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A Santa e o Bruxo

Capítulo 11 – A Santa e o Bruxo

Capítulo 11

FLASHBACK

Um barco vinha subindo o rio São Francisco. Era um barco grande. Tocado a remos por escravos. O barco atrelou no cais, e uma fileira de escravos carregando baús surgiu na frente. Depois um séquito de mais escravos, quatro padres e por fim, um uma figura soturna, de hábito preto e capuz. À frente, ia um jovem noviço, menino ainda, carregando uma bandeira com um signo de uma cruz. O séquito formou um corredor humano, e o homem de capuz desceu a rampa, amparado pelos mesmos. Depois eles usaram uma espécie de guarda-sol, formado por um tecido preso a quatro hastes, para protegê-lo do sol. Todos os moradores da Barra correram para o cais para ver o visitante. O padre já o conhecia. Já o tinha visto certa vez em Vila-Rica.

PADRE VITAL ­ Senhor Visitador, padre González

Padre Silvério Gonzáles. Monge Dominicano e um terrível inquisidor. Um dos últimos da sua categoria. Era um homem jovem, de cerca de 50 anos, com os cabelos cortados bem rentes, e com um cavanhaque formando uma ponta. Tinha alguns fios brancos na barba. Os olhos, penetrantes e assustadores olhou para o padre, e estendeu a mão para que fosse beijada. Na verdade, ambos tinham o mesmo grau de importância, mas a sua função de Inquisidor lhe emprestava uma grandiosidade tal, que pessoas importantes da Igreja o temiam.

PADRE GONZÁLEZ – Padre Vital. Soube de atividades sacrílegas em sua paróquia…
PADRE VITAL – Bem, senhor… não é bem assim…
PADRE GONZÁLEZ – Não vamos conversar aqui ao sol, não é mesmo? Por que o senhor não me convida para a Casa Paroquial? Minha garganta está seca. Preciso de um pouco de vinho.
PADRE VITAL – É claro! É claro! Por aqui…

Ao seguir adiante, o padre parou diante da Igreja de Bom Jesus de Matozinhos, que seus rivais, os Jesuítas, miseravelmente não conseguiram concluir. Ele meneou negativamente a cabeça.
A Casa Paroquial é modesta. Dava para acomodar muito mal o Visitador. Os seus auxiliares tiveram que se arrumar como puderam. Uma farta mesa foi arrumada para a refeição do Visitador, que comeu avidamente, como se tivesse passado vários dias com fome. Ele segurava uma coxa inteira de leitão, e mordia com tal voracidade que parecia um animal faminto. E depois entornava o vinho, que filetes escorriam pelas beiradas da sua boca, e logo estendia o copo querendo mais.

PADRE GONZÁLEZ – O Cardeal Riviera me designou para essa missão, porque ficou sabendo de um tal bruxo nessa vila.
PADRE VITAL – Ah, sim. O nome dele é…espere que vou lembrar… Samalla! Sim, Hector Samalla, e me parece ser espanhol.
PADRE GONZÁLEZ – Samalla! Sim, Samalla! Hector Samalla. É uma família de hereges. Nunca conseguimos julgá-los, porque eles têm amigos importantes na Igreja. Mas aqui, nesse fim de mundo… sim, eu posso fazer alguma coisa.

Bebeu mais um pouco de vinho, e dessa vez atacou o pão.

PADRE GONZÁLEZ – E você sabe o que ele está fazendo aqui?
PADRE VITAL – Me parece ter ouvido de um dos moradores da vila que ele está atrás de um baú…
PADRE GONZÁLEZ – O baú! Então as histórias são reais. O baú está mesmo por aqui.
PADRE VITAL – Que histórias?
PADRE GONZALÉZ – Rosacruzes. Estão tentando acabar com o mundo. Mensageiros de Satanás, estão tentando derrubar a Igreja com suas ideias pérfidas. Traidores! Muitos conspiradores estão nas igrejas e nas fileiras secretas desses malditos.
PADRE VITAL – Mas o que o Baú tem a ver com isso?
PADRE GONZÁLEZ – Tudo! Aquele baú contém um objeto que será a desgraça do mundo se for aberto. Eu tenho que queimá-lo. E tenho que destruir quem o viu…

FIM DO FLASHBACK

JESUÍNO – Então o meu pai estava correndo risco de ir para a fogueira só por ter visto o baú?
GACÊS – Sim! Ele e o senhor Malheiros. Mas na época eles ainda estavam brigados, e o senhor Malheiros estava muito mal da cabeça, e não conversava com ninguém Ele saía pouco de casa, e isso o ajudou, mas o seu pai teve problemas
JESUÍNO – Mas como eu nunca fiquei sabendo disso?
GACÊS – Estavam acontecendo outras coisas, paralelas a isso, que envolvia o meu senhor. E essas coisas de certa forma tinham relação com a sua noiva, a menina Santinha
JESUÍNO – Como assim?
GACÊS – A Santinha fazia visitas regulares ao meu senhor.
JESUÍNO – Eu… eu … eu não acredito nisso.
GACÊS – Sei que é difícil de acreditar, mas é verdade. Eles se encontravam muito aqui, ou na beira do rio, na altura onde dá para nadar.
JESUÍNO – Não a minha Mariana…
GACÊS – Eu não sei bem qual era a natureza desses encontros. O meu senhor sempre foi muito respeitador…
JESUÍNO (gritando) – Mas eles morreram juntos! Mataram eles! Eu quero entender por que. Não entra na minha cabeça que a Mariana pudesse ter tido algo com esse bruxo. Termina a história aí, por favor.

FLASHBACK Sete meses atrás

PADRE GONZÁLEZ – Tudo! Aquele baú contém um objeto que será a desgraça do mundo se for aberto. Eu tenho que queimá-lo. E tenho que destruir quem o viu…
PADRE VITAL – Como assim?
PADRE GONZÁLEZ – Se alguém o abriu e olhou lá dentro, será julgado por heresia, por ter dado vista a um objeto da Ordem de Satanás e ficado calado sem denunciar.
PADRE VITAL – Então o senhor está pensando…
PADRE GONZÁLEZ – Estou pensando não! Eu recebi uma denúncia e vim instaurar um Santo Inquérito.
PADRE VITAL – Contra…?
PADRE VITAL – Jesuíno Teobaldo.

FIM DO FLASHBACK

JESUÍNO – Meu pai?!
GACÊS – Sim, seu pai.
JESUÍNO – Mas e o Malheiros.
GACÊS – Tecnicamente o senhor Malheiros também deveria ser julgado. Mas houve uma denúncia apenas contra o seu pai.
JESUÍNO – E quem o denunciou?

FLASHBACK – Sete meses atrás

PADRE GONZÁLEZ – Esse aguardente é uma verdadeira maravilha. Mas vamos falar do que interessa. Qual o seu interesse na condenação desse tal Jesuíno Teobaldo, senhor Tenente-Coronel Cipriano Meideiros Lima

CIPRIANO – Somente cumprir o meu dever de cristão, seu Visitador. Esse home foi possuído por Satanás assim que pôs os ôio drento daquele baú. Ele ficou enlouquecido. E dizem que a filha dele, a Santinha, passou a andar com o tal Bruxo que tem por aí.
PADRE GONZÁLEZ – Eu acho que o senhor está me escondendo alguma coisa. Tem mais algo que eu deva saber?
CIPRIANO – De jeito nenhum, seu Visitador. Tudo que eu sei, eu contei. Quero minha alma limpinha pra quando eu achegar adiante de Nosso Senhor Jesus Cristo

Fez Sinal da Cruz.

PADRE GONZÁLEZ – Eu tenho que conversar com ele. Vou interrogá-lo logo mais. Mas eu preciso de um local decente para instalar o Tribunal Sagrado. A igreja do padre Vital é muito débil.
CIPRIANO – Se o Visitador me permite, eu tenho um casarão lá na Vila que é uma belezura. E cabe é muita gente. Fica à disposição.
PADRE GONZÁLEZ – Eu agradeço, mas o senhor deve saber que não podemos pagar. A Igreja é muito pobre e vivemos de caridade…
CIPRIANO – Pelo amor de Deus, seu Visitador, assim o sinhô até me ofende. Como é que eu vou cobrar do Visitador da Santa Inquisição, que vem limpar a vila da imundiça de Lucifer. Não, de jeito nenhum. Fica o tempo que precisar sem pagar nada. Faço questã.
PADRE GONZÁLEZ – Muito Obrigado. E eu tenho certeza de que Deus saberá recompensar essa sua caridade, Coronel.

Cipriano coçou a barba, como sempre faz quando vai entrar em um assunto delicado.

CIPRIANO – Por falar em Deus, eu tenho outra questã pra tratar com o sinhô…
PADRE GONZÁLEZ – O senhor fale…
CIPRIANO – Um padre preto… Nós aqui num tá acostumado com essas modernidade.
PADRE GONZÁLEZ – Esse é um assunto delicado, Coronel. A Igreja está sendo invadida por uns bispos meio modernistas, que estão fazendo a cabeça dos Cardeais quando à necessidade de pluralidade das raças…
CIPRIANO – Como é? Plu… o que?
PADRE GONZÁLEZ – Senhor Cipriano, veja bem, esse padre, ele teve sua alforria ainda criança. Teríamos problemas com el-Rey se retaliarmos, entende?
CIPRIANO – Mas o senhor é o Visitador…
PADRE GONZÁLEZ – Mesmo assim. Mas se houver uma denúncia… pode ser que esse padre cometa alguma atrocidade contra a fé…
CIPRIANO – Isso pode ser arranjado.

FIM DO FLASHBACK

JESUÍNO – Então foi aquele desgraçado?Mas o que ele ganharia com a morte do meu pai?
GACÊS – Talvez, comprar suas terras, ou possuí-las de modo ilícito…
JESUÍNO – Mas como foi que você soube de tudo isso?
GACÊS – Fiz muitos amigos entre os escravos dessa vila. Converso muito com eles, inclusive com os escravos do Major.
JESUÍNO – No dia do encontro entre o Bruxo, o meu pai e o tio Ottone, o baú estava lá na casa do bruxo. O que foi feito dele?
GACÊS – O baú ficou com o senhor Ottone, depois disso, não sei.
JESUÍNO – É, mas agora ele sumiu. E se tem algo que pode me fazer descobrir tudo, é esse baú.

Fim do Capítulo 11

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