Capítulo 02 – Cantiga de Amor
Cena 1: Campo aberto próximo à entrada oeste do Povoado das Hortaliças.
Agnella esbarrou em Gustavo.
Agnella – (Levantando-se, assustada com tudo) Ai, meu Deus!!
Ela permanece assustada por causa do incidente e começa a se desculpar com Gustavo.
Agnella – (Desconcertada e atrapalhada) Perdão, moço… Perdão, eu estava apressada vindo do rio… Não o vi… Meu cavalo percebeu…
Gustavo – (Manso e calmo) Não é preciso que a moça se preocupe… Não aconteceu nada de mais.
Agnella – Mas e tua roupa? Eu a molhei com o balde que estava trazendo… Ai, meu Deus, meu pai vai me colocar no quarto por uma semana…
Gustavo – Nada de medos quanto a mim. Eu troco as minhas roupas depois. Elas, aliás, nem estão tão molhadas. Mas, cara donzela atrapalhada, agora fiquei preocupado contigo. Como arranjarás água para levar a teu pai? Não há uma maneira de eu te ajudar?
Agnella – (Olhando para o alto) Poderia até ser… (Olha, então, para baixo e vê, jogada no chão, a bolsa que continha as moedas. Se desespera.) Não, percebo que não podes. Perdi as moedas que meu pai me deu para comprar o pão e tenho que voltar ao povoado e tentar explicar essa situação a ele. Perdoe-me, mas irei agora.
Gustavo – Deixe-me ir contigo. Quero ajudar a entender-te com teu pai.
Agnella – Não. Não venha. Passe bem.
Agnella se vira e segue em direção ao povoado.
Cena 2: Floresta próxima à entrada situada do outro lado do Povoado das Hortaliças.
Valentina – Vida nova. É disso que preciso. (Olha para a roupa que está vestida e depois para outra que traz separada.) Agora preciso trocar de roupa. Ninguém pode me ver essa com essa que estou.
Valentina se troca, joga a outra roupa no meio da floresta e segue em direção ao povoado.
Valentina – Ainda bem que havia uma mulher tomando banho no rio…
Cena 03: Próximo à entrada oeste do Povoado das Hortaliças.
Gustavo não desiste de Agnella e vai atrás dela. Ela percebe e para. A esta altura, já estão na entrada do povoado.
Agnella – Por favor, cavaleiro insistente, já te pedi para que não me sigas. As pessoas do povoado falam demais e, se me virem conversando contigo, contarão mentiras a meu pai, mesmo que eu nem te conheça. Permita que eu siga para a minha casa.
Gustavo – (Desapontado) Tudo bem. Já que me pedes, não insistirei em te ajudar. Mas, se algum dia nos encontrarmos novamente e tu precisares de mim, com certeza eu estarei disposto a fazer isso.
Agnella – Obrigada pela consideração. Agora vá.
Gustavo volta e segue à igreja. Agnella continua em direção a sua casa. Um pouco distante, uma alcoviteira está à espreita.
Leonor – Deixe estar, que Enzo há de gostar de saber que sua filha já está querendo homens.
Cena 4: Rua na entrada do Povoado das Hortaliças.
Adelmo é um pretendente de Agnella. Sempre gostou dela e os pais dela sabem disso. Ele tinha chegado do rio há pouco tempo e estava observando, chateado, a conversa entre ela e Gustavo. Até que ela chega próximo a ele e é interrompida.
Adelmo – Posso saber com quem estavas conversando? Quem era aquele cavalheiro que se atreveu a conversar contigo?
Agnella – Pelo visto estavas me espionando novamente… Sabes que eu não gosto que faças isso.
Adelmo – Faço isso porque me preocupo contigo. Porque acho que uma donzela tão bela como tu não pode ficar solta sem alguém que esteja olhando por ela enquanto seu pai não pode fazer isso.
Agnella – Adelmo, tu podes ter a melhor das intenções com relação a mim. (Preocupada) Mas, com licença, eu preciso ir a minha casa.
Adelmo – Tens algum problema? Estás apressada por causa da tua água?
Agnella – Então estavas prestando atenção a tudo mesmo? O que mais sabes?
Adelmo – Percebi que perdeste as tuas moedas. Acho que irias comprar pão com elas. Certo?
Agnella – Estás certo. Mas onde queres chegar com isso? Por favor, só não me demora mais, porque já estás me atrapalhando mesmo…
Adelmo – Então te atrapalho, não é? Pois agora irei te ajudar. Toma aqui o meu balde com água, que, pelo visto,é igual ao teu, e tome as minhas moedas, para que compres o teu pão e teu pai não brigue contigo.
Agnella – (Envergonhada) Muito obrigada por isso. Não sei como posso te agradecer.
Adelmo – Sabes sim. Claro que será teu pai quem decidirá isso, mas mais tarde tu me agradecerás da maneira que gostaria.
Agnella – Eu prefiro te agradecer de outra forma… Porém depois. Agora, preciso correr à padaria e depois à minha casa.
Adelmo – Boa sorte com teu pai.
Agnella sai. Adelmo olha para o lado da floresta.
Adelmo – Ah, mas eu vou atrás desse atrevido que quer roubar a minha Agnella!
Cena 5: Povoado das Hortaliças.
Inês está indo em direção à casa da sua mãe. No meio do caminho, é interrompida por um dos tantos camponeses do povoado.
Pero – Minha Inês!
Inês – Ai, camponês. Não me interrompa. Estou indo à casa de minha mãe agora.
Pero – Por que ser tão dura comigo? Não vês que te amo?
Inês – Tens cara de pobre, Pero. Me amas, podes ter algum dinheiro, mas no final de tudo teu jeito é de pobre.
Pero – Como és má, Inês. Não me respeitas nem um pouco?
Inês – Claro que te respeito. Desde que permaneças em tua casa, lá nos arredores do povoado, perto da floresta. E deixe-me ir agora.
Inês empurra Pero do seu caminho e segue à casa de sua mãe.
Cena 6: Floresta.
Gustavo entra na floresta. Está pensando em Agnella. Um tempo depois, ouve um grito.
Adelmo – Cavalheiro!
Gustavo olha para trás.
Gustavo – Pois não, o que queres?
Adelmo – Quero que esqueças a minha Agnella.
Gustavo – (Surpreso) Por que falas assim? Por acaso essa moça que dizes é aquela com quem esbarrei na entrada do povoado?
Adelmo – Ela mesma. Estou avisando a ti para não tocares um dedo nessa moça que um dia há de ser minha.
Gustavo – Estás louco? Só pode. Vi essa donzela pela primeira vez na minha vida e já achas que a quero para mim? Aliás, não gosto que me tratem dessa maneira, se não fiz algo de errado.
Adelmo – Então és cego, não é? Mas tudo bem. Caso achares que irás conseguir algo, estás se enganando. Ela será minha, nunca tua. Fica o aviso.
Adelmo volta enfurecido para o povoado. Gustavo ri.
Gustavo – Que homem maluco…
Cena 7: Igreja. Pouco tempo depois.
Gustavo veio correndo em disparada do povoado para a igreja. Chegou em pouco tempo. Ao chegar, não encontrou ninguém e foi direto aos seus aposentos. Trocou as suas roupas e saiu à procura de alguém na igreja. Depois de tanto vagar, acabou parando na sala do padre. Lá, Gregório estava arrumando a sala.
Gustavo – Olá!
Gregório – (Se assustando) O que fazes aqui?
Gustavo – Por que o susto? Não me é permitido entrar?
Gregório – Na verdade, não. São poucas as pessoas que têm acesso à sala do padre. Eu só posso entrar aqui uma vez por semana, quando ele sai ao convento para uma missa importante e eu venho arrumar o lugar.
Gustavo – (Intrigado) Qual o problema com o acesso à sala do padre? O que tem nela que outras pessoas não podem ver?
Gregório – (Taxativo) Nada que seja do interesse delas. Coisas que pertencem apenas à Igreja. Agora, por favor, saia daqui antes que alguém o veja e culpe a mim por tê-lo deixado entrar.
Nesse momento, a freira chega.
Francisca – (Se dirigindo a Gustavo) Muito bonito, hein, rapaz… Posso saber o que fazes aqui na sala do padre?
Gustavo e Gregório ficam calados.
Cena 8: Povoado das Hortaliças. Casa de Enzo.
Enzo e Prudência estão conversando.
Enzo – (Com maneiras ásperas) Sabia que teríamos problemas com uma filha. Vês o quanto ela está demorando? Por que, aliás, não me deste um varão em vez de uma varoa?
Prudência – (Submissa) Não tenho culpa, meu marido. Deus quis assim. E não se preocupe tanto, porque daqui a pouco nossa filha chega.
Enzo – Mas quero aproveitar enquanto Agnella não vem para dizer-te uma coisa que julgo já ser algo urgente. Precisamos casar rapidamente a nossa filha.
Prudência – Casar? Gosto tanto dela ao meu lado… Mas sou forçada a concordar.
Enzo – Pois é. Ela já está moça, já tem idade e sabedoria para um casamento. E poderemos evitar transtornos no futuro se a casarmos logo. E tu sabes de quais transtornos falo.
A porta, então, se abre e Agnella entra.
Prudência – Minha filha, que bom que chegou!
Enzo – Por que demoraste tanto? Vamos, exijo explicação!
Agnella fica calada e baixa sua cabeça. Sua mãe olha para ela e percebe, em seus olhos, o medo do pai.
Cena 9: Povoado das Hortaliças. Casa de Simone.
Simone é a mãe de Inês. Nesse momento, ela está fazendo um café. Alguém bate na porta.
Simone – Já vai!!!
Quando abre, vê a filha.
Simone – Querida, entra! Que bom que veio ver a sua mãe, tão velha e tão carente de tua companhia…
Inês – Ai, mamãe, não fale assim. A senhora não é tão velha, e não vive sozinha… Por acaso achas a companhia de meu irmão ruim?
Simone – Não, filha. Pelo contrário. Ele é um filho tão bom… Faz um tempinho foi buscar água e comprar pão para comermos e ele poder trabalhar.
Inês – Pois então, mamãe, não reclames de barriga cheia. E a senhora ainda tem a Leonor para conversar… Agora vamos sentar porque precisamos falar seriamente.
Simone – Ai, querida. Desse jeito me assustas…
Elas sentam.
Simone – E qual o assunto dessa conversa tão importante, minha filha?
Inês – Meu casamento, mamãe. Ou melhor, meu marido.
Cena 10: Povoado das Hortaliças. Casa de Enzo.
Amedrontada, Agnella demora um pouco a responder.
Enzo – Vamos, garota! Exijo uma explicação tua! Por que demoraste?
Agnella – (Se atrapalhando ao falar) Sabe, papai… Tive que voltar ao rio porque o cavalo enlouqueceu no caminho para o povoado e derrubou o balde, que estava cheio de água…
Enzo – (Desconfiado) Falas a verdade, Agnella? Como posso certificar-me disso?
Prudência – (Interrompendo a filha, que ia falar) Não acreditas em tua filha? Não confias nela? Por acaso ela já te deu motivo para achares que ela mente justamente para ti, que és seu pai?
Enzo ia brigar com a mulher, mas foi convencido e desistiu.
Enzo – Então está certo. Agora, minha filha, vamos comer.
Eles se dirigem à cozinha. Ao chegarem lá, Agnella coloca o balde de água em seu lugar e os pães sobre a mesa. Então, seu pai notou algo de estranho na sacola de pães.
Enzo – Agnella, por que trouxestes mais pães do que os que o dinheiro que te dei permitia comprar? Onde arranjaste mais dinheiro, hein? Onde?
Esta obra está sendo muito bem escrita e planejada João, dá gosto de ler algo assim. Recém o segundo capitulo e eu ja me sinto familiarizado com os personagens e com a temática, acertastes em cheio, parabéns! Seguirei acompanhando, abração!
Obrigado!! Eu fico bastante feliz por Cantiga estar sendo bem sucedida! Espero assim contar com sua presença e com sua opinião! Mais uma vez, obrigado! E um abração pra você também!
Nossa estou curtindo muito essa história medieval, o texto está ótimo. Mas e agora..Como Agnella vai explicar o caso dos pães? E será que Gustavo permanecerá muito tempo na igreja? Cantiga de Amor tá sendo muito legal de ler.
Obrigado! E eu acredito que em parte o prazer de ler vem do prazer de escrever. Cantiga de Amor me contagiou de primeira! 😉 Espero que você continue acompanhando e gostando!
Mais um ótimo capítulo! E agora? Qual será a desculpa de Agnella sobre os pães a mais? Super ansioso para o próximo capítulo!
Conto com você!! 😉