma puxada na parte de trás das calças, claramente se sentindo estranho naquelas roupas, mas parou quando escutou um riso. Quando olhou para frente viu que se tratava se Vinyl tentando segurar a risada vendo-o usar algo daquele tipo. — Não tem graça, Vinyl!

— É claro que tem! – Ele disse deixando o riso fluir. Max notou que Eddie também exibia um sorriso sarcástico em direção á ele. — Para que o chapéu, hein?

Umma terminou os ajustes respondendo. — Para esconder os cabelos dele. Pelo que vocês contaram, Max não pode ser reconhecido pelos guardas. – Ela saiu andando e apanhou um baú, onde o vestido de Aria para o baile estava cuidadosamente guardado e colocou em frente a Max. — Eu sei que pode parecer suspeito um baú tão grande só para um vestido, mas foi a única maneira que eu pensei de você entrar sem ser visto.

Eddie soltou uma gargalhada fraca quando entendeu o plano da mãe. Caminhou até seu irmão mais novo e apoiou um dos braços em seu ombro. — E algum de vocês podem me explicar como é que o bebê aqui vai carregar o Max dentro desse baú sozinho? – Vincent fez uma cara feia para o irmão quando este o chamou de “bebê”, odiava quando ele fazia isso. Voltou sua atenção à máscara, sabendo que ele não seria o responsável de contar para Eddie que ele fazia parte do plano.

— Bem… Sobre isso… – Max começou a dizer e a expressão de Eddie foi mudando quando ele percebeu que estava envolvido.

Alguns minutos mais tarde, após decidirem qual seria o pagamento de Eddie por ajudá-lo, Max estava experimentando a máscara que Vinyl havia feito. Escondia quase todo o seu rosto, era feita de uma espécie de metal e mais parecia algo que colocavam no rosto dos loucos no hospício, mas era a única que tinham no momento. — Você podia ter caprichado mais, carinha. – Ele então entrou no baú e encontrou uma posição para que não amassasse acidentalmente o vestido da princesa. Vinyl e Eddie já estavam prontos. Fecharam o baú e começaram a carregá-lo em direção ao castelo real.

Quando chegaram lá, pensaram que teriam dificuldades de passar pelos portões, já que era ridículo estarem carregando uma encomenda num baú daqueles, mas os guardas não pareceram questionar e disseram-lhes para que o deixassem no quarto da princesa. Os dois entraram e Eddie fez questão de dar um chute no baú para informar a Max que tinham conseguido até ali. Antes de chegarem ao quarto de Aria, os dois meninos repousaram o baú no chão, em um corredor deserto que encontraram ali perto. Vinyl deu algumas batidas no baú e disse para Max sair.

— Não precisava me chutar, Eddie! – Disse Max, abrindo a tampa e saindo do baú, com suas roupas nobres e sua máscara de ferro. Já em pé, passou as mãos pela roupa para desamassá-la.

— Achei que você ia querer saber que passamos pelos portões principais. – Ele respondeu com aquele sorriso sarcástico que sempre estava no seu rosto quando ele se dirigia a Max ou Vinyl.

Os três garotos ouviram os passos de alguém se aproximando dali, o que fez Max perceber que precisava descer para o salão do baile. Os irmãos fecharam novamente o baú e se despediram as pressas do garoto que rapidamente começou a descer ao último nível do castelo, onde ficava o salão de festa. O lugar estava todo enfeitado, cheio de pessoas bem vestidas que faziam seu disfarce parecer muito suspeito. Ele avistou o rei Reed e a rainha Scarlett conversando com algumas pessoas do outro lado da sala, perto do muro que ele deveria ter terminado de construir antes de ser expulso do castelo. De fato, como o rei havia dito, seus homens deram um jeito e fizeram um trabalho melhor do que Max teria feito, mas olhar para o muro ainda o deixava irritado.

Max também notou alguns rostos confusos se curvando em sua direção e depois virando-se novamente para comentar algo com alguém próximo. Talvez sua máscara estivesse deixando todos desconfortáveis, inclusive ele mesmo, mas ele não podia arriscar retirá-la. Ele apenas continuou andando sem dar atenção aos comentários que ouvia ao seu respeito. O hino da Capital fez com que ele parasse, e todos os jovens se reuniram em volta dele. Algumas luzes foram apagadas, deixando todos na penumbra e apenas uma pessoa totalmente visível. O rei Reed havia subido em um pequeno palco e estava se preparando para falar. Mas quando o homem começou a discursar, Max escutou um menino fazendo um som de deboche. Ele virou o rosto e olhou para o garoto que, com certeza, tinha uma aparência melhor do que a dele.

Não parecia ser muito mais velho que ele, embora seus cabelos escorridos fossem de um tom de loiro quase branco. Alias tudo naquele garoto era claro demais, seus cabelos, sua pele, seus dentes quando ele sorria sarcasticamente como estava fazendo. Tudo a não ser seus olhos, que eram castanhos escuros. Eles estavam bem próximos e por isso era impossível fingir que não estava percebendo a atitude do rapaz, menosprezando o rei, e quando ele notou que Max o olhava, virou-se para falar com ele.

— Bela máscara. – Ele disse em meio a um riso cínico. — Você é desfigurado ou algo assim?

Max sentiu seu rosto se curvando em uma expressão raivosa por baixo da máscara e não pode suportar tirá-la, só para provar que ele não era um estranho. Seus músculos faciais relaxaram e ele mostrou seu rosto para o menino. — Ah não. Meu rosto é bem normal, a diferença é que o cobrindo inteiro, o mistério para a princesa será bem maior, você não concorda? – Ele disse no mesmo tom do garoto. Talvez estivesse pegando o jeito nessa de agir como um rico metido. O garoto curvou a sobrancelha para Max e por um segundo ficou sem reação, mas depois sorriu e estendeu a mão para apertar a de Max.

— O meu nome é Deezer. – Max, que já tinha recolocado a máscara, considerou rapidamente se deveria ou não apertar a mão do garoto. Quando o fez, sentiu que ele balançou sua mão de forma confiante e firme. Talvez a máscara estranha de Vinyl tivesse uma coisa boa: ela escondia completamente qualquer expressão que Max fizesse tornando-o uma incógnita.

— Maxwell. – Ele respondeu tentando parecer indiferente. Os dois voltaram sua atenção para o rei novamente, mas sem mover o rosto, Max resolveu ressaltar. — Parece que você não gosta muito do rei.

— Ele nem sequer deveria ser rei. Não passou por nenhuma provação para conseguir o cargo. Tudo o que fez foi se apaixonar pela princesa. – Deezer disse, dando destaque a última parte de forma nojenta, como se o amor não bastasse. — Os testes da rainha Scarlett já estavam marcados na época que ela anunciou que se casaria com esse otário. Meu pai era o favorito.

Mais uma vez, Max escondeu sua expressão, que agora estava surpresa, por baixo da máscara. Se Reed e Scarlett não tivessem se apaixonado, provavelmente Deezer seria o príncipe, e agora o salão estaria repleto de moças disputando por sua mão. O destino parecia irônico. E se o pai dele era o favorito e lhe foi retirado o direito de disputar, o filho agora também seria, e a sociedade não permitiria que o mesmo erro acontecesse duas vezes.

— Como sabe que seu pai era o favorito? – Max arriscou perguntar.

— Os testes não aconteceram, mas um baile, como este, sim. Minha família sempre foi influente. A rainha já estava planejando anunciar que não haveria testes e tudo mais, mas precisava fingir que estava tudo certo na noite do baile. – Max não conseguiu evitar virar o rosto para escutar a história, que com certeza era mais interessante que o discurso do rei. — A princesa sempre escolhe um pretendente para sua primeira dança. Não necessariamente é aquele que vai vencer, mas este se torna um favorito.

— E a rainha Scarlett escolheu o seu pai… – Max concluiu e Deezer confirmou com a cabeça.

— E hoje à noite, a princesa Aria vai escolher a mim. – O garoto sorriu com tamanho ar de superioridade, que Max teve vontade de socá-lo, mesmo que isso significasse perder sua chance.

Respirou fundo e se controlou. Tudo o disse enquanto virava novamente o rosto foi: “Veremos”.

O rei estava terminando de falar e tudo indicava que ele iria chamar Aria para o palco para que todos pudessem vê-la, como se ela fosse um prêmio a ser disputado. Toda aquela situação o deixava enojado. Ele se perguntou o que estaria pensando se de fato fosse um nobre, com verdadeiro direito a participar dos testes. Talvez pensasse como Deezer, como se a princesa pouco importasse desde que casar-se com ela viesse junto com uma coroa de rei. Isso o reconfortava. Sabia que não pensava assim, ele não ligava para a realeza, ou para o dinheiro. Tudo o que importava era ela.

O rei Reed finalmente anunciou seu nome e parte do palco onde ela deveria estar se iluminou. Mas Aria não estava ali e passados alguns segundos ninguém apareceu. O rei e a rainha pareceram nervosos e os convidados impacientes. O rei pediu calma e afirmou que os guardas a buscariam e em breve ela estaria ali. Max sabia que ele iria ordenar que a procurassem, e que nem mesmo o rei sabia exatamente onde ela estaria naquele castelo enorme. Mas Max sabia.

Em meio à confusão, ele pediu licença a Deezer e começou a andar calmamente em meio às pessoas que haviam voltado a conversar entre si. Quando percebeu que ninguém notaria sua presença, se desviou para a saída do salão e correu o mais rápido que pode. Parou apenas quando alcançou seu objetivo. Ofegante e com gotas de suor ao redor das partes da máscara que pressionavam seu rosto, ele se viu novamente no campo de morangos. Era um belo jardim, mesmo de noite. Ele sorriu quando viu que a lua brilhava exatamente no ponto onde estava disposto um banco de pedra e onde ela estava sentada. Ela estava mais bonita do que nunca, no vestido que Umma havia feito. Instintivamente virou o rosto na direção onde ele estava parado.

Ele andou confiante em sua direção e quando estava próximo o suficiente, segurou suas mãos nas dela. — Aria…

O brilho da lua batia em seus olhos que estavam lacrimejando, indicando que havia chorado, mas naquele momento ela simplesmente ergueu a sobrancelha e sua boca curvou-se de maneira confusa. — Eu te conheço? – Max não entendeu bem inicialmente. Depois começou a rir lembrando-se que estava com a máscara. Levou uma das mãos ao rosto e a retirou, revelando seu rosto que sorria carinhosamente para ela. — Max… ? Max! O que está fazendo aqui?

Ela parecia contente e desesperada ao mesmo tempo. Fazia sentido, já que se o pegassem ali, ele não seria punido com um simples castigo, como construir um muro por exemplo. Ela segurava suas mãos firmemente, como se ela soltasse, ele fosse lentamente sumir. — Vim participar dos testes ora. E no momento, estão todos te procurando.

— Mas como… Como você pagou sua inscrição? – Ela perguntou e então seu rosto se iluminou lembrando-se dos dois anões que vieram lhe entregar o vestido. Durante o tempo que passara no castelo, Max havia lhe contado sobre sua família de anões. De fato, ela havia achado o enorme baú estranho. Ela começou a rir enquanto olhava para as vestes de Max e pensando nele dentro do baú. — Mas espere… Se você entrou aqui escondido, seu nome não está na lista. Você não pode participar dos testes, Max.

— Você pode dar um jeito nisso? – Max perguntou de forma apreensiva. Havia se esquecido completamente dos guardas anotando os nomes dos rapazes que chegavam ao baile. — Talvez você possa colocar um nome falso para mim.

— Eu posso tentar. Agora vamos antes que os guardas nos encontrem aqui.

Os dois, se esquivando de quaisquer guardas que encontrassem pelo caminho, voltaram para o salão. Aria entrou por um lugar diferente, para que não fosse vista junto a Max e os convidados não pensassem que os dois já se conheciam e que ele possuía uma vantagem sobre todos os outros. Novamente o rei Reed subiu ao palco e anunciou a princesa. Ela apareceu radiante e com um sorriso deslumbrante no rosto, como se estivesse, de fato, amando tudo aquilo. Max, porém, sabia que era por ele e que ela também desprezava toda a história de casamento forçado.

Durante o baile, Aria parou para conversar com diversos rapazes, fingindo estar interessada no que eles diziam para excluir qualquer suspeita. Max até viu Deezer tentando impressioná-la e ela fingindo que o achava encantador. De repente todos ouviram o anuncio ecoar por todo o salão.

— Como de costume, está na hora da valsa da princesa. A tradição diz que ela deverá escolher o pretendente que mais a agradou essa noite e o levará até o centro do salão para a dança. – disse a voz e uma luz iluminou a princesa, que corou um pouco. Todos se silenciaram e aguardaram sua decisão.

Max sentiu uma intensa vontade de rir quando viu todos aqueles rostos milionários chocados, pois Aria andou lentamente até ele e o pegou pela mão. Ninguém parecia acreditar que a princesa havia escolhido o garoto estranho da máscara de hospício. A luz, agora, cobria os dois, deixando todo o resto da festa na penumbra. Aria lentamente o guiou até o centro do salão e Max conseguiu ver a expressão petrificada do rei Reed e sentiu sua boca curvar-se em um sorriso vitorioso.

— Espere. – Ele disse e deu alguns passos em direção à banda. Cochichou algo no ouvido do vocalista, pedindo uma música especifica para a valsa. O homem concordou com um sorriso e Max retornou a sua posição. Ele respirou fundo e a música começou.

Ele tomou Aria em seus braços e os dois dançaram como se estivessem sonhando. Parecia mágica o fato de Max estar se saindo bem, já que nunca havia dançado com uma menina antes. Enquanto rodopiavam pelo salão e a luz seguia seus passos, ele podia ver o rosto de algumas pessoas que estavam mais próximas. A maioria estava confusa ou perplexa, algumas estavam em estado de choque, mas uma estava com raiva. Max conseguiu ver a pele branca como papel de Deezer atingir um tom sombrio, quase de ódio.

Ele só parou de prestar atenção na reação dos outros quando Aria colocou a mão em seu queixo fazendo-o voltar a olhá-la. — Não ligue para eles. Imagine que estamos sozinhos aqui.

Quando a música acabou e as luzes se acenderam, as cabeças dos dois estavam tão próximas como se estivessem enfeitiçados pela sintonia da música e que ela tivesse proporcionado o clima perfeito. Foram acordados pelo barulho crescente de palmas que vinha dos convidados e lentamente foram se afastando. Max fez uma reverência e então se virou. Queria tê-la beijado, mas sabia que estragaria completamente o seu disfarce. Aria sentou-se ao lado de seu pai e Max conseguiu ver que ele e a rainha a enchiam de perguntas.

O garoto se apoiou de maneira satisfeita perto de um balcão onde serviam bebidas. Deu um suspiro aliviado. No final das contas, parece que ele de fato teria uma chance com Aria. A viu desviando-se de seus pais e indo em direção aos guardas, provavelmente para tentar colocar o nome de Max na lista.

— Parece que você se deu bem, favorito. – Ouviu alguém sibilar de maneira maldosa em direção a ele. Virou-se para o lado e viu Deezer sentado no balcão próximo a ele bebendo um liquido rosa que ele nunca tinha visto. — A dança quase me fez crer que você e a princesinha são perfeitos um para o outro.

— Me deixa em paz… – Max disse começando a se afastar do garoto, mas este o apanhou pelo braço, impedindo-o de seguir.

— Você não me disse o seu sobrenome. De que família nobre você vem? – Um alerta na cabeça de Max o informava de que aquele garoto o estaria intimidando de alguma forma. Ele não disse nada e permaneceu imóvel, de maneira que, por baixo daquela máscara, ele não parecia estar tão assustado quanto de fato estava. — Sabe, não importa. Os Manilow deveriam ter chegado ao poder anos atrás se não fosse por intervenções românticas como essa.

Os Manilow. Max conhecia esse sobrenome, já que se tratava de uma das famílias mais ricas e importantes de Hysteria. Eles controlavam todo o comércio de matérias-primas na sede que possuíam na Montanha Punk. — E ainda vamos chegar. Farei questão disso, não importa quem esteja no meu caminho. – Max não podia acreditar que Deezer o estava ameaçando tão abertamente. Ele sorria maldosamente para Max como se ele fosse um inseto que estava em seu caminho e que ele precisaria se livrar o mais rápido possível. Max livrou seu braço dos do garoto e deu uma última olhada nele.

— Eu disse para você me deixar em paz, Deezer… – E então lhe deu as costas. Queria ir embora, ir para casa e contar tudo para Vinyl. Contar que ele tinha uma chance, contar como havia dançado com Aria e contar que ele agora tinha um empecilho nas costas.

Estava prestes a chegar à porta do salão quando sentiu uma mão, menos perturbadora do que a de Deezer, lhe tocando o ombro e chamando seu nome. Era Aria. — Max, consegui colocar seu nome na lista de amanhã. Mudei seu sobrenome, porém. Vão te chamar por Max Strawberry.

Max sorriu. Era um sobrenome engraçado e que carregava um significado que só os dois entenderiam. Só eles sabiam o que se passou no campo de morangos. — Está bem. Tenho que ir agora. – Ele disse segurando suas mãos.

— Tudo bem. Mas preciso te contar uma última coisa. – Ela começou dizendo acariciando as mãos dele. – Sou eu quem vai escolher o desafio amanhã, então… Preciso saber no que você é o melhor. Digo, algo que vá garantir que você vença.

— Música.  – Max respondeu sem pensar duas vezes. – Peça para tocarem uma música.

Aria sorriu e confirmou com a cabeça. Max olhou para os lados para verificar se não estavam chamando muita atenção. Rapidamente ele levantou a máscara e deu um beijo de despedida na princesa. Estava tudo bem, ele a veria no dia seguinte, venceria o desafio e eles não poderiam negar que os dois ficassem juntos.

Ouviu Aria sussurrar “Até amanhã” em seu ouvido e lentamente se afastar. Ele abaixou novamente a máscara e seguiu seu caminho, de volta para a casa dos anões, onde ele sabia que estava sempre seguro. Enquanto corria pelo corredor a fim de deixar o palácio, não percebeu os dois olhos castanhos escuros que o miravam na porta do salão. Deezer Manilow não ia deixar um camponês sem nome tomar o que deveria ser da sua família de novo.

 

Notas Finais do Capítulo:

Quando o anão tenta consolar Max e pergunta se Aria é o motivo de sua tristeza, o menino responde com a letra da música “Something” da banda The Beatles (Something in the way she moves, attracts me like no other lover).

A máscara feita por Vinyl para que Max possa ir ao baile disfarçado é baseada na máscara do álbum Metal Health da banda Quiet Riot.

O nome do capítulo, assim como a música que Aria e Max dançam durante o baile é “All The Way” da banda Journey.

O personagem Deezer Manilow recebeu esse nome em homenagem ao aplicativo de música Deezer.

Letras das músicas inspirações do capitulo:

https://www.letras.mus.br/the-beatles/200/traducao.html

https://www.letras.mus.br/journey/20299/traducao.html

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