O internato
Capítulo 01
Paraibuna… Abril de 2005
Raquel – Cecília, você entendeu muito bem, o que eu te pedi?
Cecília – Sim vovó! Colher as mais belas maçãs no pomar. Depois passar no mercado, comprar leite, ovos e… ? Ai esqueci.
Raquel – Ai, menina! Você só não se esquece da cabeça por que ela está presa no pescoço. Comprar farinha de trigo para o bolo de hoje de tarde.
Cecília – Pode deixar. – Disse a menina de sete anos toda decidida.
Um rapaz de uns quatro anos mais velhos que a menina, aparece todo desajeitado com a vara de pescar no ombro, acompanhado do avô. Coçando atrás das orelhas. Seu avô estava junto com ele.
Raquel – Não pescaram nada? E agora como vou fazer o ensopado de peixe para o jantar?
Avô – Não tem problema, compramos no mercado. Aqui está o dinheiro. – E entrega para mulher que passa para Cecília.
Raquel – Você entendeu que é para comprar o peixe também, né? Quero cinco carpas.
Ela acena positivamente com a cabeça e sai. Abiel em seu quarto que já ia tirando a roupa para o banho, observa a menina correndo e diz para si mesmo.
Abiel – Diacho, essa menina ainda vai ser minha! Não é só por que é minha prima, que não vai escapar das garras do garanhão, aqui.
Mais tarde…
O céu estava alaranjado, como o coração apaixonado daqueles jovens que corriam entre os imensos girassóis. O cabelo daquela garota balançava graciosamente contra a brisa gélida, se assemelhando a um mágico unicórnio que vem a terra acalentar a áurea das almas depressivas. Ele por sua vez, adernado com aquele macacão valente, representava a coragem de um nobre cavaleiro, que não está interessado no poder, mas sim na conquista de um sentimento puro: o amor.
Suas mãos afáveis acariciavam agora as rosas vermelhas, procurando como um beija flor seu néctar e distribuindo aquele pólen entre as híbridas por ambiente. Ele, que vinha atrás correndo atrás dela, naquela brincadeira de criança tão inocente, mal escutará sua mãe chamá-lo a porta da fazenda para comer um delicioso bolo de cenoura.
As estrelas começam a pipocar, lentamente no céu, agora arroxeado. Ele a alcançou e eles rolou por longos e tão divinos minutos naquela grama fazendo cócegas e imitando animais silvestres, que não precisam da razão para sobreviver, não complicam a vida como os seres humanos fazem, apenas vivem a vida como ela é, enxergando as nuances da mãe natureza.
Debaixo de um longo carvalho, escreveram suas iniciais numa pedra e as mãos dele acabaram de encontro às dela. Ela se jogou numa grande pilha de folhas de bordo e jogaram contra ele, eles riram participando daquela guerra, até caírem enlaçados um no braço do outro e se beijarem como nunca ninguém antes jamais fez…
Cecília – Eu te amo Abiel! – Covinhas de felicidade marcavam seu rosto!
Abiel – Eu também te amo, minha lindinha! – E o brilho de seus olhos tornou um só, com o leve encontro de nariz. Ele firmou em sua cintura e ela acariciou seu rosto. Tornaram a namorar.
De repente os pais do menino surgiram de trás da árvore, acabaram de chegar por uma estrada próxima.
Lilian – Mas o que está acontecendo aqui? Vocês? Primos estão namorando?
Peter – Vou te dar uma surra moleque e quando a você sua galinha…
Os dois ficaram paralisados. Seus rostos se congelaram…
20 de Dezembro de 2013…
O Despertador soara. Mãos femininas o apertaram. Pegou seus óculos redondos e depositou em seu rosto ovalado sardento. Levou um susto. Estava com dislexia? Era ainda três da madrugada. Um morcego entrou pela janela do seu quarto e começou a voar aflitamente em volta do ventilador do teto. Até que caiu tonto atrás de seu guarda-roupa.
Cecília – Ei Ruxo, tudo bem?
E cuidadosamente a menina com um pedaço de pão mofado dentro da gaveta conseguiu atrair o animal.
Cecília – Meu Deus olha o que fizeram com você? Sua asa está machucada! Espere um minuto, vou cuidar disso.
O morcego pareceu entender pela doçura de sua voz e passou a cabeça nas meias ¾ da menina.
Ela voltou com o álcool anticéptico do banheiro e cuidou do machucado. Depois de enrolar uma faixa de pano envolta.
Cecília – Daqui algumas noites vão estar novinhas em folha.
Ele piscou agradecido e mostrou seus dentinhos afiados, saindo pela janela. No jardim, a garota identificara o problema. Marieta, a vizinha ao lado, estava com um estilingue na janela do quarto, provavelmente acertara em cheio em Ruxo.
Cecília – Ah, mas aquela pestinha me paga. Vou pregar uma bela peça nela, por isso. Maltratar animais é crime, ainda mais silvestres.
Marieta guardara seu brinquedo na gaveta e penteara os cabelos cacheados no espelho quebrado de sua penteadeira.
Marieta – Quase, eu peguei aquele monstrinho!!!
Ela virou. Sua boneca Filomena estava olhando para ela no meio da cama.
Marieta – O que foi, por que raios está me secando ?
A boneca continuou séria, mas isso mexeu ainda mais com a fúria da garota.
Marieta – Eu sou sua dona, se eu quiser, posso te jogar na privada e dar descarga.
A boneca não respondeu nada.
Marieta – Tá me desafiando. Pois então verá. ( Ela pegou a boneca e com uma face fria a jogou na privada, mas a boneca não vazou pelo buraco)
Marieta – Mas que merda. Não fazem mais louças sanitárias como na época de vovó, em que havia mais vazão do que construção. Quer saber, vou arrancar sua cabeça.
(Ela quebra a cabeça da boneca e arremessa pela janela mosaica redonda, em cima da banheira)
Marieta – Tomara que o Fred, te coma. Só assim, o perdoarei por ter feito xixi nas minhas sapatilhas novas de balé.
Ela então escuta um barulho sinistro. Seu cachorro começa a tossir. Ela estava frita. Se seus pais descobrissem que Fred engasgou com a boneca, ela ficaria de castigo. Desceu a escada correndo e pulou a janela da casa, dando volta pelos arbustos. Mas ela não viu seu cachorro e sim marcas de sangue na parede, parece ser feita com rodas de bicicleta, a casa branca refletia bem ao luar.
Marieta – Meu Deus. Mataram o Fred!
De relance, ela viu um vulto no alto da escada que vai para a sala de estar. E grita ao ver que é o fantasma de seu cachorro, totalmente branco. Ele desce correndo, latindo.
Marieta – Alma penada de cachorro. Será que ele engasgou com a Filomena? Eu vou ser presa, passarei o resto da minha vida dividindo cela com tias gordas e más, pior que a diretora da escola. Mas eu não posso, eu tenho muito que viver. Ahhhhhhhhhhh…. ( e depois de fugir caiu em um buraco fundo)
Ela começa a gritar de desespero. Ao ver minhocas andando pela sua mão.
Marieta – Cobras…Cobras…
Sombras vão se aproximando. Até que Cecília tira o seu lençol e de Fred, revelando a armação.
Cecília – Nem são cobras, são inofensivas minhocas. Precisava ver sua cara de desespero. Gravei tudinho. ( mostra sua câmera antiga)
Marieta fica enfurecida – Sua ordinária, você me paga !
Cecília – Vou pagar o quê ? Posso saber ? Se maltratar mais algum animal, eu posto esse vídeo na internet. Estamos conversadas?
Marieta engoliu a perda de poder – Tudo bem. Agora me tira daqui.
Cecília – Isso não estava em meus planos. Boa Noite !!! Sonhe com as aranhas peludas da terra. (e sai cinicamente, sobre os xingos e bufos da garota que acaba tendo que dormir fora de casa)
No outro dia…
Cecília está na cozinha tomando seu café da manhã. Quando seus pais acordam, descendo de escada ainda de pijama.
Laura – Nossa filha, já levantou ?
Cecília – Sim. Vou sair.
Laura – Vai para onde ?
Cecília – COMO ASSIM VOCÊ ESQUECEU, MÃE ? (e pisca para seu pai que sabia o motivo)
Jonas – Ela vai à banca do seu Manoel.
Laura – Fazer o quê, lá ? Nem abriu. Ainda são sete horas.
Cecília – Mãe, você me insulta desse jeito. Hoje sai o resultado do teste.
Laura – Teste? Que teste?
(Ela sai correndo, olhando o relógio de pulso, mordendo rapidamente uma torrada e beijando os pais) – Tchau, mãe. E vê se deixa de ser tapada.
Quando ela bate a porta da sala. Laura vira para Jonas.
Laura – Essa menina tá ficando muito mimada. Pensa que pode ir saindo assim na hora que quer, estou sentindo falta de um pulso firme junto comigo nessa casa, ouviu?
Jonas – Deixa-a querida, só está crescendo. É o cheiro do hormônio GH.
Laura – E o senhor já para o banho, esse cheiro de CC, é horrível. Já é o terceiro dia sem ele.
Jonas – Ah não. É cheiro de macho, amor.
Laura – Quer pegar peste negra? – Disse a mulher num tom aterrorizante, esbugalhando os olhos – Essa era a doença que matava as pessoas na idade média – Diz com uma voz aguda idosa, aproximando a face do marido que começa a ficar com medo – Camponeses e Sans-culottes, homens da cidade, você sabe? Morriam centenas, milhares deles. E quando passavam fome… Chiiii… Pegavam logo um Tifooooooo…. – E solta uma risada de bruxa.
Jonas que estava pálido – Eh, que eu tenho preguiça… -Disse meio sem jeito.
Laura – Sem isso, eu vou dar um jeito nela agorinha. Deixa comigo. ( ele sai correndo, ela vai atrás dele). Pode abrir o chuveiro e entrar, por que vou esfregar suas costas.
***
Cecília que estava escutando a música MALANDRAGEM de Cássia Eller, desce do ônibus e encaminha para a banca correndo, se apoiando em um poste estreito preto para virar a esquina. O roupão de frio marrom em vários tons lhe dá um aspecto canadense, que só aumenta com aquele cachecol rosado.
Todavia, quando chega ao local. A banca está fechada. Ela estranha. Pergunta para uma laranjinha de rua que está varrendo a guia e descobre que o entregador de jornais internacionais bateu ponto cedo. Antes das sete, já tinha saído. Cecília, então percebe que atrás da banca, possui uma porta azul escuro de vitro malhado. Ela lê numa folha de papel encardida colada.
“Seu Manoel mora aqui.”
Cecília: Com esse frio, não deve ter nenhum movimento na rua. Deve abrir mais tarde. Mas eu não me aguento de curiosidade, preciso comprar o jornal com os classificados no concurso de Moscou.
Ela entra e sobe por uma escada descascada. As paredes cor-de-pele revelam um cumprido corredor. De um rebaixamento do muro da vizinha, um gato preto pula em seu colo. Ela leva um susto, tenta acaricia-lo, mas o gato arranha todinha, fazendo a cair no chão. Quando ela o solta, seus olhos verdes faíscam e somem na edícula do fundo.
Cecília – Que droga ! Meu rosto está sangrando !
Ela se levanta e dá de cara com uma janela escancarada com grades. No chão da sala é possível perceber, o dono da banca morto e o chão ensanguentado em sua volta numa cena pavorosa.
Cecília – MAS O QUE É ISSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSO? SEU MANOEL.
Ela percebe que a porta da cozinha está aberta e dela vai para sala. Os sofás estão encharcados de sangue. É possível ver pedaços de estômago jogados a um canto. A boca do homem forma uma trilha de sangue até o pescoço. Os olhos vivos dele parecem que tentaram lutar ao máximo contra o assassino. O bigode arrepiado e o cabelo arrancado na lateral esquerda.
Cecília: ONDE TEM TELEFONE NESSA CASA ? PRECISO…
Ela vê enfiada na espuma de segurar da bicicleta de exercícios, uma faca totalmente suja de plasma e glóbulos vermelhos daquele pobre coitado. Cecília se aproxima e pega o instrumento.
Cecília: MEU DEUS, QUANTA CRUEL…
Alguém chegara à sala. Era Marieta, sua rival inimiga.
Marieta: Seu Manoel, o senhor não estava na banca, vim comprar o exemplar do jornal de…(Ela rompeu em gritos de terror)
Cecília a encarou pasmada, soltando a faca em suas mãos, que caiu com estrépito no chão.
Marieta: VOCÊ O MATOU? MEU DEUS, EU VOU CHAMAR A POLÍCIA AGORA MESMO… SOCORROOOOOO, UMA ASSASSINA A SOLTA.
Marieta sai correndo berrando pelos corredores e Cecília desesperada sai atrás dela.
CONTINUA…