Capítulo 12 – A Santa e o Bruxo
FLASHBACK
Um dos escravos do Jesuíno Velho chegou correndo, e afoito para avisar o senhor de que o Visitador estava em sua casa.
JESUÍNO VELHO – O Visitadô da Inquisição? Mas por que?
ESCRAVO – Num sei não, sinhô. Mas ele tá la sala querendo ter um dedo de prosa com o sinhô….
Jesuíno Velho chegou na sala e o Visitador sequer se deu o trabalho de se levantar do seu lugar.
JESUÍNO VELHO – Sinhô Visitadô…
O Visitador fez um sinal com as mãos, ordenando que o seu auxiliar desenrolasse o papiro e começasse a ler.
AUXILIAR – O Excelentíssimo Visitador da Inquisição, por ordem do Inquisidor-Geral de Portugal, Francisco Garrido de Alcântara Pinhão, por deliberação do Altíssimo, e inspiração da Virgem Maria, instala um Santo Inquérito nessa vela de Barra do rio das Velhas, arrolando como réu por heresia, por manter contato visual com objeto alheio à fé cristã e manter silêncio de tal ato, o senhor Jesuíno Teobaldo Ferreira.
JESUÍNO VELHO – Mas como assim?
Dessa vez, o Visitador levantou-se de um salto, da cadeira onde estava.
PADRE GONZÁLEZ – Será instalado um Tribunal Eclesiástico aqui em Barra do Rio das Velhas, e o senhor será investigado, senhor Jesuíno.
JESUÍNO VELHO – Mas por que?
PADRE GONZÁLEZ – Por ter tido contato com um objeto herético e manter silêncio a respeito.
JESUÍNO VELHO – Do que o sinhô tá falano?
PADRE GONZÁLEZ – Eu estou falando do Baú.
JESUÍNO VELHO – Eu não sei de que baú o sinhô tá falano…
PADRE GONZÁLEZ – Eu já esperava a sua negativa. Prendam-no.
Dona Augusta saltou na frente do auxiliar do Inquisidor, que já estava com um mosquete em punho.
AUGUSTA – Ninguém vai prendê meu marido!
PADRE GONZÁLEZ – Senhora, não atrapalhe o serviço da Igreja, senão a prenderemos também.
JESUÍNO VELHO – Augusta, aquiete-se. Eu tenho certeza de que sou inocente, eu vou com ele.
Jesuíno deixou a sua casa preso em uma jaula numa carroça, sendo exposto para toda a vila, que olhava perplexa. Ao longe, Cipriano olhava com ar de vitorioso.
CIPRIANO – Muito bão…
Jesuíno Velho foi levado para o Tribunal Eclesiástico improvisado no casarão emprestado por Cipriano, e lá, todo um aparato de interrogatório tinha sido instalado. E isso significa um vasto material de tortura.
Fizeram com que Jesuíno se sentasse numa tosca cadeira de madeira, , com as mãos amarradas. Um auxiliar leu alguma coisa em latim, e em seguida o Visitador se aproximou bem perto dele.
PADRE GONZÁLEZ – Você tem a chance de ter uma morte rápida, na Paz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Vamos diga, você olhou dentro do baú. O que viu lá dentro?
JESUÍNO VELHO – Eu não sei de baú nenhum…
O padre deu um soco em Jesuíno, tirando sangue do seu nariz. O Visitador fez um sinal e dois auxiliares pegaram as mãos de Jesuíno, colocando-o sobre um objeto que se parecia com uma prensa. As suas roupas foram tiradas, deixando-o apenas com um calção de baixo. O verdugo foi então girando a manivela, que fazia a prensa apertar cada vez mais as mãos de Jesuíno. Já se podia ver os ossos estalarem.
PADRE GONZÁLEZ – Vamos fazer isso com a sua cabeça se não se confessar.
O verdugo apertou mais, e Jesuíno gritou, e nesse momento, a sua mente voltava para o momento em que ele e o seu amigo Malheiros abriram o baú.
PADRE GONZÁLEZ – Confesse!
JESUÍNO VELHO – Eu não tenho nada pra confessar, pelo amor de Deus!
PADRE GONZÁLEZ – Tire a mão dele daí.
O verdugo retirou a mão quase esmagada de Jesuíno da prensa. Jesuíno gemia. O verdugo postou-o de costas para o padre, que retirou da cinta uma vergasta com três pontas feitas de casca de coco.
PADRE GONZÁLEZ – Isso não me deixa feliz, mas alguém tem que fazer esse trabalho mais do que ingrato.
O Visitador estendeu a vergasta para o verdugo, que mais do que na hora começou a flagelar Jesuíno. Cada vergastada arrancava pedaços da sua pele, e Jesuíno soltava apenas uns gemidos leves. As pontas de casca de coco entravam na pele como lâminas e arrancavam pedaços da mesma que voavam para o ar, com gotículas de sangue. Dessa vez Jesuíno gritava, mas parecia não ter intenção de confessar nada.
PADRE GONZÁLEZ – Você é mais tolo do que imaginei. Por que protege esse objeto de Satanás?
JESUÍNO VELHO – O sinhô está perdeno seu tempo…
Mais vergastadas. Mais gritos de Jesuíno. O verdugo continuava flagelando sem piedade.
JESUÍNO VELHO (aos gritos)– Eu olhei! Eu olhei.
PADRE GONZÁLES – Então diga que há lá dentro?
O padre falava aos berros e bem rente ao rosto de Jesuíno, a ponto de saltar saliva em seus olhos.
JESUÍNO – Nada…
PADRE GONZÁLEZ – Como nada?
JESUÍNO – Nada. Não havia nada dentro…
O padre González se levantou, e fez sinal para o verdugo continuar.
PADRE GONZÁLEZ – Se você tiver que morrer, vai morrer. Antes perder o corpo que a alma. E eu mesmo cuidarei para que a sua alma seja salva e levada aos Céus. De preferência ainda hoje. Coloquem ele na cela.
Os verdugos o pegaram pelo braço e o prenderam em uma sala onde se improvisou uma prisão. O Visitador foi para o seu gabinete, onde recebeu a visita de dona Augusta.
FIM DO FLASHBACK
JESUÍNO – Então minha mãe esteve com o Visitador…
GACÊS – Sim, ela esteve. Mas não me pergunte o que eles conversaram, isso eu não sei.
JESUÍNO – Eu vou te procurar novamente. Por favor, nós precisamos conversar mais.
GACÊS – Sempre que precisar.
Corta para a fazenda Pedra Brígida.
CIPRIANO – É um prazer recebê o sinhô aqui na minha fazenda, doutor Pederneira. Eu acho que podemos dar prosseguimento na compra das terra do maluco do Jesuíno Véio.
O advogado Marcos Pederneira entornou o copo de cachaça, e acendeu um cigarro, dando um grande trago, e fazendo argolas de fumaça. Em seguida colocou sua pasta sobre a mesa e disse:
PEDERNEIRA – Major, as coisas não são assim tão fáceis. O herdeiro direto, o senhor Jesuíno Ferreira Filho ainda está vivo e possui todos os direitos…
CIPRIANO – Para o diabo com esse moleque! Vai lá e me compra essas terras não dele! Eu num tirei aquele velho maluco pra ser vencido por um borra-bota que veio das Oropa e acha que pode me enfrentá.
PEDERNEIRA – Eu não creio que ele queira lhe vender as terras, Major…
CIPRIANO – É praisso que eu tô pagano ocê, infeliz.
PEDERNEIRA – O senhor tem toda razão, Major. Eu vou procurá-lo ainda hoje.
CIPRIANO – Bão. Vá mermo…
O advogado saiu, e Cipriano continuou na sala, conversando consigo mesmo.
CIPRIANO – Eu vou dá um jeito de acabar com esse moleque logo logo.
Corta para Jesuíno.
Jesuíno cavalgava de volta para casa, pensando em encontrar a sua mãe e tentar esclarecer a sua conversa com o Visitador, e perguntar por que motivo ela não lhe disse nada. Ele tinha a sensação de que todos escondiam alguma coisa dele, inclusive a sua própria família. Ele chegou em sua casa e foi logo saltando do cavalo. Um dos escravos já foi logo pegando o animal para dar água e descansar. Jesuíno entrou intempestivamente na sala, mas antes que o vissem, a cena que ele viu o deixou preocupado. Mais do que isso: o deixou intrigado. A sua mãe estava recebendo ninguém menos que Celson Canavieira.
JESUÍNO(Sussurrando consigo mesmo) – Mas o que é isso??!!
AUGUSTA – Eu já falei que não quero você aqui. O meu marido morreu graças àquela desgraça de baú e eu não sei onde ele está…
CELSON CANAVIEIRA – A Véia Machulla deixou que o baú fosse roubado. E a senhora é a única que ela recebia em casa, e portanto a única que sabia onde ela guardava as coisa…
Jesuíno fez cara de espanto.
JESUÍNO (sussurrando) – Eu não acredito no que eu estou ouvindo..
Ele continuou escondido.
CELSON CANAVIEIRA – A senhora viu que a Santinha tava se aproximando do Bruxo, devia ter alertado ela, que ele tava com o baú. Ela num teria morrido se soubesse…
AUGUSTA – Eu sei e você sabe que a Mariana não era bem aquilo que dizia ser! Eu achei foi bom aquela marafona ter morrido.
CALSON CANAVIEIRA (gritando)– Eu cumpri a minha parte e eu espero que a senhora também cumpra!
AUGUSTA – Cale essa boca antes que meu filho chegue e saiba de tudo…
JESUÍNO – De tudo o que, minha mãe? O que a senhora tem com esse bandido aí?
AUGUSTA – Jesuíno!!!
FIM DO CAPÍTULO 12