Contratempo de amar – Capítulo I
Berlim, Alemanha – Presente.
– Hallo? – atendo a vigésima ligação que recebo pela manhã – Nicht, es wird nicht möglich sein. – olho para Frederico e ele parece entender que nosso programa foi por água abaixo – Ja. Ich werde da sein. Auf wiedersehen. – desligo.
– Você tem sorte de ser tão linda, sabia? – Frederico diz, acariciando meu rosto – Não consigo ficar irritado com você.
– Eu não quero te irritar… – o encaro – Realmente apareceu um imprevisto. Eu não iria se não fosse sério.
– Bel, tudo bem. Não quero ser um compromisso marcado na sua agenda. – ele segura em minhas mãos – Eu sou seu namorado. Não sou seu dono.
– Eu vou te compensar, eu prometo. – lhe dou um selinho.
– Amanhã. – ele sorri – Jantar.
Forço um sorriso. Sei o que está por vir, e também sei aonde isso irá me levar. Como queria que as coisas fossem de uma outra forma. Frederico tem sido incrível durante estes anos, mas não posso me deixar levar. Não agora.
– Ok, amanhã. – concordo com a cabeça.
Frederico se despede, saindo pela porta do meu quarto. Posso ouvir ele se despedindo de Catarina no corredor e logo em seguida a vejo em pé na minha porta.
– Não conseguiu dispensar ele? – diz seca.
– Para de falar assim. – suspiro – É complicado.
– Quão complicado isso pode ser, Isabel?
– É que… São tantas coisas em jogo… – cerro meus olhos com força. Por que ela não consegue me entender?
– São tantas desculpas em jogo, isso sim. – resmunga.
– Eu não posso comprometer a minha vida desse jeito agora. – a encaro, séria – E se alguma oportunidade surgir? E se eu precisar me mudar para outro país amanhã quando os resultados do concurso saírem?
– Você tem certeza de quer viver assim? Sem se comprometer com nada e ninguém porque pode ser que algo aconteça e tudo mude? – pergunta, incrédula.
– Eu me comprometo! – repondo, praticamente gritando – Mas eu não posso casar com um homem que espera que eu fique aqui na Alemanha, quando meus planos nunca foram esses. Eu não posso me prender aqui!
– Isabel, você vive aqui há oito anos! – também grita.
– Para estudar! Não pra constituir uma família!
– Ah! Pelo amor de Deus! – Catarina esbraveja – Seu curso já acabou faz anos! Você já se especializou… Até quando vai ficar se iludindo que mora aqui apenas para estudar? Até quando esse medo?
– Não é questão de ter medo. – me sento na cama, passando as mãos pelos cabelos – Eu me esforcei tanto pra vir até aqui! Eu preciso estar aberta para as melhores chances que surgirem.
– Nossa. Falando assim eu quase consegui acreditar que você realmente ama ser uma advogada. – sussurra, com o semblante triste, e se dirige até a porta do quarto – Continua repetindo isso, talvez com o tempo você consiga acreditar também.
Catarina bate a porta com furor e eu sei o porquê dela estar tão chateada. Mais uma vez eu estava abrindo mão de alguma conquista pessoal para enfatizar em minha carreira, carreira para qual sempre estive destinada. Deixei tudo para traz. Namoros, amigos, até mesmo o meu próprio país, tudo deixado para que pudesse seguir um sonho. Um sonho tão antigo…
São Paulo, Brasil – 2003.
– Você será alguém, Maria Isabel. – a voz fraca de minha mãe causa um aperto em meu peito – Me prometa, meu amor, me prometa que nunca deixará ninguém te tirar do seu caminho. Eu não posso morrer sem ter certeza de que você vai buscar mais. Mais do que isso, mais do que essa cidadezinha, mais do que essas pessoas…
– Mãe, você não vai morrer… – o tremor em minha voz revela a minha insegurança.
– Me prometa, Isabel! – chora fraco – Me prometa que você não vai viver às custas das migalhas dessa gente!
– Eu prometo, mãe, eu prometo. – respondo, tentando disfarçar as lágrimas.
– Você não precisará viver à sombra de ninguém, porque você é o Sol, minha filha. Então brilhe. Me faça feliz, e brilhe por conta própria.
Adormeci em meio às lembranças, acordando apenas no dia seguinte. O ambiente no apartamento ainda está pesado e Catarina apenas troca alguns olhares comigo. Sei que essa é a reação quando ela está com raiva, então prefiro não puxar conversa e vou direto pra cozinha preparar meu café. O toque do meu celular quebra o silêncio do ambiente.
– Alô? – atendo – Oi, Fred. – respondo, sem conseguir esconder o desânimo. Eu realmente não queria magoá-lo.
– Tudo bem, meu amor? Sua voz está estranha. – pergunta, preocupado.
– Tudo bem, sim, só estava um pouco distraída. – minto, e Catarina me encara rapidamente.
– Só estou ligando pra confirmar nosso jantar hoje. Te pego às 19h?
Respiro fundo. O jantar. O jantar onde eu sei que Frederico irá pedir minha mão em casamento. Marcela, sua irmã nem um pouco discreta, me deu todas as pistas e por fim acabou me contanto. O jantar que iniciou a discursão com Catarina. O jantar que terminaria em gritos, ou lágrimas, ou ambos.
– Sim, eu estou lembrada. – respondo, pesarosamente.
– Meu amor, tem certeza que está tudo bem?
– Tenho, tenho sim. Às 19h então.
– Ok. Te amo.
– Tchau, beijos.
Três anos de namoro se acabariam em poucas horas. Frederico será então o segundo homem com quem termino para não me envolver além do que devo. Não se trata de frieza da minha parte, por mais que pareça, nem falta de sentimentos por ele, mas eu sei que preciso cumprir a minha jornada. Não apenas ser uma profissional qualquer, mas ser a melhor naquilo que faço. O Direito não me diverte, ou me empolga, mas ninguém é totalmente satisfeito com sua profissão, não é verdade? Eu devo minha dedicação à minha mãe e a todo o sacrifício que ela fez por tanto tempo para me educar bem e me dar a oportunidade de vencer na vida. Frederico é um homem incrível, mas não posso deixar minhas promessas pra trás por sua causa. Precisava ir até o fim. Precisava cumprir minha promessa.
– Tá ok, Bel, me diz o que tá acontecendo com você. – Frederico questiona, visivelmente preocupado.
– Não é nada… Eu só tive um dia longo. – tento disfarçar, mexendo na comida em meu prato.
– Tem certeza? – ele insiste – Desde ontem você está distante. É o seu restaurante favorito e você nem tocou na comida…
– É só cansaço. – forço um sorriso. Céus, eu não vou ter coragem?
– É por causa do meu pedido? É isso? – ele pergunta, sério.
– Espera… Que? – sou pega de surpresa e o encaro.
– Marcela me contou que deixou escapar pra você que eu iria pedir a sua mão hoje… – cerro os olhos com força – Eu confesso que no começo fiquei chateado com a indiscrição da minha irmã, mas depois pensei que não seria um problema tão grande… Até eu perceber o quanto você estava diferente.
– Fred… – sussurro, sem saber por onde começar.
– Isabel, eu te amo. – me encara, segurando minhas mãos – Eu te amo e nós estamos juntos à muito tempo!
– Eu sei! – lágrimas surgem nos meus olhos. Droga, isso vai ser muito difícil.
– Você não me ama? Não quer ficar comigo? – continua perguntando, visivelmente triste.
– Não se trata disso… – tento me justificar, sem sucesso.
– Então o que está acontecendo, meu amor? Por que você está agindo assim?
– Eu não posso… – respiro fundo – Eu não posso ficar com você. Eu não posso me casar com você.
– Por quê? – Frederico pergunta, soltando minhas mãos, me encarando com decepção.
– Fred, eu trabalho muito. Eu me esforcei muito pra chegar até aqui. – ele assente, mostrando que aquilo não era novidade – Eu preciso manter o foco e… – ele não permite que eu conclua a frase.
– Espera… – vejo confusão em seu olhar – Eu tiro o seu foco, Isabel? É isso? – soa indignado – Três anos de namoro. Três anos, Isabel!
– Quinze anos. – Frederico expressa confusão – Quinze anos foi o tempo que minha mãe dedicou trabalhando como faxineira em um restaurante pra que eu tivesse a chance de ser o que eu quisesse ser. – minha voz ecoa de forma séria e firme, carregada pelo peso das memórias.
– Bel, eu sei que vocês passaram por dificuldades… – ele começa, com um tom de compaixão.
– Vocês não sabem de nada, Fred. – solto uma risada sarcástica – Você e a Catarina, e os que ouvem isso acham que entendem, que sabem pelo que eu passei, mas não sabem de nada! – altero a voz – Você sabe o que é perder a sua mãe com 15 anos de idade? Você sabe o que é perder a única pessoa que você tinha? Perder tudo? Você ainda tem sua família, Fred. Eu não. Eu tinha uma pessoa. E ela morreu tentando fazer tudo o que podia pra me fazer feliz.
– E você está feliz, Isabel? – ele me encara, visivelmente confuso – É essa a vida que a sua mãe queria pra você?
– Eu não posso fazer isso. Me perdoe. – me levanto da mesa com pressa.