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Recomeçar

Capítulo 17 – Recomeçar

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CENA 01. CASA DE LORENZO. QUARTO. INT. DIA.

Continuação imediata da última cena. Júlia com o revólver apontado para Lorenzo, que ainda está na cama, assustado.

JÚLIA: – Chegou a tua hora, Lorenzo!

LORENZO: – O que é isso, meu amor? O que você vai fazer?

JÚLIA: – Vou acabar de uma vez por todas com esse pesadelo. Só morto você vai me deixar em paz.

LORENZO: – Calma! Vamos conversar. Vamos conversar. Larga isso, solta essa arma… Isso não é brinquedo.

JÚLIA: – Quem disse que eu quero brincar? Eu tô cansada, eu tô no meu limite… Você é uma maldição na minha vida. E pra acabar com essa maldição, só há um jeito.

Júlia dispara. Efeito slow motion na trajetória da bala. Um vaso no criado-mudo se estilhaça. Ela dispara novamente e a bala atinge de raspão o ombro esquerdo de Lorenzo. Aquele silêncio tenso. Com o ombro sangrando, Lorenzo avança em Júlia, que está em choque, e lhe toma o revólver.

LORENZO: – Você enlouqueceu?! Perdeu os sentidos?!

Lorenzo joga Júlia na cama e mira o revólver nela.

JÚLIA: – Atira! Acaba logo com isso… Atira!

Pausa. Tensão. Lorenzo dá um tapa no rosto de Júlia, que deixa de encará-lo.

LORENZO: – Veja só o que você fez! É assim que você diz que me ama? Me ama e quer me matar?! Eu preciso dar um jeito nisso.

Lorenzo vai pro banheiro. Júlia fica chorando na cama. Corta para:

CENA 02. LANCHONETE DA PRODUTORA GALVÃO. INT. DIA.

CAM em dolly in vai aproximando-se da mesa onde estão Kadu e Davi, que tomam um suco.

KADU: (impactado) – Mas o que você tá me dizendo, meu amigo? Câncer?!

DAVI: – Na espinha. Receber esse diagnóstico foi como se uma bomba fosse detonada sobre a minha cabeça. Logo agora que a minha vida tá nos eixos, tão feliz…

KADU: – É uma barra. Mas você não pode esmorecer, tem que ter forças pra enfrentar isso… Você pode contar comigo pro que for preciso. Sabe disso, né?

DAVI: – Claro.

KADU: – Mas eu fico mais tranquilo por saber que você tem o Filipe. Nesse momento, é muito importante ter alguém do lado, pra segurar a mão, pra dar apoio/

DAVI: (corta) – Terminei com ele.

KADU: – O quê?

DAVI: – Ontem à noite. Não quero que ele passe por isso, que se machuque, que sofra comigo, que me veja definhar… Eu sei que essa é uma batalha perdida.

KADU: – Que bobagem você tá dizendo?! Esse não é o Davi que eu conheço. Não foi Davi que derrotou Golias? Cadê o menino que foi jogado num orfanato e conseguiu vencer, que deu a volta por cima e se tornou um dos melhores jornalistas que eu conheço?

DAVI: – Eu não sei.

KADU: – Você é maior que isso tudo, Davi. E se você ama o Filipe como diz que ama, não pode abrir mão dele dessa maneira. Você não pode alimentar esses pensamentos derrotistas ou querer ser autossuficiente. Já imaginou se fosse o inverso, se o Filipe tivesse passando por esse problema? Você não ia querer ficar ao lado dele, dando afeto, carinho, amor…? Pense, Davi, pense!

Davi fica lidando com esse chacoalhão. Corta para:

CENA 03. APART. DE GILDA. QUARTO DE FILIPE. INT. DIA.

Filipe está deitado, mas já acordado. Gilda entra com uma bandeja de café da manhã. Vai sentar na cama.

GILDA: – Bom dia, meu amor, meu filhote favorito! Veja só o que a mamãe preparou…

FILIPE: – Vai me mimar agora, é?

GILDA: – Mas é claro! Olha só, queijo com doce de amora, que você tanto gosta… Açúcar pra alegrar a vida, que já é amarga por natureza!

FILIPE: – Obrigado.

GILDA: – Tá melhor?

FILIPE: – O Davi não podia ter feito isso…

GILDA: – Ele tá confuso, meu bem. Não é fácil receber uma notícia essa, um diagnóstico tão assolador assim. Ele vai colocar as ideias no lugar, repensar, cair em si… Não dou 24 horas pra ele vir bater aqui na porta e admitir que agiu mal.

FILIPE: – Será?!

GILDA: – Vocês se amam, não tem lógica nenhuma nisso de se separar justo no momento em que mais precisam um do outro. Não pode, gente!

Filipe dá uma mordida no sanduíche. Gilda faz um carinho. Corta para:

CENA 04. LANCHONETE DA PRODUTORA GALVÃO. INT. DIA.

Continuação da cena 02. Kadu e Davi ainda na mesa. Copos já vazios.

DAVI: – E a Júlia e o menino? Nenhuma notícia, nenhuma pista?

KADU: – Nada, meu amigo, nenhum sinal. O infeliz arquitetou tudo muito bem.

DAVI: – Coitada da Júlia. E coitado de você também. Dá pra ver no seu rosto o quanto está abatido com essa história.

KADU: – Você não faz ideia. Passo as noites rolando na cama, de um lado pro outro… Tô pirando.

Corta para:

CENA 05. CASA DE LORENZO. QUARTO. INT. DIA.

Lorenzo vem do banheiro com um curativo no ombro atingido pela bala. Júlia na cama, encolhida, olhando por lado, sofrida. Lorenzo veste-se para sair.

LORENZO: – Pra sua sorte, foi só de raspão. (T) Você merecia um castigo por isso, mas eu vou relevar. E pra provar que sou um marido amoroso e compreensivo, vou te deixar cuidar da casa de agora em diante. Não temos empregados, tô enjoado de comida de restaurante… e você tem um tempero tão bom, quero que você volte a cozinhar. Vai poder limpar, passar as minhas camisas, colocar a casa em ordem… cuidar do seu marido como toda boa esposa.

E pega a chave do carro.

LORENZO: – Vou sair. A porta do quarto vai ficar aberta. Não poderá sair pro jardim… mas se for boazinha, logo terá essa regalia também.

Ele beija a testa de Júlia e sai. Júlia dá um tempinho e vai pra sacada. Vê Lorenzo sair de carro. Corta para:

CENA 06. CASA DE LORENZO. SALA. INT. DIA.

Música: “Plano Secuencia” – Carlos Libedinsky. Júlia vem do quarto e, em CORTES DECONTÍNUOS, dá uma vasculhada na sala. Ansiosa. Pega o telefone fixo, começa a digitar um número, mas logo percebe que o fio está cortado. Corre pra um computador numa mesa ali perto. Liga. Constata que não há conexão de internet. Com ódio, joga o computador e tudo que tiver na mesa no chão. Corta para:

CENA 07. RIO DE JANEIRO. EXT. DIA/NOITE.

Música: “Are You With Me” – Lost Frequencies. Fim do dia. Belas imagens do pôr do sol e cair da noite. Corta para:

CENA 08. MANSÃO DE LEONOR. SALA. INT. NOITE.

Sentado numa poltrona, Horácio fuma um charuto. Leonor trabalha em alguns papéis na mesa ali próximo. Zezé vem com uma bandeja com dois drinks para servi-los.

HORÁCIO: – O Tavinho e a Narcisa sumiram de vez. Nunca mais deram as caras por aqui.

LEONOR: – Tampouco a Alessandra. Também, com o papelão que o Carlos Eduardo fez, não era pra menos.

HORÁCIO: – Essa Alessandra é uma chata de galocha. A Narcisa e o Tavinho estragaram aquela menina… Mimo demais dá nisso.

Kadu chega da rua com um capacete de moto nas mãos.

KADU: – Boa noite.

HORÁCIO: – Boa noite, meu filho. Alguma novidade?

KADU: – Nada, pai, nada ainda.

HORÁCIO: – Como é possível?! Um sujeito desaparece com uma mulher e uma criança e a polícia é incapaz de levantar uma pista do paradeiro deles… Só neste país mesmo! O Brasil é uma zona!

KADU: – Vou pro meu quarto. Dor de cabeça chata.

Kadu dá um beijo na testa de Horácio e sobe pro quarto. Leonor observa.

LEONOR: – Tá vendo só? Finge que eu não existo. Deve estar me culpando pelo sumiço da Julieta de Ipanema. Como se eu tivesse feito alguma coisa pra isso.

HORÁCIO: – Não fez, mas certamente está achando isso tudo bastante providencial. Tô enganado?

Leonor dá de ombros e volta-se para seus papéis. Corta para:

CENA 09. CASA DE LORENZO. SALA. INT. NOITE.

Lorenzo chega da rua com algumas sacolas de supermercado. Olha a bagunça na sala, inclusive o computador quebrado no chão. Júlia sentada no tapete junto aos sofás, com uma garrafa de bebida.

LORENZO: – Parece que alguém andou se estressando por aqui… (olhando Júlia) e decidiu encher a cara. Entediada, meu amor?

JÚLIA: – Me deixa em paz.

LORENZO: – Veja: fiz compras. Tem de tudo. Até peito de frango já cortadinho, no ponto de temperar e jogar na panela. Você não tá bem, não é aconselhável lidar com facas. E então, vai preparar pra gente? Vou tomar um banho enquanto você cuida disso.

Lorenzo dá um beijinho em Júlia e vai em direção ao quarto. Corta para:

CENA 10. BOATE FRENZY. INT. NOITE.

Toca “Can’t Feel My Face” – The Weekn. Boate cheia. Aquela animação. DJ nas carrapetas. No balcão do bar, vemos Davi no fim de um drink. Vira tudo e faz sinal pro barman pedindo outro. Nenhuma empolgação. Samuel, um ruivo de corpo atlético, aproxima-se, reconhecendo-o.

SAMUEL: – Davi?!

DAVI: – Oi?

SAMUEL: – Não tá me reconhecendo? Samuel, o Samuca do mestrado!

DAVI: – Opa! É claro! Grande Samuca! Quanto tempo!

Cumprimentam-se com um abraço.

SAMUEL: – Pois é. Que bom te ver, cara! Você sumiu.

DAVI: – Sumimos.

SAMUEL: – Você tá sempre por aqui? Nunca te vi.

DAVI: – Sempre que quero fugir do tédio e dos problemas.

SAMUEL: – Te entendo bem.

DAVI: – Ainda trabalhando no…

SAMUEL: – Diário da Manhã?

DAVI: – É.

SAMUEL: – Ainda.

DAVI: – Legal.

Trocam um sorriso. Corta para:

CENA 11. CASA DE LORENZO. SALA. INT. NOITE.

Júlia e Lorenzo à mesa, jantando um fricassé de frango.

LORENZO: – Divino! Nem nos melhores restaurantes de Buenos Aires se serve um prato tão bom quanto este. Parabéns, meu amor.

JÚLIA: – Quando é que você vai me deixar ver o meu filho?

LORENZO: – Não posso trazer uma criança pra uma casa onde se acorda debaixo de bala. Você há de convir comigo.

JÚLIA: – Perdi o apetite. Vou deitar. (levanta e vai sair)

LORENZO: – Volte aqui e termine o seu jantar.

Nesse momento, um barulho vem lá de fora, alguém vai entrando. Um segurança tentando impedir, em vão. É Yolanda, uma distinta senhora, que fala um espanhol bastante inteligível. Entra na sala segurando o menino Javier pela mão.

LORENZO: – Mãe?!

YOLANDA: – Quer pedir pra esse seu segurança me soltar?

SEGURANÇA: – Doutor, ela já foi entrando/

LORENZO: – Solte-a!

JÚLIA: – Javier?!

JAVIER: – Mãe!

Júlia, ao prantos de emoção, corre pra abraçar o menino. Um abraço afetuoso e cheio de saudade.

JÚLIA: – Ah, meu Deus! A mamãe estava morrendo de saudade de você, meu amor!

O segurança já saiu. Nada satisfeito, Lorenzo vai até Yolanda e fala baixo, em tom de repreensão.

LORENZO: – O que a senhora faz aqui? O combinado não foi esse, dona Yolanda.

YOLANDA: – Esse menino estava a ponto de me enlouquecer, não parava de perguntar pela mãe… Não quer mais comer, não faz nada certo, não me obedece… Um tormento! Não tive outra opção, tive que vir.

LORENZO: – Vamos conversar lá dentro, no escritório.

Lorenzo e Yolanda vão pro escritório. Júlia fica matando a saudade do filho. Corta para:

CENA 12. CASA DE LORENZO. ESCRITÓTIO. INT. NOITE.

Yolanda sentada no sofá. Lorenzo andando inquieto.

LORENZO: – A senhora não podia ter feito isso. O combinado era que eu fosse buscar o Javier em Buenos Aires no momento certo.

YOLANDA: – Lorenzo, meu filho, o que você pretende com isso tudo? Onde você quer chegar com essa história?

LORENZO: – A Júlia e eu estamos passando por um momento difícil no nosso casamento, estamos tentando nos entender aos poucos… o Javier aqui não ajuda em nada nessa reconciliação. Será que a senhora não entende?

YOLANDA: – Você sabe muito bem o que eu penso sobre isso. A Júlia não é mulher pra você, meu filho. Essa mulher não te ama. Por acaso você esqueceu o que ela te fez? Quase te matou!

LORENZO: – Aquilo foi um acidente. A Júlia me ama, eu sei disso. Estamos passando por uma crise, nada mais. Nunca ouviu falar na crise dos sete anos de casamento? Pois então… eu tô tentando restabelecer a harmonia entre nós, mas parece que a senhora não quer colaborar, não é?

YOLANDA: – Esse casamento nunca foi do meu gosto. Do seu pai tampouco. Morreu de desgosto. Um homem da sua posição, meu filho, se casar com uma sujeita como essa, uma prostituta/

LORENZO: (corta) – Cale-se! Eu amo a Júlia! Com todas as minhas forças!

Yolanda levanta e, em outro tom, toca pega o rosto de Lorenzo com as duas mãos.

YOLANDA: – Meu filho, você é jovem ainda, não tem que ficar dando murro em ponta de faca, pode recomeçar sua vida ao lado de outra pessoa, alguém que realmente te queira bem, que cuide de você… Ouça sua mãe, acabe com esse casamento de uma vez.

LORENZO: – Nada do que a senhora disser vai me fazer desistir da Júlia, mãe.

Yolanda, impaciente, dá um empurrão no ombro esquerdo de Lorenzo, que solta um gemido de dor.

YOLANDA: – O que foi? Você tá machucado?!

LORENZO: – Não é nada.

YOLANDA: – Como não é nada? Deixa eu ver isso.

Mais que depressa, Yolanda puxa a gola da camisa de Lorenzo e vê o curativo no ombro dele.

YOLANDA: – Mas o que é isso? Essa mulher te feriu outra vez?!

Corta para:

CENA 13. PRAIA DE COPACABANA. EXT. NOITE.

Davi e Samuel caminham pelo calçadão.

DAVI: – Esse é de longe o pior momento da minha vida, Samuel. E olha que eu já passei por cada uma!

SAMUEL: – É, eu sei. Uma notícia assim é como uma avalanche.

DAVI: – Eu consigo visualizar a morte abrindo os braços e me dizendo “vem”. É aterrador.

Param de caminhar e olham pro mar.

SAMUEL: – Mas você não deve encarar as coisas dessa maneira. Há chances de cura, você pode sair dessa. Não pode se dar por vencido, tem que lutar.

DAVI: – Lutar. Será que vale a pena lutar?

SAMUEL: – É claro que vale a pena lutar. A bola ainda tá em campo, o jogo não tá perdido. Não pode deixar o time adversário/ Desculpe a analogia idiota. É que eu tô escrevendo pro caderno de esportes, acabo ficando condicionado… Sabe como é, né?

DAVI: (ri) – Claro.

SAMUEL: – É muito bom te reencontrar, Davi. Mesmo! Eu queria poder te ajudar de alguma forma a superar esse momento difícil pelo qual você tá passando. Seja perseverante. Você merece o melhor que a vida tem pra oferecer.

Trocam um olhar de afinidade. Corta rápido para:

CENA 14. APART. DE DAVI. SALA. INT. NOITE.

Música: “Together” – The xx. Davi e Samuel chegam da rua já aos beijos. Desabotoam as camisas rapidamente. Muitos amassos. Aquela pegada encostados na parede e, depois, sofá. Desejo ardente. Do nada, Davi sai do clima e se desvencilha de Samuel.

SAMUEL: – O que houve?

DAVI: – Não vai rolar. Desculpe, mas não dá.

SAMUEL: – Te machuquei? Tá sentindo alguma coisa?

DAVI: – Não, não é isso. Mas realmente eu não consigo. Não dá pra explicar agora, mas espero que você entenda.

SAMUEL: – Tudo bem. Mas você tá legal?

DAVI: – Sim, tá tranquilo. Mas se você não se importa/

SAMUEL: (antecipa-se) – Já entendi. Eu vou indo… Tá na minha hora mesmo. Fica bem, Davi. A gente se fala por aí.

Samuel sai. Davi respira fundo, meio culpado. Pega a chave do carro e sai. Corta para:

CENA 15. APART. DE GILDA. SALA. INT. NOITE.

No sofá, Filipe trabalha num projeto no laptop. De repente, a campainha começa a tocar insistentemente. Ele vai abrir a porta e depara-se com Davi. Entreolham-se por um instante. Num ímpeto, Davi abraça Filipe. Abraço forte. Música: “How Long Will I Love You” – Ellie Goulding. Beijam-se.

Gilda vem do quarto e, vendo a cena, dá meia volta, bastante contente. Davi e Filipe num beijo que diz muito. Efeito e corta para:

FINAL DO CAPÍTULO 17

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