Capítulo 04- O Gemido
O Gemido
Episódio 4
Casa de Seu Agendor/NOITE
Seu Agenor: O que foi isso, menino, pelas caridades?
Vitório fica de olhos arregalados, com a boca aberta, tremendo e gaguejando sem conseguir falar apontando pra mata em frente a sua casa
Clementina: Virgem Santíssima, Nossa Senhora, o que venha ser aquilo?
Florzinha: Oxe, mainha. Ta parecendo uma tocha, espia aí
Clementina: Virgem Maria, apois né mesmo! Corre pra dentro
Clementina chama e reza todos os santos enquanto fecha as portas da casa.
Floresta da Cidade/NOITE
Zé: Enfim sós, Maria
Maria: Será mesmo que estamos sós, Zé? Temos que tomar cuidado. Meu marido e sua mulher vão desconfiar de algo. É melhor a gente ter cuidado!
Zé: Deixa de besteira. Aquele corno do Joaquim e a besta da Severina não vão desconfiar de nada. Venha cá, minha cheirosa.
Maria: Peraí, Zé. Temos que ter cuidado. Você é casado e eu sou mulher direita
Zé: Mulher direita? Casada no papel e no padre, no meio das brenhas com outro homem casado e ainda diz que é mulher direita. . .
Maria: O povo está tudo falando de uma tocha no meio do mato, homem. . . Isso dá certo?
Zé: Ah, mulher paé. Essa tocha é a gente, bicha agé. Pelo amor de Deus. Tu ta com medo, é?
Maria: E se o povo investigar, Zé?
Zé: Que esse povo vai investigar nada, se bater os pés o povo já corre com medo, povo frouxo
Maria: Hm
Zé puxa Maria para uma pequena moita que tinha ao lado
Zé: Vem, vamos cuidar
Maria: Homem, aqui não. Vamos mais pra lá!
Zé: Aqui está bom?
Maria: Tá muito claro, vamos mais pra lá
Zé: Aqui?
Maria: Aqui
Ouve-se os gritos e gemidos pelo resto da noite
Manhã/ Casa de Chiquita/ Lado de fora
A cidade amanhece em Uoborogodó. Edysgleidson procura loucamente o seu brinquedo enquanto Chiquita varre a casa
Edysgleidson: Mainha, cadê meu brinquedo?
Chiquita: O quuuue é, menino? Tô ouvindo não
Edysgleidson: Se fosse um fuxico tinha escutado
Chiquita: É o que, Edysgleidson? Diga aí de novo pra eu ir aí e quebrar sua cara de murro, não sou seus pariceiros. Venha pra dentro de casa que você ta com difrusso, menino
Edysgleidson avista Toinha vindo de longe
Edysgleidson: Lá vem o cão fuxicar mais essa ôta, só presta pra isso.
Toinha chega e bate palma
Toinha: Ô de casa!
Chiquita: Bom dia, mulher!
Toinha: Bom dia!
Chiquita: Mulher, meu menino ta com um difrusso. O peito ta chio de catarro
Toinha: Mulher, eu tenho uma receita de lambedor que quem me deu foi Dona Maria de seu Tunico, muito boa pra difrusso
Edysgleidson dá um chute nas penas de Toinha
Toinha: Ô menino traquina
Maria: Não fale assim com meu filho! Vá ter primeiro os seus! Mas duvido alguém querer fazer filho em moça velha.
Toinha: Melhor ser moça velha do que ter casado bulida e mal falada!
Edysgleidson se espanta e diz:
Edysgleidson: Mainha, o que é bulida?
Chiquita fica sem jeito
Chiquita: Edysgleidson, vá brincar!!!!
Toinha ri
Chiquita: Ei, tá bom. Vamos mudar de assunto. Tu soube que ontem a tocha apareceu de novo? O povo só escutava os gritos e gemidos dela
Toinha: E ela gemeu?
Chiquita: E muito! Falaram que quem morava perto quase não dormia
Toinha: Pois diga. . . Mas o que ta me preocupando mesmo é a história do lobisomem
Chiquita: Ambom, e o lobisomem apareceu de novo?
Toinha: Num to falando? Diz que o bicho fica uivando de noite! O engraçado é que depois ele fica gemendo
Chiquita: O lobisomem também?
Toinha: Ele também
Chiquita: Deus me livre. Cruz credo, mulher
Toinha: Eu vou é pra casa, viu? Que o leite ta no fogo. Você vai para a missa das 0h na igreja?
Chiquita: Vou sim
Toinha: Te vejo lá
Budega de Seu Adamastor/Manhã
Seu Adamastor chega acompanhado de Inácio
Seu Adamastor: Como eu tava com saudades da minha budegazinha! Ai ai
Inácio: Ainda bem que o senhor voltou, pai. Temos muito que conversar
Seu Adamastor olha nervoso pra Inácio e lembra de Dapaz
Casa de Seu Agenor/ Cozinha/ Manhã
Clementina e Vitório preparam o almoço
Vitório: Ai, mamis. Bote mais um salzinho nesse cuscuz
Clementina: Eu vou botar, filhinho da mamãe!
A porta da sala bate
Clementina: Oxe, quem será? Vou ver, olhe o almoço
Quando Clementina abra a porta tem um menino com um bilhete em mãos
Menino: Mandaram entregar aqui, dona Clementina
Clementina: Oxe, José, quem foi?
Menino: Não sei
Clementina olha para o menino desconfiada e pega o bilhete e fecha a porta. Ela abre o bilhete e nele está escrito:
‘’Olá, minha querida irmã. Tô voltando para Uoborogodó com a minha filha Janaína. Chego amanhã, quero uma mesa bem farta como nos velhos tempos.
Genário‘’
Clementina pula de alegria, vibra, e Vitório vai saber o que é
Vitório: Mamãe, o que foi?
Clementina: Filho, o Genário chega amanhã com a sua prima Janaína, você lembra da sua prima Janaína? Aquela que foi sua noivinha no são João da escola, sua namoradinha de infância
Vitório: Aquela songa monga com cara de rapadura amassada? Lembro sim, ô se lembro! Ela me lembra coisas terríveis da minha querida infância. E eles vão ficar na pensão da Dona Julieta?
Clementina: Pensão? Eles vão ficar aqui Vitório!
Vitório: AQUI??????
Anoitece em Uoborogodó, casais de namorados namorando na praça, crianças brincando de esconde- esconde na rua, pessoas andando pela cidade.
Praça da Cidade/ Noite
Manoel: Home, que diabo foi aquilo ontem. . . Nunca mais eu ando praquelas bandas. De longe se ouvia os gemidos, doido
Paió: Né não? É como dizem, só pode ser o ‘’espríto’’ da velha pra gemer daquele jeito. Mas se quiser saber a verdade verdadeira. . . Eu, na minha opinião, eu acho. . . Assim sabe. . . Sabe? Tu acha que aquela tocha vem pra cá?
Manoel: Acho que não. . . Essas coisas gosta é do mei do mato
Paió: Tomara que não venha, por causo de quê a única cueca limpa que eu tenho é essa.
Manoel: Ah, cabra frouxo da piula
Paió: Não, porque tu é muito valente. Ah bicho valente. Mama nos peito da onça.
Manoel: Ei, vamos deixar essa conversa de lado, viu?
Um uivo é ouvido a quilômetros de distâncias, um vento forte invade o centro da cidade, o pessoal se assusta e começa a correr do centro da cidade para suas casas, as pessoas fecham as portas de suas casas e o uivo continua
Paió: Ei, sei não. . . Tu oiçou isso? É melhor a gente ir embora, porque já ta tarde
Manoel: Pois. . . Pois pra mim nu-nuca é tarde
Outro uivo forte
Paió: Ai meu padim pade Ciçi, meu nosso sinhô. Que diabo vem a ser isso, home? Sebo nas canelas, macho
Manoel: Vamosimbora
Paió: Lá se foi a última cueca limpa
Os vendedores correm para suas casas e aparece o prefeito Joaquim na floresta coberto com uma capa preta uivando e olhando ao seu redor
Joaquim: Ô mulher mouca. A bicha parece que é corna pra não ouvir nada. Auuuuuuuuu. . .
Severina entra na floresta espantada, olhando para os lados, aparentemente com medo
Sevenina: Jojo, é você?
Joaquim: Sou eu seu lobo mau. . . Auuuuuu. . . Sentiu minha falta?
Severina: Claro que senti, homem. A besta quadrada do Zé saiu com os amigos ontem e eu fiquei sozinha. . . Na vontade
Joaquim: E foi? Porque a lesada da Maria também foi pra casa da mãe ontem e eu fiquei sozinho a noite todinha
Severina: Vamo parar de falar neles, né? Vamo começar a nossa brincadeirinha de Chapeuzinho Vermelho e Lobo Mau?
Joaquim: Auuuuuu!
Joaquim começa a correr atrás de Severina e ela começa a gritar
Igreja de Santo Pereiro/ Noite
Toinha e Chiquita saiam da igreja que tinha acabado de terminar a missa das 0h e começa a ouvir um uivo de lobisomem
Toinha: Mulher, o que diabo será isso? Será se é a tocha?
Chiquita: Tá parecendo com um bicho. . . E parece que ta atacando alguém. . .
Toinha: Valei-me! Repara as oiça , mulher! Tá oiçando os gritos de agonia da mulher?
Na floresta, Severina grita: Ai, ai lobão!!!
Toinha e Chiquita se assustam
Chiquita: É um lobisomem! Corre! Corre, mulher!