Capítulo 14 – Recomeçar
CENA 01. CASA DE LORENZO. QUARTO. INT. DIA.
Continuação imediata da última cena. Júlia apavorada ao ver Lorenzo.
LORENZO: – Assustada, meu bem?!
JÚLIA: (gagueja) – Você não estava…
LORENZO: – Morto? Acho que não. Não está me vendo aqui na sua frente? Um fantasma posso te garantir que não sou.
JÚLIA: – Não pode ser.
LORENZO: (senta na cama) – Você está impressionada. Mas isso logo passa. Me dê um abraço. (abraça) Você não sabe a falta que eu senti do seu corpo todo esse tempo. Saudade desse calor, dessa pele macia, do cheiro do seu cabelo… Isso sim estava me matando aos poucos.
JÚLIA: – Que lugar é esse? Onde é que eu tô?
LORENZO: – Na nossa casa. Na nossa nova casa! Você tinha razão, o Rio de Janeiro é uma cidade encantadora, muito bela. Um pouco quente, mas isso acaba até sendo muito favorável. (safado) Fazer amor com os corpos suados é muito mais excitante, você não acha, meu amor?!
JÚLIA: – Como eu vim parar aqui? (lembrando) Espera… eu lembro de estar/
LORENZO: (corta e completa) – Lembra de estar me traindo com o seu amante. Duas horas e dezessete minutos num quarto de motel. Mas já chegou a ficar três horas completas. Você não sabe o quanto eu sofri te vendo entrar e sair daquele motel tantas vezes. Uma dor aqui no peito, uma angústia… Por que você fez isso comigo? Você maculou o nosso amor, desrespeitou os votos que fez no altar…
JÚLIA: – Cala essa boca! O que você fez com o Kadu? Fala, Lorenzo!
LORENZO: – Kadu? O fotógrafo? O seu amante ficou lá, acho que estava respirando… Não toquei em um fio de cabelo dele, juro. Deu vontade, não vou negar, mas não fiz nada. Não quis dar uma de covarde.
JÚLIA: – Você é doente, Lorenzo. Você precisa se tratar.
LORENZO: – Eu preciso é de um trato. Um bom trato na cama. (T) Comprei roupas novas pra você. Tem uma camisola muito bonita. Quer ver?
Lorenzo pega a sacola e tira uma camisola vermelha. Pede:
LORENZO: – Vista. Coloca pra mim.
JÚLIA: – Não vou vestir isso.
LORENZO: – Por favor.
JÚLIA: – Minhas pernas estão doloridas.
LORENZO: – Eu vou sentar naquela poltrona e você vai vestir essa camisola. Apenas essa camisola. Você entendeu bem?
Lorenzo senta na poltrona, há alguns passos da cama. Júlia começa a sentir quem é que manda ali. Entra música, que fica até o final da cena: “Otra Luna” – Carlos Libedinsky.
LORENZO: – Agora levante da cama e tire a roupa. Com jeito, bem devagar.
Júlia obedece. Tira a blusa e a calça. Lorenzo não fica satisfeito:
LORENZO: – Tudo.
Júlia fica completamente nua. Lorenzo ordena:
LORENZO: – Agora a camisola.
Ela veste a camisola. Lorenzo fica fascinado. Sedutor, ele levanta da poltrona e caminha até Júlia. Mexe no cabelo dela. Depois, desliza uma mão pela coxa de Júlia, de baixo pra cima, parando em suas partes íntimas. Ela treme. Então, ele começa a chupar o pescoço de Júlia e em seguida a joga na cama. Tira sua camisa, ficando apenas com a calça.
JÚLIA: – Não! Eu não quero. Você não pode/
Lorenzo dá um tapa no rosto de Júlia, calando-a, e deita em cima dela, esfregando-se, segurando-a pelos pulsos, sugerindo que vai transar a força. Júlia chora. Tempo nisso. Corta para:
CENA 02. APART. DE TIA SOFIA. SALA. INT. DIA.
Tia Sofia e Kadu sentados no sofá. Ela muito abalada.
KADU: – Já fui à todos os lugares possíveis: hospitais, delegacias… até ao IML já fui. Nada da Júlia. Eu tô enlouquecendo. Só tem uma explicação pra isso tudo: sequestro. Bateram no meu carro pra sequestrarem a Júlia.
TIA SOFIA: (chora) – Não! A minha sobrinha na mão de bandido… Minha Nossa Senhora da Medalha Milagrosa, não permita que nada de mal aconteça a Júlia!
KADU: – Eu preciso ir, tenho que fazer um boletim de ocorrência. Não se aflija, Tia Sofia, a Júlia vai voltar pra gente. Vai ficar tudo bem.
Kadu vai saindo. Belita chega:
BELITA: – Foi o Lorenzo. O Lorenzo raptou a Júlia e o Javier.
Clima. Corta para:
CENA 03. PRODUTORA GALVÃO. SALA DE LEONOR. INT. DIA.
Gilda sem encarar Abel. Leonor surpresa com a atitude dele.
LEONOR: – O que você faz aqui, Abel? Como sabe que/
ABEL: (corta) – A Gilda me procurou ontem à noite. Me entregou o pen drive com as cópias do vídeo e disse que ia cancelar as gravações do filme.
LEONOR: – Ah, muito bem, Gilda. Na hora de me chantagear, você invade o meu quarto, o meu closet, arma um circo… Mas quando cai em si, corre pro Abel e dá uma de carmelita descalça. O que você tá querendo com isso?
ABEL: – Isso não importa, Leonor. O fato é que é uma loucura isso que a Gilda está decidida a fazer.
LEONOR: – Não entendo. O que foi? Mudou de lado de uma hora pra outra, Abel? Você era o primeiro a condenar a realização desse filme.
ABEL: – Isso foi antes, no início. Mas já que vocês duas resolveram levar essa história adiante, não existe razão pra abortá-la logo agora que as gravações do filme já vão começar. Há muita gente envolvida nisso, não é certo desistir do projeto agora. (para Gilda) Pensa bem, Gilda. Seja sensata.
GILDA: – Não sei, não sei se é uma boa ideia.
ABEL: – Pode não ser uma boa ideia, mas seria muito egoísmo de sua parte tirar o filme da produtora depois de tanto trabalho, roteiro finalizados, equipe técnica mobilizada, elenco contratado… Será que você só consegue pensar em você mesma? (para Leonor) E você, Leonor, já que não teve peito pra enfrentar as chantagens da Gilda no momento que devia, não seja louca de abrir mão do filme agora. Você sabe, a produtora só perderia com isso.
LEONOR: – Você tem razão. Já tem uma respeitável fortuna envolvida nessa loucura. E se tem uma coisa que não aceita desaforo, é dinheiro. Tá decidido: da produtora o filme não sai de jeito nenhum.
ABEL: – É assim que se fala. E você, Gilda, o que diz?
GILDA: (T) – Que seja como “o casal” quer.
Abel aliviado. Gilda contrariada. Corta para:
CENA 04. APART. DE TIA SOFIA. SALA. INT. DIA.
Belita próximo ao sofá. Kadu olhando pela janela. Vira-se para Belita, meio atônito:
KADU: – Como assim “morto”? O que você está dizendo, Belita? A Júlia me contou que pediu o divórcio desse Lorenzo e conseguiu a guarda do Javier. Nunca me falou nada de morte.
BELITA: – Ela não quis te contar por vergonha, por medo de um julgamento de sua parte, Kadu… não sei.
KADU: – A Júlia não pode ficar me escondendo as coisas. Já disse isso a ela. Relação nenhuma se sustenta sem confiança…
BELITA: – Viemos pro Brasil pensando que o Lorenzo tinha passado dessa pra uma pior, queimando no inferno e pagando todo o mal que fez à Júlia… E veja só que grande surpresa ele nos apronta!
Corta para:
CENA 05. CASA DE LORENZO. QUARTO. INT. DIA.
Na cama bagunçada, Júlia ainda está nua. Oprimida. Humilhada. Chora em silêncio. Vestido num roupão, Lorenzo vem do banheiro. Acaba de tomar um demorado banho.
LORENZO: – Agora sim, um novo homem!
JÚLIA: – Você não tinha o direito de fazer isso. Eu nunca vou te perdoar por isso.
LORENZO: – Se você não está lembrada, eu sou o seu marido.
JÚLIA: (engole o choro, levanta e veste a calça) – Eu quero ir pra casa. Minha tia deve estar preocupada por eu não ter aparecido até agora.
LORENZO: – A sua casa agora é essa, meu bem. A nossa casa! O nosso ninho de amor!
JÚLIA: – Você só pode estar louco. Eu vou embora daqui.
Júlia vai sair. Para ao ver na porta do quarto, que está fechada, um desenho numa folha de papel. Uma ilustração, com traços infantis, de uma família: pai, mãe e filho. Estupefata:
JÚLIA: – O que é isso?
LORENZO: – O nosso Javier tem um futuro brilhante! Claro, é só o desenho de uma criança, mas a gente já pode perceber que ele tem talento pra coisa, traços de um artista sensível… Já imaginou nós dois, daqui a alguns anos, numa grande cerimônia de premiação de artes plásticas, com o nosso filho sendo o maior homenageado da noite?! Eu não caberia em mim de tanto orgulho.
JÚLIA: – Onde está o meu filho? O que você fez com o Javier?! Fala, Lorenzo!
LORENZO: – O que é isso? Você me acha capaz de fazer algum mal ao nosso filho, Júlia? É essa imagem que você tem de mim?
JÚLIA: (chora) – O que você quer? Por que você tá fazendo isso?
LORENZO: – Não chore, meu amor. Você sabe que eu não suporto te ver chorando.
JÚLIA: – Diz pra onde você levou o Javier!
LORENZO: – Acalme-se. Ainda está tudo bem com o nosso filho.
JÚLIA: – Como assim “ainda”?
LORENZO: – Tome um banho. Um longo banho de espuma. Vai te fazer muito bem. Agora eu vou ter que dar uma saída, mas mais tarde tô de volta. Siga o meu conselho, um banho de sais revigora.
Lorenzo dá beijo rápido em Júlia e sai. Tranca a porta, sob o olhar dela. Júlia mais ciente de que está vivendo um pesadelo. Força a maçaneta da porta, sem sucesso. Vai até a sacada e analisa que lugar é aquele. Vê Lorenzo entrar e sair no carro. Observa também que há dois seguranças lá embaixo. Júlia se dá conta que está aprisionada. Corta para:
CENA 06. RIO DE JANEIRO. EXT. NOITE.
Música: “Let Me Go” – Cymcolé. Takes rápidos e clipados do anoitecer no Rio. Corta para:
CENA 07. MANSÃO DE LEONOR. QUARTO DE KADU/CORREDOR. INT. NOITE.
Horácio sentado na cama. Inquieto, Kadu anda pelo quarto.
HORÁCIO: – Raptados? A Júlia e o menino? Mas por quem?
KADU: – Pelo ex-marido. Lorenzo, um sujeito violento, truculento, um psicopata… Pra se ver livre dele, a Júlia teve que fugir da Argentina com o filho e a babá.
HORÁCIO: – Coitada dessa moça! Quer dizer então que o acidente/
KADU: (corta) – Sim, ele bateu no meu barro propositalmente. Eu perdi a consciência e o desgraçado levou a Júlia. Você não sabe como eu tô me culpando por isso, pai. Eu não podia ter batido a cabeça, não podia ter perdido os sentidos. Ele deu sorte, ele deu muita sorte.
HORÁCIO: – Calma, Kadu. Você não tem que se culpar por nada. Além do mais, pelo que você disse, esse sujeito não é flor que se cheire. Não teria sido uma atitude nada inteligente de sua parte enfrentá-lo. Gente desse tipo tem que ser combatida com outros métodos.
KADU: – O caso não é de combater, mas sim de abater. Com uma bala na testa do desgraçado. Ah, mas se ele fizer algum mal a Júlia ou ao Javier, ele será um homem morto!
Vemos agora que Leonor ouve a conversa no corredor, encostada na parede. Volta pro quarto:
HORÁCIO: – O que você vai fazer, meu filho?
KADU: – Já acionei a polícia. Tão no rastro dele. Vão fazer uma perícia no meu carro pra ver se encontram alguma pista… Eu vou esperar. Mas não por muito tempo. Se a polícia não der conta do paradeiro da Júlia e do Javier o quanto antes, eu reviro o Rio de Janeiro, reviro o mundo se for preciso, mas os encontro e mato aquele pulha.
Kadu “com sangue nos olhos”. Mostrar Leonor novamente no corredor. Corta para:
CENA 08. APART. DE TIA SOFIA. SALA. INT. NOITE.
Abre numa foto de Júlia com Javier num porta-retratos. Vemos que é Tia Sofia que está com ele nas mãos, muito triste, sentada no sofá. Belita vem chegando da cozinha e observa a cena. Tia Sofia fala sem olhar pra babá:
TIA SOFIA: – Nossa Senhora da Medalha Milagrosa não há de deixar nada de mal acontecer a eles. Eu tenho fé na minha santinha.
BELITA: – Eles vão voltar, Tia Sofia. Sãos e salvos. A senhora vai ver.
TIA SOFIA: – Eu não duvido disso, Belita. Não duvido disso. (T) Vou acender uma vela, vou orar pra que isso aconteça o mais rápido possível.
Tia Sofia levanta-se e acende uma vela no altar de sua santa ali mesmo na sala. Ora. Belita aproxima-se e faz o mesmo. Corta para:
CENA 09. CASA DE LORENZO. QUARTO. INT. NOITE.
Vestida num roupão, Júlia anda pelo quarto. Sem sossego. Roe as unhas. Ouve a porta sendo destrancada. Lorenzo entra.
LORENZO: – Está tudo bem com você, meu bem?
JÚLIA: – Estou com fome. Preciso comer alguma coisa.
LORENZO: – Oh, meu amor! Me perdoe! Te deixei aqui o dia todo sem nada pra comer. Mas não se preocupe, já providenciei o nosso jantar. Só que você não vai jantar comigo assim, né? De roupão? Tenho algo bem apropriado por aqui…
Lorenzo pega uma sacola e tira um belíssimo vestido azul. Longo. Parece vestido de festa.
LORENZO: – Vista. Você fica deslumbrante de azul, minha querida!
Júlia pega o vestido, obrigada. CORTE DESCONTÍNUO. Júlia já vestida. Está diante do espelho. Sofrida. Lorenzo coloca uma gargantilha de ouro no pescoço dela.
LORENZO: – Perfeita! (T) Espelho, espelho meu, existe mulher mais linda neste reino que a minha?! (faz a voz empostada do espelho) Não! Nenhuma mulher neste reino é páreo para a beleza e magnitude de sua esposa, meu nobre senhor! (sua voz) É, este espelho, ao contrário de você, Júlia, é fiel e sincero ao seu dono.
Corta para:
CENA 10. CASA DE LORENZO. SALA DE JANTAR. INT. NOITE.
Numa mesa de dez lugares, Lorenzo e Júlia jantam. Ele na cabeceira e ela logo à esquerda. Tomam uma sopa de legumes. Há ainda uma garrafa de vinho branco e duas taças servidas.
LORENZO: – Essa sopa me traz boas lembranças. Me lembra você, meu amor. Quando eu estava no hospital, pedia sempre que preparassem pra mim. Sem pimenta, é claro. Minha gastrite não me permite mais. (T) Já contei que perfurei um rim? Pois é. Por pouco não perfurei o fígado também. Ah, levei vários pontos na cabeça. Quer ver? (mostra) Aqui. Daqui até aqui.
Júlia já parou de tomar a sopa. Perdeu o apetite.
LORENZO: – Além disso, fiquei sem o movimento das pernas por algum tempo. É, fiquei. Foi desesperador. Você sabe o quanto eu aprecio o meu cooper matinal. Para mim, ficar sem andar seria pior que a morte. Enfrentei fisioterapia pesada. Mas eu pensava em você, meu amor. Te reencontrar foi o meu maior estímulo/
JÚLIA: (corta) – Eu quero ver o meu filho.
LORENZO: – Criança e lua de mel não combinam, meu bem. Vamos nos curtir um pouco mais, aproveitar esse momento só nós dois… ainda não matei completamente a saudade da minha mulher.
JÚLIA: – Eu tô falando sério, Lorenzo. Eu exijo que você me leve para ver o meu filho ou o traga até aqui. Ele precisa do remédio pra asma. Ele é asmático, você se esqueceu?
LORENZO: – Vamos brindar. Vamos brindar ao nosso casamento! A esse casamento tão feliz! Vamos, erga a sua taça, minha querida.
Impaciente, Júlia pega a taça e joga o vinho no rosto de Lorenzo. Ele limpa o rosto com um guardanapo. Segue frio.
JÚLIA: – Infeliz! Casamento infeliz! Com você eu passei os piores anos da minha vida. Maldita seja a hora que te conheci, Lorenzo. Antes eu tivesse continuado na rua, na vida que eu levava… Lá pelo menos nunca encontrei nenhum sujeito tão doente e asqueroso como você.
LORENZO: – Levante-se da mesa e vá para o quarto. Agora!
JÚLIA: – Eu tenho nojo de você!
Júlia sai da mesa e caminha em direção ao quarto. Lorenzo sério. Corta para:
CENA 11. CASA DE LORENZO. QUARTO. INT. NOITE.
Deitada na cama, Júlia chora abraçada ao travesseiro. Lorenzo entra, tranca a porta e apaga a luz. Está com um cinto de couro nas mãos. Fecha a porta de vidro que dá para a sacada. A luz da lua é o que ilumina o quarto. Júlia assustada.
JÚLIA: – O que vai fazer? Vai me bater? Vai me espancar como fazia antes?
LORENZO: – Vou só te dar uma liçãozinha, pra você respeitar o seu marido.
JÚLIA: – Não faça isso, Lorenzo. Olha, eu estava nervosa, eu não queria/
LORENZO: (corta) – Cala a boca!
Lorenzo joga Júlia de bruços na cama. Rasga as costas do vestido com as mãos. E, como se estivesse possuído por algum demônio, começa a chicoteá-la. Júlia sofre. Corta para:
CENA 12. APART. DE DAVI. COZINHA/SALA. INT. NOITE.
Davi está pronto pra sair. Sente alguma dor nas nas costas. Toma um comprimido. Coloca comida pro cachorro Bicicleta e sai. Usar cortes descontínuos. Corta para:
CENA 13. RESTAURANTE. INT. NOITE.
Restaurante distinto. CAM encontra Gilda, Davi e Filipe numa mesa. Já jantaram. Estão na sobremesa.
GILDA: – Já contei do dia que conheci a Michelle Pfeiffer? Foi numa premiação em Berlim/
FILIPE: (corta) – Já, mãe, você já contou essa história um milhão de vezes.
GILDA: – E da Rosanna Arquette? Ela foi simpaticíssima/
FILIPE: (corta) – Também.
GILDA: – Poxa vida, já gastei todo o meu repertório de histórias apoteóticas com você, Davi?! Que triste.
DAVI: – Não tem problema, Gilda. Você tem o dom de contar uma mesma história várias vezes e torná-la sempre interessante de se ouvir.
GILDA: – Own, que amor! Mas tem um episódio que tenho certeza que é inédito. Nunca contei a ninguém, nem mesmo a você, Filipe. É meio escatológico, mas já acabamos de comer, então não tem problema.
FILIPE: – Ai, lá vem!
GILDA: – Sabe a Cassandra Peterson, aquela atriz americana conhecida por aquele filme da bruxa Elvira? Clássico da Sessão da Tarde. Pois é, imaginem vocês que eu a conheci numa festa em Los Angeles – que devo ter entrado de penetra, não lembro bem – e paguei o maior mico diante dela. Mico não, um King Kong mesmo.
DAVI: – O que você fez?
FILIPE: – Agora fiquei curioso.
GILDA: – Vomitei nos peitos da mulher, acreditam? Meninos, foi um auê! Eu já tinha tomado umas e outras, comido uns canapés, meu estômago começou a embrulhar… não deu outra: botei pra fora bem em cima dos airbags da musa. Uma coisa horrível! Eu gritava: tragam um trapinho pr’eu limpar a Elvira, gente! E ela louca de ódio, querendo comer meu fígado. Aí, numa indelicadeza sem tamanho, me expulsaram da festa, me chutaram, me xingaram: tramp bitch! Foi uma coisa triste.
DAVI: – Nossa, que história! Isso merece ser contado numa biografia, Gilda.
GILDA: – Merece um capítulo inteiro, meu bem. Mas o pior nem foi isso. Eu fiquei chateada mesmo foi porque me expulsaram da festa bem no momento que o Antonio Banderas, aquele deus espanhol escândalo, estava me dando o maior mole. Isso foi o que me quebrou as pernas.
FILIPE: – Ah, isso é realmente pra cortar os pulsos.
DAVI: – É verdade.
GILDA: – Pois é. Moral da história: não fosse por uma golfada, hoje eu poderia ser a senhora Banderas. É… mas não dá pra gente querer controlar o destino – muito menos náuseas. (ri) Mas me digam: e esse namoro lindo de vocês, de vento em popa? Pergunta retórica né, porque essa cútis maravilhosa de vocês já diz tudo.
DAVI: – Estamos…
FILIPE: (completa) – Nos suportando.
Todos riem.
GILDA: – Falem sério, meninos.
DAVI: – Não, falando sério mesmo: estamos bem felizes. O seu filho foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. (faz carinho)
GILDA: – Ai, gente, que fofo!
FILIPE: – Pois é, a gente tá até pensando em dar um passo adiante.
GILDA: – Casar?!
DAVI: – Noivar.
FILIPE: – O que você acha, mãe?
GILDA: – O que eu acho?
Gilda vê que um garçom está servindo vinho numa mesa ao lado. Pega uma taça vazia e perde:
GILDA: – Garçom, me sirva aqui, por favor.
FILIPE: – O que você vai fazer?
GILDA: (alto, convocando a todos ali) – Pessoal, peço um minutinho da atenção de vocês aqui.
DAVI: (pra Filipe) – O que ela vai fazer?!
FILIPE: – Dona Gilda, para com isso!
GILDA: (segue, com a taça pro alto) – Convoco a todos para brindarmos ao amor. Para brindarmos à união dos meus queridos Davi e Filipe, esses meninos lindos que estão noivando nesta noite. Viva o amor!
Todos levantam suas taças e dizem “viva”. Davi e Filipe envergonhados. Gilda sorridente.
GILDA: – Agora só falta o beijo.
Todos pedem um beijo. Um pouco intimidados, Davi e Filipe beijam-se, para a alegria de todos ali. Corta para:
CENA 14. FACHADA DO RESTAURANTE. EXT. NOITE.
Gilda, Davi e Filipe saem do restaurante. Davi vem alguns passos atrás, pois parou para cumprimentar alguém. Vão descer alguns degraus.
FILIPE: – Dona Gilda, da próxima vez que você quiser me matar de vergonha, avisa antes, pra eu vir vestido numa burca.
GILDA: – Que bobagem, Filipe! O amor tem mais é que ser celebrado mesmo, bradado aos quatro ventos… Amor guardado numa ostra não tem a menor graça.
Vemos que Davi começa a sentir uma forte dor nas costas. Ele perde o equilíbrio, cai e rola escada abaixo. Fica desacordado. Rápidos, Filipe e Gilda o socorrem. No rosto de Davi no chão, efeito e corta para:
FINAL DO CAPÍTULO 14